sábado, 30 de agosto de 2008

5 - A organização inicial do SFM

No seu início, o SFM, que sempre esteve integrado na Direcção-Geral de Minas (DGM), teve uma organização simples: uma sede no Porto, uma delegação em Lisboa, e 3 Brigadas regionais, cobrindo o País.

As Brigadas podiam criar núcleos, denominados Secções, em maior proximidade das áreas a estudar.
A Direcção do SFM poderia criar Brigadas especializadas, colocando-as na sua directa dependência ou na dependência das Brigadas regionais.

A sede do SFM encarregou-se da investigação da Faixa Carbonífera do Douro, dando continuidade a estudos anteriores do Instituto Português dos Combustíveis, que foi extinto.

Também na dependência da sede do SFM esteve uma campanha de prospecção magnética, sobre áreas de ocorrência de jazigos de ferro (Vila Cova do Marão, Montemor-o-Novo, Alvito, Orada).
Esta campanha, de curta duração, foi empreendida por contrato com a Companhia sueca ABEM, e teve a colaboração de técnicos do SFM.

A Brigada do Norte começou por ter a sua sede em Bragança, ocupando-se essencialmente do estudo do jazigo de ferro de Guadramil e secundariamente de outras pequenas ocorrências de minérios diversos.

A Brigada do Centro, localizada nas Caldas da Rainha, teve por missão inicial o acompanhamento de trabalhos de prospecção que estavam em curso, a cargo de Empresa privada, para investigação da possível existência de sais de potássio.
Mais tarde, já possuidora de um equipamento de prospecção sísmica, passou a realizar, ela própria, trabalhos por esta técnica geofísica.

A Brigada do Sul, teve a sua primeira sede em Montemor-o-Novo, por aí se situarem minas de ferro consideradas, então, susceptíveis de encerrar importantes reservas de minério de boa qualidade, que pudessem vir a alimentar a siderurgia, que se pensava instalar em Portugal.
Em 1944 a sede foi transferida para Beja, local mais central relativamente às Secções que, entretanto, se criaram.

Fiz o meu terceiro e último estágio do Curso de Engenharia de Minas, em 1943-44, no núcleo de Midões da Faixa Carbonífera do Douro, onde decorriam sondagens a cargo de Companhia belga, em cumprimento de projecto elaborado pelo Director Técnico da Minas de S. Pedro da Cova.

Em Agosto de 1944, fui destacado, já como Engenheiro, para dar início à actividade da Brigada de Prospecção Eléctrica (BPE), cujo objectivo era prospectar, por um método electromagnético, a Faixa Piritosa Sul-Alentejana, como ela era então conhecida, isto é, uma área com cerca de 120km de comprimento e uma largura média de 20km, estendendo-se desde a fronteira com Espanha, nas imediações da Mina de S. Domingos, até ao Oceano Atlântico, perto de Grândola, onde se situavam as Minas do Louzal e da Caveira.
Cedo me apercebi de que se não tornava necessário prospectar a totalidade da área, pois o conhecimento que fui adquirindo sobre o enquadramento geológico dos jazigos de pirite, levou-me à concluir que estes jazigos ocorrem sempre em relação com a presença de determinadas rochas eruptivas, às quais era dada, nessa época, pela simples observação macroscópica, a designação geral de pórfiros.

Sugeri, então, ao Chefe Brigada do Sul, da qual a BPE dependia, que um Geólogo procedesse ao levantamento prévio destas rochas, para restringir a prospecção a uma superfície que as envolvesse.
A sugestão foi aceite, mas foi um Engenheiro de Minas recentemente contratado que foi encarregado deste levantamento.
Foi assim criada, na dependência da Brigada do Sul, uma Brigada denominada de Levantamentos Litológicos.
À sua actuação me referirei em próximo post.

A Brigada do Sul tinha, então, já Secções em Montemor-o-Novo, Minas de Alvito, Moura e Cercal do Alentejo, nas quais decorriam trabalhos de pesquisa rudimentares dada a escassez de material apropriado (moto-compressores, martelos pneumáticos, bombas de esgoto, ventiladores, etc.).
Decorria, então, ainda a 2.ª Guerra Mundial e era praticamente impossível a importação destes equipamentos. Grande parte do material que estava a ser utilizado tinha sido adquirido, com muito uso, a Empresas alemãs que exploravam volframite em minas do Norte e Centro do País.

Foi esta a que vigorou até 1948, com uma relativa normalidade e eficácia, tendo em consideração que todo o pessoal técnico tinha sido recrutado, logo após a conclusão dos seus cursos, portanto sem experiência.

Apesar de a experiência adquirida ser ainda muito limitada, o Ministério do Ultramar quis aproveitá-la e convidou dois Engenheiros e três Agentes técnicos de Engenharia da Brigada do Sul, para investigações mineiras, na Província de Moçambique. O convite foi aceite e a Brigada ficou com o seu quadro de técnicos profundamente desfalcado.
Esta circunstância não enfraqueceu, todavia, o ânimo ao Director do SFM, que logo tomou as providências necessárias para que a actividade de prospecção mineira no Sul do País pudesse ter continuidade.

Foi esta a razão pela qual eu passei a dirigir a Brigada do Sul, mantendo o controle da actividade na Faixa Piritosa.

Infelizmente, o falecimento do Eng.º António Bernardo Ferreira, em 1948, veio originar sucessivas alterações à organização que estava em vigor, com consideráveis repercussões na eficácia do SFM.

A essas alterações me referirei no próximo post.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

4 – Os Planos de Trabalhos do SFM

Os primeiros Planos de Trabalhos do SFM foram orientados sobretudo para a inventariação das existências de carvões, de minérios de ferro, de minérios auríferos e de pirites.

Causou-me estranheza que, reconhecendo-se, nessa época, uma desenfreada exploração de ocorrências volframíticas, para alimentar indústrias de países envolvidos na 2.ª Guerra Mundial, não se tivesse incluído estes minérios nos Planos de Trabalho do SFM

Causou-me também surpresa que, no respeitante ao ferro, não se tivesse concentrado a principal atenção no enorme jazigo de Moncorvo, tendo-se preferido investigar jazidas de muito menor dimensão.

Igualmente surpreendente é o facto de o ouro, da Região de Jales-Três Minas não ter sido objecto dos estudos que merecia

A explicação estará talvez no facto de o SFM, na sua fase inicial, não dispor, no Norte do País, de técnicos em quantidade e qualidade para se envolver em projectos de grande dimensão, até porque as áreas de Jales e de Moncorvo estavam atribuídas a concessionários com algum prestígio.

Já, no que respeita ao Sul, a Direcção do SFM não hesitou em programar, em 1944, grandioso Plano de Prospecção, envolvendo toda a Faixa Piritosa Sul-Alentejana, apesar de estarem atribuídas a conceituadas Empresas estrangeiras as concessões de exploração dos jazigos de pirite então conhecidos.

Ao Plano inicial, foram, progressivamente adicionadas outras matérias-primas minerais, tais como petróleos, sal-gema, minérios de manganés, de cobre, de chumbo, de zinco, de antimónio, de crómio, calcários. Nos casos dos petróleos e do sal-gema, estava previsto essencialmente o acompanhamento da actividade privada.

Nas funções que desempenhei, no Sul do País, durante 30 anos, orientei a actividade no sentido de investigar áreas seleccionadas pelas potencialidades sugeridas pelo seu enquadramento geológico, com preferência para as substâncias que, tidos em conta os meios materiais e humanos existentes, mais pudessem contribuir para a economia nacional.

A incrível exclusão dos minerais radioactivos dos Planos de Trabalhos do SFM, no Norte e Centro do País, quando estes minerais tiveram forte valorização, após a descoberta da energia atómica será objecto de um futuro post.

A investigação de águas subterrâneas nunca esteve no Planos do SFM
Era matéria de que se ocupava a Direção-Geral dos Serviços de Urbanização.
Mas, a realidade é que, em muitos dos trabalhos mineiros (sanjas, galerias, poços), realizados para investigação de jazigos minerais, foi ultrapassado o nível hidrostático, deparando-se o SFM, frequentemente, com caudais elevados, que chegaram a impedir a continuação dos estudos.
Esta água, numa região como a do Alentejo, carecida de tão precioso líquido, era, sem dúvida, mais uma riqueza a aproveitar.
Saliento o caso das Minas da Serra da Preguiça, em Moura, onde o SFM teve que suspender a sua actividade, por não dispor de equipamentos para vencer os caudais encontrados e, onde posteriormente a Compagnie Royale Asturienne dês Mines (CRAM) teve que tomar idêntica atitude, apesar de ter usado meios muito mais poderosos.
Esta Companhia chegou a apresentar proposta de colaboração à Junta de Colonização Interna, para aproveitamento de tamanha riqueza, que para ela constituía óbice à futura exploração das reservas evidenciadas. Não obteve qualquer resposta, segundo me informou o Geólogo Michel Ansart da CRAM e esta Companhia não teve alternativa senão abandonar a Região, onde havia realizado trabalhos de elevada qualidade.
Registo ainda que , pela aplicação de método electromagnético Turam diversos alinhamentos de anomalias foram, obtidos, provavelmente originados por fracturas com o enchimento impregnado de água.
Para este assunto, chamei a atenção, por cartas de Março de 2002, ao Presidente da Comissão Regional do Alentejo e ao Presidente do Instituto Geológico e Mineiro, quando ia ser realizado, em Évora um Congresso dedicado às águas subterrâneas. Não obtive qualquer resposta.

A um caso de colaboração aos Serviços de Urbanização para resolver um problema de abastecimento de água ao concelho de Porto de Mós me referirei mais tarde.

Em 1961, quando eu exercia o cargo de Chefe da Brigada do Sul do SFM, que se dedicava essencialmente ao estudo de jazigos minerais, pelos métodos então tradicionais (sanjas, galerias, poços), o Director-Geral, Eng.º Castro e Solla, conhecedor da minha actividade anterior em prospecção electromagnética, na Faixa Piritosa Sul-Alentejana, nomeou-me delegado de Portugal no Grupo “ad hoc” de peritos de métodos modernos de prospecção da OCDE.
Nesta qualidade, participei, em reuniões do Grupo, em Paris, no qual estavam representados 18 países.
Devo notar que existia então, no SFM, uma Brigada denominada de Prospecção Geofísica que, em princípio, deveria estar mais habilitada a desempenhar esta missão. Na realidade esta Brigada era, como oportunamente informarei, uma autêntica anedota superiormente consentida e até acarinhada.

Na qualidade em que fui investido, recebi, em Portugal a visita do Professor Robert Woodtly da Universidade de Lausanne, encarregado de conhecer o interesse dos Organismos portugueses onde se ensinava ou praticava a prospecção mineira.
Acompanhei-o à Junta de Energia Nuclear em Lisboa, ao Instituto Superior Técnico, à Faculdade de Engenharia do Porto e à Direcção do SFM, que então se localizava na Rua de Santos Pousada do Porto.
Encontrei grande receptividade sobretudo na Direcção-Geral dos Serviços de Prospecção da Junta de Energia Nuclear.
Surpreendentemente o Director do SFM declarou que no Norte do País, não havia matéria que justificasse a aplicação desses métodos!
Nem a região aurífera de Jales-Três Minas, nem a área ferrífera de Moncorvo, nem as potencialidades da área de rochas ultrabásicas de Trás-os-Montes para ocorrência de minérios de níquel, cobalto, crómio e até de platina, nem a Faixa Metalífera da Beira Litoral, justificavam, em seu entender, a aplicação de métodos modernos de prospecção! A prospecção – disse ele – só se justificava no Sul!

Mais tarde, ainda na minha qualidade de delegado de Portugal no referido Grupo “ad hoc”, apresentei ante-projecto de prospecção aérea no Alentejo, que teve tão boa aceitação que o Grupo se propunha estender este projecto ao Sul da Península, abrangendo toda a Faixa Piritosa Ibérica.
A este assunto me referirei posteriormente, porque teve desenvolvimentos inesperados.

domingo, 24 de agosto de 2008

3 - Êxitos do Serviço de Fomento Mineiro (SFM)

Tenho a honra de poder afirmar que os maiores êxitos do SFM, em toda a sua existência, se ficaram devendo a equipas que dirigi, sobretudo no Sul do País.

A maior parte desses êxitos ocorreu na Faixa Piritosa Sul-Alentejana, na qual iniciei, em 1944, a minha actividade profissional, nela continuando a planificar e a dirigir investigações, com activa participação, até que, em 1975, as liberdades mal interpretadas da Revolução de Abril de 1974, conduziram à minha destituição da chefia da equipa de prospecção por mim constituída no Sul do País.

Por ordem cronológica, os êxitos, nesta Faixa, foram os seguintes:

1 – Descoberta da massa de pirite complexa (rica em cobre) denominada Carrasco - Moinho, na concessão mineira de S. João do Deserto e Algares, em Aljustrel, pela aplicação do método electromagnético Turam.
2 – Descoberta da massa de pirite complexa (rica em zinco) da Estação, em Aljustrel, pela aplicação do método gravimétrico..
3 – Descoberta da massa de pirite complexa do Gavião (parte rejeitada do jazigo de S. João do Deserto – Carrasco-Moinho – Algares, pela grande Falha do Alentejo, evidenciada pelo SFM), em Aljustrel, pela aplicação do método gravimétrico
4 - Descoberta do jazigo de pirite complexa rica em cobre, estanho, zinco e chumbo de Neves-Corvo, pela aplicação do método gravimétrico.

À história de cada um destes êxitos, me referirei, com algum pormenor, para não deixar dúvidas, em próximos posts, pois considero importante repor a verdade, perante os erros, as omissões e as distorções, em artigos de meu conhecimento publicados em Portugal, em França, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América do Norte

Um caso houve, em que um autor, que esteve integrado no SFM, mas nenhuma intervenção teve na descoberta, descreveu o êxito de Neves-Corvo, cometendo diversos erros grosseiros, por incompetência em matéria de prospecção geofísica que não era a sua especialidade.
Por este trabalho, que não tinha direito de apresentar, razão pela qual cometeu erros inadmissíveis, desvalorizando a acção sistemática do SFM, durante mais de 30 anos, recebeu louvor, em despacho publicado no Diário da República

Mas não foi apenas na Faixa Piritosa Sul-Alentejana que se registaram importantes êxitos pelas equipas que formei e dirigi.

Houve, também, notáveis sucessos em várias outras zonas do Sul do País. Destaco as seguintes.
1 – Região de Cercal-Odemira (Jazigos ferro-manganíferos)
2 – Região de Barrancos (Jazigo de cobre de Aparis)
3 – Região de Moura (Formações zincíferas da Serra da Preguiça)
4 - Região de Montemor-o-Novo (Descoberta de numerosos indícios de ocorrência de ouro)
5 - Região de Portel (Jazigo de zinco, chumbo e cobre de Algares de Portel)
6 - Região de Cuba-Vidigueira)– Descoberta do jazigo de ferro de Vale de Pães

No Norte, a obstrução sistemática da Direcção do SFM situada em S. Mamede de Infesta (Porto), a qual, a partir de determinada data, foi estimulada pelo Director-Geral, não permitiu desenvolver actividade idêntica à conseguida no Sul.

Foi, todavia, possível obter significativo êxito na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, em prospecção de jazigos de tungsténio.
Com uma reduzida equipa, composta apenas por pessoal auxiliar tecnicamente preparado por mim próprio, foi possível descobrir reservas de minério que, não só permitiram manter exploração durante largos anos por Empresa portuguesa, mas também despertaram o interesse de uma conceituada Companhia americana (Union Carbide) e de outra canadiana (Cominco) em dar continuidade aos estudos do SFM, com mais poderosos meios.
Em circunstâncias normais, as reservas evidenciadas pelo SFM e pela Union Carbide teriam permitido manter na Região uma importante actividade mineira.
Uma acentuada desvalorização do tungsténio, provocada pela concorrência da China nos mercados internacionais, na década de 80 do século passado, levou ao encerramento destas minas e da quase totalidade das minas de tungsténio da Europa

Na denominada Faixa Metalífera da Beira Litoral, foram obtidas, sobretudo pela aplicação do método geoquímico, zonas de anomalias que justificavam
a continuação dos estudos, num caso (antiga Mina de chumbo do Braçal) já
na fase de sondagens.

Todos estes êxitos estão profusamente documentados em relatórios mensais, trimestrais, anuais, trianuais, em relatórios específicos (citados em publicações que vieram a surgir após a minha demissão da 1.ª Brigada de Prospecção, como “Relatórios Internos”, sem menção dos seus autores!), em milhares de mapas a diversas escalas, com predomínio da escala 1:5000, em conformidade com metodologia por mim instituída.

Receio que alguma desta documentação tenha já sido destruída, pois ainda recentemente pretendi acesso a relatórios de prospecção electromagnética da campanha de 1944-49 e não foram encontrados.

Alguns relatórios constam de publicações. Muitos não foram publicados, apesar de preparados para esse fim, por serem longos e ser dispendiosa a sua publicação, segundo foi declarado por um Director do SFM, quando questionado pelo Director-Geral para explicar esta situação anormal.
Ao Director-Geral de então, Engenheiro Castro e Solla, eu tinha-me dirigido pessoalmente a manifestar a minha surpresa por este tratamento discriminatório.
Em consequência da conversa havida, por telefone, na minha presença, logo foi decidido publicar dois dos relatórios que elaborara em co-autoria com dois distintos Agentes Técnicos de Engenharia, sobre formações zincíferas e ferríferas da Região de Moura, porque eram os que tinham menor número de páginas!
A sua publicação logo despertou o interesse da “Compagnie Royale Asturienne dês Mines” para celebrar com o Estado Português contrato com o objectivo da dar execução ao programa enunciado num desses Relatórios, programa esse que o SFM, com os meios de que então dispunha, não tinha condições para lhe dar cumprimento. A este assunto me referirei com mais pormenor, porque vale a pena, em próximo post.

Por ter sérias dúvidas quanto ao destino dos relatórios por mim elaborados, fui preparando sempre uma cópia a mais (a 5.ª cópia da máquina de escrever que então se usava) de todos os relatórios que subscrevi, para o meu arquivo pessoal, desde que assumi a chefia da Brigada do Sul em 1948. Também guardo cópias de alguns mapas, que poderei apresentar, se os originais e as várias copias que foram arquivadas em Beja e enviadas para a Direcção do SFM em S. Mamede de Infesta e para a DGM em Lisboa. não forem encontradas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

2 – País rico em minas pobres?

Durante a minha vida profissional, ouvi de personalidades com grandes responsabilidades na vida nacional, opiniões pessimistas quanto à importância dos nossos recursos minerais.

Salazar, num dos seus discursos ao País, salientava que “sem solo e sem sub-solo”, era ainda da agricultura que o País teria que viver…

Houve um Ministro da pasta que abrangia o sector mineiro nacional que declarou publicamente (V. Jornal de Notícias de 30-10-1982) que o País apresenta uma grande “pobreza mineira”, revelando que o valor global da produção de salsichas e enchidos era superior ao valor global de toda a extracção mineira.

A facilidade com que os Serviços da DGM atribuíram concessões mineiras, por vezes sem que existisse matéria concessível, levou à existência de mais de 4000 concessões. Na maioria das quais não se registou qualquer actividade durante largos anos. De um Director-Geral ouvi esta expressão: Portugal é um País rico em minas pobres.

De alguns Professores Catedráticos da área da Geologia, ouvi dúvidas e até críticas quanto à utilidade das técnicas de prospecção que estavam em curso no SFM, a maior parte introduzidas por minha iniciativa.

Um Professor do Instituto Superior Técnico declarou, num Congresso, em Lisboa, que a prospecção em Portugal tinha terminado com os trabalhos da Junta de Energia Nuclear. No entanto, aceitou, posteriormente, presidir a Grupo de Trabalho sobre Prospecção Mineira, no Congresso Hispano-Luso-Americano de Geologia Económica, que teve lugar em Portugal e Espanha. Fui designado para fazer parte desse Grupo, mas recusei-me a participar na mesa dos trabalhos, em Espanha, por considerar ofensiva a nomeação de um Presidente que antes dissera tal barbaridade.

Até um Engenheiro Adjunto de um Director-Geral (ao qual puseram a alcunha de Ajax, derivada de um detergente propagandeado com a expressão “o mais poderoso”) me informou que este Director-Geral, depreciou a minha actividade, usando esta expressão: “Anda lá o Rocha Gomes com os vectores!…”, sem se aperceber que iriam ser esses “vectores” que conduziriam às maiores descobertas de jazidas minerais do século XX, em Portugal, com honras de selecção para figurarem em artigos de conceituadas Revistas de renome internacional.

As minhas reacções a todas estas dúvidas e afirmações foram sempre as mesmas: Apesar da sua longa tradição mineira (os livros de História referem expedições de variados povos, rumo à Península Ibérica na procura de metais e não são raros os vestígios de explorações mineiras, por vezes de grande dimensão, por todo o território nacional) a realidade é que Portugal era um País ainda muito desconhecido, nesta matéria.

Faltavam estudos científicos criteriosamente planificados e metodicamente empreendidos, de modo sistemático, sem pressas ou pressões.

O mesmo Director-Geral, na ânsia de ver resolvidas situações difíceis que algumas Empresas enfrentavam, aconselhava “Acções de Bombeiro”, como lhes chamava.

Nenhuma destas acções, públicas ou privadas, deu resultados positivos, mas provocou avultados dispêndios.

Houve uma Empresa que requereu ao Estado o reembolso de despesas que efectuara com estudos de Companhia especializada estrangeira, feitos sobre grande pressão, para encontrar novas reservas de minério que lhe permitissem prolongar a vida, da qual dependiam directa ou indirectamente, alguns milhares de pessoas.
Apoiava-se este pedido em artigo do Decreto-lei de criação do SFM.
Foi pedida a minha informação e eu, perante a indisciplina que notei sobretudo na execução de dispendiosas sondagens e até porque o plano de trabalhos não tinha sido previamente submetido a aprovação e fiscalização da sua execução, não tive alternativa senão dar parecer negativo.
Esta mesma Empresa, já em desespero de causa, chegou ao cúmulo de fazer sondagem com base em recomendação de vedor ou bruxo!

Por outro lado, entusiasmado com alguns êxitos que vinham sendo obtidos pelas equipas que eu dirigia, o Director-geral encomendou-me uma nova descoberta, pois precisava de ter algo para apresentar a Ministro ou Secretário de Estado para conseguir determinado objectivo.

Parecia ignorar que os jazigos minerais são excepções na Natureza e só se descobrem, através de uma acção disciplinada e sistemática, ao longo de dezenas de anos.

A realidade é que todo este esforço assim executado foi largamente recompensado.
As descobertas na Faixa Piritosa Alentejana, só por si, estão a pagar magnanimamente todas as despesas do SFM durante toda a sua existência (as úteis e os esbanjamentos de quem nada contribuiu para elas) e proporcionaram postos de trabalho a inúmeras pessoas,

Pena foi que a totalidade dos proventos não tenha revertido e não continue a reverter em proveito dos Portugueses, como seria normal.
Fizemos o mais difícil. Outros se estão a aproveitar, por incapacidade dos dirigentes que temos tido.
Mas disso me ocuparei em um dos próximos posts.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

1 – O Serviço de Fomento Mineiro (SFM)

Em Novembro de 1997, entendeu a Direcção Geral de Energia e Geologia dar um contributo para um melhor conhecimento da história do sector mineiro em Portugal no período de 1802 a 1836, através de uma nova edição fac-similada de um exemplar único, com data de 1938, da “MEMÓRIA SOBRE A HISTÓRIA MODERNA DA ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS EM PORTUGAL” pelo Barão D’Eschwege, que foi possível localizar nos arquivos que, ao longo dos anos, têm acompanhado a Administração Mineira Portuguesa”.

Também o N.º 2 do Volume 42 do Boletim de Minas, publicado em 2007, insere artigo da autoria de Vanda Leitão historiando as primeiras investigações geológicas em Portugal (período de 1848 a 1868).

Sente-se existir, actualmente, um grande interesse em conhecer o passado da investigação geológica e mineira realizada pelos Serviços Estatais.

Há, sem dúvida, muitos artigos publicados sobre a matéria. Mas, além da imensidão de estudos que constam de relatórios não publicados e de variados outros documentos, há histórias publicadas, em Revistas portuguesas e até estrangeiras, que estão muito mal contadas.

Proponho-me dar a conhecer casos que vivi na minha actividade profissional, inteiramente dedicada à prospecção mineira em Portugal.

Começo por me referir aos objectivos do Organismo em que estive integrado, que já se encontra extinto, pelo que é possível que as novas gerações desconheçam o papel preponderante que teve no desenvolvimento da indústria mineira nacional.

No período de 1940 a 1990 existiu um Organismo do Estado, denominado Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que tinha por missão proceder ao inventário dos recursos minerais do País com vista ao seu racional aproveitamento

Criado em 1939 pelo Decreto-lei N.º 29 725, pretendia disciplinar a indústria mineira nacional, pois havia a noção de que a actividade privada, salvo algumas honrosas excepções, estava a malbaratar um valioso património que se considerava muito poder contribuir para a economia do País.

Aqui presto a minha homenagem ao Engenheiro António Bernardo Ferreira, que foi o primeiro dirigente deste Organismo. A ele se deve o impulso inicial, ao criar estruturas dispersas pelo território nacional, que viessem a responder aos objectivos enunciados no referido Decreto-lei.

O Engenheiro António Bernardo Ferreira pertencia ao Corpo de Engenheiros de Minas da então denominada Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGM) que, no que respeita a Minas, Pedreiras e Águas Minerais, estava sobretudo vocacionada para a atribuição de concessões mineiras e fiscalização da respectiva actividade.

O Engenheiro António Bernardo Ferreira tinha a consciência de que para atribuir criteriosamente concessões mineiras e para uma fiscalização eficaz, se impunha competência técnica adquirida através do exercício directo desta actividade.

Era sua intenção, ao implantar centros de investigação estrategicamente localizados no território nacional, não só proceder ao inventário dos recursos minerais, mas também promover a formação de técnicos competentes para o desempenho cabal das importantes funções da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos.
Pretendia, deste modo, substituir ou dar melhor formação aos técnicos de papel selado, como alguém humoristicamente os apelidou.

O SFM, integrado na DGM, completaria a formação especializada que as Escolas superiores e médias não estavam em condições de proporcionar. Pelo SFM teriam obrigatoriamente de passar os técnicos destinados a guarnecer os quadros da DGM.

Grandes foram as expectativas dos governantes da década de 40 do século passado relativamente à actividade do SFM, ao qual não foram regateadas os meios então possíveis (lembremos que de 1939 a 1945 decorria a 2.ª Guerra Mundial) para que bem pudesse desempenhar a sua acção

Aqui presto também homenagem ao Eng. Ferreira Dias, que foi Ministro da Economia e ao Eng.º Luís de Castro e Solla, que foi Director-Geral de Minas, por sempre estimularem a acção do SFM.

O Engenheiro António Bernardo Ferreira não chegou a ver concretizados os objectivos em que tão entusiasticamente se empenhou. Faleceu em 1948, quando tanto havia a esperar da sua acção.

Os dirigentes que lhe sucederam não estiveram à altura das importantes funções em que foram investidos. Pelo que me diz respeito, senti permanentes obstáculos, que muito atrasaram ou impediram dar cumprimento aos objectivos para os quais foi instituído o SFM.

Apesar disso, importantes êxitos foram obtidos pelas equipas que formei e dirigi, nelas participando activamente, durante quase 5 décadas.
De alguns desses êxitos, outros vieram a vangloriar-se e aproveitar para benefício pessoal.
Mas muitos mais poderiam ter sido conseguidos, se a minha actuação tivesse sido acarinhada, como era dever dos dirigentes e não dificultada, como aconteceu.

É meu propósito, como já afirmei, narrar aqui alguns episódios da história mineira do período de 1940 a 1990, com alguns aspectos que constituem verdadeiras anedotas.

Ingressei no SFM em Agosto de 1943, ainda como estagiário. Completado o estágio, fui contratado como engenheiro em Outubro do mesmo ano.

Neste Serviço permaneci até 9 de Agosto de 1990, data em que fui aposentado, com a idade de 70 anos.

Já próximo da aposentação, preocupado com o rumo que o SFM vinha desastrosamente seguindo, ofereci ao Director de então a continuação da minha colaboração, pois sentia ainda vigor físico e mental para a poder prestar. Sobranceiramente, esta colaboração foi considerada desnecessária.

Mas não são raros os casos em que, por intermédio de Engenheiros e Geólogos amigos, me têm sido pedidas informações e até feitas consultas sobre matérias em que andei envolvido.
Ainda em datas bem recentes prestei colaboração às Universidades do Aveiro e do Porto, orientando-as no sentido de poderem usar dados de estudos efectuados no SFM, sob minha orientação, para eventual continuação desses estudos.

Dirigi trabalhos de prospecção e pesquisa mineiras, por todo o País, com especial incidência no Alentejo.
Tive residências, nas Minas de S. Domingos e em Aljustrel, de 1944 a 1948 e depois em Beja, de 1948 até 1963.
Em 1946, tive residência temporária nas Minas do Braçal (Sever do Vouga).
Em 1947, tive residência temporária em Albergaria-a-Velha.
Em 1963, fui nomeado Chefe do Serviço de Prospecção Mineira, e passei a residir na cidade do Porto, onde se situava a sede do SFM e a dirigir dali, também trabalhos no Norte e no Centro, neles participando activamente.

Entre 1970 e 1990, regi, na qualidade de Professor Convidado, cadeiras de Prospecção Mineira na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Durante este período, regi, também Prospecção Mineira, durante dois anos na Faculdade de Engenharia da mesma Universidade. Dei ainda colaboração às Universidades de Aveiro e Braga

Em 1975, as liberdades introduzidas pela Revolução de 25 de Abril de 1974, contra todas as expectativas, foram aproveitadas no pior sentido, acabando por ter efeitos extremamente nefastos sobre a eficácia do SFM, que culminaram com a extinção deste Organismo essencial ao desenvolvimento da economia do País.

Chegou-se até ao ponto de dificultar gravemente a minha actividade docente, impedindo-me o uso de equipamentos de que a Universidade não dispunha, com os quais pretendia não só praticar o ensino, mas também realizar trabalho útil, com mão-de-obra grátis.
Casos houve em que tive que aproveitar meios de transporte da Universidade de Aveiro e equipamentos que dois meus ex-alunos, então já professores desta Universidade, puseram à minha disposição para ensino de alunos seus que levaram para área do Norte do País, onde decorriam, sob minha direcção, trabalhos de prospecção mineira

Se os dirigentes posteriores a 1948 se caracterizaram pela incompetência profissional, os que exerceram o cargo após a Revolução de Abril de 1974, demonstraram ainda muito pior preparação para o desempenho das suas funções.
Adaptando de Camões: “Fraco dirigente, faz fraca forte gente”

Irei, pois, contar alguns episódios confirmativos do que acabo de escrever.

O que o Barão de Eschwege narrou nas suas MEMÓRIAS, nada é em comparação com o que se passou no período em que estive integrado no SFM.
Lamentava o Barão que o saber estivesse dum lado e o poder de outro, com a agravante de o poder ser exercido sem atender aos reais interesses do País.
Passados mais de 100 anos, o País não aprende a lição e insiste neste deplorável erro.