domingo, 2 de fevereiro de 2014

230 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 20


Ao assumir, em 1948, a chefia da Brigada do Sul do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), estranhei que a principal actividade, à qual eu devia dar continuidade, incidisse em áreas concedidas a entidades estrangeiras.

De facto, o mais importante núcleo da Brigada, que era a Secção de Cercal do Alentejo, tinha em curso trabalhos de pesquisa (sanjas, galerias, poços), em minas, na situação legal de “lavra suspensa”, cujo concessionário era o Banco Burnay, de origem belga.

Também na Secção de Alvito, decorriam investigações, em minas de ferro, com lavra suspensa, concedidas ao Banco Burnay e na Secção de Montemor-o-Novo já tinham sido dados por concluídos, sem resultados de interesse, estudos em minas de ferro concedidas ao mesmo Banco.

Destes últimos estudos, constam as publicações N.ºs 3 e 15, da Série “Relatórios do SFM”, as quais comentei no post N.º 200.

Nas numerosas minas de manganés ocorrentes na Faixa Piritosa Alentejana, nas quais estavam em curso, ou tinham já sido realizados, trabalhos de pesquisa, também o concessionário, Alonso Gomes, tinha origem estrangeira!
Dos estudos empreendidos, em algumas destas minas, constam as publicações N.ºs 7, 8 e 9 da mesma série - “Relatórios do SFM”.

Causou-me, ainda maior estranheza, que técnicos seleccionados para desenvolverem a indústria mineira moçambicana, tivessem privilegiado os tradicionais trabalhos de pesquisa, em detrimento das investigações geológicas e das técnicas geofísicas, nas vastas áreas, a Sul do Rio Tejo, onde abundavam expressivos indícios de jazigos minerais, eventualmente mais importantes do que aqueles onde estavam em curso os trabalhos de pesquisa.

Esses técnicos, que me antecederam na programação da actividade da Brigada do Sul, não tinham conseguido ultrapassar a inexperiência inicial, nem tinham acompanhado, através de consulta bibliográfica, o que se passava em países mais evoluídos, em matéria de investigação mineira.
Muito do que fizeram e consta de publicações do SFM, enfermou de indesculpáveis erros, conforme denunciei em vários posts.

Eu teria, logicamente, que alterar esta orientação e foi nesse sentido que iniciei as minhas diligências.

Contava com o indefectível apoio do Director, Engenheiro António Bernardo Ferreira, para quem eu surgia como “tábua de salvação” dos problemas gerados pela deserção dos técnicos mais qualificados da Brigada do Sul.

Ocorreu, porém, um trágico acontecimento, que se revelaria profundamente nefasto para o SFM.
Bernardo Ferreira faleceu em 1948, quando muito havia a esperar da sua dedicação ao progresso da indústria mineira nacional.

Nenhum dos dirigentes, que lhe sucederam, esteve à altura do cargo, dai resultando enormes atrasos na concretização dos objectivos do SFM.

Por incrível que pareça, todos esses dirigentes se deixaram dominar por mesquinhos sentimentos pessoais (rivalidades consentidas por proteccionismo politico – religioso), desrespeitando, o juramento de “cumprir, com lealdade, as funções que lhes foram confiadas”.

Sem deixar de dar continuidade às pesquisas que estavam em curso, passei a incluir nos programas da Brigada, investigações geológicas e geofísicas, em diversas zonas do Sul do País, como fases preparatórias, essenciais à correcta selecção das áreas de maior potencialidade mineira, nas quais incidiriam, depois, trabalhos mais onerosos, tais como sondagens mecânicas, galerias, poços.

Ao incluir nos programas da Brigada do Sul as investigações geológicas e a prospecção geofísica, era óbvia a minha intenção de dotar a Brigada dos equipamentos e do pessoal adestrado para poder cumprir aqueles programas.

Todavia, o novo Director do SFM, indiferente às minhas propostas, decidiu criar Brigadas ditas especializadas naquelas matérias, que passaram a agir com inteira independência da Brigada do Sul.

Esta sua decisão foi catastrófica.

Para os estudos geológicos, instituiu a 2.ª Brigada de Levantamentos Litológicos (2.ª BLL), nomeando, para a chefiar, o Geólogo que antes estivera integrado na Brigada do Sul e revelara assombrosa incompetência, conforme já denunciei, nos meus comentários aos relatórios publicados sobre os jazigos de ferro de Montemor-o-Novo e sobre os jazigos ferro-manganíferos de Cercal – Odemira.

Para a aplicação de técnicas geofísicas, criou a Brigada de Prospecção Geofísica (BPG), nomeando, para a chefiar, um inexperiente Engenheiro que, apesar de todos os auxílios que lhe prestei e das lições de um Professor do Imperial College, propositadamente vindo a Portugal para o ensinar, nunca conseguiu ser outra coisa senão um grave empecilho à aplicação destas técnicas (Ver post N.º 13).
Esclarecedora foi a sua atitude, quando sugeri que fosse integrado na BPG um Engenheiro recém-admitido que o Director encaminhara para a Brigada do Sul, onde seria menos útil.
A sua estranha reacção foi: “Na Geofísica, quanto menos, melhor!”
Curiosamente, nas suas atitudes obstrucionistas, contou sempre com o apoio do Director do SFM!!!

A zona que continuou a merecer a minha atenção privilegiada foi a FAIXA PIRITOSA ALENTEJANA.
Embora me tivesse mantido em contacto com os colegas Fernando José da Silva e Pedro Lopes Paradela, que me substituíram na Brigada de Prospecção Eléctrica (BPE), não consegui evitar a degradação desta Brigada, e a deterioração das relações pessoais com o Engenheiro sueco, que sempre tivera para comigo grande cordialidade.

Esta ambiente, associado à atitude negativista assumida pelo novo Director do SFM, Eng.º João Lopes Guimarães dos Santos, mais preocupado em dar por findos estudos que mal haviam começado (ver post N.º 6), do que em promover a sua correcta orientação, para se atingirem os objectivos desejados, conduziram à ordem de pôr termo às investigações na Faixa Piritosa, quando muito havia por executar.

Não tinham sido prospectadas as zonas de Alcaria Ruiva e Albernoa, onde se haviam definido, nos anteriores levantamentos geológicos, extensas manchas de rochas vulcânicas, caracterizando um ambiente favorável à ocorrências de jazigos de minério piritoso.

Além disso, não tinha sido completada a prospecção da zona de Castro Verde – Panoias.
Excluíra-se, precisamente, a parcela mais promissora, onde ocorrem as mineralizações cupríferas, a que me tenho referido, com frequência.

A ABEM de Estocolmo apresentou o seu relatório final, com conclusões idênticas às que eu me sentia apto a extrair dos documentos técnicos que ficaram arquivados no SFM. Recomendava a execução de trabalhos para investigação das causas de anomalias electromagnéticas registadas em locais cujas características geológicas considerava como as mais favoráveis à ocorrência de jazigos minerais.

Todos estes trabalhos foram efectuados, cabendo ao SFM, através da sua Brigada especializada, a execução de sondagens, em zonas exteriores às concessões. Eu próprio me encarreguei do exame pormenorizado dos testemunhos destas sondagens.
Os concessionários encarregaram-se dos trabalhos dentro das suas concessões.

Na concessão de S. João do Deserto e Algares, localizada na região de Aljustrel, registou-se um resultado positivo, que foi suficiente para compensar todas as despesas com a campanha efectuada durante 5 anos (1944-49).

As sondagens, fora das áreas das concessões mineiras, revelaram que as causas das anomalias eram sistematicamente, xistos negros, carbonosos, bons condutores eléctricos.

Da análise de todos estes resultados concluí que o estudo da Faixa Piritosa Sul-Alentejana, apesar da longa campanha de prospecção que sobre ela havia incidido, tinha que considerar-se apenas numa fase muito incipiente.

Disso dei conta nas “Considerações finais” do relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, parcialmente publicado em 1955, no Volume X, (fasc. 1 e 2) da Revista “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fmento Mineiro”. De um Apêndice, que não foi publicado, constam os logs das sondagens e os seus perfis em correlação com as anomalias que se destinavam investigar.

Pela sua grande importância, respigo passagem das páginas 69 a 71, as finais desse capítulo:

“Somos de opinião que o prosseguimento do programa de prospecção de pirites, para ter a eficácia pretendida, deve contar com a cooperação efectiva de especialistas em geologia aplicada e em prospecção geofísica, integrados na equipa de estudo, de modo a poder cumprir-se o seguinte programa:
a) Estudo minucioso das condições geológicas de ocorrência dos jazigos de pirite, actualmente em lavra activa, em colaboração com as empresas concessionárias, com amplo recurso aos métodos de exame microscópico, químico e espectrográfico, tanto do minério como das rochas encaixantes e circunvizinhas.
b) Estudos geológicos sistemáticos, de campo, em toda a área da Faixa Piritosa, acompanhados, de perto por investigações laboratoriais, procurando, essencialmente, encontrar ambientes geológicos idênticos aos dos jazigos conhecidos.
c) Aplicação conjunta de métodos vários de prospecção geofísica, em especial dos eléctricos, electromagnéticos, gravimétricos e magnéticos, seguida de novas investigações geológicas, nas áreas que se apresentem mais prometedoras, visando uma interpretação, o menos aleatória possível, das causas das anomalias que se registem.
Terá cabimento, nesta fase, a execução de pequenos trabalhos mineiros e mesmo sondagens, com objectivo geológico, conquanto não deva jamais perder-se de vista que a finalidade de todo o estudo é de um carácter mais prático.
d) Eventual utilização de métodos geoquímicos, se ensaios prévios lhe mostrarem possibilidades.
e) Execução de trabalhos mineiros e sondagens, para esclarecimento das anomalias geofísicas, logo que haja um número suficiente destas, merecedor de exame.
Não convirá ter a prospecção geofísica muito avançada, sem os seus resultados serem devidamente aferidos por métodos de observação directa; podem tornar-se aconselháveis modificações nos processos utilizados, para os tornar mais apropriados, para os fins em vista.
Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam para no efeito, adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação de Serviço.
Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução a pessoal português.
A favor deste modo de proceder falam não só a economia, como o próprio interesse no assunto, que não poderá esperar-se de outros superior ao dos nacionais.
Ainda que fosse desaconselhada por demasiado especializada, a execução directa de determinados estudos, o que não cremos possa vir a acontecer, porquanto o Ultramar é vasto campo onde a especialização adquirida teria sempre ocasião de frutificar, é indispensável, para uma eficiente fiscalização, um amplo conhecimento das matérias a fiscalizar.”

Continua …

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