sábado, 21 de junho de 2014

232 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 22 (Concessões a estrangeiros)

Não preciso arvorar-me em moralista, para poder afirmar que honestidade e lealdade, são essenciais à salutar convivência humana.

A observância destes princípios conduziria, naturalmente, ao reconhecimento do mérito dos indivíduos mais qualificados e ao aproveitamento das suas iniciativas.

Por quanto já disse, fácil é concluir que, relativamente aos nossos recursos minerais, aqueles princípios não constavam do carácter de detentores dos mais altos cargos da Direcção-Geral de Minas (DGM).

Embora possa classificar-se de atitude redundante, todos aqueles técnicos, por imposição legal, tinham jurado, pelas suas honras, desempenhar com lealdade as funções que passaram a ser-lhes confiadas.
De facto, tal juramento, ao qual os funcionários públicos ainda são obrigados, nos actos de posse, é absurdo e inútil, porquanto a todo o indivíduo se deve exigir que seja honesto e leal, isto é, que “tenha uma só palavra”, o que, obviamente, já envolve a sua honra.
Foi de tal inutilidade que nasceu o dito jocoso: “Quem mais jura, mais mente!”

A realidade é que funcionários com as maiores responsabilidades, na DGM, não tiveram pejo em alienar, em prol de potências estrangeiras, os nossos mais relevantes recursos minerais, em flagrante deslealdade para com os seus concidadãos.

Conquanto não compreendesse os motivos de tão estranho procedimento, eu estava convencido, de que não eram infringidas as leis vigentes.

Só em 22 de Fevereiro de 1972, pela minha habitual consulta ao Diário do Governo, fiquei a saber da existência de Decretos – lei de 1943 e de 1965 e de normas da Constituição da República, que vedam atribuir concessões mineiras a estrangeiros.
Um Acórdão da Procuradoria – Geral da Republica, suscitado por consulta da DGM, chamava a atenção para essas disposições legais.

De facto, o volumoso livro (577 páginas), intitulado “Legislação Mineira”, da autoria do Secretário Auditor Jurídico da DGM, publicado em 1969, que era suposto compilar todas as leis, que regulam a indústria mineira nacional, e que era distribuído aos técnicos da DGM, para ficarem aptos a dar-lhes correcto cumprimento, nas actividades a seu cargo, não inseria os aludidos Decretos!!
E, na cadeira de Prospecção Mineira, que regi em Universidades, perante a importância das leis, nesta matéria, eu incluía um capítulo dedicado à Legislação Mineira, sem aludir a tão pertinentes disposições legais, aconselhando até os alunos a adquirirem o livro publicado pela DGM, que era vendido por preço simbólico.

Apesar desse meu desconhecimento, desde o início da minha actividade profissional, sempre fui envidando esforços, no sentido de técnicos portugueses ficarem aptos a executar todas as tarefas necessárias à racional exploração dos nossos recursos minerais, sem necessidade de intervenção de empresas estrangeiras (Ver, por exemplo, o artigo de minha autoria “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, publicado em 1955, ao qual tenho aludido frequentemente).
O meu propósito era evitar a transferência, quase gratuita, das nossas riquezas minerais para outros países, como era tradição acontecer.
Portugal tinha o imperativo dever de aproveitar, ao máximo, esses e outros recursos naturais, para sair do sub - desenvolvimento, em que se encontrava.
Deveria, consequentemente, preparar os seus técnicos, não apenas para as actividades mineiras, mas também para as metalúrgicas, a fim de satisfazer as necessidades do consumo interno e exportar produtos mais elaborados, provenientes desses tratamentos metalúrgicos.
Tal desiderato estava, aliás, expresso em várias das leis em vigor.

Ocorria-me, naturalmente, perguntar, para que incluem, as instituições portuguesas de ensino superior licenciaturas em Engenharia de Minas.
Para os Engenheiros de Minas portugueses assistirem à actuação de técnicos estrangeiros a dirigirem as explorações dos nossos jazigos minerais, reservando para si - próprios apenas tarefas subalternas?
Obviamente que não me conformaria com tão humilhante situação, porquanto do confronto com estrangeiros não me sentia diminuído.
Do ponto de vista teórico, até me sentia com melhor preparação em Matemáticas, Física, Química, Mineralogia.
Em Geologia, reconhecia inferioridade que, todavia, ia progressivamente atenuando, quer através da consulta de livros e revistas, que se publicavam sobre ciência em franco desenvolvimento, quer através do convívio com conceituados geólogos (holandeses, alemães, ingleses, etc.), que aproveitavam o grande atraso do País, neste âmbito, para teses de doutoramento, por aqui haver ainda abundantes zonas para investigar, o que já não acontecia, nos seus países.

E ocorre-me, também, perguntar porque, sendo os principais jazigos portugueses alvo de exploração por empresas estrangeiras, as estatísticas oficiais apresentem, a produção de minérios desses jazigos, como demonstrativa da riqueza da nossa indústria mineira, sem referir que são países estrangeiros os grandes beneficiários dessa indústria!

O artigo “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”, que guindou Soares Carneiro ao mais alto cargo na DGM, nem no título está correcto!
Já comentei que extractivas são também outras indústrias, como por exemplo as pescas e as agrícola – pecuárias.
Riqueza em recursos minerais é uma realidade, conforme tenho acentuado, mas riqueza da indústria mineira, isto é, enriquecimento, por exploração desses recursos, tem acontecido muito mais em proveito de estrangeiros que dos habitantes da Metrópole portuguesa, como Soares Carneiro gostou de denominar Portugal, quando ainda tínhamos colónias, sem lhe ter ocorrido que devíamos ter tirado mais proveito das enormíssimas riquezas minerais destes territórios.

Os meus persistentes esforços acabaram por ter sucesso., apesar dos obstáculos a que tenho aludido.
Consegui organizar equipas técnicas aptas a desempenhar a maior parte das tarefas da prospecção mineira.

E, no que respeita à fase de investigação por trabalhos de pesquisa e reconhecimento, os relatórios de minha autoria sobre os jazigos ferro – manganíferos de Cercal – Odemira e sobre o jazigo cuprífero de Aparis, além de muitos outros que deviam ter sido publicados, como era prática corrente, lamentavelmente interrompida, por motivos que já explicitei, é bem elucidativa da capacidade das equipas, neste âmbito.
O conceituado Geólogo alemão Gunter Strauss ficou vivamente impressionado com os estudos em curso na Mina de Aparis, quando lhe proporcionei visita a esta Mina, declarando ser muito raro encontrar investigações desta natureza, com tal qualidade.

Às equipas, que laboriosamente constituí, ao longo de muitos anos, se ficaram devendo os maiores êxitos em prospecção mineira, conseguidos em Portugal.

Todavia, os mais categorizados dirigentes da DGM, com assombroso desprezo pelas leis vigentes e com a maior desconsideração pelos técnicos nacionais, que haviam demonstrado ser dispensável a intervenção de especialistas estrangeiros, mantiveram o anterior procedimento, não obstante o Acórdão de 1972 classificar este procedimento como prática à margem da lei.

A usurpação dos nossos recursos minerais por empresas estrangeiras teve origem na quase total ausência de iniciativas, da parte de investidores nacionais, nas actividades mineiras, perante o elevado risco suscitado por estas actividades.

Foi essa falta de iniciativa um dos principais motivos da instituição do SFM.

Para protecção dos resultados que viesse a obter, o SFM, por imposição legal, era obrigado a promover que fossem publicadas, no Diário do Governo, portarias declarando cativas para os seus estudos, as áreas onde viesse a exercer actividade.
Foi assim que foram declaradas cativas, diversas áreas, cujas características geológicas as tornavam especialmente favoráveis à ocorrência de jazigos, com especial realce para zonas envolventes das principais Minas de pirite da Faixa Piritosa Alentejana e para a grande zona de rochas vulcânicas básicas e ácidas de Castro Verde - Almodovar, identificada pelos estudos do SFM.

Como estas áreas estavam cativas, o SFM não só não fazia segredo dos resultados que ia obtendo, como os relatava, para que fossem publicados, assim justificando a aplicação de dinheiros públicos.

A título de curiosidade, registo que ao empenho do Ministro Ferreira Dias para que ao SFM fossem atribuídas confortáveis dotações, essenciais ao cumprimento das suas exigentes tarefas, correspondeu, inicialmente, uma atitude pseudo – economicista do dirigente do SFM que sucedeu a Bernardo Ferreira, o qual se vangloriava de apresentar anualmente avultados saldos … sendo porém certo que não dava andamento às minhas propostas de aquisição de equipamentos necessários à execução dos trabalhos projectados … por os considerar excessivamente dispendiosos!!!!!
Também não promovia correctas diligências para o aperfeiçoamento profissional dos técnicos que deviam dar cumprimento àqueles trabalhos.

Como o SFM, demonstrava, afinal, também notória falta de iniciativas, por incapacidade dos dirigentes que sucederam a Bernardo Ferreira, não procedendo, em algumas das principais áreas cativas aos trabalhos que projectara, aconteceu que as empresas estrangeiras instaladas na Faixa Piritosa Alentejana, alertadas para as grandes potencialidades ainda existentes na Faixa, pelos artigos de minha autoria que davam conta do êxito conseguido na região de Aljustrel, o qual fora objecto de duas importantes publicações, requereram autorizações para serem elas a efectuar os estudos que o SFM demorava a concretizar.
Alguns destes requerimentos foram-me endossados para que eu prestasse o meu parecer. E eu, obviamente, só podia concordar com o deferimento, pois não é papel do SFM contrariar o fomento da nossa indústria mineira.
Enquanto o SFM não se equipava para desempenhar cabalmente as tarefas para que fora instituído, não tinha o direito de impedir que outros executassem essas tarefas, no convencimento em que me encontrava de que não infringiam as leis vigentes.
Manifestava-me, porém, sempre no sentido de ser exigida a apresentação, com regularidade, de relatórios completos dos estudos empreendidos.

Os primeiros contratos foram celebrados, por negociação directa, sem publicação do Diário do Governo, tendo como única exigência a apresentação periódica de relatórios, por mim sugerida, quando me foi solicitado parecer.
A fiscalização do seu cumprimento, que estaria a cargo dos Serviços Centrais, era praticamente inexistente, por não haver, nesses Serviços, técnicos com competência para a realizar.
Todavia, como já referi, eu sempre acompanhei, de perto, os trabalhos dos especialistas nos variados métodos de prospecção, que os concessionários traziam a Portugal.

Quando as equipas técnicas que constituí, durante mais de 20 anos, ficaram aptas a desempenhar a maior parte das tarefas exigidas pelo cabal cumprimento dos objectivos do SFM, eu confiava que não seriam celebrados novos contratos com empresas estrangeiras.
Mas aconteceu que a fama das elevadas potencialidades da Faixa Piritosa Alentejana chegou a países com indústrias mineiras mais evoluídas.

Os artigos de minha autoria, que passaram a ser citados em livros de texto, tais como o de Routhier (Professor em Universidade de França), o de D. S. Parasnis (Professor na Universidade de Cambridge) e em brochuras de propaganda da firma sueca ABEM inventora do método electromagnético Turam, chegaram ao conhecimento de grandes empresas desses países, suscitando a sua cobiça, com algum convencimento de que Portugal seria ainda um país sem grande tradição nos métodos modernos de prospecção mineira, onde seria fácil obter rapidamente grandes êxitos.

Continua…