sexta-feira, 26 de abril de 2013

212 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 3


Portugal, país pobre em recursos naturais.

Desde longa data, ouço esta afirmação, proferida de modo axiomático, por personalidades com funções de relevo na vida nacional.
A nossa pobreza original é apresentada como uma das principais causas do atraso que mantemos relativamente a outros países da União Europeia.

No post N.º 209, já demonstrei quão mal esclarecidas estão aquelas doutas personalidades no que respeita aos recursos minerais.
Nesse âmbito, não só não somos pobres, como podemos até considerar-nos excepcionalmente ricos.

Relativamente a outros recursos (agricultura, pecuária, pescas, águas superficiais e subterrâneas, clima, tudo o que contém a nossa extensa área do off-shore) manifestei sérias dúvidas quanto à declarada pobreza, perante o que observara, por todo o País, durante a minha diversificada actividade mineira, longa de 47 anos.

Fico perplexo, com a naturalidade com que indivíduos das elites nacionais, que tinham obrigação de ponderar cuidadosamente as suas afirmações, abstendo-se de dissertar sobre temas que não dominam, insistem em invocar a nossa pobreza, para justificar a grave crise que o País actualmente atravessa.
Nem se apercebem do mau exemplo que dão a quem os ouve.
Pessoas comuns, apoiando-se nessas premissas, chegam obviamente a conclusões erradas, que só prejudicam a resolução dos problemas com que o País se debate.
Confirma-se o velho aforismo: “Mentira muitas vezes repetida, passa a ser verdade.”

Cito, quase textualmente, o que disse conceituado professor universitário, em programa de Fátima Campos Ferreira de 20 de Janeiro passado:

“Somos um País que é pobre, porque não tem recursos naturais, cujos habitantes se habituaram a viver além das suas possibilidades”
"Além de não termos os recursos naturais, temos uma baixa produtividade,
"País pobre que somos, temos pouco e gastamos muito.”

Cito ainda afirmação proferida por personalidade convidada por Fátima Campos Ferreira, no seu programa “Prós e Contras” do passado dia 22 do corrente, sem que algum dos outros convidados ousasse rectificar:

Disse essa douta personalidade que um antigo Ministro das Finanças do Chile revelou o que aconteceu a três países, quando neles se instalou a democracia.
Esses países foram Grécia, Portugal e Chile.
Em todos eles a dívida pública disparou.
O Chile resolveu os seus problemas, porque tem uma matéria-prima valiosa – o cobre. Portugal não tem!

Chega a parecer inacreditável que, neste País, haja alguém, com um mínimo de cultura geral, que ignore o notabilíssimo acontecimento, a nível mundial, que foi a descoberta do gigantesco e rico jazigo de Neves-Corvo, cujo conteúdo em sulfuretos de cobre, zinco, chumbo e outros metais, está a ser explorado na mais importante Mina de cobre da Europa.

Lamento contradizer, mas a realidade é, de facto, muito diferente do que tem sido afirmado.
Nem o País é pobre em recursos naturais, nem a grande maioria dos habitantes tem vivido acima das suas possibilidades.
Nem sequer tem cabimento, sendo até ofensiva, a anedota contada por Soares Carneiro, em reunião da Comissão de Fomento (Ver post N.º 191), sobre o reparo que S. Pedro teria feito a Deus, ao verificar que Portugal estava a ser privilegiado, na distribuição de riquezas pelo Mundo.

É que, felizmente, nem todos os portugueses têm características idênticas às demonstradas por aquele contador de anedotas, nos variados cargos a que conseguiu ascender.
Temos recursos, mas não somos nós a aproveitá-los!

Na sua bem estruturada tese de mestrado, o professor António Vilar, ao fazer a história de um período caracterizado pela exploração desenfreada de volfrâmio em Portugal, particularmente na região de Arouca, já comentava amargamente essa triste realidade.

A seguir, transcrevo passagem desta tese, em que são feitas alusões aos investimentos estrangeiros em Portugal:

“Por volta de 1930, a quase totalidade das empresas portuguesas que dominavam o mais rentável sector da economia portuguesa, eram de capital estrangeiro, na totalidade ou à mistura com capitais portugueses.
Franceses, belgas, alemães e principalmente britânicos investiam em Portugal, perante a inoperância ou por vezes tacanhez da burguesia portuguesa.

Assim, eram capitais belgas, franceses, alemães e ingleses que dominavam as várias empresas ligadas à comercialização da cortiça, bens de consumo e maquinaria, bem como a importação de matérias-primas, uma vez que sobretudo alemães e britânicos dominavam o sector de transportes marítimos.

Os capitais britânicos predominavam em importantes sectores, a maioria das vezes na cadeia que vai da produção à colocação dos produtos no mercado externo. Assim é, de há vários séculos, nos vinhos do Porto e Madeira (Sandeman, Cockburns, Croft, etc), assim será ao longo das primeiras décadas do século XX, com o domínio de capitais britânicos, em sectores determinantes da nossa economia, como acontece com a indústria têxtil (Coats & Clark), papel (J. Graham Jr.), vidros e porcelanas (Stephans) e refinação do açúcar (Sugar Estates. L.da).

Foram ainda os britânicos que aceleraram os transportes urbanos dominando a Companhia Carris de Ferro do Porto e Lisboa, bem como diversas companhias de transporte marítimo.


Nos finais da década de 30, cerca de 85% das nossas importações e exportações eram transportadas por via marítima, em embarcações estrangeiras.

Pondo, por agora, de parte outros produtos e sectores onde era predominante o capital estrangeiro e voltando ao volfrâmio, objecto deste estudo, também aqui vamos encontrar o domínio quase total de empresas belgas, americanas, francesas, alemãs e sobretudo inglesas, na exploração e comercialização dos nossos recursos mineiros.

Assim, se por um lado, os belgas estão ligados às pirites cupríferas em Aljustrel (S.A. des Mines Belges d’Aljustrel), ao ferro de Montemor-o-Novo (Banco Burnay), ou ao carvão de S. Pedro da Cova (Sofina), por outro, são americanas as empresas que exploram cobre e estanho em Belmonte /(Portuguese Amerian Tin Company). Os britânicos exercem a sua acção também em Belmonte, mas na exploração de chumbo, em S. Domingos na exploração de pirites cupríferas e na Panasqueira na exploração de volfrâmio, por intermédio da empresa Beralt Tin."

Volvidos mais de 80 anos, a situação, longe de corrigida, está até significativamente agravada.


Ocorre, então, perguntar porque não temos sido nós, os portugueses, a tirar proveito dos recursos com que a Natureza nos dotou.
Para que isso acontecesse, precisávamos de o saber fazer, de ter o “know how”, como agora é comum dizer.
Não temos esse “know how” e nem somos capazes de o adquirir?
Serão os portugueses menos inteligentes que os outros povos da União Europeia?
Há imensas demonstrações, na nossa História, mesmo na mais recente, de que não temos que nos envergonhar quando nos confrontamos com esses povos.

A principal razão do nosso atraso já a detectara o Barão de Eschwege, há mais de 200 anos.
Eschwege era um experiente técnico alemão, que o Governo convidou parta o cargo de Director de Minas de Portugal e das Colónias.
Desenvolveu a indústria mineira e metalúrgica nacional, cumprindo programas com objectivos idênticos aos que, em 1939, viriam a ser atribuídos ao Serviço de Fomento Mineiro (Ver post N.º 1).
Todavia, muitos foram os obstáculos com que deparou, no cumprimento desses programas.

Na sua história do sector mineiro em Portugal, no período de 1802 a 1832, intitulada “MEMÓRIA SOBRE A HISTÓRIA MODERNA DA ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS EM PORTUGAL”, o Barão lamenta, amargamente, que o saber estivesse de um lado e o poder de outro, com a agravante de o poder ser exercido sem atender aos reais interesses do País.

Passados 200 anos, o erro persistiu, consideravelmente ampliado, sobretudo após a Revolução de Abril de 1974.

Raramente, nos altos postos da Administração Pública, temos tido as pessoas certas, isto é, “the right men in the right places”.
Nestas “Vivências Mineiras”, tenho mencionado numerosos destes casos, nalguns dos quais, o saber até chegou a ser ridicularizado por um poder tão arrogante quanto incompetente, seguro da sua impunidade, perante a generalizada ignorância, a nível dos sucessivos Governos, em matérias da indústria mineira.

Nos próximos posts, recordarei alguns clamorosos casos da oposição do poder ao saber, que muito prejudicaram o desenvolvimento das indústrias mineira e metalúrgica nacionais.

Continua …