sábado, 24 de agosto de 2013

219- Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 10



        Prossigo na descrição de acontecimentos ocorridos na Faixa Piritosa Alentejana, que seleccionei como emblemáticos do “uso do poder em oposição ao saber, impunemente praticado por dirigentes da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG).

        Em cumprimento de disposições legais, tinham sido declaradas cativas, para os estudos do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), áreas envolventes dos três principais centros mineiros da Faixa Piritosa Alentejana (S. Domingos, Aljustrel e Louzal-Caveira).
        Pretendeu-se, com tal medida, impedir que entidade privada utilizasse resultados dos estudos do SFM, sem as devidas compensações ao Estado.

        Acontecia, porém, que a Direcção do SFM não dava andamento às propostas de aquisição dos equipamentos indispensáveis para que se cumprisse o programa constante do relatório de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, publicado em 1955, na Revista do SFM.

        Durante a 2.ª Guerra Mundial, apenas a Mina de S. Domingos manteve produção significativa, porque tinha instalado fábricas, nas quais produzia enxofre, a partir da pirite.
        Aljustrel e Louzal procediam quase exclusivamente a trabalhos de manutenção.
        E a Mina da Caveira estava sem actividade, desde o grande incêndio que nela deflagrara.

        Com o termo do conflito, todas as Empresas instaladas na Faixa, mostraram grande interesse em investigar áreas adjacentes às suas concessões, apesar de essas áreas se situarem no interior de zonas reservadas para os estudos do SFM.
Pretendiam garantir a continuidade das suas explorações, com novas reservas minerais, que esperavam descobrir.
No caso de S. Domingos a situação até já era crítica. Mina quase com um século de contínua exploração, só tinha reservas para extrair, durante 20 anos.

Era óbvio que Organismo instituído com o objectivo de desenvolver a indústria mineira nacional, não deveria criar obstáculos a Empresas, que se propunham realizar o que a Direcção desse Organismo não demonstrava grande empenho em levar à prática.

As pretensões de todas as Empresas foram atendidas, não tendo sequer sido exigidas compensações pela valorização introduzida, nessas parcelas das áreas cativas, pelos estudos geológicos e pela aplicação de técnicas geofísicas, da iniciativa do SFM.
Nas cláusulas contratuais, nem sempre foi exigida a entrega de relatórios desenvolvidos dos estudos que viessem a ser efectuados.

Os contratos, apesar de levianamente elaborados por “técnicos de papel selado”, sediados em Lisboa, que nem tiveram na devida consideração as disposições do art.º 6.º do Decreto-lei 29725, que visavam acautelar os interesses do Estado, acabaram por trazer notáveis benefícios ao SFM.
        De facto, todas as concessionárias trouxeram, a Portugal, conceituados cientistas e prestigiadas Companhias especializadas em técnicas geofísicas, a fim de efectuarem campanhas para a descoberta de novas concentrações de minério.

        Eu não desperdicei a extraordinária oportunidade que se me oferecia para adquirir algum conhecimento directo da aplicação prática de técnicas que já tinha estudado na teoria.
        Entrei em contacto com todos estes cientistas e com os técnicos das empresas especializadas em métodos geofísicos, encontrando sempre excelente receptividade perante as questões que lhes apresentei.

        Os Professores ingleses J. Bruckshaw, John Webb, David Williams e o Professor francês Delcey não foram bem-sucedidos nos seus denodados esforços para revelar novas concentrações de minério, que permitissem prolongar a laboração na Mina de S. Domingos.
        Porém, na Mina de Aljustrel, embora  a “Compagnie Générale de Géophysique (CGG)” francesa, não tivesse adicionado novas reservas às evidenciadas pelo método electromagnético Turam, foi notável a vigorosa expressão gravimétrica da massa de Carrasco – Moinho, que até permitiu fazer a estimativa das suas reservas.
        Notável também a anomalia de polarização espontânea, que muito valorizou a aplicação futura deste método de grande simplicidade.

        As Companhias McPhar e Excalibur, que actuaram sobretudo no Centro Mineiro de Louzal – Caveira, aplicando o método de polarização induzida, também não tiveram sucessos práticos nas suas campanhas.

Mas foi, numa fase mais tardia (1960-61), que eu pude tirar o proveito, que ambicionava, da presença de Empresa especializada em métodos geofísicos e geoquímicos, em território nacional.

A Lea Cross Geophysical Company actuava na Mina de S. Domingos, aplicando diversas técnicas, com realce para a gravimetria e a análise geoquímica de Cu, Pb, Zn em amostras de solos.
Num dos meus frequentes contactos com os seus dirigentes, foi-me solicitada a indicação de um Geólogo ou Engenheiro de Minas português, para colaborar nos seus trabalhos.
Logo me ocorreu que esta seria uma óptima oportunidade para que o Engenheiro Marques Bengala, que acabara de ser destacado para a BPG, juntando-se aos que se entretinham com a magnetometria, aprendesse as técnicas que a Lea Cross usava.
Não foi com entusiasmo que este recém–admitido colega aceitou trocar, durante alguns meses, o conforto do gabinete em que o tinham instalado, por trabalho diário, de campo ou laboratorial, na zona de S. Domingos (Ver post N.º 14).

O Chefe da BPG, Eng.º La Cueva Couto, que começava a conseguir libertar-se da passividade herdada do seu antecessor, concordou em enviar ao Director do SFM proposta, que eu me encarreguei de elaborar, para ser autorizado o estágio de Marques Bengala na Lea Cross Geophysical Company.
A autorização foi concedida por ter sido solicitada por ofício subscrito pelo Chefe da BPG.

Bengala permaneceu durante 6 meses em estágio, na Lea Cross, beneficiando do meu constante apoio, pois fazia regresso a Beja com passagem pela Mina de S. Domingos, nas minhas frequentes deslocações à Mina de Aparis, em Barrancos, onde dirigia importantes trabalhos de reconhecimento deste jazigo cuprífero.
Terminado o estágio, o Director do SFM aceitou, finalmente que fosse adquirido um gravímetro!!

Tinham passado 10 anos sobre a data da minha primeira referência à necessidade de aquisição deste aparelho!!!.

         O gravímetro chegou, em 1962.

O SFM poderia, finalmente cumprir, com meios próprios, o objectivo para que fora instituído, dispensando a concurso de Empresas estrangeiras!

É certo que ainda não dispunha de equipamentos para aplicação do método de refracção sísmica e de alguns métodos eléctricos, mas estas técnicas não se apresentavam com o mesmo grau de urgência.

Relativamente a pessoal técnico, o Eng.º La Cueva Couto, aceitava e até agradecia a colaboração que sempre me dispusera a prestar-lhe.
E Marques Bengala era suposto ter-se especializado em gravimetria, durante o seu prolongado estágio na Mina de S. Domingos.

        Perante estes factos, convenci-me de que, Portugal reunia agora condições para entrar em nova era, no que respeita ao aproveitamento dos seus recursos minerais.
      
       Era chegada a oportunidade de a DGMSG passar a respeitar o preceito legal de defesa do património mineiro nacional, - que tem sistematicamente ignorado - , segundo o qual, os recursos minerais são classificados como “bens dominiais”, estando consequentemente interdita, a entidades estrangeiras, a concessão de direitos para sua exploração.

        O desiderato expresso nas Considerações finais do meu relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955, quanto ao papel dos portugueses no aproveitamento dos seus recursos minerais teria assim o seu normal cumprimento.
       

        Continua …

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