domingo, 19 de janeiro de 2014

229 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 19.

Anunciei, no post anterior, dar o devido relevo a uma série de acontecimentos que classifiquei como demonstrativos do maior escândalo, de todos os tempos, ocorrido na antiga Direcção-Geral de Minas (DGM).

O que deveria constituir motivo de grande orgulho para Portugal, foi transformado em crime de lesa–pátria, cometido por um conjunto de indivíduos incompetentes e corruptos que, abusando de poder injustamente conquistado, na DGM, alienaram, em benefício de potência estrangeira, a maior riqueza mineral descoberta, em território nacional, exclusivamente graças aos persistentes esforços de técnicos portugueses.

Embora todos os acontecimentos, a que aludi, já tenham sido pormenorizadamente descritos, justifica-se estabelecer o seu encadeamento, para pôr em evidência o abuso de poder, levado ao extremo, por dirigentes, que não tiveram pejo em desprezar leis e ultrajar técnicos nacionais, que muito se tinham esforçado, no seu aperfeiçoamento, para conseguirem dispensar colaboração estrangeira.


Quando tomei a decisão de me licenciar em Engenharia de Minas, a minha natural expectativa era vir a exercer a profissão, no meu País, aplicando, em toda a sua plenitude, os conhecimentos adquiridos nas várias Escolas que frequentei e outros originados, pela sua aplicação prática, ao longo do tempo.

De facto, o ensino nessas Escolas, cobria amplamente todas as fases do aproveitamento dos nossos recursos minerais, incluindo até disciplinas de análises químicas e metalurgia.

Tive excelentes professores no ramo das Matemáticas, em Electrotecnia, em Topografia, em Lavra de Minas e também tive professores mal preparados nas matérias que aceitaram ensinar.

O ensino era essencialmente teórico e os estágios regulamentares, no final de cada ano da Faculdade de Engenharia, eram, na generalidade, pouco exigentes, havendo grande tolerância na sua apreciação. Daí, a minha proposta no sentido de fazer uso da Mina de Aparis, como Mina-Escola, com o objectivo de melhorar a formação dos futuros Engenheiros de Minas.

Era, porém, óbvio que quem estivesse verdadeiramente interessado na sua preparação para a actividade profissional, teria capacidade para suprir deficiências na sua formação académica. Como sempre fui bem classificado, encarei, com grande optimismo o exercício da profissão que escolhi.

Em 1939, no início do meu 3.º ano na Universidade, eclodiu a 2.ª Guerra Mundial e muito passou a ouvir-se sobre um fenómeno que viria a designar-se por “A febre do volfrâmio”.
O volfrâmio era fundamental para o equipamento bélico de ambos os contendores e Portugal tinha abundantes reservas deste metal.
Ingleses e alemães aqui vieram abastecer-se, mediante concessões mineiras que lhes foram facilmente outorgadas.
Muitos portugueses estiveram ao serviço desses estrangeiros, sentindo-se felizes pelas valiosas compensações que conquistavam, nem sempre honestamente, quando já se fazia sentir escassez de recursos alimentares e outros, que antes se obtinham por importação.

Nessa época, nunca ouvi mencionar, o Decreto-lei N.º 46312 de 28 de Abril de 1905, nem a Constituição da República de 1933, que continham disposições impeditivas da outorga de concessões para a exploração de jazigos minerais a empresas estrangeiras.

É, no entanto, digno de registo que um esclarecido Ministro de um Governo de Salazar, já se tinha apercebido da delapidação que estava a acontecer com a exploração desenfreada de uma riqueza do País, que se não renova: os nossos recursos minerais.

Com o nobre objectivo de disciplinar a actividade mineira, no País, esse Ministro fez publicar o Decreto-lei N.º 29725, em 28-6-1939, pelo qual, foi atribuído, ao Estado, um papel fundamental no inventário dos nossos recursos minerais, com vista ao seu racional aproveitamento.

Para a concretização deste objectivo, foi criado o Serviço de Fomento Mineiro (SFM), na dependência da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG).

Foi neste Organismo do Estado, que iniciei a minha actividade profissional.
Nele realizei, em 1943, o 3.º estágio regulamentar, e, em 1944, assinei contrato com a categoria de Engenheiro de 3.ª Classe.

Logo, em 1944, fiquei com a responsabilidade de chefiar uma Brigada, com a missão de investigar a extensa Faixa Piritosa Alentejana, visando, a descoberta de novas concentrações de minério, idênticas às que, nela, 7 se mantinham em exploração.

Um método moderno de prospecção geofísica iria ser aplicado.

Para esse fim, já tinha sido celebrado contrato com a empresa sueca ABEM, detentora da respectiva patente.

Era o método electromagnético Turam, que envolvia aparatoso equipamento e numeroso pessoal técnico e auxiliar.
A zona mineira de S. Domingos, perto da fronteira com a Espanha, foi a parcela da Faixa seleccionada para dar início às investigações.

Além de dois engenheiros suecos, que eram os especialistas do método, a equipa da denominada Brigada de Prospecção Eléctrica (BPE), ficou constituída por um Engenheiro de Minas eu), 5 Agentes Técnicos de Engenharia e 20 operários localmente recrutados.

Os 10 meses que passei naquela Mina, foram decisivos para o meu esclarecimento sobre o papel que deveria competir aos portugueses no aproveitamento dos recursos minerais do País.

Causava-me profunda estranheza que, estando em Portugal, tivesse que usar, no exercício da minha profissão, mais frequentemente a língua inglesa que, passei a dominar razoavelmente, no decurso do tempo. Quase me parecia estar noutro País.

Na Mina de S. Domingos, os meus principais contactos profissionais eram com indivíduos que mal falavam a nossa língua, alguns dos quais até viviam em Portugal há mais tempo que eu, que contava, então 24 anos.
Os cargos de maior responsabilidade eram desempenhados por técnicos ingleses, cabendo aos portugueses tarefas secundárias.

A lei exigia que o Director Técnico tivesse nacionalidade portuguesa, mas ao Engenheiro contratado com essa categoria estavam atribuídas funções subalternas.

Também me surpreendia o reduzido interesse que “Mason and Barry”, exploradora do jazigo, mediante contrato de arrendamento com a concessionária espanhola “La Sabina”, manifestava pela actuação da Brigada sob minha chefia, sendo certo que, dos resultados que viesse a obter, poderia depender o futuro da exploração mineira, já então algo comprometido, por escassez de reservas cubicadas.

Pareceu-me até perceber insinuações de que a minha actividade seria idêntica à dos “Engenheiros de papel selado da DGM”, autores de simbólicas fiscalizações, que consentiam gravíssimo desrespeito por leis vigentes, com destaque para a enorme poluição ambiental.

Relativamente à aplicação do método electromagnético Turam, não demorei a reconhecer que podia dispensar a participação da quase totalidade dos Agentes Técnicos de Engenharia, encarregando operários, localmente recrutados, das tarefas que lhes estavam istribuídas, daí resultando considerável aumento da produtividade da Brigada.

Um único Agente Técnico de Engenharia bastou para me auxiliar na resolução dos problemas técnicos e administrativos da Brigada.
Não foi, também difícil conseguir total domínio na aplicação do método electromagnético Turam.
Introduzi, até, alguns aperfeiçoamentos em matéria de topografia, para aumentar o rigor na implantação dos pontos das futuras observações electromagnéticas.

Em Maio de 1945, tive que suspender as investigações A1, na zona mineira de S. Domingos.
Tinham sido prospectadas as principais áreas com potencialidade para a ocorrência de concentrações de minério piritoso.
Carência de meios de transporte impossibilitaram a cobertura total das áreas potenciais, pois o pessoal teria de deslocar-se, a pé, a grandes distâncias.

Eu e o Engenheiro sueco que diariamente prestava assistência aos trabalhos no campo, já tínhamos adquirido bicicletas, o que, nessa época, podia considerar-se um luxo. O outro Engenheiro sueco, que raramente ia ao campo, optava por alugar um burro, para o transportar.

Em meados de 1945, transferi a sede da Brigada para as Minas de Aljustrel.
Aqui, era também uma empresa estrangeira, a “Socièté Anonyme Belge des Mines d’Áljustrel” a detentora da concessão mineira.

Terminado o conflito mundial na Europa, foi então possível adquirir uma camionete de carga, embora com muito uso, que se adaptou ao transporte de passageiros.
Algum tempo mais tarde, uma pequena furgoneta melhorou consideravelmente os meios de deslocação do pessoal, tornando assim possível investigar áreas potenciais distantes da sede em Aljustrel.

Considerando-me já apto a dirigir todos os trabalhos, tanto no terreno como no gabinete, respeitantes à aplicação do método Turam, sugeri superiormente que fosse dispensada a presença de um dos Engenheiros suecos, acumulando eu, com as tarefas da chefia da Brigada, as que ele vinha desempenhando, essencialmente no campo.
A sugestão foi bem acolhida pela ABEM, daí resultando muito sensível decréscimo de despesas, só tendo eu a lamentar a perda do agradável convívio com um bom amigo e com sua família, que ele trouxera para Portugal.

A minha boa preparação académica, em temas de Electricidade permitiu-me até eliminar algumas deficiências, que se arrastavam no tempo, quer nos equipamentos, quer na sua aplicação, com estupefacção das equipas constituídas por pessoal localmente recrutado, que se tinham especializado nas diversas tarefas inerentes ao método.
O Engenheiro sueco que permaneceu em Portugal teve a sua actividade extremamente facilitada, quase se limitando a uma discreta fiscalização das actividades em curso e aos contactos com a casa-mãe na Suécia.

Persistia, no entanto alguma dúvida sobre uma eventual interpretação dos resultados, mais elaborada do que a que se deduzia da análise das curvas representativas das variações das características do campo electromagnético (intensidade e fase), ao longo dos perfis prospectados, a qual a ABEM manteria em reserva.

Foi já com o total domínio das actividades na Brigada, que decidi dar início à investigação da extensa mancha de rochas vulcânicas de “Panoias - Castro Verde”, cuja potencialidade para jazigos de minério piritoso havia sido revelada, através dos estudos anteriormente efectuados pela 1.-ª Brigada de Levantamentos Litológicos, que havia sido criada por minha sugestão (Ver post N.º 7)).
A ocorrência de várias minas filonianas de cobre, na situação legal de abandonadas, induzia-me a formular a hipótese de estar em presença de remobilizações de massas estratiformes ricas em cobre.

Tratava-se, pois de uma área com particular interesse para investigação.
Apesar das minhas grandes expectativas quanto aos resultados do estudo desta área, fui compelido a abandonar a chefia da BPE, por ter recebido um honroso convite do Director do SFM, Engenheiro António Bernardo Ferreira, para passar a exercer funções de âmbito mais vasto.

Acontecia que, da Brigada do Sul, com sede em Beja, iam ser destacados para prestar serviço em Moçambique, dois Engenheiros e três Agentes Técnicos de Engenharia, supostamente especializados em investigações mineiras, com vista ao desenvolvimento da indústria mineira daquele que era, então, território ultramarino português.

O Engenheiro António Bernardo Ferreira convidou-me para chefiar a Brigada do Sul, cujo campo de acção se desenvolvia por todo o território continental português, a Sul do Rio Tejo.

Durante cerca de 8 meses, transmiti aos colegas José da Silva e Pedro Lopes Paradela instruções para poderem desempenhar as funções que eu exercia, mantendo-me disponível para os auxiliar, se tal se tornasse necessário.

Em Janeiro de 1948, iniciei os meus contactos com as actividades em curso na Brigada do Sul, sediada em Beja assumindo a sua chefia, em Junho do mesmo ano, quando se verificou a debandada dos técnicos destacados para prestarem serviço em Moçambique.

Continua ...