terça-feira, 28 de maio de 2013

213 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 4



No post anterior, revelei ter conhecimento de casos escandalosos de “oposição do poder ao saber”, ocorridos na Administração Pública, que tiveram muito funestas consequências na vida dos portugueses.

Nestas “Vivências Mineiras”, tenho vindo a descrever as minhas persistentes diligências, ao longo de quase cinco décadas, no sentido de esclarecer dirigentes mal preparados para as “funções que declararam desempenhar com lealdade", a fim de poderem tomar as decisões correctas, para a resolução dos problemas científicos inerentes ao bom aproveitamento dos nossos recursos minerais.

Tenho salientado as arbitrariedades e a petulância com que os apelidados “técnicos de papel selado”, - uns, originários da sede da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG) em Lisboa; outros já produzidos, em importantes centros populacionais, onde também preferiram sentar-se às secretárias a actuar no campo, como era suposto acontecer -, desprezavam a experiência de quem nunca se esquivara à execução, no terreno, de diversificados trabalhos de prospecção mineira, quer à superfície, quer subterrâneos.

Mas esses técnicos de papel selado não se limitaram a desprezar os ensinamentos úteis que lhes eram proporcionados, para suprir as suas insuficiências.

Foram dificultando, a tal ponto, a minha actuação, que chegaram ao cúmulo de me mover processo disciplinar, já perto da minha aposentação, após mais de 40 anos de dedicação à causa do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), através de armadilha conluiada, usando ordens insensatas e contraditórias, tendo eu dado preferência às emitidas pelo escalão hierárquico mais elevado.

Dentre os casos referidos nestas “Vivências Mineiras”, são dignos de especial menção os seguintes:

1 - Reconhecimento da Faixa Carbonífera do Douro
2 – Estudo da região aurífera de Jales – Três Minas
3 – Registos de ouro na região de Vila Velha de Ródão
4 – Prospecção na Faixa Piritosa Alentejana
5 – Investigações na Região de Cercal – Odemira
6– Reconhecimento das formações zincíferas da Serra da Preguiça, na região de Moura
7– Reconhecimento do jazigo cuprífero de Aparis, na região de Barrancos
 8- Mina de chumbo do Braçal; outros estudos na Faixa Metalífera da Beira Litoral
9 – Estudos visando descobrir jazigos de volframite no País.
10 - Investigações na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima
11– Investigações na região de Moncorvo
12– Investigações visando descobrir eventuais depósitos minerais associados às rochas ultra-básicas de Trás-os-Montes


Todos estes casos aconteceram no SFM, ficando amplamente documentados nos arquivos de diversos departamentos da DGMSG.

Conservo, também, cópias dos documentos essenciais, que poderei disponibilizar, na hipótese de alguns originais terem sido destruídos.

Provavelmente, em outros Organismos do Estado sucederam casos semelhantes, pois a regra era fazer nomeações para os cargos dirigentes sem privilegiar a competência, embora isso se apregoasse.

A cunha, o favoritismo político – religioso, a filiação partidária, quando se instituiu, no País, um regime alegadamente democrático, sempre foram factores predominantes.

A criação do SFM, na directa dependência da DGMSG trouxe um problema, a que já fiz referência.

Havia a consciência de que os técnicos da sede em Lisboa, destacados para concretizarem os objectivos do SFM, iriam encontrar dificuldades nos trabalhos mineiros, pois até então a sua actividade tinha consistido exclusivamente na fiscalização do que outros tinham realizado.

Uma coisa é fiscalizar, outra é fazer!

Com óbvio exagero, alguém disse: Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina (ou fiscaliza).

Por tal motivo, os inexperientes técnicos sediados em Lisboa eram, chocarreiramente, apelidados de “técnicos de papel selado” (Ver post N.º 1).

O primeiro Director do SFM tinha a intenção de que este novo departamento da DGMSG, ao dar cumprimento aos seus programas de inventário dos recursos minerais do País, se transformasse numa verdadeira Escola, onde os técnicos completariam a formação especializada, que as Escolas superiores e médias não estavam em condições de proporcionar.

Pelo que me diz respeito, o aperfeiçoamento profissional foi-me facilitado, durante os primeiros 4 anos, em que exerci a minha actividade no SFM.

Porém, o prematuro falecimento do dinâmico Engenheiro António Bernardo Ferreira, que foi o seu primeiro Director, tudo alterou!

Assim tiveram origem os casos a que aludi.

Recordando o que já consta destas “Vivências”, vou descrever resumidamente, três deles, bem representativos do alheamento do poder instituído relativamente às trágicas consequências das suas levianas (para dizer o menos) decisões, para o País:



1 - Reconhecimento da Faixa Carbonífera do Douro

Quando fui nomeado, em 1963, Chefe do Departamento de Prospecção Mineira do SFM, com âmbito de acção extensivo a todo o território metropolitano continental português, esta Faixa já era objecto de investigação, desde a instituição do SFM, isto é, desde 1939.

Várias campanhas de reconhecimento, que constavam essencialmente de sanjas e sondagens tinham sido realizadas.

No desempenho das minhas novas funções, contactei o Geólogo responsável pelos estudos, que se mantinham em curso, para obter informação sobre os resultados conseguidos até 1963.

Com estupefacção, tomei conhecimento de gravíssimas lacunas e imperfeições, destacando-se as seguintes:

a) O deficiente controlo das trajectórias das sondagens, que ultrapassavam, com frequência, a extensão de 800 m, sendo muito provável ter havido grandes desvios dos alvos projectados;
b) a escassa ou nula recolha de testemunhos nas zonas onde se esperava encontrar camadas de carvão;
c) a falta de implantação das sanjas e das sondagens, em mapa geológico a escala apropriada;
d) a total ausência de logs das sondagens, isto é, de documentos representativos das características das sondagens (localização pelas suas coordenadas referidas ao Ponto Central no sistema Hayford-Gauss, diâmetros dos furos, percentagens de testemunhos, etc.) e das formações geológicas atravessadas e respectivas análises;
e) a ausência total de perfis transversais e longitudinais incluindo os dados geológicos fornecidos pelas sondagens e pelos trabalhos subterrâneos realizados pela empresa concessionária;
f) a interpretação que o Geólogo fazia de as passagens sem testemunhos inteiros corresponderem a camadas de carvão, dado que o carácter friável do carvão dificultava manter-se intacto, durante as manobras das sondagens

Mas a minha surpresa não ficou aí.

O Geólogo, provavelmente seguindo a sua metodologia habitual, pretendia apresentar projecto de nova campanha, antes de estudados os testemunhos de 40 (!) sondagens (Ver post N.º52)!

Informei-o de que novo projecto teria de ser devidamente justificado, quanto aos objectivos em vista.

Solicitei-lhe, por isso, que apresentasse relatório sintetizando toda a actividade empreendida, até então, na Faixa Carbonífera do Douro, para poderem planificar-se as acções futuras.

Tal relatório teria obviamente que conter peças desenhadas, entre as quais seriam de fundamental importância os perfis longitudinais e transversais.

Não tendo o Geólogo preparação em topografia, encarreguei um dos dois Agentes Técnicos de Engenharia, afectados à 2.ª Brigada de Prospecção, de implantar em cartas geológicas, as sondagens e as sanjas efectuadas na Faixa.

Encarreguei-o, também, de fazer a implantação em desenhos (perfis geológicos longitudinais e transversais) dos elementos das sondagens efectuadas na Bacia Carbonífera do Douro, cujos testemunhos estiveram, durante largos meses a ser estudadas pelo Geólogo.

Ao Geólogo competiria, obviamente, elaborar estes perfis, que iriam constituir a base para cálculo e identificação das reservas evidenciadas, para a planificação da futura exploração.

Mas o Geólogo, não só recusou fazer tal trabalho, como desprezou tudo quanto o Agente Técnico de Engenharia havia feito por ele.

Quando ficaram concluídos os desenhos, entreguei, ao Geólogo, volumoso rolo em papel cenográfico que os continha para dele fazer adequado uso, apesar da sua relutância em o receber.

Perante o ambiente que vigorava na sede do SFM, estimulado pelo Director e dado tratar-se de um dos funcionários mais antigos do SFM não me era possível impor a metodologia normal, que eu sempre adoptara, desde os recuados tempos da década de 40.

O relatório, que recebi, em Agosto de 1968, sem as peças desenhadas a que aludi, foi de nula utilidade para o fim em vista.

Aconteceu, então, que o Director do SFM, que em 1964 se mostrara incapaz de apresentar o plano que o Secretário de Estado lhe solicitara, em acintoso abuso de poder, sem me informar, chamou a si a orientação dos estudos da Bacia Carbonífera do Douro, dando instruções directas ao Geólogo, resultantes de reuniões que realizou com um dos concessionários.

A sequência do reconhecimento da Bacia Carbonífera do Douro deixou, consequentemente de ser da minha responsabilidade.
A disciplina que eu pretendia introduzir nestes estudos foi destruída pelo Director do SFM.

Tive conhecimento de ter sido elaborado novo projecto de sondagens.

Constou-me também que as peças desenhadas preparadas pelo Agente Técnico de Engenharia, sob minha orientação, mas sem a indispensável revisão pelo autor do exame dos testemunhos das sondagens acabaram por ser utilizadas, tendo o Geólogo aceitado palavras de apreço por trabalho que não fez e até desvalorizou!!.

Em reunião da Comissão de Fomento, tomei conhecimento de que o concessionário da Mina do Pejão não tinha encontrado, em novo piso que instituíra, as camadas de carvão exploráveis, que o exame dos testemunhos das sondagens fizera prever.

As minas, que tinham estado em exploração durante 108 anos, deram por finda a sua actividade, em 11 de Dezembro de 1994, já quando eu estava aposentado. Disso tomei conhecimento pelos jornais.

500 mineiros ficaram desempregados e cerca de 7000 pessoas foram afectadas por este inesperado fim da Mina do Pejão.

Pelo conhecimento que adquiri, quando o estudo dos carvões esteve sob a minha supervisão, sou levado a concluir que houve gravíssimas deficiências no reconhecimento desta importante Faixa Carbonífera, que podem ser responsáveis pelo encerramento das Minas.

É inadmissível que sondagens longas não tenham sido objecto de permanente correcção das suas trajectórias, perante a natural tendência para se desviarem dos seus alvos, devido não só à flexibilidade das hastes, mas também, às heterogeneidades das formações geológicas atravessadas.

Na literatura sobre sondagens, cita-se o caso extremo de um furo que tanto se desviou da sua projectada trajectória, que atingiu a superfície!

É igualmente inadmissível que nos contratos com as empresas sondadoras, não tenha sido inserida uma cláusula que obrigasse á obtenção de testemunhos inteiros, em todo o tipo de formações geológicas.

Quando chefiei a Brigada do Sul, deparei, na região de Barrancos, com idêntico problema de deficiente recuperação de testemunhos inteiros.

Ao serem interceptados filões com enchimento argiloso, em furos muito inclinadas, de cuja execução tinha sido encarregada a Brigada especializada do SFM, também se não conseguiam testemunhos destas formações geológicas.

Fui, então, peremptório, na matéria.

Se não se conseguia obter testemunhos, onde mais interessava, a campanha não prosseguiria, pois o objectivo não era fazer metros de furos, a baixo custo, como parecia ser o objectivo da Brigada especializada, para demonstrar a sua alta produtividade, mas sim desvendar as causas de anomalias electromagnéticas significativas, localizadas no prolongamento dos filões conhecidos na Mina de Aparis.

O Agente Técnico de Engenharia, a cujo cargo estava a campanha, promoveu as diligências que se impunham, resolvendo satisfatoriamente o problema.

A campanha pôde, então ser retomada, e os seus resultados justificariam novos estudos para definir o valor económico dos filões evidenciados.

A minha nomeação para novo cargo, à qual me referi oportunamente, não me permitiu concretizar estes estudos

Continua ...