quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

56 A -12.ª parte

XLIII – A importância da Região de Vila Nova de Cerveira - Caminha - Ponte de Lima, na formação de especialistas nas técnicas de prospecção mineira

Entidades esclarecidas do País reconhecem, desde recuados tempos, a potencialidade do território nacional, quanto à ocorrência de minerais úteis, em concentrações susceptíveis de proporcionarem explorações altamente lucrativas, que poderiam contribuir para a instalação de indústrias e, consequentemente, para melhoria de vida da população.

Lamentam, porém, não se ter ainda conseguido eliminar os obstáculos, que impossibilitam o racional aproveitamento desses valiosos recursos.

Dentre tais obstáculos, avulta a carência de especialistas nas técnicas fundamentais para poderem efectivar-se os estudos adequados à concretização dos objectivos pretendidos.

Já em 1939, quando foi instituído o Serviço de Fomento Mineiro (SFM), no âmbito da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), o primeiro dirigente do SFM ambicionava que este Organismo, além de proceder, como lhe competia, ao inventário dos recursos minerais do País, progredisse na especialização do seu pessoal técnico, a ponto de se transformar em verdadeira Escola pós-graduação, na qual adquirissem a necessária formação os futuros elementos dos quadros superiores da DGMSG.

Era notório que, por insuficiente conhecimento das realidades mineiras, proveniente da falta de experiência directa no terreno, a grande maioria dos técnicos instalados na sede da DGMSG, em Lisboa, acabava por contribuir para o conceito propalado em sectores de grande responsabilidade no nosso tecido económico, de Portugal ser um País pobre de recursos minerais ou, mais eufemisticamente, de ser um País rico em minas pobres!!

A realidade era que os cursos de Engenharia de Minas e de Geologia, ministrados nos estabelecimentos de ensino superior e médio, então existentes no País, eram quase totalmente omissos em temas de Prospecção Mineira.

Nesses estabelecimentos, o ensino era essencialmente livresco, sendo vulgar o chamado “incesto intelectual”.

Alguns dos melhores alunos eram convidados, no final dos seus cursos, para preencherem os quadros de pessoal docente, passando, consequentemente, a transmitir sobretudo os conhecimentos que tinham adquirido, na sua formação.

Era no âmbito da Geologia que surgiam as maiores insuficiências.

O Professor Miguel Montenegro de Andrade, que dirigia, em 1970, o Laboratório de Mineralogia e Geologia da Faculdade de Ciências do Porto, apercebendo-se desta deficiência, tomou a iniciativa de convidar, para funções docentes, personalidades nacionais que tinham evidenciado experiência válida, em domínios relacionados com a prospecção mineira.

Foi nesta conformidade que eu recebi convite para reger disciplina inicialmente denominada de “Prospecção Geológica, Geofísica e Geoquímica”.

Eu não tinha beneficiado do privilégio, que tiveram outros técnicos do SFM, de ser selecionado para frequentar cursos de especialização, em adequados centros estrangeiros, conforme estava previsto no Decreto de criação do SFM

Apesar desta discriminatória atitude dos dirigentes do SFM, relativamente à minha formação de base, eu tinha conseguido, naquela data, uma sólida e diversificada experiência, nas principais técnicas aplicáveis à descoberta de jazigos minerais, mercê das circunstâncias em que decorrera, durante cerca de 30 anos, a minha actividade profissional.
Conquistara essa experiência, sobretudo na Região do País a sul do Rio Tejo, onde menos se sentia a influência nefasta dos dirigentes que sucederam ao primeiro Director do SFM, o saudoso Eng.º Bernardo Ferreira.

Os novos dirigentes, alguns de assombrosa incompetência, que haviam sido alcandorados aos seus elevados cargos por favoritismo politico - religioso, nunca conseguiram libertar-se do estilo de desempenho das suas funções, que justificava a alcunha de “técnicos de papel selado”, pela qual eram pejorativamente designados.

Em arrogante abuso de autoridade, característico de ignorantes, tomavam decisões desfasadas das realidades no terreno, que mal conheciam, pois se mantinham, na generalidade do seu tempo, comodamente sentados às secretárias, nos gabinetes das instalações do SFM, na então muito distante cidade do Porto, onde estava implantada a sede deste Organismo.

Lembro que, nesses remotos tempos, não havia auto- estradas e não era fácil o trânsito nos pisos macadamizados das estradas existentes, onde, não raro, abundavam buracos, que obrigavam a manobras para deles escapar. Automóveis eram talvez menos de 50 000, em todo o País.

A circunstância de ser na zona Sul que se localiza uma das mais importantes zonas mineiras do território nacional - a denominada Faixa Piritosa Alentejana - foi especialmente propícia à obtenção da minha experiência.
De facto, foi nesta Faixa, como já tenho referido, com frequência, que iniciei a minha actividade profissional.
Tinha-me sido confiada, pelo Eng.º Bernardo Ferreira, a responsabilidade de dirigir uma Brigada, cujo objectivo era descobrir concentrações de minério, idênticas às conhecidas em áreas concedidas a Companhias estrangeiras, que nelas vinham praticando intensa exploração, há largas dezenas de anos.

O minério tem a pirite como constituinte predominante, mas acessoriamente, contem valiosos minerais de cobre, zinco e chumbo, além de oligoelementos que recentemente têm adquirido significativo valor, devido a peculiares propriedades, que os tornam essenciais em equipamentos de novas tecnologias, como é, por exemplo, o caso do índio.
Causava-me estranheza que os nossos mais importantes jazigos estivessem a ser explorados por empresas estrangeiras e que o minério fosse geralmente exportado, sem qualquer tratamento metalúrgico, passando Portugal depois a grande importador dos metais contidos nesses mesmos minérios.

Eu ignorava as disposições legais que proibiam a adjudicação de explorações mineiras a entidades estrangeiras, até porque publicação da DGMSG, da autoria do Secretário Auditor Jurídico do SFM, na qual era feita uma exaustiva compilação de toda a legislação promulgada, não inseria essas importantes disposições.
Mas os aspectos negativos deste escandaloso incumprimento de legislação vigente, precisamente pelo Organismo de Estado que tinha o dever de zelar pelo bom uso dos nossos recursos (Ver post N.º 227), foram, pelo que me diz respeito, muito positivamente compensados, por aprendizagens que me foram proporcionadas.

De facto, as empresas detentoras de concessões mineiras, na Faixa Piritosa Alentejana recorriam frequentemente ao saber de professores universitários dos seus países de origem e à colaboração de companhias especializadas em técnicas geológicas, geofísicas e geoquímicas, através de contratos para aperfeiçoamento dos seus estudos.

Eu nunca desperdicei oportunidade alguma de aproveitar a presença destas entidades, para me inteirar dos seus procedimentos, no terreno.

E apraz-me declarar sempre ter encontrado a melhor colaboração de todas estas entidades estrangeiras, que também se mostravam agradecidas por dados que eu lhes facultava, originadas pela minha maior presença nas zonas em estudo.

À boa preparação, sobretudo em temas de Matemáticas, Topografia e Electrónica adquirida nos vários estabelecimentos de ensino que frequentei, graças às magníficas aulas de alguns bons professores, adicionei a formação assim adquirida.

Lamentavelmente, era nas matérias mais directamente relacionados com as profissões de Geólogo e de Engenheiro de Minas, que surgiam as maiores dificuldades, por deficiente constituição dos cursos.

O ensino centrava-se no exame laboratorial de minerais e de rochas, na cristalografia e na paleontologia, em detrimento de investigações no terreno.

A geologia estrutural, matéria fundamental para a compreensão dos jazigos minerais e obviamente para a sua prospecção, era quase totalmente ignorada!

Por esta razão, Portugal tornou-se até território privilegiado para Geólogos de outros países fazerem teses de doutoramento, porque os nacionais não mostravam capacidade para investigações com a qualidade exigível por tal grau académico.

Tive oportunidade de beneficiar do saber de cientistas holandeses, alemães e franceses, aos quais também prestei informações que eles utilizaram, fazendo a óbvia referência, nos textos que publicaram.

Recordo os seguintes:

o Geólogo alemão Gunter Strauss - a sua magistral tese sobre o jazigo do Louzal na Faixa Piritosa Alentejana;

o Geólogo alemão Bayer - a sua tese sobre a Mina de Valdarcas, esclarecedora da estrutura do jazigo tungstífero de Covas, que estava mal interpretada pelo Director Técnico da Mina, com nefastas consequências para a sua exploração.;

o Professor da Universidade de Amsterdam Mc Gillavry, orientador das teses dos seus ex-alunos

Van den Boogard - tese sobre a região do Pomarão, que se tornou fundamental na interpretação da estrutura geológica da Faixa Piritosa Alentejana, e

Klein - tese sobre a geologia da Região de Cercal-Odemira;

Delcey, cientista francês, com superior orientação do Professor Routhier da Universidade de Paris – tese sobre a Mina de S. Domingos, na Faixa Piritosa Alentejana.

Estranhamente, alguns conceituados Geólogos nacionais não aceitavam, de bom grado, a presença destes seus colegas, em vez de os acolherem com simpatia, pelo valioso auxílio que nos prestavam.

Mc Gillavry, apercebendo-se do facto, comentava ser a mim que encontrava no terreno e não a eles, quando casualmente nos cruzávamos, no desempenho das nossas actividades e trocávamos impressões sobre as matérias dos nossos estudos.

Recordo também as presenças de outros Geólogos contratados por concessionários:

David Williams, Professor de Universidade inglesa, cuja vinda à Mina de S. Domingos fora por mim aconselhada à empresa que explorava o jazigo e deparava com dificuldades para localizar parcela rejeitada do jazigo, por falha geológica, que eventualmente não tivesse sido removida pela erosão;

os categorizados Geólogos checos Yanecka e Strnad, que tinham sido contratados por um dos concessionários da exploração do jazigo tungstífero de Covas;

o eminente Geólogo holandês Shermerhorn, contratado pela Sociedade Mineira de Santiago, afiliada da antiga CUF (Companhia União Fabril);

o Geólogo com grau de doutoramento Robert Batey, contratado pela empresa Mining Explorations (International).

 Continua ...