sábado, 21 de abril de 2012

196 - Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 20

A história da “Prospecção Mineira em Portugal”, com o subtítulo “Áreas potenciais para instalação de projectos”, da autoria de José Goinhas, destinava-se a constituir o principal alicerce de novo “Plano Mineiro Nacional”,que o Governo mandara apresentar, em 1984, com o objectivo de combater grave crise da nossa indústria mineira.

Tal objectivo não foi alcançado, no prazo fixado e caiu, depois, no esquecimento, porque, efectivamente, mais Planos eram supérfluos.

Imperativo era criar condições para poder cumprir, satisfatoriamente, os Planos anualmente submetidos pelo Serviço de Fomento Mineiro (SFM), à apreciação do Governo.

Tinham sido convidadas numerosas individualidades, supostamente idóneas, para darem a sua contribuição ao novo Plano. (Ver post N.º 176).
Distraídas das funções com fins produtivos, que deveriam exercer, dedicaram-se a elaborar documentos desnecessários e, nalguns casos, até prejudiciais.

Mas estas contribuições passaram a figurar nos respectivos currículos que, como era regra instituída, seriam apreciados, não pela qualidade, mas pela quantidade, por avaliadores, também eles beneficiários do método.
Confortavelmente sentados às secretárias entretinham-se a extrair, de “relatórios Internos”, em que outros descreviam o trabalho que realmente tinham efectuado, no terreno, matéria para publicação, sem geralmente mencionarem os verdadeiros autores desse trabalho.
Exemplo bem esclarecedor é o de Delfim de Carvalho, a que tenho feito frequente referência (Ver, entre outros, posts N.º 38, 41, 42 e 43).

O Plano não foi apresentado, mas o Secretário de Estado da tutela, que provavelmente nem terá lido os documentos produzidos, fez a triste figura de até os elogiar, sendo certo que não seria necessária grande competência na matéria, para detectar erros grosseiros, contradições e omissões, pelo menos, no documento da autoria de José Goinhas, que teve honras de inserção numa das principais publicações periódicas da DGGM.

É da análise deste documento de José Goinhas que tenho vindo a ocupar-me desde o post N.º 186.

Sendo a prospecção mineira actividade muito dispendiosa e de elevado risco, é essencial que decorra obedecendo a rigorosa disciplina, consagradamente traduzida na frase “Always send the cheapest man first!”

Infelizmente, esta disciplina foi constantemente quebrada, tanto pelo SFM, que Goinhas preferiu cognominar de “serviços oficiais”, como pelas empresas privadas.

A pressa de chegar a resultados levou a que se passasse à fase de sondagens, antes de se terem esgotado os meios muito menos dispendiosos das fases anteriores, que teriam permitido mais racional selecção dos alvos a sondar.

Por outro lado, registaram-se casos em que uma ou duas sondagens profundas teriam sido decisivas para definir o real mérito de hipóteses formuladas com base em consistentes considerações geológicas e (ou) resultados geofísicos e geoquímicos excepcionais.
Mas quem tinha o poder de autorizar a deslocação de sonda do SFM, para investigar tais hipóteses, ou não aprovou ou simplesmente ignorou projectos submetidos à sua apreciação.

Desde o post N.º 191, tenho vindo a concentrar-me na fase de sondagens.
Apresento, a seguir, um caso, em que não houve a compreensão superior quanto à possibilidade de aumentar significativamente o património mineiro nacional.

14 – Sondagens para investigação da existência de sulfuretos, em zonas profundas de filões da Região de Cercal – Odemira.

No que respeita à Região de Cercal – Odemira, a seguir, transcrevo o que escrevi no capítulo final do relatório de minha autoria “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, publicado, em 1955, no Volume X de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”:

“A região de Odemira – Cercal, onde os recentes levantamentos litológicos do Serviço têm evidenciado extensas formações de pórfiros graníticos e felsíticos, felsitos e diabases, é recortada por numerosos jazigos filonianos, preenchidos, nos níveis superiores por óxidos de ferro e manganés e manifestando, nos inferiores, a presença de carbonatos dos mesmos metais. Embora apenas em minúsculas pontuações nos carbonatos, foram identificadas galena, blenda e pirite numa sondagem profunda levada a efeito no filão mais importante da região – o da Serra do Rosalgar.

Filões com enchimento característico do tipo BGPC, com ganga de carbonatos de ferro e manganés, parcialmente alterados para óxidos, foram também por nós encontrados, nas proximidades de Odemira, em aparente correlação com as formações porfíricas da região.

É nossa convicção que os jazigos de ferro e manganés de Odemira – Cercal poderão evoluir, em profundidade, para filões do tipo BGPC, com a ganga carbonatada que, nos níveis superiores, seria a sua constituinte exclusiva e, por meteoração, teria originado os óxidos. Com base nesta hipótese, propusemos, em 1953, uma sondagem orientada segundo a vertical, com cerca de 300 m de comprimento, a qual não chegou porém a ser executada, por não dispor, então, o Serviço, de material que lhe permitisse encarar afoitamente tal trabalho.

Cremos dever ainda admitir-se a possibilidade de ocorrência de massas de pirite, semelhantes às de S. Domingos, Aljustrel ou Louzal, porquanto o ambiente geológico da região é, de certo modo, análogo".

Em Setembro de 1973, isto é, 16 anos após a publicação deste relatório, tive oportunidade de participar em Congresso sobre o tema “Vulcanismo e metalogénese associada”, que se realizou na Roménia.

Uma vez que eu dirigia, então, intensa actividade de prospecção, visando a descoberta de mineralizações associadas a vulcanismo, o objectivo da minha inscrição em tal Congresso era obter novos dados que ajudassem a aperfeiçoar os estudos em curso, nas áreas onde ocorriam as rochas vulcânicas, como eram a Faixa Piritosa Sul-Alentejana e a Região de Cercal Odemira.

Saliento que, neste Congresso, participou também o Geólogo Delfim de Carvalho, que eu tinha encarregado, desde o seu ingresso no SFM, em Novembro de 1965, de dar continuidade aos estudos geológicos na Região de Cercal – Odemira, que já se encontravam em fase avançada, mas sem pormenorizada interpretação estrutural.

Do relatório de 9 páginas dactilografadas, que elaborei, a dar conta das minhas reflexões sobre as comunicações, a que assisti e sobre as visitas a zonas mineiras, são dignas de realce as passagens que, a seguir, transcrevo:

“Do ponto de vista mineiro, são de destacar as visitas aos trabalhos subterrâneos das minas de sulfuretos de cobre, chumbo e zinco, com ouro e prata associados, de Baia Sprie, Cavnic e Piriza, onde puderam observar-se os jazigos em exploração, no seu enquadramento geológico.”

“É de salientar que, nesta região mineira, as substâncias metalíferas são exploradas exclusivamente em filões, que ocorrem em número de cerca de uma centena.
Toda a região se encontra já bastante reconhecida, tanto do ponto de vista geológico como mineiro, tendo para isso contribuído as numerosas sondagens efectuadas e uma importante rede de trabalhos subterrâneos.
As sondagens, cujos objectivos foram, em muitos casos, essencialmente geológicos, atingiram grandes profundidades. As nove seleccionadas para mostrar a estrutura geológica da área, foram verticais e terminaram com comprimentos entre 575 m e 2 050 m.
No que respeita a trabalhos subterrâneos, sobressai a extensão das galerias em flanco de encosta, que chegam a ultrapassar 15 km. Tal é o caso da galeria designada com o N.º 2, no mapa geológico dos Montes Gutai, a qual atravessa vasto campo filoniano, onde se localizam as minas de Baia Sprie, Suior e Cavnic.
Nesta última mina a metragem total das galerias é superior a 150 km.
Digna de registo é ainda a profundidade a que já chegaram as explorações em filões, ainda sem indícios de esgotamento dos minerais úteis. Na mina de Baia Sprie, por exemplo, no piso mais profundo, o filão principal é já explorado a cerca de 900 m abaixo do seu afloramento.
Embora tivessem sido feitas referências a trabalhos de prospecção geofísica, que deduzimos terem sido importantes e concludentes, não vimos documentos concretizando os respectivos resultados.
Das visitas que fizemos às minas, poderíamos ser levados a concluir que os jazigos em exploração são excepcionalmente ricos, porquanto em todas as frentes em que estivemos, as possanças eram grandes e a mineralização abundante, nuns casos com predomínio de blenda e galena, noutros de calcopirite, reflectindo típica zonalidade vertical.
Todavia, das exposições feitas por dirigentes das minas, infere-se que, no conjunto, se trata de filões relativamente pobres, com teores médios que não conseguimos saber, mas que seguramente se situam abaixo dos que, nos países ocidentais, são susceptíveis de exploração económica.
Ficou-nos, porém, a convicção de que a exploração, tal como estava a ser praticada, seria rendível, mesmo numa economia competitiva.
São ainda de referir as visitas efectuadas a uma grande oficina de flutuação, onde convergem os minérios da maior parte das minas do distrito e o museu mineralógico das minas de Baia Mare, no qual estão representados em belos exemplares, os minerais que ocorrem na região”

“Os jazigos da Região de Baia Maré apresentam algumas características que consideramos muito semelhantes às dos jazigos ferro-manganíferos da Região de Cercal – Odemira.
Na verdade, em Baia Maré, observa-se uma zonalidade vertical da mineralização, ocorrendo, nos níveis superiores, sobretudo Au e Ag, a seguir Pb e Zn e, nos níveis mais profundos Cu.
Dentre as gangas acompanhantes dos sulfuretos metálicos, sobressai a rodocrosite.
Há muito se formulou a hipótese de que os jazigos ferro-manganíferos de Cercal – Odemira poderiam evoluir, em profundidade, para jazigos de sulfuretos de Pb, Zn e Cu.
Aliás, indícios bem evidentes de mineralizações deste tipo foram encontrados, nos filões do Torgal e em outros locais, sobretudo próximo de Odemira.
A hipótese surge agora reforçada pelas analogias verificadas, relativamente a Baia Mare”

Saliento o paralelismo que, nesta última passagem, estabeleço entre o modo de ocorrência das mineralizações em jazigos filonianos da Região de Baia Mare, no Norte da Roménia, e o modo de ocorrência de idênticas mineralizações nos filões de Cercal – Odemira.

Delfim de Carvalho também subscreveu este relatório, apesar de me ter manifestado, oralmente, pouca receptividade à hipótese, em que eu insistia, da existência de sulfuretos, em filões da Região de Cercal – Odemira.

Apesar de ter subscrito este relatório, estou convicto de que Delfim de Carvalho deve ter influenciado o seu padrinho, Soares Carneiro, que, então era o Director-Geral de Minas, no sentido de não aprovar sondagens profundas, para investigar a presença de sulfuretos nos principais filões da Região de Cercal – Odemira.

O que é certo é que tal hipótese manteve-se sem investigação, durante a minha chefia da 1.ª Brigada de Prospecção.

É, todavia, surpreendente que tenham sido aprovadas as sondagens profundas projectadas por Delfim de Carvalho para a zona do Salgadinho, com muito precários fundamentos, para as quais, à partida, era fácil prever o rotundo fracasso que se verificou.

Em 11 de Dezembro de 1983, após sessão realizada nas instalações do SFM em S. Mamede de Infesta, sob a presidência do Ministro Veiga Simão (Ver post N.º 155), tendo constatado, entre os numerosos convidados a presença do Engenheiro Técnico Costa Pereira, Director Técnico das Minas da Região de Cercal do Alentejo, perguntei-lhe se já tinham feito algum trabalho para investigar a hipótese de existência de sulfuretos, nos filões que estavam a explorar.

Respondeu-me que a sua empresa atravessava enormes dificuldades financeiras, não tendo possibilidade de desviar a sua atenção para estudos desta natureza.

Estando presente o Engenheiro Fernando da Silva Daniel, que detinha ainda o cargo de Director do SFM, sugeri que a empresa concessionária invocasse os artigos apropriados do Decreto-lei N.º 29 725, para obter nova ajuda técnica e (ou) financeira do SFM.

Surpreendentemente, Fernando da Silva Daniel, teve um comportamento arrogante, demonstrativo da sua ignorância daqueles artigos, que fez desanimar o diligente Costa Pereira de seguir o meu conselho.

Constou que foram firmados contratos de prospecção, com empresas privadas, entre as quais a Elf–Aquitaine, para continuar a investigar a possível existência de concentrações de sulfuretos de cobre, chumbo e zinco, susceptíveis de exploração económica na Região de Cercal – Odemira.

Não tenho, porém conhecimento de ter sido confirmada ou infirmada a hipótese que formulei.

Continua …

2 comentários:

António Mesquita disse...

Sr. Engº.

Teve alguma participação no desentulhamento das galerias de Tresminas ou Jales? Onde poderei colher pormenores de alguns trabalhos, neste sector, levados a efeito pelo Serv.Fomento Mineiro?
Desculpe o despropósito desta intervenção e obrigado.
António Mesquita
(antmezquita@gmail.com)

Albertino Gomes disse...

Ex.mo Senhor António Mesquita
Respondo à sua pergunta, formulada em comentário ao post N.º 196 do meu blogue "Vivências Mineiras".
Tenho conhecimento de o Serviço de Fomento Mineiro ter realizado alguns trabalhos em Três Minas, quando eu estava destacado, em Beja, a dirigir investigações mineiras, na zona do País, a Sul do Rio Tejo.
Deveriam existir ,relatórios desses trabalhos, nos arquivos do actual LNEG.
Não posso, porém, garantir que seja fácil, ou possível, encontrá-los, perante as vicissitudes por que passou o SFM, que conduziram à sua extinção.
Pelo que me constou, esses trabalhos foram conduzidos, por peesoal técnico inexperiente, que não soube tomar as medidas de segurança aconselháveis na desobstrução de galerias.
Conformr revelo, em vários posts, sobretudo no que tem o N.º 30, tive projecto de investigação, pelo método electromagnético Turam, de vasta área abrangendo as M;inas de Jales e Três Minas, com o objectivo, não só de encontrar o prolongamento do filão principal de Jales para Sul, como outros possíveis filões auríferos.
Dificuldades, criadas pelo Director de então, impediram-me de concretizar este projecto, no qual depositava grandes esperanças, por comparação com o que tinha conseguido relativamente ao sistema filoniano de Aparis em Barrancos.
Os meus cumprimentos