terça-feira, 12 de agosto de 2014

233 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. (Concessões a estrangeiros). Continuação 23


Para protecção dos resultados dos estudos do Serviço de Fomento Mineiro (SFM) da Direcção – Geral de Minas (DGM), tinham sido publicadas, no Diário do Governo, portarias, declarando cativas para o Estado, determinadas áreas, nas quais o SFM tinha projectado aplicar técnicas adequadas à detecção de jazigos minerais, suficientemente valiosos, para justificarem os riscos envolvidos e os inerentes dispêndios.

Em tais áreas, estava, consequentemente, interdita a atribuição de direitos mineiros, a Empresas privadas.

Porém, o Director do SFM, que sucedeu a Bernardo Ferreira, não interpretava como seria expectável, os desígnios do Organismo cuja orientação lhe foi confiada.

Efectivamente, Guimarães dos Santos, ignorando que o SFM tinha sido instituído para solucionar à escassez de iniciativas privadas, na indústria mineira, revelava, afinal, iniciativa inferior à dalgumas Empresas privadas.

Não desejando assumir os riscos normais desta indústria, decidiu extinguir núcleos de investigação, criados pelo seu dinâmico antecessor, com o insólito argumento de se ter tornado já excessiva a permanência desses núcleos(!!!).

Não percebia que uma das principais características da prospecção mineira é ser actividade com expectativas a longo prazo.

Por alguma razão, os romanos, apesar de terem explorado intensamente os recursos minerais de Portugal, durante os séculos de ocupação do nosso território, deixando bem salientes, na paisagem, inúmeros vestígios dessa actuação, não conseguiram detectar valiosíssimos jazigos, que actualmente são objecto de exploração lucrativa.

Baseado nas suas estranhas ideias, mandou terminar a prospecção na Faixa Piritosa Alentejana, quando, na realidade, os estudos, nesta Faixa, se encontravam ainda em fase muito embrionária.

Ao Eng.º Fernando Silva, a quem estava, então, confiado o apoio à aplicação do método electromagnético Turam, que decorria sob a supervisão da ABEM de Estocolmo, tal ordem não suscitou qualquer reacção.
Mas eu fiquei francamente perplexo, quando dela tomei conhecimento!

Silva tinha-me substituído, na Brigada de Prospecção Eléctrica, após a minha nomeação para dirigir a Brigada do Sul, de âmbito regional, que tinha por objectivo detectar os jazigos minerais ocorrentes, na vasta região do País, a Sul do Rio Tejo.

Foi integrado na Brigada do Sul, recebendo instruções directas do Director do SFM, para elaborar o relatório de todos os estudos efectuados na Faixa Piritosa Alentejana, incluindo os recomendados pela empresa sueca ABEM, quando foi rescindido o seu contrato com o Estado Português.

Rapidamente constatei a incapacidade deste protegido do Director, de cumprir tão honrosa missão. Assumi, por isso, o encargo de elaborar, integralmente, o relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, ao qual tenho feito constantes alusões.

Silva ainda simulou relutância em o subscrever, por nada ter contribuído para sua redacção.

Mas eu quis que figurasse como co-autor, não só por ter tido a seu cargo a Brigada de Prospecção Eléctrica nos anos finais da sua actuação, mas sobretudo por ter sido, sob a sua chefia, que a 1.ª Brigada de Levantamentos Litológicos definiu algumas das manchas de rochas vulcânicas, patentes em mapa anexo.

Perante casos, a que tenho aludido, de deliberada ocultação de relatórios de minha autoria, sou induzido a concluir que a inserção deste na Revista do SFM, em 1955, foi decidida por Silva constar como autor.

A seguir, transcrevo algumas frases deste relatório, que considero da maior oportunidade, suscitadas por frequentes declarações de Guimarães dos Santos:

Vale bem a pena dedicar ao assunto a melhor atenção, pois tem de continuar a admitir-se possível a existência de depósitos ocultos, nas vastas áreas que separam os jazigos conhecidos.
...
A área de Almodôvar a investigar não é, senão, a continuação para sudoeste da de Castro Verde. Panoias.

Não há, efectivamente, motivo ponderoso para não prosseguir a prospecção desta zona, antes de se abrangeram, na sua totalidade, as manchas de pórfiros e de se incluírem os filões de cobre que, em grande densidade aqui ocorrem, parecendo constituir uma região cuprífera digna de atenção.

Somos de opinião que o prosseguimento da campanha de prospecção de pirites, para ter a eficácia pretendida, deverá contar com a cooperação efectiva de especialistas em geologia aplicada e prospecção geofísica, integrados na equipa de estudo,

Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam, para o efeito, adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação do Serviço.

Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades, como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução a pessoal português.
 
A favor deste modo de proceder falam, não só a economia como o próprio interesse no assunto, que não poderá esperar-se de outros superior ao dos nacionais.

Ainda que fosse inviável, ou desaconselhada por demasiado especializada, a execução directa pelo Serviço, de determinados estudos, o que não cremos possa vir a acontecer, porquanto o Ultramar é vasto campo onde a especialização adquirida teria sempre ocasião de frutificar, é indispensável para uma eficiente fiscalização, um amplo conhecimento das matérias a fiscalizar.”

        Insisto, uma vez mais, que, quando isto escrevi, ignorava as disposições legais que vedavam a estrangeiros o acesso a concessões mineiras no território metropolitano nacional.

Nem Guimarães dos Santos, nem os Directores do SFM que lhe sucederam, nem tão pouco o Director-Geral, que sucedeu a Castro e Solla, tiveram na mínima consideração aquelas minhas recomendações baseadas em experiência, no terreno, que faltava a todos eles.
Todos tiveram a preocupação de “dividir para governar”.

Criaram Brigadas ditas especializadas, cuja chefia confiaram a técnicos medíocres, com isso conseguindo estudos praticamente inúteis e consideráveis atrasos no cumprimento dos programas da Brigada do Sul, que eu apresentara, no desempenho normal das minhas funções.

       
E como estes programas, de facto, não eram executados, aconteceu que as Empresas privadas estrangeiras já instaladas na Faixa Piritosa, requereram autorizações para serem elas a aplicar técnicas modernas de prospecção mineira, dentro das áreas que o SFM mantinha reservadas para os seus estudos.

Estes requerimentos só acidentalmente me eram endossados, para eu emitir parecer.

Quando tal acontecia, eu explicava que se mantinham cativas algumas áreas, aguardando a aquisição dos equipamentos há muito tempo requisitados e a preparação de pessoal para o seu correcto uso.

Quando foi julgado necessário ou conveniente, obter parecer do Conselho Superior de Minas, Guimarães teve a seguinte curiosa explicação para o facto de nada ter sido feito para efectuar os estudos previstos nas áreas cativas: “Por causas que não merece referir”.

E o Conselho Superior de Minas, comportando-se como a histórica “Brigada do Reumático, não demonstrou a mínima preocupação em conhecer as reais causas do atraso no cumprimento dos objectivos que estiveram na base da imperiosa necessidade de instituir o SFM.
 
A realidade era que Guimarães dos Santos não acreditava na eficácia dos métodos geofísicos e repugnava-lhe, por exemplo, despender 600 contos para compra de um gravímetro que, em sua opinião apenas poderia ter aplicação na Faixa Piritosa.

Curioso é que o SFM tinha contratado como seu Colaborador, com confortável remuneração, um Professor Catedrático da Universidade de Coimbra.

E também este Colaborador demonstrava o mesmo nível de ignorância, relativamente à importância dos métodos geofísicos e geoquímicos, pois tivera a ousadia de me aconselhar a usar os métodos de pesquisa tradicionais (sanjas, galerias, poços), em, vez de perder tempo com métodos indirectos, algo desacreditados por empresas que prometiam resultados, que afinal se não confirmavam.

A Direcção do SFM, com a sua passividade, não poderia, evidentemente, chegar ao ponto de rejeitar a iniciativa privada, isto é, “não fazer nem deixar fazer

As áreas mantiveram-se cativas para o Estado, mas foi decidido autorizar contratos, com Empresas privadas, para pequenas parcelas dessas áreas.

Foram concedidas grandes facilidades às Empresas interessadas, exigindo-se apenas a entrega de relatórios dos trabalhos efectuados, sendo certo que não havia, nos Serviços Centrais da DGM, técnicos aptos a fazerem uma eficaz fiscalização das actividades desenvolvidas.

Também não era solicitada a intervenção do SFM.

Todavia, como já referi, nunca desperdicei a oportunidade que me era proporcionada para aprender as técnicas que Empresas estrangeiras vinham aplicar em Portugal.

Foi, como disse, “escrever direito, por linhas tortas”.

As Empresas estrangeiras, há longo tempo detentoras de concessões mineiras, comportavam-se como proprietárias dos jazigos que exploravam, com a condescendência dos técnicos dos Serviços Centrais sediados em Lisboa, que não estavam aptos a uma eficaz fiscalização das actividades dessas Empresas.

E, no que respeita ao SFM, cujos estudos sempre acarinharam, procuraram extrair o máximo benefício das disposições do Decreto-lei de criação deste Organismo.
 
Chegaram ao cúmulo de solicitar ao Estado português o reembolso das suas despesas, em campanha de prospecção de resultados negativos (Ver post N.º 218).

Outro caso extraordinário foi a pretensão da concessionária do jazigo de Aljustrel ao direito à concessão da exploração do jazigo da Estação, descoberto pelo SFM!!! (Ver post N.º35).

Muito elucidativo foi, também, o insólito incidente com o Administrador Jacques Louis das Minas de Aljustrel, quando eu pretendia visitar estas Minas, acompanhado de meus alunos da disciplina de Prospecção Mineira, em visita de estudo a diversos locais de interesse mineiro, no Alentejo, programada com grande antecedência.

Jacques Louis ousou dificultar o cumprimento deste programa, com argumentos de inacreditável arrogância, esquecendo-se que estava em Portugal, onde os jazigos minerais são propriedade do Estado e que eu, além de Professor Universitário, era funcionário da DGM, perfeitamente conhecedor das Minas de Aljustrel, pelos estudos, que nelas fizera, sendo até frequente lá aparecer, sem necessitar de aviso prévio..(Ver post N.º 226)

Mas, como já tive ensejo de referir, as enormes potencialidades da Faixa Piritosa Alentejana, evidenciadas sobretudo pelo SFM, despertaram a cobiça de outras grandes Empresas estrangeiras e também de uma importante Sociedade portuguesa, adrede constituída, como afiliada da prestigiada Companhia União Fabril (CUF).

Aconteceu, porém, que o interesse destas Empresas coincidiu com o facto de o SFM ter conseguido, finalmente equipar-se para aplicar os métodos adequados ao cumprimento dos projectos, nas áreas mantidas cativas para os seus estudos.

 Aconteceram, também, em quase simultaneidade, profundas alterações nos principais cargos directivos da DGM, as quais guindaram Soares Carneiro a Director-Geral de Minas.

 Soares Carneiro rapidamente evoluiu para a sua fase autoritária (Ver post N.º 228), desprezando as leis em vigor, consciente da tácita aprovação do Governo, resultante de ignorância, em matérias da indústria mineira.

Não teve, pois qualquer dificuldade em celebrar contratos com as novas Empresas, interessadas na Faixa Piritosa Alentejana.

Ao que resultou destes contratos, referir-me-ei, no próximo post.

       Continua…

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