domingo, 22 de dezembro de 2013

228 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 18

No post anterior, fiz desenvolvida referência a Decretos-leis e disposições da Constituição da República, que vedam a atribuição de concessões mineiras, a entidades estrangeiros

Referi, também, a consulta do Conselho Superior de Minas (CSM), em fins de 1971, à Procuradoria Geral da República, visando resolver um caso, em que lhe surgiram dúvidas, embora declarasse que, até àquela data, não tinham surgido embaraços à outorga de concessões mineiras a empresas estrangeiras.

A Procuradoria-Geral da República, em Acórdão publicado no Diário do Governo, não podia ser mais incisiva. Classificou o procedimento da DGMSG como prática à margem da lei.

A Soares Carneiro, nas funções de dirigente máximo da DGMSG e de Presidente do CSM, competiria zelar, escrupulosamente, pela defesa do nosso património mineiro.

Mas esta nem era a sua única participação em práticas ilegais, nos cargos que lhe tinham sido confiados, na DGMSG.

No post N.º 119, ao comentar ridícula comunicação a Congresso, com o subtítulo de “Realidades e fantasias”, citei as suas alusões, sem o mínimo constrangimento, a factos “reais”, de que foi responsável, nada dignificantes para a DGMSG.

São exemplos do seu desprezo pelas leis, as “concessões a requerimento”, sem comprovada ocorrência de matéria-prima justificativa, a falsificação de amostragem (!!!), o prolongamento artificial da validade de registos mineiros, deixando-me até sérias dúvidas sobre o seu perfeito domínio da nossa legislação mineira.

O facilitismo na outorga de concessões mineiras, na região Norte do País, quando chefiou a respectiva Circunscrição Mineira, deu origem a uma imensidão de pseudo-jazigos minerais, de que nunca surgiram verdadeiras minas.

Daí, derivaram algumas das suas “fantasias”! Derivou, também, a expressão corrente “Portugal, País rico em minas pobres” (Ver post N.º 2).

Mas Soares Carneiro não era criatura para se intimidar com leis, que pudessem reprovar os seus actos.

Totalmente indiferente ao Acórdão, manteve a mesma conduta, consciente da impunidade, que proviria da ignorância dos membros dos Governos, nas áridas matérias mineiras.

Fazia-me lembrar o rei Luís XIV de França, ao qual é atribuída a afirmação:”L’État c’ést moi!”
Soares Carneiro diria: “Em minas, a lei sou eu!"

Mas se a História consagra o monarca absolutista francês como grande defensor da sua pátria, Soares Carneiro será classificado na História da Mineração em Portugal, como o coveiro do Organismo criado para o desenvolvimento da nossa indústria mineira, precisamente quando este Organismo tinha atingido a sua maior capacidade técnica, de modo a poder cumprir cabalmente as suas funções.

Na fase inicial do seu mandato de Director-Geral, Soares Carneiro ficou deslumbrado com os sucessos conseguidos pelo SFM, no Sul do País, sobretudo pelo acentuado contraste com o que acontecera, no Norte, onde não houve capacidade para tirar partido das novas técnicas de prospecção.

À profusão de “pseudo-jazigos” do Norte contrapunha-se um limitado número de “reais jazigos”, evidenciados na região a Sul do Rio Tejo.

A actividade do SFM, na região Sul, tinha sido ocultada por Guimarães dos Santos durante os 15 anos em que teve a seu cargo a respectiva direcção

De facto, Guimarães dos Santos, desrespeitando a metodologia anteriormente estabelecida, decidira não publicar os mais importantes relatórios de minha autoria, com o falacioso argumento de serem longos e conterem muitas peças desenhadas! (Ver post N.º 3).

A publicação destes relatórios, de que são exemplos “Jazigos ferro – manganíferos de Cercal – Odemira, ”Jazigo de zinco, chumbo e cobre do Torgal”, “Prospecção e pesquisa de filões cupríferos, na região de Barrancos” e vários sobre o “Jazigo de cobre de Aparis”, além de ser prestigiante para o SFM, teria podido servir de guia para futuros estudos da mesma natureza, por entidades públicas ou privadas.

Tinha, além disso, o mérito de apresentar, devidamente corrigidos, grosseiros erros do SFM, cometidos em épocas anteriores, os quais estão bem patentes nas publicações N.ºs 12, 13 e 15 da série “Relatórios do SFM”, sobre as Minas de ferro e manganés de Cercal do Alentejo e sobre as Minas de ferro de Montemor-o-Novo. (Ver posts N.ºs 200 e 202).

Mas o deslumbramento de Soares Carneiro não tivera o principal fundamento nos progressos já conseguidos na indústria mineira nacional.

A realidade é que ele nem tomara verdadeira consciência da capacidade técnica do Serviço que eu tinha organizado, no decurso de vinte anos.

De facto, esta capacidade era muito superior à de qualquer empresa, nacional ou estrangeira, que pretendesse substituir o SFM na procura de novos jazigos, em áreas onde o SFM estivesse actuando, como era o caso da Faixa Piritosa Alentejana.

Para ele, surgia excelente oportunidade para se apresentar, perante o Ministro da tutela, como o orientador de um Organismo dotado de elevada capacidade científica, apto a resolver os complexos problemas com que se confrontava à nossa indústria mineira.

Nesse sentido, começou por convidar o Secretario de Estado Amaro da Costa a visitar diversas Minas do Alentejo que tinham sido muito valorizadas pela actuação do SFM (Ver post N.º 47).

O Secretário ficou, de facto, agradavelmente impressionado com tão invulgar actividade de um Organismo de Estado e surpreendido com o silêncio mantido a tal respeito.

Posteriormente, Soares Carneiro nunca deixou de participar, pessoalmente ou por intermédio de um seu representante, em qualquer evento, onde pudesse demonstrar a elevada eficiência técnica da DGMSG.

Naquela fase inicial do seu mandato de Director- Geral, fui, numerosas vezes incumbido de o representar.

São, disso, bons exemplos, palestras que proferi, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e a participação nas Jornadas de Engenharia de Moçambique (Ver post N.º 20).

Não obstante ser notório o propósito de Soares Carneiro em se auto-promover, cheguei a convencer-me de que, após a introdução da técnica gravimétrica no SFM, nova era teria início, no que respeita ao aproveitamento dos nossos recursos minerais.

Concretizar-se-ia, finalmente, o desiderato expresso nas “Considerações finais” do meu relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955 (Ver post N.º 219).

Grande foi, porém, a minha desilusão, pois tal não foi o entendimento de Soares Carneiro, que até dispensou os pareceres que, legalmente, competiam ao CSM e ao SFM.

Soares Carneiro acolheu entusiasticamente, a colaboração de Empresas estrangeiras, por considerar vantajosas as compensações oferecidas, as quais se relacionariam com os resultados das campanhas de prospecção mineira, que lhes fossem autorizadas.

Foi essencialmente a Faixa Piritosa Alentejana a suscitar a cobiça dessas Empresas.

E a tal cobiça não deve ter sido alheia a informação contida em publicações de minha autoria e em citações delas feitas, até em livros de texto estrangeiros. (Ver post N.º 9).

Em 1966, ficou adjudicada, a empresas privadas, a quase totalidade da Faixa Piritosa, tendo os respectivos contratos sido celebrados, sem prévio concurso público, como o cumprimento da lei exigia. (Ver post N.º 32).

O SFM conseguiu manter, durante algum tempo, uma pequena área envolvente das Minas de Aljustrel, onde aplicava privilegiadamente a técnica gravimétrica.

Nesta diminuta parcela, descobriu o jazigo da Estação, cuja bizarra história descrevi, no post N.º 225.

Evidenciou, também, a anomalia gravimétrica, que era a assinatura da parte rejeitada do jazigo de S.João do Deserto, pela Falha de Messejana.

Um mapa gravimétrico, à escala de 1:5000, que eu cortara à tesoura, pela Falha, para colocar a anomalia, no alinhamento do jazigo de S. João do Deserto, assim anulando o efeito da rejeição de 3 km, foi, por mim exposto, na Sala das Sessões da DGMSG, para documentar as actividades a meu cargo, quando fiz a intervenção que me competia, numa das habituais reuniões da Comissão de Fomento.

Era expectável que o Director-Geral mantivesse o mapa exposto, para demonstrar, em outras reuniões, a elevada eficácia do SFM.
Aconteceu, porém, algo que me ocasionou grande perplexidade.

Soares Carneiro apressara-se a esconder o mapa e, sem o mínimo respeito pelo meu persistente esforço no sentido de preparar o SFM para realizar, por si próprio, as complexas tarefas exigidas pelas diferentes fases da prospecção mineira, até a completa concretização dos objectivos para que o Organismo fora instituídoadjudicou também esta pequena área, a empresa privada.

A adjudicatária, que por estranha coincidência, era afiliada da CUF, de onde tinha vindo o Secretário de Estado da tutela, logo passou a fazer sondagens, na zona da anomalia gravimétrica, acabando por descobrir o jazigo, ao qual deu a designação de Gavião.

Em estranha atitude, assumiu-se como única autora de tão importante sucesso, chegando ao cúmulo de afirmar a inexistência de anomalia gravimétrica, em texto sobre a geologia da Faixa Piritosa para o Livro Guia do CHILAGE, que os seus técnicos elaboraram, a deferente convite da DGMSG (Ver post N.º 36)!!!

Surpreendeu-me a cumplicidade de Soares Carneiro e do seu Adjunto Costa Almeida, nesta gratuita ofensa ao SFM.

Eles tinham assistido à minha exposição sobre a descoberta da anomalia gravimétrica!!!

Era sua estrita obrigação manifestar repúdio por tão ridículo atentado a elementares princípios éticos.

Mas a triste realidade é que estes dirigente da DGMSG e outros que lhes foram sucedendo em altos cargos, persistiram em atitudes ilegais e contrárias ao interesse nacional, em subsequentes adjudicações na Faixa Piritosa Alentejana.

Ocorreu, então, algo que não se julgaria possível acontecer.

Os quadros técnicos das empresas adjudicatárias eram muito reduzidos e concentravam-se em investigações geológicas, sendo justo reconhecer a elevada competência da maioria dos seus Geólogos.

Para trabalhos de outra natureza, recorriam a entidades especializadas.

Informadas da disponibilidade do SFM para prestar colaboração em matéria de prospecção geofísica e geoquímica., todas as empresas, cientes do rigor dos trabalhos do SFM, aproveitaram esta prerrogativa que lhe era facultada.

Acontecia, assim, um caso inédito.

O SFM comportava-se como empreiteiro, daí resultando importante compensação para o Estado das despesas originadas pela sua actividade.

As respectivas facturas, embora contivessem uma sobrecarga de 50% sobre o custo real dos trabalhos, eram altamente vantajosas para as Companhias, que se dispensavam de contratar especialistas de outros países, os quais, provavelmente, apresentariam preços muito mais elevados sem resolverem melhor os problemas suscitados.

Nos meus frequentes contactos com as adjudicatárias, tentei auxiliar as suas actividades.
Porém, os meus conselhos, baseados em longa experiência na Faixa Piritosa, nem sempre foram aproveitados.
Todas tinham pressa em chegar aos êxitos.

Eliminavam ou reduziam muito a fase da prospecção geofísica e geoquímica e passavam, rapidamente, às sondagens, muitas das quais teriam sido dispensáveis (Ver posts N.ºs 32 e 33).

No próximo post, terminarei este terceiro caso, que não é apenas paradigmático do “uso do poder, em oposição ao saber”, com desprezo do interesse nacional.

É também revelador do maior escândalo, de todos os tempos, praticado na Direcção-Geral de Minas, cujos autores, além de não terem sido severamente punidos, como se impunha, até conseguiram que um deles fosse premiado com expressivo louvor, publicado em Diário da República, por um dos graves delitos, que cometeu.

Continua …

terça-feira, 12 de novembro de 2013

227 – As prática de outorgar concessões mineiras a empresas estrangeiras


        Na análise que tenho vindo a fazer do caso emblemático da Faixa Piritosa Alentejana, relativamente ao uso do “poder em oposição ao saber” afigura-se-me da maior oportunidade investigar os procedimentos da Direcção-Geral-de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG) para concessão de direitos de exploração dos nossos recursos minerais.

        Contam-se, por dezenas, os anos da minha luta para que sejam portugueses os beneficiários dos nossos recursos minerais.
        Com esse firme propósito, cheguei a organizar, no Serviço de Fomento Mineiro (SFM), uma verdadeira Escola de Prospecção Mineira, envolvendo todas as fases até à Exploração.
       
        Não me foi consentido adquirir e transmitir experiência, em exploração, apesar das minhas insistentes propostas, devido à sistemática oposição do Conselho Superior de Minas.
        Este Conselho, durante os 15 anos, em que exerci a chefia do mais importante sector de Trabalhos Mineiros do SFM, impediu-me de passar á exploração parcial de reservas reveladas, invocando disposições do Decreto-lei N.º 29725.

        Impossibilitou-me de fazer da Mina de Aparis, em Barrancos, a Escola que eu pretendia para complemento da formação dos Engenheiros de Minas e dos Agentes Técnicos de Engenharia, pois era notória a deficiente preparação prática dos técnicos, que ingressavam no SFM.
         
        Posteriormente, quando o sector de Trabalhos Mineiros do SFM já tinha entrado em franca decadência, sem possibilidade de concretizar o objectivo almejado, aquele Conselho Superior corrigiu a atitude negativista, que antes adoptara !!!  (Ver post N.º 48)
       
        .Com o mesmo propósito, prestei colaboração às Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, ao Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e ainda à Universidade de Braga, na preparação de alunos e mestrandos dos cursos de Geologia e de Engenharia de Minas, para realizarem campanhas de prospecção mineira, pelos mais modernos métodos.

        Sempre me surpreendera que estrangeiros tivessem direitos iguais aos dos nacionais, para acesso a concessões, visando a exploração dos nossos recursos minerais.
        Mas não encontrava em publicações da DGMSG qualquer diploma que obstasse á intervenção de estrangeiros na exploração desses recursos.

        No desempenho das funções de professor universitário, perante a grande importância da legislação mineira, dediquei a esta matéria, um desenvolvido capítulo, no programa da disciplina de Prospecção Mineira, cuja regência me estava confiada.
        Segui, essencialmente o livro da autoria de J. Paiva Manso Serrano, que era o Secretário Auditor Jurídico da DGMSG.
        Este livro, publicado em 1969, era suposto conter nas suas 577 páginas, todas as disposições legais em vigor, até àquela data, relativas à actividade mineira ou com ela relacionadas.
        Através da consulta que fazia aos Diários do Governo, publicados após 1969, eu ia tomando conhecimento dos novos diplomas legais relativos à indústria mineira.

        Foi através dessa consulta que deparei com um acórdão do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que me causou enorme surpresa.

        Esta acórdão consta do processo N.º 38/71, Livro N.º 60, publicado no Diário do Governo N.º 44 – II Série de 22-de Fevereiro de 1972 (páginas 1034 a 1038).

        Dele transcrevo as seguintes passagens:      
       
"É aplicável às concessões mineiras o regime estatuído na  Lei N.º 1994 de 13 de Abril de 1943,
e no capítulo IV (artigos 21.º e seguintes) do  Decreto-lei N.º 46 312 de de 28 de Abril de 1905,
        segundo o qual:
     É vedado outorgar a empresas estrangeiras concessões para a exploração de jazigos ou depósitos de jazigos minerais,  
a não ser que exista resolução de Conselho de Ministros, nos termos e para os efeitos  do § 1.º do artigo 21.º daquele Decreto-lei, a qual só pode ser dada para o sector.”
        ….
        “Dispõe-se no capítulo IV do Decreto-lei Nº 46 312 de 28 de Abril de 1965:
        Art.º 21: Só a empresas nacionais é permitido fundar, adquirir, possuir ou explorar, em conformidade com o que vier a ser determinado em diploma regulamentar, estabelecimentos destinados à gestão ou exercício de:
a)   serviços públicos ou bens de domínio público;
b)   actividades que interessem fundamentalmente à defesa do Estado. “
        …
        “Na verdade, a exploração e gestão de bens dominiais estão de tal modo ligadas ao interesse público e à economia nacional, que nem se compreende quanto teria de melindroso permitir o livre acesso de estrangeiros a esse sector, razão por que logo a própria Constituição da República estatui, através do seu artigo 59.º:
        São considerados de interesse colectivo e sujeitos a regime especial, no tocante aos seus direitos e deveres, nacionalidade, corpos gerentes, pessoal e intervenção ou fiscalização do Estado, conforme as necessidades de defesa nacional, da segurança pública e do desenvolvimento económico e social, as empresas concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de exploração de coisas do domínio público do Estado, as sociedades de economia mista e de economia pública, as empresas de exclusivo ou de privilégio não concedido em lei geral e ainda todas as empresas que que exerçam qualquer actividade considerada, por lei, de interesse nacional.”
        …
       E, mais adiante, regista a seguinte censura à DGMSG:
        “O facto de. como informa o Conselho Superior de Minas e Serviços Geológicos, a publicação da Lei N.º 1994  não ter originado quaisquer embaraços ao andamento dos processos em que se verificava a intervenção de empresas estrangeiras, não tem qualquer relevância, não servindo para justificar a derrogação do regime decorrente das disposições legais acabadas de referir, uma vez que traduz prática estabelecida à margem da lei.”

        Era óbvio que o livro da autoria do jurista J. Manso Serrano, omitia deliberadamente tão importantes Decretos, para não denunciar mais algumas flagrantes irregularidades cometidas pela DGMSG.
       
        O Conselho Superior de Minas, nos pareceres que lhe eram solicitados, não devia ignorar aqueles Decretos nem as disposições da Constituição da República de 1933 alusivas aos bens dominiais do País!.
        De facto, dentre as funções definidas no Decreto-lei N.º 38 756 de 16 de Maio de 1952 é de destacar a seguinte passagem:
        “Compete-lhe também emitir parecer fundamentado sobre os assuntos ou processos que lhe forem submetidos e se refiram a minas, pedreiras, hidrologia, geologia aplicada e pessoal dos respectivos serviços, podendo propor ao Governo as medidas que julgar úteis para o  aperfeiçoamento ou desenvolvimento das indústrias e dos serviços respectivos, sob os pontos de vista técnico, económico e social.
        Se o Conselho Superior de Minas não encontrava embaraços à atribuição de concessões mineiras a estrangeiros, os seus pareceres não podiam considerar-se bem fundamentados, como constatou o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República.
                                                                                                                                                                                       Na ignorância dos Decretos citados neste Acórdão, não os pude invocar, para fortalecer a minha luta no sentido de serem portugueses os beneficiários dos seus recursos minerais.

        Mas o Director-Geral de Minas, Soares Carneiro, com total desprezo pelo Acórdão, continuou, impunemente, a celebrar contratos visando a atribuição de direitos de exploração dessas riquezas (não renováveis), a empresas estrangeiras.

        Disso me ocuparei nos próximos posts.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

226 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Concessões a estrangeiros. Continuação 17.


        A Faixa Piritosa Alentejana é uma das zonas do País mais representativas da inconsciência com que têm sido alienados alguns dos nossos mais valiosos recursos naturais, em prol de países ricos, praticamente a troco de … nada!

        Tenho vindo a revelar as minhas diligências, ao longo de dezenas de anos, no sentido de passarem a ser portugueses os principais beneficiários dessa nossa riqueza.

        Referi a minha estupefacção perante a naturalidade com que uma Empresa belga, há décadas radicada em Portugal, a extrair minério, que exporta em bruto, ousou reivindicar o direito à exploração de concentração piritosa descoberta pelo SFM.

        Essa Empresa, tão habituada estava a obter direitos, em áreas vizinhas das suas concessões mineiras, apenas com a obrigação, nem sempre satisfatoriamente cumprida, de relatar os trabalhos nelas efectuados e respectivos resultados, que estranhava não lhe ter sido automaticamente outorgada nova concessão, abrangendo a jazida mineral detectada pelo SFM.

        O recado de Costa Almeida era demonstrativo de que o Director-Geral Soares Carneiro não repudiara, por insultuosa, a declaração de eu ter informado as Minas de Aljustrel do seu direito à exploração, de qualquer jazigo que viesse a ser descoberto no interior de um círculo com raio de 5 km, centrado naquelas Minas.

        Considerei deveras lamentável a “amnésia” que afectou, simultaneamente, diversos funcionários que, pouco tempo antes, tinham sido convocados a emitir parecer, acerca do requerimento de “Minas d’Aljustrel S. A” para lhe serem outorgadas duas concessões mineiras, para exploração da concentração de pirite evidenciada na Serra dos Feitais, através de sondagens baseadas em levantamento gravimétrico empreendido pela Lea Cross Geophysical Company, de Inglaterra.

        Quando foi solicitado o meu parecer, já o Director do SFM, Múrias de Queiroz, tinha prestado informação favorável ao deferimento da pretensão de “Minas d’Aljustrel, S.A.”
        Todavia, eu fui abertamente contrário à outorga de duas concessões, porquanto uma superfície de 50 hectares, normal numa concessão mineira, cobria perfeitamente a zona onde tinha sido feita a descoberta.
        Em reunião, posteriormente realizada, em Lisboa, com presença do Chefe da Circunscrição Mineira do Sul, Engenheiro Guilherme de Castro Leandro e de um representante da concessionária, foi efectuada a demarcação de uma única concessão mineira, com a configuração adequada, para permitir o acesso através da Mina de Algares, que a empresa pretendia, para a exploração da recém-descoberta concentração piritosa.
        Curiosa a rectificação que o Director do SFM entendeu fazer à sua informação inicial. Deu parecer favorável, tanto a uma como a duas concessões!!!

        É óbvio que, tendo sido eu o único técnico da DGMSG a emitir parecer restritivo desta natureza, não iria ter a magnanimidade invocada por “Minas d’Aljustrel S.A.”.

        Ignoro qual seria a intenção de Soares Carneiro relativamente a esta reclamação, mas surpreendeu-me o seu desagrado com a minha informação, a ponto de nem ter dado a entrada, que era obrigatória, ao documento esclarecedor, de 25 páginas dactilografadas, que lhe enviei directamente.
       
        Perante a minha informação, seria comprometedor, para Soares Carneiro, atender a reclamação de Minas de Aljustrel.
        Ele não se atrevera a adoptar para comigo o procedimento habitual com Costa Almeida, a quem mandava alterar as informações que lhe solicitava, quando elas não eram do teor que lhe convinha.

        As minhas relações pessoais com todas as Direcções Técnicas e Administrativas que, ao longo dos anos, foram passando pelas Minas de Aljustrel, nunca foram prejudicadas pelo facto de se tratar de empresa estrangeira.
         
        A infracção ao disposto nas leis que impediam estrangeiros de explorar os nossos recursos minerais, por serem classificados como “bens dominiais” era, obviamente, da exclusiva responsabilidade dos serviços oficiais, que terão encontrado justificação para contornar as leis.
       
        É justo, até, reconhecer que as boas relações que mantive com todas as entidades estrangeiras (empresas ou simples individualidades), com as quais estabeleci contactos de ordem profissional, foram extremamente úteis à minha preparação técnica.
        De facto, nunca eu tendo beneficiado de estágios em centros especializados estrangeiros, para meu aperfeiçoamento profissional, como aconteceu com muitos Engenheiros e com Geólogos do SFM, foi mercê dos contactos acima referidos e da minha permanente consulta de Revistas e livros que requisitava, que fui conseguindo introduzir, na actividade do SFM, as mais modernas técnicas de prospecção.
       
        Mas Jacques Louis não conseguiu dominar os seus impulsos. Mostrou-se verdadeiramente agastado, por ter sido indeferida a sua pretensão, sabendo ter sido eu o responsável por tal resolução.
       
        Não reparando que estava em Portugal e não numa colónia belga africana, foi ao ponto de dificultar uma visita de estudo, que eu pretendia fazer, aos trabalhos subterrâneos das Minas de Aljustrel, acompanhado de alunos finalistas do Curso de Geologia, em cumprimento do programa da disciplina de Prospecção Mineira, de cuja regência estava encarregado, como Professor Convidado da Universidade do Porto.

        Eu tinha-lhe dirigido ofício, com ampla antecedência, a preparar a visita, que se enquadrava em vasto programa, que incluía visitas a várias outras Minas do Alentejo e a locais cujo especial interesse geológico-mineiro tinha sido evidenciado pelos estudos do SFM.
       
        Quando chegou a data prevista para essa visita, Jacques Louis, não tinha ainda respondido ao meu ofício.
        Justificou tão insólito facto, com a sua prolongada ausência, e sugeriu o adiamento, por também se encontrar ausente o Engenheiro indicado para nos acompanhar.
        Expliquei-lhe que o meu conhecimento das Minas provém das frequentes visitas que a elas fiz, desde data muito anterior ao seu ingresso como Administrador.
        Declarei saber bem o que pretendia mostrar aos meus alunos, quer quanto ao enquadramento geológico do jazigo e às características do minério, quer quanto aos trabalhos efectuados e em curso para sua exploração.
        Apenas precisava do acompanhamento de um capataz ou outra pessoa responsável, não só para não sermos considerados intrusos, mas também por questões de segurança, perante a natureza dos trabalhos em curso.

        Não pude deixar de considerar muito arrogante a pouca receptividade que lhe mereceu a minha sugestão, até porque era a primeira vez que acontecia uma atitude pouco simpática da parte de um dirigente das Minas de Aljustrel.

        De facto, a empresa só tinha que estar imensamente agradecida pela valiosíssima colaboração que lhe foi prestada pelo SFM, quase gratuitamente, a qual se traduziu na descoberta da massa de Carrasco – Moinho, descoberta que relegou para um plano muito secundário as reservas antes conhecidas em S. João do Deserto e em Algares.

        Jacques Louis ou desconhecia isto ou achava natural que os serviços do Estado Português actuassem em benefício de potência estrangeira, de modo tão generoso.
        De facto, a compensação que tinha sido exigida a Minas de Aljustrel pelo acréscimo de reservas revelado pelo SFM foi simplesmente ridícula, devido à defeituosa interpretação que os “dirigentes de papel selado”, sediados em Lisboa, fizeram do disposto no artigo 5.º do Decreto-lei N.º 29 725 de 28 de Junho de 1939.
        As recompensas exigíveis devem relacionar-se com o real valor das descobertas e não com as despesas efectuadas para a elas chegar.
        É este o racional procedimento em actividades de elevadíssimo risco, como é o caso da prospecção mineira.

        Embora relutantemente, Jacques Louis acabou por concordar com a minha sugestão., indigitando para nos acompanhar, o Senhor Luta, Agente Técnico de Engenharia, que teria sido recentemente admitido ao serviço da Empresa, uma vez que eu nunca tinha ouvido falar dele.
        Dirigi-me, com os alunos, para o local combinado para o encontro e lá aguardamos a chegada de Luta.     Nesse local, estavam já duas pessoas, uma das quais se nos apresentou como sendo o Capataz Zacarias.
        Reparando no companheiro, logo o identifiquei como um antigo trabalhador do SFM, quando, cerca de 30 anos antes, dirigi as campanhas de prospecção nas regiões de Aljustrel e de Castro Verde – Almodôvar.
        Perguntei-lhe se se chamava Camacho e se era filho de um capataz da Mina de S. João do Deserto. Respondeu afirmativamente e reagiu muito afectuosamente, dando-me grande abraço.
        O ambiente, que começara sombrio, logo se desanuviou, facilitando a visita que se efectuou, quando Luta apareceu.
        Luta limitou-se a acompanhar-nos, tendo eu cumprido o programa de ensino aos alunos, tal como tinha planeado.
       

        Continua …

domingo, 27 de outubro de 2013

225 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 16.

A Faixa Piritosa Alentejana, que seleccionei como terceiro caso emblemático de “uso de poder em oposição ao saber”, impunemente praticado na Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), é também representativa de valiosos recursos que o País não tem sabido aproveitar, em seu próprio benefício, fazendo jus ao velho rifão: Dá Deus nozes a quem não tem dentes".

Sempre estranhei a leviandade, com que personalidades de pretensas elites nacionais faziam, “axiomaticamente”, afirmações depreciativas acerca dos nossos recursos minerais.
Muito me surpreendia a concordância, com tal negativa apreciação, de indivíduos que, no desempenho das suas funções normais, tinham obrigação de zelar pela boa gestão do património mineiro nacional (Ver post N.º 1).

Enquanto, por cá, se invocava a escassez em recursos naturais para justificar o atraso no nosso desenvolvimento, outros países “acorriam, solícitos, em nosso “auxílio”, extraindo o que nós desprezávamos.
E nós até nos mostrávamosagradecidas por migalhas que os “nossos auxiliadores” deixavam, para compensar o esbulho que praticavam!!

Mas, em 1939, houve alguém que tomou a iniciativa de analisar, com seriedade, esta matéria, concluindo que, na maioria das minas, que empresas, estrangeiras ou nacionais, mantinham em exploração, ou em regime de suspensão de lavra, os estudos dos respectivos jazigos enfermavam de deficiências, das quais resultava um mau aproveitamento das suas reservas.

Foi com o objectivo de eliminar essas deficiências que se instituiu o Serviço de Fomento Mineiro (SFM).

Quando fui destacado para dirigir os estudos iniciais do SFM, na Faixa Piritosa Alentejana, impressionou-me, não só a grandiosidade dos jazigos desta Faixa, mas principalmente o facto de a sua exploração estar a ser realizada por empresas estrangeiras.

Nas diversas funções, que ao longo dos anos, fui exercendo no SFM, a Faixa Piritosa Alentejana sempre mereceu a minha atenção prioritária, com o firme propósito de conseguir o racional aproveitamento das vastas potencialidades, que iam sendo progressivamente desvendadas.

Acontecia, porém, que enquanto eu ia criando as condições para que fossem cidadãos portugueses a proceder aos estudos exigidos para um cabal conhecimento da Faixa, sobretudo no que respeita à descoberta de novos jazigos, dirigentes incompetentes e corruptos iam destruindo sistematicamente tudo quanto eu, paciente e diligentemente tinha vindo a construir.

Vale a pena lembrar o curiosíssimo caso da descoberta do jazigo da Estação em Aljustrel (Ver post N.º 35).

Esta descoberta só se tornou possível, depois de eu ter organizado a 1. Brigada de Prospecção, com pessoal especializado, a diversos níveis e depois de ter conseguido, após anos de persistentes esforços, que fossem adquiridos os equipamentos indispensáveis ao uso das diversas técnicas geofísicas e geoquímicas, com realce para o método gravimétrico.

Quando decorria a primeira sondagem, para investigar discreta anomalia gravimétrica que depois se verificou ser a assinatura da concentração piritosa da Estação, surgiram, aos 328 m de profundidade, grandes obstáculos ao prosseguimento da perfuração, ocasionando avultados dispêndios para os tentar remover.
No projecto que o Director-Geral Soares Carneiro tinha aprovado, com o seu característico despacho “Nada a opor”, estava prevista a intersecção de uma concentração de pirite maciça, aos 350 m de profundidade.
       
Todavia, Soares Carneiro, manifestando insólita preocupação de ordem económica, mandava insistentes recados, por intermédio do seu Adjunto Engenheiro Costa Almeida, para eu dar o furo por terminado, alegando ser muito improvável encontrar jazigo a tal profundidade.
O Director do SFM, Múrias de Queiroz, era totalmente alheio ao que se estava a passar.
      
Tive imensa dificuldade em fazer perceber àqueles ignorantes em prospecção mineira que uma anomalia geofísica tem sempre uma causa.
Quando da sua análise, em conjunto com dados de outras técnicas (geológicas, geofísicas ou geoquímicas) se conclui que a causa pode ser jazigo mineral, justificando sondagens, estas têm obrigatoriamente que fornecer a explicação para a anomalia que se investiga, sob pena de se concluir que tal anomalia é “espúria”.

Ora, as formações que a sondagem acima referida tinha atravessado, até à marca de 328m, não revelavam variações de densidade, que explicassem a anomalia.
Era rotina, que eu tinha introduzido, a determinação sistemática das densidades dos testemunhos das sondagens, com equipamento simples por mim concebido.

Lembrarei, oportunamente, que por desprezo deste conceito, tão elementar quanto fundamental, se atrasou 5 anos a descoberta do jazigo de Neves – Corvo.

Tendo-me mostrado inflexível quanto à execução do projecto, tal como tinha sido concebido, a Brigada de Sondagens, insistindo nas suas tentativas, durante vários meses, acabou por conseguir retomar o prosseguimento da sondagem e aconteceu, então, o que deixou os “técnicos de papel selado, residentes em Lisboa, que tinham mandado parar o furo, por considerarem muito improvável encontrar jazigo mineral a tal profundidade, verdadeiramente estupefactos.

Tinha-se penetrado em espessa concentração de pirite maciça, precisamente à marca de 350 m, prevista no projecto!

A atitude destes ignorantes alterou-se, então, profundamente!
Passaram a julgar possível fazer previsões com aquele rigor, quando, na realidade, esse pseudo-rigor aconteceu, por mera casualidade.
As características da anomalia gravimétrica indicavam causa profunda, mas o método, tal como foi aplicado, não permitia determinar a exacta profundidade.
A área prospectada nem sequer era suficientemente ampla, para se poder separar, com exactidão, a anomalia residual da regional.
Uma carta de segundas derivadas, ou outro tratamento matemático, tal como um prolongamento ascendente, teriam permitindo algum progresso na análise da anomalia, mas a imensidão dos cálculos exigidos, embora simples, tornava impraticável a sua execução, em época em que ainda não tinham sido inventados os computadores pessoais.
      
Foi com base em dados geológicos de superfície, que se projectou encontrar o jazigo a 350 m de profundidade.
Usando o clinómetro associado a uma vulgar bússola de Geólogo, mediu-se o pendor do contacto do complexo vulcânico com as formações suprajacentes, na presunção de que o jazigo fosse detectado nesse contacto.
O jazigo foi detectado aos 350 m, mas o contacto, que se situava a muro do jazigo, só foi localizado 75 metros mais abaixo, havendo portanto um desvio desta grandeza, relativamente ao que o pendor medido à superfície indicava.       
Também se não entrou em consideração com dobramentos das formações, que só se tornaram conhecidos, através das sondagens na Mina dos Feitais, que lhe fica próximo.
Portanto, o rigor encontrado era ilusório e só foi prejudicial para os futuros projectos, pois os técnicos sediados em Lisboa já quase exigiam a repetição desse rigor. E isso não mais aconteceu!
      
Registo que o Geólogo novato da 1.ª Brigada de Prospecção, Vítor Manuel de Jesus Oliveira, numa primeira demonstração do seu carácter pouco escrupuloso, chegou a reivindicar para si o rigor casualmente alcançado.
Pena foi que, em subsequentes projectos, em que a sua participação foi solicitada, não tenha conseguido evidenciar rigor idêntico ou sequer aproximado ao que agora reivindicava como seu autor.

Extasiado com o êxito da 1.ª Brigada de Prospecção, o Director-Geral de Minas quis aproveitá-lo para revelar ao Secretário de Estado da Indústria, a elevada eficiência técnica da DGMSG.
Convidado a elaborar a notícia respectiva, apresentei texto sucinto e objectivo, que o Adjunto do Director-Geral, Engenheiro Costa Almeida entendeu necessário ampliar, alegando a conveniência de causar mais profunda sensação ao membro do Governo.

Este “semvergonhista” (como lhe teria chamado o Odorico Paraguaçu da telenovela brasileira), que tantos recados me enviara para suspender o furo que encontrou a pirite da Estação, foi capaz de subscrever o documento para o membro do Governo, juntamente com o Director do SFM, como se ambos tivessem sido co-autores da descoberta, sendo eu convidado a assinar em último lugar!!!!
      
Registo que Múrias de Queiroz, que assinou, em primeiro lugar, na qualidade de Director do SFM, tinha sido o principal responsável pelo enorme atraso na aquisição do gravímetro, que esteve na base da descoberta, quando teve a seu cargo a organização burocrática dos processos de aquisição dos equipamentos necessários à execução dos trabalhos de prospecção, pesquisa e reconhecimento, durante a vigência da anterior Direcção do SFM.

Mas não foi este o único curioso acontecimento relacionado com tão importante êxito.
      
Em Fevereiro de 1968, o Engenheiro Costa Almeida, nas funções de transmissor de recados, que não teve pejo em assumir, para se manter no cargo de Adjunto do Director-Geral, que lhe fora atribuído, por mero favoritismo pessoal, deu-me conhecimento de reclamação apresentada por representantes da Empresa concessionária das Minas de Aljustrel, que “punha em causa a minha honra” (sic).

Os cidadãos belgas De Barsy e Jacques Louis e o Engenheiro Rui Freire de Andrade tinham-se apresentado na DGMSG a reivindicar o direito à concessão de exploração da massa de pirite da Estação, recém-descoberta pelo SFM.
Alegavam que, em conversas com eles, eu teria declarado que a exploração de qualquer jazigo que fosse descoberto num círculo com raio de 5 km, centrado nas Minas de Aljustrel, seria automaticamente concedida à actual concessionária destas Minas.

Não sei o que mais me surpreendeu, se a credibilidade com que as afirmações do concessionário das Minas de Aljustrel foi aceite pelo Director-Geral e pelo seu Adjunto, se a fértil imaginação do concessionário!

Em primeiro lugar, era simplesmente inacreditável que, tanto o Director-Geral e o seu Adjunto como o concessionário das Minas de Aljustrel, revelassem tamanha ignorância da Lei de Minas em vigor, expressa no Decreto-lei N.º 18 713 de 1930.

Todos eles tinham obrigação de saber que a atribuição de uma concessão mineira era da exclusiva competência do Presidente da República, sob proposta devidamente fundamentada da DGMSG, e obedecendo a várias tramitações, entre as quais a publicação de Éditos tendentes a evitar eventuais futuras reclamações.

Como foi possível alguém acreditar que eu, que nem sequer tivera direito a subscrever isoladamente uma descoberta da minha exclusiva paternidade, me apresentasse com direitos superiores ao do Presidente da República?

Em segundo lugar, se algum daqueles técnicos tivesse lido as “Considerações finais “ do artigo de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955 e tivesse acompanhado as minhas diligências posteriores para que fossem cidadãos portugueses a promover o aproveitamento dos recursos nacionais, em nosso próprio benefício e não em benefício de outros países, teria facilmente concluído que nunca seria de minha iniciativa a entrega de uma riqueza nossa a uma potência estrangeira.

Do recado do Engenheiro Costa Almeida constava que eu deveria apresentar documento escrito a marcar a minha posição nesta matéria.

Assim procedi e, em 1 de Março de 1968, enviei, ao Director-Geral de Minas documento de 25 páginas dactilografadas, subordinado ao título “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo. Breve história, com especial relevo para a região de Aljustrel. Minha posição neste problema”.
      
Neste documento, dou conta das minhas constantes diligências no sentido de dar eficaz cumprimento ao programa de prospecção que deixei enunciado no relatório “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955, na Revista do SFM.

Dele destaco o resumo:

       “Cremos ter demonstrado uma acção pessoal persistente, ao longo de muitos anos, no sentido de dotar o SFM dos meios que lhe permitissem atacar capazmente o problema de prospecção de pirites no baixo Alentejo e muitos outros.
       Esta acção, até fins de 1963, não foi superiormente acarinhada.
       Só o estatismo do SFM em tal matéria justificou que se concedessem autorizações de prospecção e pesquisa, das quais Mines d’Aljustrel S.A. beneficiou durante largos anos, em áreas contíguas ou envolventes da sua concessão.
       Se se tivesse dado sequência aos programas propostos pela Brigada do Sul desde 1951, particularmente se o Engenheiro que em, 1953-54, esteve longo tempo a estudar gravimetria, tivesse continuado com este método a seu cargo, integrado numa equipa dinâmica, provavelmente todas as descobertas em Aljustrel, nos últimos 20 anos, teriam sido obra do Serviço de Fomento Mineiro.
       A seguir ao Cerro do Carrasco, estava preparado o êxito do Moinho. E depois destes viriam, naturalmente os de Feitais e Estação e os que podem estar ainda para surgir.
       Mines d’Aljustrel, S.A. não tem qualquer direito ao jazigo que acaba de ser evidenciado na sondagem N.º 1 do SFM.
       Será, pelo contrário, talvez ocasião de pensar num aproveitamento racional das enormes reservas já reveladas nas concessões de Mines d’Aljustrel S.A. e daquelas que, seguramente, ainda podem ser evidenciadas. Trata-se de uma riqueza da Nação que deve reverter principalmente em benefício da gente portuguesa.
       A tendência que vemos, em todo o Mundo, é para o aproveitamento das matérias-primas, nos países em que são extraídas. Efectivamente os grandes lucros são transferidos para as metalurgias.
       Não sabemos se serão viáveis instalações destas no País. Ma sabemos que um estudo desta natureza seria amais que justificada”.

       Fui informado pelo Engenheiro Costa Almeida que o Director-Geral não apreciou este documento e, por isso, nem lhe deu sequer entrada!
       Todavia, eu inseri-o, como anexo, ao meu relatório do mês de Março de 1968 e ao anual de 1968. Ignoro se dos 4 exemplares que enviei ainda resta algum.


       Continua…

terça-feira, 15 de outubro de 2013

224 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 15.

        
        A Faixa Piritosa Alentejana é a parcela portuguesa de uma extensa província metalogénica ibérica, mundialmente conhecida pelos seus gigantescos jazigos de sulfuretos (alguns, com centenas de milhões de toneladas) que, desde remotos tempos, têm sido explorados, sobretudo para recuperação de cobre e de enxofre.

        A recuperação de enxofre deixou de ser atractiva, quando este elemento passou a obter-se como subproduto da refinação do petróleo bruto, surgindo, nos mercados, a preços muito inferiores e em quantidades suficientes para o abastecimento das indústrias que dele careciam.

        Em compensação, os progressos na produção de concentrados dos vários metais contidos no minério, tornaram económica a recuperação destes metais, com destaque para o cobre, o zinco, o chumbo, o ouro, a prata, o índio.

        O primeiro Director do SFM, o Eng.º António Bernardo Ferreira, apercebeu-se da real importância desta Faixa, e a ela dedicou especial atenção, contando com forte apoio do Ministro Ferreira Dias.  
       
        Eu fui o Engenheiro do SFM, destacado para dirigir as primeiras investigações na Faixa, com recurso às mais modernas técnicas de prospecção, então disponíveis na indústria mineira. Estávamos em 1944.

        Tive a honra de participar no primeiro notável sucesso do SFM: a descoberta da massa mineralizada de Carraço – Moinho, em Aljustrel,

        Outras descobertas se seguiram, mediante a aplicação das técnicas de prospecção geofísica, com realce para o método gravimétrico, despertando o interesse de grandes Companhias mineiras estrangeiras.
       
        Para tal, muito contribuiu a publicação dos artigos de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” e “The discovery of a new orebody within the Pyrite Belt of Portugal by electromagnetic prospecting”. (Ver post N.º 9)

        Como referi no post anterior, Soares Carneiro, na fase inicial do seu mandato de Director-Geral, não dificultou a minha actividade de Prospecção Mineira.
       
        O meu inveterado optimismo e a minha incorrigível ingenuidade, fizeram-me alimentar a ilusão de que as “Considerações finais” do primeiro dos artigos citados teriam merecido a sua plena concordância.
       
        Assim sendo, confiei que, em futuras adjudicações, respeitaria a disposição legal que classifica os recursos minerais como “bens dominiais”, impossibilitando, portanto, a concessão da sua exploração a entidades estrangeiras.
       
        De facto, tendo eu preconizado a conveniente especialização de técnicos do SFM, para que todos os estudos pudessem ficar a cargo de cidadãos portugueses (Ver post N:º 11), podia garantir ter-se conseguido essa especialização, na 1.ª Brigada de Prospecção.

        Mas Soares Carneiro estava a assumir-se como real dirigente do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), subalternizando este departamento da DGMSG.
       
        Eu já não tinha apreciado que, na inauguração das modernas instalações de S. Mamede de Infesta, as designasse por Laboratórios da DGMSG, quando na realidade, elas se destinaram à sede do SFM, com os seus Gabinetes Técnicos, Secretaria, Biblioteca, Salão de Conferências, Salão de Exposição de Minérios e Rochas de todo o País, Sala de Desenho, Laboratórios, Armazéns, Oficinas, etc., representando, portanto, os Laboratórios apenas uma parcela, embora importante dessas Instalações.

        Soares Carneiro tinha exercido funções no SFM, entre 1942 e 1944, mas não fora brilhante a sua passagem por este Serviço.
        Surpreendeu-me que se tivesse conformado com o papel de Colector do Colaborador Cotelo Neiva, em levantamento geológico da Região de Bragança – Vinhais, de reduzido mérito para os objectivos do SFM. (Ver post N.º 120)
        Não adquiriu a experiência profissional que Bernardo Ferreira ambicionava proporcionar aos técnicos contratados pelo SFM (Ver post N.º 1), para ousar dirigir este importantíssimo departamento.

        Eu acabara por perder a esperança de que viesse a cumprir o que me declarara, quanto ao carácter transitório da nomeação de Múrias como Director do SFM, pois ia-me apercebendo de que a subserviência deste funcionário, era útil à sua estratégia.

        Soares Carneiro passara a exigir que fossem submetidos, à sua prévia apreciação, trabalhos da competência normal do Director do SFM, sem que este fizesse a mínima objecção.
       
        É bem elucidativo o exemplo das sondagens
       
        Nenhuma sondagem poderia ser efectuada sem a sua aprovação, como se ele tivesse preparação técnica para emitir parecer fundamentado!
        Como não tinha essa preparação, o seu despacho era sempre do mesmo teor: “Nada a opor”, escrito à mão, com péssima caligrafia, em letras garrafais, ostentando pesporrência!
        Nunca uma palavra de apreço ou estímulo, não só pelo trabalho produzido, justificativo do projecto, mas também pela esmerada apresentação, com texto e abundantes peças desenhadas.

        Na sua ânsia de assumir um poder absoluto, não só desautorizou o SFM, como ignorou a existência do Conselho Superior de Minas, cujas atribuições de consultadoria obrigatória estavam claramente expressas, no Decreto–lei N.º 18713 de 1930, e em vários outros diplomas legais.
       
        Foi ao ponto de instituir, na DGMSG, uma Comissão, que designou por “Comissão de Fomento”, composta por funcionários superiores dos departamentos da DGMSG (técnicos ou não), com a finalidade de analisar, periodicamente, os casos surgidos nesses departamentos.
       
        Em fastidiosas reuniões, foi muitas vezes referida a necessidade de reestruturar a DGMSG, para aumentar a sua eficácia, mas nada se resolveu.
        Na lei de Minas de 1930 ainda se fizeram pequenas alterações, para tentar corrigir erros na outorga de concessões mineiras. Mas, em minha opinião, o que se conseguiu deu jus à velha expressão “pior a emenda que o soneto
       
        Foi o Secretário de Estado, Rogério Martins, oriundo da antiga CUF (Companhia União Fabril), quem tentou, na sua efémera passagem pelo Governo, alterar a organização da DGMSG, concebendo um projecto que submeteu à apreciação de todas as Direcções-Gerais sob a sua tutela (Ver post N.º 69).
        A intenção era louvável, mas a reacção da DGMSG foi, para ele, inesperada.
        Em vez das opiniões individuais que pretendia, o que lhe foi apresentado foi um parecer colectivo de concordância, quase por unanimidade, apenas com a minha discordância, expressa em “declaração de voto”, pois eu nunca aceitaria a extinção do SFM, que Rogério Martins sugeria.

        Causou-me estupefacção a naturalidade com que Soares Carneiro aceitou a saída das Circunscrições Mineiras do âmbito da DGMS, conforme propôs Rogério Martins.
        Tal conformismo não se conciliava com a ambição de poder que demonstrava ao assumir abusivamente funções da competência de outros departamentos da DGMSG.
       
        Nas reuniões da Comissão de Fomento, os temas com alguma utilidade acabavam por ser, praticamente, os do SFM, pois os restantes tinham um interesse marginal, que não justificava, nem os dispêndios com as deslocações dos funcionários, nem a distracção das suas actividades normais.
       
        Nelas, eu ia dando conta dos resultados que conseguia, mediante a aplicação das variadas técnicas de prospecção mineira.

        Embora o autoritarismo de Soares Carneiro, nesta fase inicial do seu mandato, não fosse bom prenúncio sobre o seu futuro comportamento, o facto de não criar embaraços à minha actividade, induzia-me a considerar positiva a sua atitude relativamente à prospecção mineira.
       
        Soares Carneiro iria fazer uso, da informação que adquiria através das minhas exposições, de um modo muito discutível, relativamente ao respeito pelos interesses do País.

        Isso irei analisar, no próximo post, para justificar a selecção da Faixa Piritosa Alentejana como um dos casos mais emblemáticos do “uso do poder, em oposição ao saber” praticado pelo Director-Geral de Minas Soares Carneiro.
       

        Continua …

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

223 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 14.

Tenho vindo a analisar, desde o post N.º 217, o terceiro caso, que seleccionei, dentre os mais emblemáticos de “uso de poder em oposição ao saber”, praticado por altos dirigentes da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG).

Este caso diz respeito à Faixa Piritosa Alentejana.

Depois de ter, finalmente (!), conseguido introduzir a gravimetria, nas competências técnicas do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), acreditei que nova era poderia ter início, no aproveitamento dos nossos recursos minerais.
         
Todavia, quando o rumo começava a ficar racionalmente definido, surgiu, “não em manhã de nevoeiro”, mas em “dia aziago”, a decepcionante novidade da ascensão do “indesejado” Múrias de Queiroz, ao cargo de Director do SFM.
Acontecia, assim, mais um caso de indecoroso aproveitamento de uma boa ideia, para satisfação de mesquinhos interesses pessoais.
       
Múrias, que durante os seus quase 20 anos de presença no SFM, nada de útil fizera, no âmbito da investigação mineira, quis demonstrar a sua capacidade inovadora, ao conceber o que designou por Orgânica do SFM.
A característica mais saliente deste ridículo documento era a adição de Serviços e Divisões, às Brigadas e às Secções tradicionais. (Ver post N.º 26).
A mim, atribuiu o 1.º Serviço, denominado de Prospecção Mineira, com Divisões de Documentação, Desenho, Topografia, Geologia, Prospecção Geofísica, Prospecção Geoquímica.
Neste Serviço, instituiu duas novas Brigadas, derivadas da redistribuição das tarefas que estavam a cargo das Brigadas já existentes:
        a 1.ª Brigada de Prospecção, sediada em Beja, com  Secções em Évora, Vila Viçosa e Ferreira do Alentejo;
        a 2.ª Brigada de Prospecção, sediada  em S. Mamede de Infesta, com as Secções a criar no Norte e no Centro do País.
       
Nas instalações de S. Mamede de Infesta, que tinham sido recentemente inauguradas, reservou, para meu trabalho de gabinete, exíguo cubículo, intercalado entre o seu amplo salão e a Secretaria, “para controlar os meus impulsos”, segundo fez constar.
Explicou-me, porém, que pretendia manter-me próximo, para eu facilmente o auxiliar (Ver post N.º 28)

Num simulacro de atitude democrática, submeteu a “Orgânica”, à apreciação dos técnicos mais qualificados.
Conforme referi, no post anterior, tentei fazer-lhe perceber os inconvenientes de uma estrutura excessivamente compartimentada.
Não teve, porém, na mínima consideração os meus conselhos, baseados em experiência que ele não tinha.
       
Nem se apercebeu, também, de que o comportamento que decidiu adoptar, em relação a mim, se não coadunava com a estratégia de Soares Carneiro.

De facto, Soares Carneiro, pretendia demonstrar ao Secretário de Estado e ao Ministro da tutela, que as ideias expressas no artigoA riqueza da Indústria extractiva metropolitana”, que o guindara a Director-Geral, tinham plena confirmação em êxitos do SFM.

Ignorando Múrias de Queiroz, não teve a mesma preocupação em “dominar os meus impulsos”.
Pelo contrário, demonstrou ter plena consciência de ser ele um dos principais beneficiários dos sucessos que eu viesse a alcançar.
Foi, pois, com o seu franco apoio inicial, que se conseguiram êxitos, muito prestigiantes para o SFM, até a nível internacional.

Apercebendo-se da vastidão e qualidade da obra realizada pela BSFM, que, na sua quase totalidade, permanecia escondida da comunidade mineira, por Guimarães dos Santos ter decidido não publicar os desenvolvidos relatórios que eu regularmente apresentava (Ver post N.º 3), decidiu impressionar o Secretário de Estado, Eng.º Amaro da Costa, convidando-o a visitar as Minas do Sul do País, que se encontravam em franca laboração, mercê de estudos nelas efectuados pela BSFM.
Amaro da Costa ficou verdadeiramente surpreendido, sobretudo pelo silêncio ocorrido relativamente a êxitos de tal dimensão, invulgares em serviços públicos (Ver post N.º 47).
O sucesso destas visitas chegou a causar alguma preocupação a Soares Carneiro, devido ao seu natural apagamento, perante as minhas exposições ao Secretário de Estado e à comitiva, da qual constavam repórteres de vários jornais e até da Televisão.
Houve um jornal que, referindo-se a mim, me designou de Director-Geral e Soares Carneiro não gostou!
       
Relativamente à Orgânica de Múrias, apliquei apenas o que não inviabilizaria o cumprimento dos projectos de prospecção mineira.
Não criei Divisão alguma das que a Orgânica me atribuía. Acumulei com a chefia do 1.º Serviço, as chefias da 1.ª e da 2.ª Brigadas de Prospecção. Acumulei, ainda, as chefias de Secções que criei no Centro e no Norte do País.
Com esta simplificação, o 1.º Serviço ficou reduzido a duas Brigadas com as suas Secções, isto é, ficou com uma estrutura próxima da que sempre defendi.
Com mágoa minha, ficaram faltando, ao 1.º Serviço, os Trabalhos Mineiros, para que todas as fases da Prospecção Mineira, considerada no seu sentido mais lato, se incluíssem, no seu âmbito, como seria lógico.

Na organização da 1.ª Brigada de Prospecção, em que muito me empenhei, foi gratificante constatar a aceitação e, nalguns casos, até demonstração de brio profissional, com que funcionários contratados (técnicos ou não) e pessoal assalariado, pouco habituado a rigor na sua actividade, se adaptaram a tarefas exigentes, após terem sido esclarecidos, quanto à real importância da sua participação nos estudos projectados.
       
Esta 1.ª Brigada estaria destinada a constituir o embrião de um SFM renovado.

Nela, as técnicas geofísicas tiveram papel preponderante e, dentre estas, a gravimetria revelou-se a mais eficiente, a tal ponto que se tornou indispensável adquirir um segundo aparelho.
Notável a pronta concordância superior, lembrando-me eu dos 10 anos decorridos até os dirigentes se convencerem da utilidade da compra do primeiro gravímetro (Ver post N.º 14).

Não era apenas a Faixa Piritosa Sul Alentejana a justificar a aplicação da técnica gravimétrica.
A Faixa Magnetítica e Zincífera e a Área Norte-Alentejana, revelavam potencialidades também dignas de investigação por esta poderosa técnica, sobretudo para confirmação de resultados de outros métodos menos onerosos.

Foi assim que se obtiveram notáveis êxitos, em Algares de Portel, Vale de Pães (Cuba – Vidigueira), Alagada (Elvas) (ver posts N.ºs 44, 45 e 46).

Na Faixa Piritosa, as zonas mais favoráveis embora incluídas em áreas declaradas cativas para os estudos do SFM, tinham sido adjudicadas aos principais concessionários locais, devido ao atraso do SFM no cumprimento aos seus projectos e ao facto as Empresas privadas terem apresentado propostas de investigação para essas zonas, que foram superiormente consideradas vantajosas para o País.

Logo que os contratos caducaram, a 1.º Brigada de Prospecção, já então habilitada a dar cabal cumprimentos aos seus projectos, com destaque para a aplicação do método  gravimétrico, passou a ocupar-se intensivamente destas áreas.
E os resultados não se fizeram esperar.
Definiu-se, pela primeira vez, em toda a sua amplitude, a anomalia que era a expressiva assinatura da massa mineralizada do Carrasco – Moinho, anteriormente descoberta pelo método electromagnético Turam.
Definiu-se, de modo igualmente expressivo, a anomalia dos Feitais, que a “Lea Cross,” revelara, apresentando-a em perfis transversais.
       
Definiram-se, ainda novas anomalias, correspondentes às massa da Estação e do Gavião (Ver posts N.ºs 35 e 36)


        Continua…

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

222 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 13


Alterações ocorridas, em 1963, em altos cargos da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), tiveram notáveis reflexos positivos no aproveitamento dos nossos recursos minerais, mas também houve efeitos muito negativos, que poderiam ter sido evitados.
Foi positivo o afastamento de Fernando Silva da prospecção geofísica.
A fugaz passagem deste Engenheiro pela chefia da Brigada supostamente especializada (BPG), apesar de limitada a escassos meses, ficou bem assinalada.
De facto, estando a BPG já equipada com um gravímetro, seria aconselhável procurar a confirmação, pelo método gravimétrico, de anomalias magnéticas, antes de passar à fase de sondagens.
Assim não entendeu, porém, Fernando Silva, quando Soares Carneiro, para satisfazer mero capricho pessoal, lhe solicitou projecto de sondagem, na Faixa Magnetítica.
Carneiro precisava de argumento convincente, para transferir o Agente Técnico de Engenharia Raul Dionísio, para área distante de Montemor-o-Novo (Ver post anterior).
Fernando Silva apressou-se a seleccionar anomalia registada na zona de rochas básicas da região de Odivelas do concelho de Ferreira do Alentejo, sem cuidadoso exame da totalidade dos resultados da campanha em curso, na Faixa Magnetítica.
A óbvia consequência foi um inútil dispêndio e mais atraso no cumprimento dos projectos bem fundamentados.

Entretanto, Guimarães dos Santos, decidiu terminar as funções de Director do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que exercia, desde 1948, e concorrer ao Conselho Superior de Minas, para ocupar vaga de Inspector Superior, originada pela aposentação de anterior titular.

Assim se libertaria das responsabilidades inerentes ao cargo de maior importância na DGMSG.
Preferiu uma cómoda situação de “semi-reforma”, pois, como já tive ocasião de comentar, aquele Conselho evoluíra para uma espécie de “Brigada do Reumático”, pouco produzindo e, nem sempre com a lucidez que a designação requeria.
Na despedida, foi alvo de homenagem, por pessoal do SFM, para o efeito convidado, e também por funcionários de outros departamentos da DGMSG.
Era óbvia que eu não iria participar em tal manifestação de apreço, por motivos abundantemente descritos nestas “Vivências".
Tive, porém, conhecimento de que Soares Carneiro fez rasgado elogio do homenageado, chegando a compará-lo a Cristo, ao permitir que o agredissem numa face, oferecendo a outra, pois, se o caso se passasse com ele, nem uma face teria oferecido!
Muitos interpretaram que o agressor teria sido eu!!
Em jeito de agradecimento, Guimarães emitiu Ordem de Serviço, com louvor generalizado a todos os funcionários com 15 ou mais anos de serviço.
Achei ridículo este modo de premiar o mérito. Não me senti honrado com tal benesse, que também me contemplava!
Não posso, todavia, deixar de registar a resposta de Soares Carneiro, quando eu, ouvindo as suas referências pouco abonatórias ao desempenho das funções de Director do SFM, por Guimarães dos Santos, lhe chamei a atenção para a incoerência com o elogio que proferira, no dia da homenagem.
Deu a seguinte hilariante explicação: “Aquelas palavras eram para discurso!”

A Direcção do SFM passou a estar, interinamente, confiada ao Engenheiro Múrias de Queiroz que, até então, se ocupara, quase exclusivamente, da organização dos processos burocráticos de aquisição de equipamentos requeridos pelos trabalhos mineiros. O seu paupérrimo currículo não o creditava para exercer o cargo de Director do SFM (Ver post N.º 25).
Em conversa informal com Soares Carneiro, adverti-o dos óbvios inconvenientes, caso a nomeação se concretizasse.
Mas já fui tarde. Soares Carneiro revelou-me que o Secretário de Estado, Edgar de Oliveira que, tinha sido confrade de Múrias de Queiroz, na JUC (Juventude Universitária Católica), não se descuidara no proteccionismo ao seu correligionário.
Já o tinha indigitado para aquelas funções (Ver post N.º 25).
Todavia, Soares Carneiro acentuou que tal nomeação seria transitória e que, em futuro próximo, eu seria convocado para assumir a direcção do SFM.

De facto, a nomeação de Múrias de Queiroz ia sendo protelada. Significaria discordância, podendo chegar a rejeição?
Os funcionários tinham, porém, poucas dúvidas quanto ao forte peso da política e da religião, em casos como este.
Múrias de Queiroz, seguro da protecção do seu confrade Edgar de Oliveira, tomou a iniciativa de se dirigir a Soares Carneiro, argumentando que a remuneração de Director estava a fazer-lhe falta, para acorrer às despesas com a sua numerosa prole.
Soares Carneiro, perante tão estranho argumento, teve reacção de idêntico calibre e exigiu que Múrias de Queiroz lhe escrevesse uma carta a apresentar o pedido!!
Fiquei estupefacto quando esta notícia foi divulgada. Novamente Soares Carneiro se assumia como “dono” da DGMSG.
Mais estupefacto fiquei, quando soube que Múrias de Queiroz se prestou a tal ofensa à dignidade do cargo, ao qual já se julgava com pleno direito!!!

No decurso do tempo, percebi que, afinal, na estratégia concebida por Soares Carneiro, para tirar o maior proveito do poder que lhe fora confiado, era muito mais vantajoso ter como Director do SFM, indivíduo com o carácter subserviente que Múrias de Queiroz demonstrava.
E, como lhe tinha prestado o “favor” de o nomear, quase lhe fazendo sentir que tal não merecia, considerava-se com direito a compensações, dando jus ao velho ditado “Não há almoços grátis”.
Essas compensações foram ao ponto de se assenhorear totalmente do SFM.
As novas instalações do SFM, em S. Mamede de Infesta (Ver post N.º 31), que Soares Carneiro designou por “Laboratórios da DGMSG”, sem a mínima objecção de Múrias, eram, na gíria corrente, designadas como … “Quinta do Carneiro”, sendo Múrias o caseiro!

Ainda sem nomeação definitiva, mas confiante no incondicional apoio do Secretário de Estado, Múrias de Queiroz tinha efectuado, em Abril e em Maio de 1962, visitas à Brigada do Sul, para me dar conhecimento da sua intenção de instituir uma nova Organização do SFM, na qual, eu deixaria os Trabalhos Mineiros.
Eu perderia a Secção de Moura e Barrancos e a Secção de Castro Verde, isto é, as Secções dotadas do melhor pessoal, habituado a comigo cooperar.
Seria o “infiltrado do Norte”, Fernando Silva a assumir o pesado encargo de orientar, superiormente, estes que eram, então, os mais evoluídos núcleos de actividade de todo o SFM.

Fernando Silva iria, finalmente, conseguir capturar-me a chefia da Brigada do Sul, assim confirmando as minhas suspeitas (Ver post anterior).
Este seria o reflexo muito negativo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG, que facilmente poderia ter sido evitado.
Insistentemente, tentei esclarecer Múrias de Queiroz dos graves inconvenientes da entrega das Secções de Moura e Barrancos e de Castro Verde, que dispunham de pessoal técnico de elevada competência a Engenheiros inexperientes, como ele tinha decidido.
Informei-o de que os longos anos de convívio laboral com esses técnicos, me autorizava a afirmar que seria fácil manter a orientação dos Trabalhos Mineiros no Sul do País, dando cumprimento a projectos por mim concebidos.
A meu cargo, iria ficar um Serviço que teria, entre outras atribuições, os estudos geológicos e os trabalhos de prospecção mineira, em todo o território metropolitano.
Nele seriam incorporados núcleos do Norte e do Sul, onde era tradicional a tolerância na qualidade e na produtividade do trabalho.
No decurso do tempo, este novo Serviço revelar-se-ia um reflexo muito positivo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG.
De facto, o Serviço de Prospecção Mineira que pacientemente fui organizando, transformou-se no mais importante departamento, não apenas do SFM, mas de toda a DGMSG.
A ele se ficaram devendo os maiores êxitos mineiros, obtidos em Portugal, em todos os tempos, merecendo especial destaque a descoberta do já célebre jazigo de cobre, chumbo, zinco e outros metais, de Neves – Corvo, na Região de Castro Verde – Almodôvar (Ver posts N.ºs 37 a 43).
Enquanto isso acontecia, o sector dos Trabalhos Mineiros ia sofrendo progressiva degradação, até à sua completa extinção.
Confirmando as minhas pessimistas previsões, Fernando Silva, no Sul e Orlando Cardoso, no Norte, assumiam o papel de “coveiros” do importante sector de “Trabalhos Mineiros”, no qual eu até projectara instituir uma verdadeira Escola de Minas, para completar a formação dos futuros Engenheiros de Minas (Ver post N.º 122)

Continua …