quarta-feira, 27 de maio de 2009

70 – Ouro em Vila Velha de Ródão

Em 1973, uma entidade privada efectuou vários manifestos mineiros e os correspondentes registos, na Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão, para assegurar posteriores direitos na exploração de jazigos de ouro que esperava evidenciar na proximidade do Rio Tejo, onde tinha encontrado bons indícios da presença deste precioso metal.
O Decreto-lei N.º 18713 de 1 de Agosto de 1930, que vigorou durante 60 anos, estabelecia este procedimento como o mais corrente para permitir o acesso de entidades privadas às riquezas minerais existentes no subsolo, as quais eram propriedade do Estado.
O manifestante obrigava-se a realizar trabalhos de pesquisa e reconhecimento, durante um período máximo de 2 anos, para revelar a existência de jazigo justificativo de exploração, segundo as boas regras da arte de minas.
Só depois de fazer esta demonstração e de apresentar o respectivo plano de lavra, reunia condições para requerer a concessão de exploração, submetendo-se às obrigações previstas no mesmo Decreto-lei.
À Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG) competia efectuar o reconhecimento e, caso considerasse cumpridas as formalidades consignadas na lei, proporia ao Presidente da República a atribuição da concessão, através de alvará, com a sua assinatura, publicado no Diário do Governo.
Ao detentor da concessão era facultado, nos termos do Decreto-lei N.º 29725 de 28 de Junho de 1939, requerer assistência técnica e financeira através do Serviço de Fomento Mineiro (SFM).
A entidade privada que fizera os registos acima referidos, tendo observado que os materiais aluvionares, com mineralização aurífera, estavam a ser utilizados na construção da barragem de Fratel, e que as áreas dos registos iriam ser inundadas por albufeira resultante desta barragem, enviou carta à DGMSG solicitando que fossem tomadas providências no sentido de se não perderem as riquezas a cuja exploração se candidatara.
A esta carta não foi dada resposta
Aconteceu, porém, durante o período de vigência dos registos, a Revolução de 25 de Abril de 1974.
Procurando tirar partido do clima que se instalou no País, a entidade privada voltou a chamar a atenção da DGMSG, para a previsível destruição de um valioso recurso, por lhe não ser proporcionada a assistência que requerera.
Perante esta nova investida, o Director-Geral enviou a carta que recebera para o Chefe da Circunscrição Mineira do Sul, o qual, por sua vez, sugeriu que o SFM prestasse a colaboração pedida.
O Director do SFM ordenou que o 1.º Serviço, sob minha chefia, procedesse aos estudos necessários para que esta suposta riqueza não fosse desperdiçada.
Estupefacto com tal atropelo à lei vigente, por parte de quem tinha obrigação de conhecer as mais elementares disposições legais que regiam a nossa indústria mineira, num caso cujo real interesse estava a ser muito empolado, prestei a informação esclarecedora que se impunha.
Competia, exclusivamente ao detentor dos registos mineiros, provar a existência de minério em quantidade e qualidade justificativa de exploração, para lhe serem outorgadas as concessões que viesse a requerer. Para tal, dispunha de 2 anos, durante os quais teria que realizar, com continuidade, os necessários trabalhos, incorrendo na perda de todos os direitos, caso não respeitasse estas condições.
Não era isto que estava a acontecer. A entidade privada mantinha-se praticamente inactiva, confiante na assistência técnica do SFM, que solicitara, com base em errada interpretação das disposições legais.
A entidade privada só poderia requerer a assistência técnica do SFM, quando já lhe tivessem sido outorgadas concessões e tivesse apresentado argumentos justificativos dessa assistência.
O 1.º Serviço do SFM tinha, no seu programa, a investigação de várias regiões com muito maior potencialidade para ocorrência de minérios auríferos, às quais não tinha conseguido dedicar a atenção que mereciam, por carência de meios e obstáculos do Director.
Estava neste caso, por exemplo, a região de Jales-Três Minas, onde há muito eu planeara efectuar uma campanha de prospecção por vários métodos, com destaque para o electromagnético Turam, que tão boas provas havia dado na definição do sistema filoniano de Aparis, na região de Barrancos.
A assistência técnica solicitada pelo concessionário das Minas de Jales, no início da década de 60 do século passado, no sentido de detectar o prolongamento para sul, do filão principal, ainda aguardava possibilidade de concretização.
O Director do SFM, perante esta minha informação, regista que “Dum ponto de vista meramente legalista, talvez o Engenheiro Rocha Gomes tenha razão, mas a sua informação está em desacordo com o espírito do Movimento das Forças Armadas. Há uma riqueza do País, que corre o risco de se perder!”. Remete o assunto, de novo, para o Director-Geral, que emite um despacho para que o Director do SFM dê solução ao problema.
De um funcionário que fora nomeado para o cargo que ocupava, não por competência, como tenho vindo a demonstrar, mas por alinhamento político com o regime salazarista, não deixa de ser surpreendente esta informação!
O Director do SFM introduz, então, mais uma indisciplina no Serviço que lhe continua confiado. Encarrega um Agente Técnico de Engenharia do 2.º Serviço (Departamento de Trabalhos Mineiros e Laboratórios) que, após o grande “fiasco” da investigação do jazigo de cobre, chumbo e zinco das Talhadas, onde durante anos exerceu a sua actividade, se encontrava praticamente desocupado, de proceder aos estudos requeridos pela entidade privada.
Das conclusões destes estudos dá conta o artigo publicado no Volume 12 – N.º 1 (Janeiro/Março de 1975) sob o título “As aluviões auríferas do Tejo”.
Deste artigo, pleno de considerações fantasistas, reveladoras de impreparação para abordagem séria do problema, respigo do capítulo “Conclusões”, o seguinte:
“Antes de mais recorda-se que os nossos dados, além de pontuais, são escassos, não nos permitindo, de maneira alguma, definir áreas de interesse, muito menos um jazigo de reconhecido valor económico.”

“ De reconhecimento relativamente simples, é também um tipo de jazigo onde a Geologia pode prestar indicações preciosas sobre a localização de depósitos mais favoráveis através da geomorfologia, de maneira mais remota, e de maneira imediata pela cartografia. Depois, a pesquisa faz-se ainda hoje com a clássica e indispensável bateia.”

“Finalmente, pudemos verificar que a inundação da área é compatível com uma eventual exploração mineira. Pensando numa dragagem, a inundação poderá favorecer”

Três observações me ocorrem sobre este assunto: a primeira é a total inutilidade do trabalho do Agente Técnico de Engenharia. A segunda é a irresponsabilidade da Comissão Editorial do Boletim de Minas, permitindo a publicação de artigo que não prestigia a Revista. A terceira é a constatação de que “as vastas ocorrências auríferas, porventura as de maiores dimensões entre nós”, não deram origem, até hoje, que eu saiba, a qualquer exploração.

domingo, 24 de maio de 2009

69 – Reestruturação da Secretaria de Estado da Indústria

Quando o Engenheiro Rogério Martins foi chamado a prestar a sua colaboração ao Governo, ainda em plena vigência do “Estado Novo”, decidiu dar uma nova organização à Secretaria de Estado da Indústria (SEI), que lhe foi confiada.
Encontrando-se a Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), sob a jurisdição desta Secretaria de Estado, iria ser abrangida pela remodelação projectada, até porque, em contactos anteriores, já tinha sido manifestada essa necessidade.
O engenheiro Rogério Martins nomeou dois jovens técnicos do LNETI (Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial) para percorrerem os diferentes departamentos da DGMSG, a fim de colherem dados sobre as suas actividades e eventuais sugestões para aperfeiçoar o seu funcionamento.
Quando os recebi, no meu gabinete, pude aperceber-me da sua enorme surpresa e perplexidade perante a vastidão e importância das tarefas de que estava encarregado o Serviço de Prospecção do SFM, sob minha chefia.
Em princípios de Fevereiro de 1971, foi-me proporcionada a leitura de um documento com o título de “Reestruturação da Secretaria de Estado da Indústria”, com a indicação de que Rogério Martins pretendia os comentários dos funcionários mais categorizados da DGGM relativamente aos sectores que lhes diziam respeito.
Durante o mês de Fevereiro e em princípios de Março realizaram-se diversas reuniões da Comissão de Fomento, em Lisboa, com presença de alguns Agentes Técnicos de Engenharia, que não costumavam ser convocados para as reuniões normais.
A insistência em temas burocráticos tornou estas reuniões bastante fastidiosas Mas havia dois temas que se revelavam de perigosa concretização, talvez pela incapacidade de os jovens técnicos a que me referi terem compreendido a sua real importância.
Um desses temas dizia respeito ao desmembramento da DGGM, pois dela era projectado retirar as Circunscrições Mineiras, isto é, os departamentos encarregados da fiscalização da actividade mineira em todo o território metropolitano português.
Outro era a imperfeita constituição do Centro de Promoção da Indústria Extractiva, que iria substituir o Serviço de Fomento Mineiro, embora lhe fosse conferida a possibilidade, que até então lhe tinha sido negada, de fazer a exploração de minas, quando tal se revelasse aconselhável.
Incrivelmente, o Director-Geral iria discordar desta possibilidade que se abria e que eu por diversas vezes já havia reclamado, por a considerar essencial, não só à correcta avaliação dos jazigos, mas também para facultar a preparação de engenheiros e outro técnicos em todas as fases da indústria mineira.
Durante a análise deste documento, tive poucas intervenções, sempre no sentido de melhorar a eficácia do SFM, mas todas elas foram muito mal recebidas pelo Director-Geral.
Quando se chegou à redacção final dos “Pareceres do Sector Mineiro” relativamente à Reestruturação da SEI, o Director-Geral quis que todos os participantes nas reuniões apusessem as suas assinaturas, por ordem alfabética, a cuja regra também ele se submetia.
Ele esperava apresentar um documento com unanimidade de opiniões.
Mas não foi isso que aconteceu.
Apesar de algumas pressões que tive no sentido de subscrever na totalidade as conclusões a que se havia chegado, eu senti que devia defender o Serviço em que sempre havia trabalhado, receando que a sua desvalorização enfraquecesse ainda mais a sua já abalada capacidade de atingir os objectivos para que tinha sido instituído.
Informei, por isso, o Director-Geral que pretendia fazer uma declaração de voto.
Isto passava-se já ao fim da manhã de 5 de Março. O Director-Geral visivelmente incomodado com esta minha atitude, classificou-me de megalómano e deu por encerrada a reunião da manhã.
À tarde, quando regressou, confidenciava a alguns dos seus mais directos colaboradores que nem tinha almoçado, tal a perturbação que assolara o seu espírito.
Mas a razão acabou por prevalecer e ele foi pedir-me desculpa, depois de alguém lhe ter feito perceber a incoerência em que estava a incorrer, ele que democraticamente iria apor a sua assinatura no lugar que lhe cabia, na ordem alfabética.
Tive conhecimento, algum tempo mais tarde, que Rogério Martins ficara decepcionado com o documento que lhe chegara às mãos, pois esperava que os funcionários apresentassem individualmente as suas críticas e sugestões.
Em consequência deste projecto de reforma, apenas se verificou a exclusão das Circunscrições Mineiras do âmbito da DGMSM, o que me pareceu um erro grave, que se deveria ter tentado evitar, com mais veemência.
Quanto ao SFM, manteve a sua estrutura intacta até às perturbações originadas pela má interpretação das liberdades trazidas pela Revolução de 25 de Abril de 1974, a que me irei referir oportunamente.

sábado, 16 de maio de 2009

68 – Minas de ferro de Vila Cova do Marão

Nos parágrafos finais do post N.º 30, já fiz referência a estas Minas, e à impossibilidade de conhecer concretamente qual tinha sido a actividade do SFM, antes de 1964, para seu reconhecimento.
Em relatório com data de 1966, o Geólogo Dr. António Ribeiro, menciona estudos anteriores, mais ou menos desenvolvidos, de diversos outros Geólogos, entre os quais Cotelo Neiva e Carlos Teixeira, para definir a estrutura do jazigo e avaliar as suas reservas.
Conclui, no entanto, das suas próprias observações, que o jazigo de Vila Cova se mantém incompletamente reconhecido.
Agora, pretendo apenas chamar a atenção para as possibilidades que se abrem com a aplicação conjugada dos métodos gravimétrico e magnético, na vasta área considerada potencial.
A campanha de prospecção magnética do início da década de 40 do século passado fez uso de equipamentos de baixa sensibilidade e limitou-se à área que então era tida como potencial.
A gravimetria permitirá fazer a avaliação das reservas, tal como aconteceu em jazigos de ferro descobertos no Alentejo, nomeadamente nos da Alagada e Vale de Pães, a que me referi nos posts N.º 45 e 46. Nestes casos, a avaliação, pela carta gravimétrica, foi plenamente confirmada pelo cálculo feita através dos resultados das sondagens.
O mesmo tinha acontecido com as massas de sulfuretos complexos de Moinho e Feitais em Aljustrel e parece a estar a confirmar-se com o conjunto das massas de sulfuretos de Neves-Corvo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

67 – O jazigo de ferro de Moncorvo

Foi em meados da década de 30 do século passado que tive conhecimento da existência deste importante jazigo de ferro.
Frequentava então o Liceu de Alexandre Herculano do Porto. Na disciplina de Ciências Naturais, era adoptado o livro de Mineralogia e Geologia de Celestino Maia e Filinto Costa e nele era referido o jazigo de Moncorvo com uma grandeza tal que um prestigiado técnico espanhol, (julgo ter sido citado Hernandez Sampelayo), o considerara como constituindo a reserva de ferro da Europa.
Não existiria, portanto, problema de reservas para sua exploração.

Quando, em 1964, assumi as funções de Chefe do Serviço de Prospecção do SFM, não estava nos programas do SFM definir, com exactidão, o montante das reservas.
A exploração, a um ritmo adequado às imensas reservas, estava sobretudo dependente da possibilidade de transportar o minério, em termos económicos para a Siderurgia Nacional, já instalada no Seixal desde 1960, ou para sua exportação.
Duas opções estavam em estudo: a via fluvial e marítima e a via férrea. A primeira parecia ter mais adeptos e, por isso, mas não só, se prepararam as eclusas no Rio Douro, para o tornar navegável a embarcações mineraleiras, que possibilitassem o transporte, nas quantidades previsíveis para um empreendimento rendível.
Parecia não haver preocupação quanto às características do minério. O seu baixo teor de ferro e o elevado teor de fósforo, que o tornavam de difícil comercialização nos mercados internacionais e impunham onerosos tratamentos para utilização na Siderurgias Nacional não estavam na primeira linha das preocupações.
Não se tentou aproveitar a capacidade do sector de Microscopia de Minérios do Laboratório do SFM na determinação dos seus constituintes.
O Geólogo Dr. Orlando da Cruz Gaspar, então Chefe do Departamento de Microscopia de Minérios, tinha efectuado prolongado estágio, nesta matéria, junto do Professor Ramdohr, que então era considerado o maior especialista mundial em microscopia de minérios.
Os trabalhos que vinha realizando neste domínio creditavam-no como especialista internacionalmente reconhecido.
Porém, em 1968, o SFM estava prestando colaboração em matéria de geologia, para melhor definição da estrutura do jazigo.
Segundo projecto dos Geólogos A. Ribeiro e J. Almeida Rebelo foram executadas sondagens.
Uma das suas importantes conclusões foi a seguinte: O jazigo mergulha para sul, indicando existir uma parte oculta que pode ser muito importante.
Procurando confirmar esta hipótese, foi pedida a intervenção do Serviço de Prospecção sob minha chefia, para aplicação de técnicas geofísicas.
Para avaliar da eficácia dos métodos gravimétrico e magnético, neste ambiente geológico, decidi que fossem aplicadas ambas as técnicas em 4 perfis com, extensões variáveis de 1 a 2 km, passando por zonas do jazigo onde tinham sido efectuadas sondagens.
Os perfis foram levantados em Dezembro de 1968 e revelaram um acentuado gradiente no mesmo sentido em que os estudos geológicos levavam a prever a continuidade do jazigo em profundidade.
Da apreciação deste gradiente, que se admite não ser de carácter regional, uma vez que tal não se torna evidente nas cartas gravimétricas publicadas, em 1965, pelo Instituto Geográfico e Cadastral, é legítimo formular a hipótese de estarmos em presença de um jazigo de minério magnetítico, de muito maiores dimensões do que poderiam sugerir os dados existentes à superfície.
O que à superfície se revela será apenas um resíduo do que ficou da erosão de uma espessa formação ferrífera que mergulha para sul, oculta sob os sedimentos suprajacentes
Afigurou-se-me legítimo formular a hipótese de que a sua grandeza possa equiparar-se à dos gigantescos jazigos suecos de Kiruna, Malmberget e Luasavaara.
Em relatórios vários, fui salientando estes resultados e, no respeitante ao 3.º trimestre de 1969, propus a realização de um furo de sonda para investigar tal hipótese.
Nas reuniões da Comissão de Fomento realizadas em Lisboa, em 29 e 30 de Setembro de 1969, de novo, chamei a atenção para a importância destes resultados e para a conveniência de fazer um furo de sonda para investigar a sua consistência.
Fui de parecer de que se não justificaria a imediata cobertura de vasta área, por aquelas técnicas, até porque isso iria atrasar outros programas que se encontravam em curso na Faixa Piritosa Alentejana, em fase muito encorajante, que iria dar lugar à descoberta do já famoso jazigo de Neves-Corvo. Também não considerava viável a criação de uma equipa de gravimetria na 2.ª Brigada de Prospecção, pelos motivos que expus nos parágrafos finais do post N.º 28.
O Director-Geral de Minas discordou da execução desta sondagem, considerando que o jazigo conhecido já era suficientemente grande, não se colocando, portanto, a necessidade de aumentar as suas reservas, cuja extracção iria exigir lavra subterrânea profunda.
Perdeu-se assim a oportunidade de conhecer uma provável parcela do jazigo que até poderia conter minério de melhor qualidade e poderia permitir projectos de maior vulto, susceptíveis de captar o interesse de grupos empresariais estrangeiros para “joint ventures”, que garantissem a comercialização do minério.

O centro mineiro de Moncorvo teve uma vida atribulada, com intervenções de técnicos nacionais e estrangeiros e com o empenhamento de sucessivos Governos que, ora aprovavam planos grandiosos, ora se mostravam reticentes em dar sequência a ambiciosos projectos.
Quando a Siderurgia Nacional ainda tinha em funcionamento um alto-forno, chegou a estar prevista a instalação de um segundo e até de um terceiro, com base na utilização do minério de Moncorvo. E esteve ainda prevista a instalação de uma siderurgia em Sines, inicialmente com um alto-forno e com um segundo, anos mais tarde.
Em resultado do mau uso das liberdades instituídas após a Revolução de Abril de 1974, a que me referirei em próximo post, deixei de ter conhecimento interno da evolução dos estudos no jazigo de Moncorvo.

Foi através do noticiário de jornais e revistas nacionais e estrangeiras que me mantive informado do que se passava em Moncorvo e na Siderurgia Nacional. Das muitas informações que fui colecionando, ao longo dos anos, vou aproveitar as que se me afiguram mais representativas da evolução do projecto de Moncorvo.

Em 27-6-1978, vi publicada no Jornal de Notícias do Porto a seguinte notícia:
Revelações sensacionais de Nuno Abecassis: Portugal vai ser o único país europeu auto-suficiente em minérios de ferro, e mais do que isso, exportador do referido minério, o que significa que entramos na era dos países donos do aço – anunciou o Secretário de Estado das Indústrias Extractiva e Transformadoras, eng.º Nuno Abecassis, no encerramento do 1.º Encontro Nacional de Quadros Socio-Profissionais do CDS. Reportava-se Abecassis ao minério de Moncorvo, com riquezas enormes ainda não exploradas, por se pensar que “os teores de fósforo não podiam ser reduzidos”. Todavia – disse – há cerca de 15 dias, foram obtidos resultados pré-industriais que nos mostram que esses teores podem ser reduzidos aos níveis convenientes.

Em 2-9-1978 o Expresso, acerca do “Projecto Mineiro de Moncorvo”, salientava, com o sub-título Viabilidade (ainda) em estudo até ao fim de 1979 não impede “esquema preliminar de trabalhos”, o empenhamento de três membros do II Governo Constitucional (Carlos Melancia, Ministro da Indústria e Tecnologia, Krus Abecassis, Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras e Sousa Gomes Ministro da Habitação e das Obras Públicas) nos problemas de Moncorvo e da Siderurgia Nacional.

E em 28-10-1978 também o Expresso dava conhecimento de que um: Grupo sueco estava a estudar a viabilidade do projecto mineiro de Moncorvo. Salientava que a firma sueca que liderava o Grupo seleccionado (a Lkab-International) pertencia ao Grupo estatal Lkab, que desenvolvia múltiplas actividades no sector mineiro, nomeadamente nos domínios de “engineering”, da prospecção e desenvolvimento de actividades de investigação e industriais nas áreas de minérios metálicos e não metálicos. Lembrava que, através das suas unidades de exploração de Kiruna, Spavaraara e Malmberget, a Lkab produzia mais de 30 milhões de toneladas anuais de minério de ferro (sob a forma de “lumping”, finos e peletes), o que colocava o grupo no primeiro lugar entre os produtores europeus e entre os cinco primeiros a nível mundial. O grupo era, portanto, especialmente credenciado para a resolução de problemas de concentração devidos à ocorrência de fósforo e ao desenvolvimento do processo de peletização.

Em Abril de 1979, a conceituada Revista “Engineering and Mining Journal”, noticiava que o projecto, há longo tempo na situação de “pára-arranca”, para pôr em exploração o jazigo de minério de ferro de baixo teor de Moncorvo, foi arquivado até ao fim do ano, pelo menos. O problema do fósforo continuava em estudo. Considerava que, mesmo que resolvido, teria que haver uma produção da ordem dos 3 milhões de toneladas/ano, o que a indústria de aço nacional não absorve. O minério de Moncorvo, com um teor de 35-40% de ferro, teria dificuldade em ser colocado nos mercados internacionais.

Em 19-9-1980, o semanário “O Jornal” publicou a seguinte notícia: ”Governo da AD trava projecto de Moncorvo. A aprovação do projecto das Minas de ferro de Moncorvo e a indispensável garantia de financiamento parece ter caído num impasse. Meios ligados à indústria extractiva não acreditam que o projecto tenha sido abandonado, mas a verdade é que a respectiva aprovação por parte do Governo, embora há muito esperada, ainda não se verificou.

Em 31-10-1981, noticía o Expresso: Plano Siderúrgico Nacional. 70 milhões de contos ao rubro. O Expresso apurou, de fonte bem colocada no Ministério das Finanças e do Plano, que a Ferrominas vai parar. Nem Morais Leitão nem João Salgueiro assinaram o despacho autorizando a Ferrominas e a Siderurgia Nacional a movimentarem as dotações de capital previstas para estas duas empresas no OGE deste ano.

E em 7-11-1981, é o Jornal de Notícias do Porto a informar: Minério de Moncorvo vai ser “enterrado”? CT de Ferrominas mostra preocupação pelo futuro.

Em 1-6-1984 noticiava o Jornal de Notícias do Porto: Plano Siderúrgico congelado e corte na expansão da Quimigal. Após análise do Plano Siderúrgico Nacional, foi decidido não o aprovar, na sua forma original, adiando o aproveitamento dos minérios de Moncorvo e a construção de novas unidades industriais e concentrando todos os esforços na modernização da unidade do Seixal.

Esta foi a série de acontecimentos que culminram com o encerramento não só das Minas de Moncorvo, mas também da Siderurgia Nacional.

Este clamoroso insucesso, era previsível, perante a indisciplina verificada na sucessão das diferentes fases do projecto. De facto, não tinha havido o cuidado elementar de só passar a uma fase mais avançada, quando as conclusões dos estudos, na fase em curso, tal autorizassem.


Ocorre-me hoje perguntar:
Teria o projecto de aproveitamento do minério de ferro de Moncorvo tido concretização como grande pólo de desenvolvimento de uma região do interior do País, se se tivesse dado cumprimento ao projecto de sondagem, oportunamente apresentado?
Talvez tenha tido razão quem premonitoriamente classificou o jazigo de Moncorvo como “ a reserva de ferro da Europa”.
O SFM esteve preparado para se encarregar de dar cabal sequência a este projecto. Lamentável foi que, por total incompreensão da sua real dimensão, da parte de dirigentes que ascenderam aos seus cargos, não por competência, mas por considerações de ordem política ou por compadrio, se tivessem desperdiçado as capacidades deste Organismo de Estado, tanto do ponto de vista da prospecção mineira, como da caracterização do minério e do estudo das operações para o tornar comerciável.
Presentemente, com o enorme desenvolvimento que teve a tecnologia, já não constituirá problema insolúvel, em termos económicos, a lavra subterrânea, se tomarmos como exemplo o que está a ser feito na Mina de Malmetberg na Suécia, onde as operações, no fundo da Mina, são comandadas à distância, com emprego de um número reduzido de operários, bem protegidos da ambiente do interior.
Julgo oportuno reanalisar este candente tema, após conhecimento da consistência da hipótese de se estar em presença de um gigantesco jazigo de que se conhece apenas a “ponta do iceberg”.