quarta-feira, 14 de março de 2012

194- Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 18

Continuo a narrativa de casos de sondagens indisciplinadamente programadas e (ou) incorrectamente executadas, que escaparam a José Goinhas, na sua “abordagem do problema das potencialidades do País, em recursos minerais, de forma integrada e sistematizada”, que consta da história da “Prospecção Mineira em Portugal”, apresentada com a declarada intenção de contribuir “pedagogicamente” para novo “Plano Mineiro Nacional".

Mais uma vez manifesto a minha perplexidade, por a este documento, pleno de erros e omissões, ter sido atribuída a honra de publicação no Boletim de Minas.

12 - A interrupção de campanha de sondagens em zona mineira do distrito de Évora:

No principio da década de 60 do século passado, o SFM, através da sua Brigada do Sul, tinha em curso estudos, em diversas áreas das Regiões de Montemor-o-Novo, Alcácer do Sal e Évora, visando investigar a existência de recursos minerais, com principal incidência na Região de Montemor-o-Novo.

Referi-me, no post N.º 18, a pormenorizado Relatório que tinha em preparação, idêntico aos que apresentara sobre as pirites do Baixo Alentejo, os jazigos ferro-manganíferos da Região de Cercal – Odemira, as ocorrências cupríferas da Região de Barrancos, as formações zincíferas da Serra da Preguiça e vários outras.

Embora em fase muito avançada, com mais de 100 peças desenhadas já elaboradas, elucidativas dos resultados conseguidos, não me foi possível concluir esse Relatório, porque, em 1963, em consequência de reorganização do SFM, fui investido em funções, de âmbito nacional, que absorveram totalmente as minhas horas normais de trabalho e muitas outras, fora desse horário, incluindo sábados e domingos.

Nas novas funções, a minha actividade de gabinete foi transferida para a sede do SFM, em S. Mamede de Infesta.

Seria natural que, nas amplas e modernas instalações desta sede (ver post N.º 31), dotadas de excelentes equipamentos e havendo total liberdade para recrutar pessoal auxiliar, me fosse facultado apoio, para que tão importante documento não ficasse faltando no arquivo do SFM, caso não se considerasse possível a sua publicação, como tinha acontecido com muitos outros relatórios de minha autoria ou co-autoria. (ver post N.º 3)

A sua apresentação deveria ser considerada indispensável, em Organismo racionalmente estruturado.
Todavia, o Director do SFM nem se terá apercebido da omissão e do consequente prejuízo para novos estudos nas mesmas Regiões.
Tenho até motivo para crer que talvez se interessasse mais em impedir o efeito valorizador que esse Relatório teria no meu currículo.

A realidade é que, não só passou a faltar-me o apoio de que dispunha na Brigada do Sul, porque lá tinha instituído organização para esse efeito, como vasta série de obstáculos me foi criada para deliberadamente dificultar o cumprimento das minhas novas funções.

Conforme revelei no post N.º 28, perante as inesperadas dificuldades com que deparei, para desenvolver a prospecção no Norte, decidi continuar a concentrar a minha maior atenção nos problemas do Sul, onde a interferência do Director menos se fazia sentir, embora mantivesse a esperança de que a situação viesse a modificar-se, de modo a tornar possível dar, também no Norte, cumprimento aos Planos de Trabalhos, que anualmente ia apresentando.

Conquanto competissem à Brigada do Sul, durante o período em que esteve sob minha chefia, essencialmente investigações por trabalhos mineiros tradicionais, estando os métodos geofísicos excluídos das suas atribuições normais, uma vez que tinha sido instituída uma Brigada de Prospecção Geofísica, com essas funções específicas, eu tive que me encarregar de pôr em uso um equipamento Turam de prospecção electromagnética, recentemente adquirido, que se mantinha em armazém, por não haver, na Brigada dita especializada, quem tivesse experiência na sua utilização, ou se dispusesse a aproveitar os ensinamentos que, de bom grado, eu começara a prestar.
De facto, eu não fui bem sucedido, na minha tentativa de transmitir a experiência nesta técnica, que tinha adquirido, durante cerca de 4 anos, em que exerci as funções de Chefe da Brigada de Prospecção Eléctrica (ver post N.º 7).
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Em numerosos documentos, que periodicamente, submetia a apreciação superior, insistia, com vigor, na premente necessidade de ampla aplicação das variadas técnicas geofísicas e geoquímicas, antes de passar à fase de sondagens.

Todavia, a Brigada de Prospecção Geofísica, apesar de dispor, no seu Quadro de pessoal técnico, de dois Engenheiros e um Agente Técnico de Engenharia, persistia em manter em uso, durante sucessivos anos, apenas um magnetómetro, em investigações na Faixa Magnetítica Alentejana, cumprindo vagarosamente programa por mim proposto. (ver post N.º 13)

A Direcção do SFM era estranhamente tolerante, perante a reduzida eficácia desta Brigada, tornando-se cúmplice, pois persistia em ignorar os meus constantes apelos, para que aos métodos geofísicos fosse dado o impulso que era essencial ao racional cumprimento dos objectivos do SFM.
O dinamismo da Brigada do Sul era inadmissivelmente travado pela passividade consentida à Brigada de Prospecção Geofísica.

O Director do SFM, em “solenes e sábias” divagações sobre o modo como o SFM deveria orientar os seus estudos, até parecia mais preocupado em deixar trabalho para as futuras gerações, pois chegava a afirmar que não devíamos ter a preocupação de tudo descobrir, como se isso, algum dia, fosse possível, mesmo com técnicas progressivamente aperfeiçoadas.!!

A Brigada do Sul, na posse do equipamento Turam, fez aplicação exaustiva do método electromagnético, na maior parte das suas Secções (Moura e Barrancos, Montemor-o-Novo, Évora, Almodôvar, Cercal-Odemira).

Embora os resultados tivessem sido, na sua generalidade, de muito interesse, merecendo realce o caso do jazigo de Aparis, onde ficou perfeitamente definido o sistema filoniano, no qual se enquadrava o sector que se encontrava em estudo, por desenvolvidos trabalhos de reconhecimento atingindo profundidades de 150 m, havia a consciência de que, nalguns casos, deveriam ter-se aplicado outras técnicas geofísicas e (ou) geoquímicas, antes de passar à fase de sondagens.

Casos desses aconteceram em áreas das Regiões de Montemor-o-Novo e Évora.

O Relatório que não cheguei a apresentar daria conta de todos estes factos.

Dele constaria um acontecimento, até então inédito, directamente relacionado com a nomeação de Soares Carneiro como Director-Geral de Minas, em substituição do anterior titular, o Engenheiro Luís de Castro e Solla, que abdicara do cargo, em circunstâncias que descrevi no post N.º 25.

O Engenheiro Luís de Castro e Solla, só em situações extremas, intervinha na actividade do SFM.
Costumava até usar a expressão: Os dirigentes não são simples “chancelas”, para significar que tinham de ser eles a assumir a total responsabilidade dos actos praticados, no exercício das funções para que tinham sido nomeados.

Soares Carneiro adoptou para com o SFM comportamento totalmente oposto.
Assumiu abusivamente o comando deste Organismo, interferindo até em incríveis pormenores, no seu funcionamento.

A escolha do Engenheiro Norberto Múrias de Queiroz para o cargo de Director do SFM, apesar do seu medíocre currículo, baseara-se, não apenas em considerações de ordem política e religiosa (ver post N.º 25) mas também, na certeza de que ele acataria, servilmente, as decisões do novo Director-Geral, por mais arbitrárias que fossem.

Deu-se até a circunstância de Múrias de Queiroz, já indigitado para o cargo, se ter mantido longos meses na qualidade de Director interino, sem que Soares Carneiro se dispusesse a fazer a nomeação.

Soube-se que Múrias de Queiroz manifestou verbalmente a sua necessidade da remuneração de Director, para acorrer aos crescentes encargos com o seu agregado familiar e que Soares Carneiro teve a humilhante atitude de exigir que solicitasse, por escrito, esse favor!!!

E Múrias de Queiroz aceitou escrever a carta, não tendo a dignidade de reclamar o respeito devido ao alto cargo que se propunha exercer.

Esta seria a primeira manifestação do modo autoritário e arbitrário como Soares Carneiro iria exercer o seu mandato, com as trágicas consequências que viriam a acontecer, as quais tenho vindo a descrever.

Soares Carneiro não deixaria perder uma única oportunidade de exercer os seus caprichos voluntaristas.

Ele, que, na fase inicial da sua carreira profissional, tivera efémera passagem por núcleos do Sul e do Norte do SFM, sem deixar registo apreciável, para além da colaboração ao docente da Universidade de Coimbra João Manuel Cotelo Neiva, em levantamentos geológicos, na Região de Bragança - Vinhais para a sua tese de doutoramento (ver post N.º 72), tendo preferido transferir-se para cargo que vagara em departamento de fiscalização das actividades mineiras privadas, isto é, abdicando do real exercício da profissão, assumia-se agora, como real Director do SFM!!!

Como funcionário do SFM, ele não tivera oportunidade de fazer passagem por núcleos suficientemente desenvolvidos para criar a experiência mineira pretendida por Luís de Castro e Solla e António Bernardo Ferreira, de modo a acabar com “técnicos de papel selado”, que, no conforto dos seu gabinetes, ousavam tomar decisões em matérias que não dominavam, prejudicando em vez de estimular como lhes competia, a nossa indústria mineira.

Soares Carneiro não teve escrúpulos em introduzir grave indisciplina na actividade que tinha sido iniciada, ainda no âmbito da Brigada do Sul, na área de Alcalaínha - Montinho que abrangia estas antigas minas de cobre, localizadas na freguesia de S. Braz do Regedouro do distrito de Évora.

Decorria, nessa área, uma campanha de sondagens, com aprovação da anterior Direcção do SFM, que para elas fizera destacar os adequados equipamentos.

Quando estava em curso, em Fevereiro de 1963, com base em expressivos e extensos alinhamentos de anomalias electromagnéticas, a sondagem n.º 4, ainda consegui que a Companhia inglesa Lea Cross fizesse, nos seus Laboratórios, análises geoquímicas de Cu, sobre amostras de solos colhidas nesta área.
Os resultados confirmaram as expectativas e deles beneficiou a marcação de novas sondagens.

Mas tive que refrear o meu entusiasmo com este apoio, porque fui informado de que a campanha de sondagens ia ser interrompida.

No meu relatório de Fevereiro de 1963 acerca dos estudos que ainda dirigia na Brigada do Sul, registei o seguinte, a respeito desta interrupção:

“Em 4 do corrente, fomos informados pelo Engenheiro Chefe da Brigada de Sondagens de que a campanha de sondagens em curso na região de Montemor-o-Novo seria interrompida, após a conclusão do furo N.º 4 da Mina de Alcalaínha e que a sonda Craelius que aqui tem estado a ser utilizada passaria a aplicar-se no ataque do problema do ferro do Sul do País.
Como os estudos do ferro, embora de muito interesse e alguns até impondo urgente resolução (caso de Odivelas) se encontram ainda atrasados, no que respeita à interpretação dos resultados do emprego de métodos geofísicos, propusemos superiormente, em 5 do corrente, o prosseguimento da campanha na região de Montemor-o-Novo, até poderem planear-se furos, em outros locais, com sólidos fundamentos”
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A proposta não foi atendida.

Procurando explicação para facto, então ainda inédito, fiquei a saber que Soares Carneiro ordenara a interrupção da campanha, apenas com o argumento de pretender afastar de Montemor-o-Novo, o Agente Técnico de Engenharia Raul da Silva Dionísio que estava encarregado de dirigir as sondagens e tinha fixado a sua temporária residência naquela vila alentejana.

Pretendia afastá-lo porque ele tinha sido convidado para ensinar matéria de sua especialidade, em Escola Técnica de Montemor-o-Novo e Soares Carneiro não queria dar-lhe tamanha honra, não se importando com o eventual prejuízo que originaria na preparação dos alunos dessa Escola.!!!

Inacreditável, mas foi isto mesmo que o novo Director-Geral não teve pejo em me transmitir, pessoalmente, com a maior naturalidade.

Continua…