domingo, 22 de dezembro de 2013

228 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 18

No post anterior, fiz desenvolvida referência a Decretos-leis e disposições da Constituição da República, que vedam a atribuição de concessões mineiras, a entidades estrangeiros

Referi, também, a consulta do Conselho Superior de Minas (CSM), em fins de 1971, à Procuradoria Geral da República, visando resolver um caso, em que lhe surgiram dúvidas, embora declarasse que, até àquela data, não tinham surgido embaraços à outorga de concessões mineiras a empresas estrangeiras.

A Procuradoria-Geral da República, em Acórdão publicado no Diário do Governo, não podia ser mais incisiva. Classificou o procedimento da DGMSG como prática à margem da lei.

A Soares Carneiro, nas funções de dirigente máximo da DGMSG e de Presidente do CSM, competiria zelar, escrupulosamente, pela defesa do nosso património mineiro.

Mas esta nem era a sua única participação em práticas ilegais, nos cargos que lhe tinham sido confiados, na DGMSG.

No post N.º 119, ao comentar ridícula comunicação a Congresso, com o subtítulo de “Realidades e fantasias”, citei as suas alusões, sem o mínimo constrangimento, a factos “reais”, de que foi responsável, nada dignificantes para a DGMSG.

São exemplos do seu desprezo pelas leis, as “concessões a requerimento”, sem comprovada ocorrência de matéria-prima justificativa, a falsificação de amostragem (!!!), o prolongamento artificial da validade de registos mineiros, deixando-me até sérias dúvidas sobre o seu perfeito domínio da nossa legislação mineira.

O facilitismo na outorga de concessões mineiras, na região Norte do País, quando chefiou a respectiva Circunscrição Mineira, deu origem a uma imensidão de pseudo-jazigos minerais, de que nunca surgiram verdadeiras minas.

Daí, derivaram algumas das suas “fantasias”! Derivou, também, a expressão corrente “Portugal, País rico em minas pobres” (Ver post N.º 2).

Mas Soares Carneiro não era criatura para se intimidar com leis, que pudessem reprovar os seus actos.

Totalmente indiferente ao Acórdão, manteve a mesma conduta, consciente da impunidade, que proviria da ignorância dos membros dos Governos, nas áridas matérias mineiras.

Fazia-me lembrar o rei Luís XIV de França, ao qual é atribuída a afirmação:”L’État c’ést moi!”
Soares Carneiro diria: “Em minas, a lei sou eu!"

Mas se a História consagra o monarca absolutista francês como grande defensor da sua pátria, Soares Carneiro será classificado na História da Mineração em Portugal, como o coveiro do Organismo criado para o desenvolvimento da nossa indústria mineira, precisamente quando este Organismo tinha atingido a sua maior capacidade técnica, de modo a poder cumprir cabalmente as suas funções.

Na fase inicial do seu mandato de Director-Geral, Soares Carneiro ficou deslumbrado com os sucessos conseguidos pelo SFM, no Sul do País, sobretudo pelo acentuado contraste com o que acontecera, no Norte, onde não houve capacidade para tirar partido das novas técnicas de prospecção.

À profusão de “pseudo-jazigos” do Norte contrapunha-se um limitado número de “reais jazigos”, evidenciados na região a Sul do Rio Tejo.

A actividade do SFM, na região Sul, tinha sido ocultada por Guimarães dos Santos durante os 15 anos em que teve a seu cargo a respectiva direcção

De facto, Guimarães dos Santos, desrespeitando a metodologia anteriormente estabelecida, decidira não publicar os mais importantes relatórios de minha autoria, com o falacioso argumento de serem longos e conterem muitas peças desenhadas! (Ver post N.º 3).

A publicação destes relatórios, de que são exemplos “Jazigos ferro – manganíferos de Cercal – Odemira, ”Jazigo de zinco, chumbo e cobre do Torgal”, “Prospecção e pesquisa de filões cupríferos, na região de Barrancos” e vários sobre o “Jazigo de cobre de Aparis”, além de ser prestigiante para o SFM, teria podido servir de guia para futuros estudos da mesma natureza, por entidades públicas ou privadas.

Tinha, além disso, o mérito de apresentar, devidamente corrigidos, grosseiros erros do SFM, cometidos em épocas anteriores, os quais estão bem patentes nas publicações N.ºs 12, 13 e 15 da série “Relatórios do SFM”, sobre as Minas de ferro e manganés de Cercal do Alentejo e sobre as Minas de ferro de Montemor-o-Novo. (Ver posts N.ºs 200 e 202).

Mas o deslumbramento de Soares Carneiro não tivera o principal fundamento nos progressos já conseguidos na indústria mineira nacional.

A realidade é que ele nem tomara verdadeira consciência da capacidade técnica do Serviço que eu tinha organizado, no decurso de vinte anos.

De facto, esta capacidade era muito superior à de qualquer empresa, nacional ou estrangeira, que pretendesse substituir o SFM na procura de novos jazigos, em áreas onde o SFM estivesse actuando, como era o caso da Faixa Piritosa Alentejana.

Para ele, surgia excelente oportunidade para se apresentar, perante o Ministro da tutela, como o orientador de um Organismo dotado de elevada capacidade científica, apto a resolver os complexos problemas com que se confrontava à nossa indústria mineira.

Nesse sentido, começou por convidar o Secretario de Estado Amaro da Costa a visitar diversas Minas do Alentejo que tinham sido muito valorizadas pela actuação do SFM (Ver post N.º 47).

O Secretário ficou, de facto, agradavelmente impressionado com tão invulgar actividade de um Organismo de Estado e surpreendido com o silêncio mantido a tal respeito.

Posteriormente, Soares Carneiro nunca deixou de participar, pessoalmente ou por intermédio de um seu representante, em qualquer evento, onde pudesse demonstrar a elevada eficiência técnica da DGMSG.

Naquela fase inicial do seu mandato de Director- Geral, fui, numerosas vezes incumbido de o representar.

São, disso, bons exemplos, palestras que proferi, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e a participação nas Jornadas de Engenharia de Moçambique (Ver post N.º 20).

Não obstante ser notório o propósito de Soares Carneiro em se auto-promover, cheguei a convencer-me de que, após a introdução da técnica gravimétrica no SFM, nova era teria início, no que respeita ao aproveitamento dos nossos recursos minerais.

Concretizar-se-ia, finalmente, o desiderato expresso nas “Considerações finais” do meu relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955 (Ver post N.º 219).

Grande foi, porém, a minha desilusão, pois tal não foi o entendimento de Soares Carneiro, que até dispensou os pareceres que, legalmente, competiam ao CSM e ao SFM.

Soares Carneiro acolheu entusiasticamente, a colaboração de Empresas estrangeiras, por considerar vantajosas as compensações oferecidas, as quais se relacionariam com os resultados das campanhas de prospecção mineira, que lhes fossem autorizadas.

Foi essencialmente a Faixa Piritosa Alentejana a suscitar a cobiça dessas Empresas.

E a tal cobiça não deve ter sido alheia a informação contida em publicações de minha autoria e em citações delas feitas, até em livros de texto estrangeiros. (Ver post N.º 9).

Em 1966, ficou adjudicada, a empresas privadas, a quase totalidade da Faixa Piritosa, tendo os respectivos contratos sido celebrados, sem prévio concurso público, como o cumprimento da lei exigia. (Ver post N.º 32).

O SFM conseguiu manter, durante algum tempo, uma pequena área envolvente das Minas de Aljustrel, onde aplicava privilegiadamente a técnica gravimétrica.

Nesta diminuta parcela, descobriu o jazigo da Estação, cuja bizarra história descrevi, no post N.º 225.

Evidenciou, também, a anomalia gravimétrica, que era a assinatura da parte rejeitada do jazigo de S.João do Deserto, pela Falha de Messejana.

Um mapa gravimétrico, à escala de 1:5000, que eu cortara à tesoura, pela Falha, para colocar a anomalia, no alinhamento do jazigo de S. João do Deserto, assim anulando o efeito da rejeição de 3 km, foi, por mim exposto, na Sala das Sessões da DGMSG, para documentar as actividades a meu cargo, quando fiz a intervenção que me competia, numa das habituais reuniões da Comissão de Fomento.

Era expectável que o Director-Geral mantivesse o mapa exposto, para demonstrar, em outras reuniões, a elevada eficácia do SFM.
Aconteceu, porém, algo que me ocasionou grande perplexidade.

Soares Carneiro apressara-se a esconder o mapa e, sem o mínimo respeito pelo meu persistente esforço no sentido de preparar o SFM para realizar, por si próprio, as complexas tarefas exigidas pelas diferentes fases da prospecção mineira, até a completa concretização dos objectivos para que o Organismo fora instituídoadjudicou também esta pequena área, a empresa privada.

A adjudicatária, que por estranha coincidência, era afiliada da CUF, de onde tinha vindo o Secretário de Estado da tutela, logo passou a fazer sondagens, na zona da anomalia gravimétrica, acabando por descobrir o jazigo, ao qual deu a designação de Gavião.

Em estranha atitude, assumiu-se como única autora de tão importante sucesso, chegando ao cúmulo de afirmar a inexistência de anomalia gravimétrica, em texto sobre a geologia da Faixa Piritosa para o Livro Guia do CHILAGE, que os seus técnicos elaboraram, a deferente convite da DGMSG (Ver post N.º 36)!!!

Surpreendeu-me a cumplicidade de Soares Carneiro e do seu Adjunto Costa Almeida, nesta gratuita ofensa ao SFM.

Eles tinham assistido à minha exposição sobre a descoberta da anomalia gravimétrica!!!

Era sua estrita obrigação manifestar repúdio por tão ridículo atentado a elementares princípios éticos.

Mas a triste realidade é que estes dirigente da DGMSG e outros que lhes foram sucedendo em altos cargos, persistiram em atitudes ilegais e contrárias ao interesse nacional, em subsequentes adjudicações na Faixa Piritosa Alentejana.

Ocorreu, então, algo que não se julgaria possível acontecer.

Os quadros técnicos das empresas adjudicatárias eram muito reduzidos e concentravam-se em investigações geológicas, sendo justo reconhecer a elevada competência da maioria dos seus Geólogos.

Para trabalhos de outra natureza, recorriam a entidades especializadas.

Informadas da disponibilidade do SFM para prestar colaboração em matéria de prospecção geofísica e geoquímica., todas as empresas, cientes do rigor dos trabalhos do SFM, aproveitaram esta prerrogativa que lhe era facultada.

Acontecia, assim, um caso inédito.

O SFM comportava-se como empreiteiro, daí resultando importante compensação para o Estado das despesas originadas pela sua actividade.

As respectivas facturas, embora contivessem uma sobrecarga de 50% sobre o custo real dos trabalhos, eram altamente vantajosas para as Companhias, que se dispensavam de contratar especialistas de outros países, os quais, provavelmente, apresentariam preços muito mais elevados sem resolverem melhor os problemas suscitados.

Nos meus frequentes contactos com as adjudicatárias, tentei auxiliar as suas actividades.
Porém, os meus conselhos, baseados em longa experiência na Faixa Piritosa, nem sempre foram aproveitados.
Todas tinham pressa em chegar aos êxitos.

Eliminavam ou reduziam muito a fase da prospecção geofísica e geoquímica e passavam, rapidamente, às sondagens, muitas das quais teriam sido dispensáveis (Ver posts N.ºs 32 e 33).

No próximo post, terminarei este terceiro caso, que não é apenas paradigmático do “uso do poder, em oposição ao saber”, com desprezo do interesse nacional.

É também revelador do maior escândalo, de todos os tempos, praticado na Direcção-Geral de Minas, cujos autores, além de não terem sido severamente punidos, como se impunha, até conseguiram que um deles fosse premiado com expressivo louvor, publicado em Diário da República, por um dos graves delitos, que cometeu.

Continua …