segunda-feira, 30 de setembro de 2013

223 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 14.

Tenho vindo a analisar, desde o post N.º 217, o terceiro caso, que seleccionei, dentre os mais emblemáticos de “uso de poder em oposição ao saber”, praticado por altos dirigentes da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG).

Este caso diz respeito à Faixa Piritosa Alentejana.

Depois de ter, finalmente (!), conseguido introduzir a gravimetria, nas competências técnicas do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), acreditei que nova era poderia ter início, no aproveitamento dos nossos recursos minerais.
         
Todavia, quando o rumo começava a ficar racionalmente definido, surgiu, “não em manhã de nevoeiro”, mas em “dia aziago”, a decepcionante novidade da ascensão do “indesejado” Múrias de Queiroz, ao cargo de Director do SFM.
Acontecia, assim, mais um caso de indecoroso aproveitamento de uma boa ideia, para satisfação de mesquinhos interesses pessoais.
       
Múrias, que durante os seus quase 20 anos de presença no SFM, nada de útil fizera, no âmbito da investigação mineira, quis demonstrar a sua capacidade inovadora, ao conceber o que designou por Orgânica do SFM.
A característica mais saliente deste ridículo documento era a adição de Serviços e Divisões, às Brigadas e às Secções tradicionais. (Ver post N.º 26).
A mim, atribuiu o 1.º Serviço, denominado de Prospecção Mineira, com Divisões de Documentação, Desenho, Topografia, Geologia, Prospecção Geofísica, Prospecção Geoquímica.
Neste Serviço, instituiu duas novas Brigadas, derivadas da redistribuição das tarefas que estavam a cargo das Brigadas já existentes:
        a 1.ª Brigada de Prospecção, sediada em Beja, com  Secções em Évora, Vila Viçosa e Ferreira do Alentejo;
        a 2.ª Brigada de Prospecção, sediada  em S. Mamede de Infesta, com as Secções a criar no Norte e no Centro do País.
       
Nas instalações de S. Mamede de Infesta, que tinham sido recentemente inauguradas, reservou, para meu trabalho de gabinete, exíguo cubículo, intercalado entre o seu amplo salão e a Secretaria, “para controlar os meus impulsos”, segundo fez constar.
Explicou-me, porém, que pretendia manter-me próximo, para eu facilmente o auxiliar (Ver post N.º 28)

Num simulacro de atitude democrática, submeteu a “Orgânica”, à apreciação dos técnicos mais qualificados.
Conforme referi, no post anterior, tentei fazer-lhe perceber os inconvenientes de uma estrutura excessivamente compartimentada.
Não teve, porém, na mínima consideração os meus conselhos, baseados em experiência que ele não tinha.
       
Nem se apercebeu, também, de que o comportamento que decidiu adoptar, em relação a mim, se não coadunava com a estratégia de Soares Carneiro.

De facto, Soares Carneiro, pretendia demonstrar ao Secretário de Estado e ao Ministro da tutela, que as ideias expressas no artigoA riqueza da Indústria extractiva metropolitana”, que o guindara a Director-Geral, tinham plena confirmação em êxitos do SFM.

Ignorando Múrias de Queiroz, não teve a mesma preocupação em “dominar os meus impulsos”.
Pelo contrário, demonstrou ter plena consciência de ser ele um dos principais beneficiários dos sucessos que eu viesse a alcançar.
Foi, pois, com o seu franco apoio inicial, que se conseguiram êxitos, muito prestigiantes para o SFM, até a nível internacional.

Apercebendo-se da vastidão e qualidade da obra realizada pela BSFM, que, na sua quase totalidade, permanecia escondida da comunidade mineira, por Guimarães dos Santos ter decidido não publicar os desenvolvidos relatórios que eu regularmente apresentava (Ver post N.º 3), decidiu impressionar o Secretário de Estado, Eng.º Amaro da Costa, convidando-o a visitar as Minas do Sul do País, que se encontravam em franca laboração, mercê de estudos nelas efectuados pela BSFM.
Amaro da Costa ficou verdadeiramente surpreendido, sobretudo pelo silêncio ocorrido relativamente a êxitos de tal dimensão, invulgares em serviços públicos (Ver post N.º 47).
O sucesso destas visitas chegou a causar alguma preocupação a Soares Carneiro, devido ao seu natural apagamento, perante as minhas exposições ao Secretário de Estado e à comitiva, da qual constavam repórteres de vários jornais e até da Televisão.
Houve um jornal que, referindo-se a mim, me designou de Director-Geral e Soares Carneiro não gostou!
       
Relativamente à Orgânica de Múrias, apliquei apenas o que não inviabilizaria o cumprimento dos projectos de prospecção mineira.
Não criei Divisão alguma das que a Orgânica me atribuía. Acumulei com a chefia do 1.º Serviço, as chefias da 1.ª e da 2.ª Brigadas de Prospecção. Acumulei, ainda, as chefias de Secções que criei no Centro e no Norte do País.
Com esta simplificação, o 1.º Serviço ficou reduzido a duas Brigadas com as suas Secções, isto é, ficou com uma estrutura próxima da que sempre defendi.
Com mágoa minha, ficaram faltando, ao 1.º Serviço, os Trabalhos Mineiros, para que todas as fases da Prospecção Mineira, considerada no seu sentido mais lato, se incluíssem, no seu âmbito, como seria lógico.

Na organização da 1.ª Brigada de Prospecção, em que muito me empenhei, foi gratificante constatar a aceitação e, nalguns casos, até demonstração de brio profissional, com que funcionários contratados (técnicos ou não) e pessoal assalariado, pouco habituado a rigor na sua actividade, se adaptaram a tarefas exigentes, após terem sido esclarecidos, quanto à real importância da sua participação nos estudos projectados.
       
Esta 1.ª Brigada estaria destinada a constituir o embrião de um SFM renovado.

Nela, as técnicas geofísicas tiveram papel preponderante e, dentre estas, a gravimetria revelou-se a mais eficiente, a tal ponto que se tornou indispensável adquirir um segundo aparelho.
Notável a pronta concordância superior, lembrando-me eu dos 10 anos decorridos até os dirigentes se convencerem da utilidade da compra do primeiro gravímetro (Ver post N.º 14).

Não era apenas a Faixa Piritosa Sul Alentejana a justificar a aplicação da técnica gravimétrica.
A Faixa Magnetítica e Zincífera e a Área Norte-Alentejana, revelavam potencialidades também dignas de investigação por esta poderosa técnica, sobretudo para confirmação de resultados de outros métodos menos onerosos.

Foi assim que se obtiveram notáveis êxitos, em Algares de Portel, Vale de Pães (Cuba – Vidigueira), Alagada (Elvas) (ver posts N.ºs 44, 45 e 46).

Na Faixa Piritosa, as zonas mais favoráveis embora incluídas em áreas declaradas cativas para os estudos do SFM, tinham sido adjudicadas aos principais concessionários locais, devido ao atraso do SFM no cumprimento aos seus projectos e ao facto as Empresas privadas terem apresentado propostas de investigação para essas zonas, que foram superiormente consideradas vantajosas para o País.

Logo que os contratos caducaram, a 1.º Brigada de Prospecção, já então habilitada a dar cabal cumprimentos aos seus projectos, com destaque para a aplicação do método  gravimétrico, passou a ocupar-se intensivamente destas áreas.
E os resultados não se fizeram esperar.
Definiu-se, pela primeira vez, em toda a sua amplitude, a anomalia que era a expressiva assinatura da massa mineralizada do Carrasco – Moinho, anteriormente descoberta pelo método electromagnético Turam.
Definiu-se, de modo igualmente expressivo, a anomalia dos Feitais, que a “Lea Cross,” revelara, apresentando-a em perfis transversais.
       
Definiram-se, ainda novas anomalias, correspondentes às massa da Estação e do Gavião (Ver posts N.ºs 35 e 36)


        Continua…

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

222 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 13


Alterações ocorridas, em 1963, em altos cargos da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), tiveram notáveis reflexos positivos no aproveitamento dos nossos recursos minerais, mas também houve efeitos muito negativos, que poderiam ter sido evitados.
Foi positivo o afastamento de Fernando Silva da prospecção geofísica.
A fugaz passagem deste Engenheiro pela chefia da Brigada supostamente especializada (BPG), apesar de limitada a escassos meses, ficou bem assinalada.
De facto, estando a BPG já equipada com um gravímetro, seria aconselhável procurar a confirmação, pelo método gravimétrico, de anomalias magnéticas, antes de passar à fase de sondagens.
Assim não entendeu, porém, Fernando Silva, quando Soares Carneiro, para satisfazer mero capricho pessoal, lhe solicitou projecto de sondagem, na Faixa Magnetítica.
Carneiro precisava de argumento convincente, para transferir o Agente Técnico de Engenharia Raul Dionísio, para área distante de Montemor-o-Novo (Ver post anterior).
Fernando Silva apressou-se a seleccionar anomalia registada na zona de rochas básicas da região de Odivelas do concelho de Ferreira do Alentejo, sem cuidadoso exame da totalidade dos resultados da campanha em curso, na Faixa Magnetítica.
A óbvia consequência foi um inútil dispêndio e mais atraso no cumprimento dos projectos bem fundamentados.

Entretanto, Guimarães dos Santos, decidiu terminar as funções de Director do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que exercia, desde 1948, e concorrer ao Conselho Superior de Minas, para ocupar vaga de Inspector Superior, originada pela aposentação de anterior titular.

Assim se libertaria das responsabilidades inerentes ao cargo de maior importância na DGMSG.
Preferiu uma cómoda situação de “semi-reforma”, pois, como já tive ocasião de comentar, aquele Conselho evoluíra para uma espécie de “Brigada do Reumático”, pouco produzindo e, nem sempre com a lucidez que a designação requeria.
Na despedida, foi alvo de homenagem, por pessoal do SFM, para o efeito convidado, e também por funcionários de outros departamentos da DGMSG.
Era óbvia que eu não iria participar em tal manifestação de apreço, por motivos abundantemente descritos nestas “Vivências".
Tive, porém, conhecimento de que Soares Carneiro fez rasgado elogio do homenageado, chegando a compará-lo a Cristo, ao permitir que o agredissem numa face, oferecendo a outra, pois, se o caso se passasse com ele, nem uma face teria oferecido!
Muitos interpretaram que o agressor teria sido eu!!
Em jeito de agradecimento, Guimarães emitiu Ordem de Serviço, com louvor generalizado a todos os funcionários com 15 ou mais anos de serviço.
Achei ridículo este modo de premiar o mérito. Não me senti honrado com tal benesse, que também me contemplava!
Não posso, todavia, deixar de registar a resposta de Soares Carneiro, quando eu, ouvindo as suas referências pouco abonatórias ao desempenho das funções de Director do SFM, por Guimarães dos Santos, lhe chamei a atenção para a incoerência com o elogio que proferira, no dia da homenagem.
Deu a seguinte hilariante explicação: “Aquelas palavras eram para discurso!”

A Direcção do SFM passou a estar, interinamente, confiada ao Engenheiro Múrias de Queiroz que, até então, se ocupara, quase exclusivamente, da organização dos processos burocráticos de aquisição de equipamentos requeridos pelos trabalhos mineiros. O seu paupérrimo currículo não o creditava para exercer o cargo de Director do SFM (Ver post N.º 25).
Em conversa informal com Soares Carneiro, adverti-o dos óbvios inconvenientes, caso a nomeação se concretizasse.
Mas já fui tarde. Soares Carneiro revelou-me que o Secretário de Estado, Edgar de Oliveira que, tinha sido confrade de Múrias de Queiroz, na JUC (Juventude Universitária Católica), não se descuidara no proteccionismo ao seu correligionário.
Já o tinha indigitado para aquelas funções (Ver post N.º 25).
Todavia, Soares Carneiro acentuou que tal nomeação seria transitória e que, em futuro próximo, eu seria convocado para assumir a direcção do SFM.

De facto, a nomeação de Múrias de Queiroz ia sendo protelada. Significaria discordância, podendo chegar a rejeição?
Os funcionários tinham, porém, poucas dúvidas quanto ao forte peso da política e da religião, em casos como este.
Múrias de Queiroz, seguro da protecção do seu confrade Edgar de Oliveira, tomou a iniciativa de se dirigir a Soares Carneiro, argumentando que a remuneração de Director estava a fazer-lhe falta, para acorrer às despesas com a sua numerosa prole.
Soares Carneiro, perante tão estranho argumento, teve reacção de idêntico calibre e exigiu que Múrias de Queiroz lhe escrevesse uma carta a apresentar o pedido!!
Fiquei estupefacto quando esta notícia foi divulgada. Novamente Soares Carneiro se assumia como “dono” da DGMSG.
Mais estupefacto fiquei, quando soube que Múrias de Queiroz se prestou a tal ofensa à dignidade do cargo, ao qual já se julgava com pleno direito!!!

No decurso do tempo, percebi que, afinal, na estratégia concebida por Soares Carneiro, para tirar o maior proveito do poder que lhe fora confiado, era muito mais vantajoso ter como Director do SFM, indivíduo com o carácter subserviente que Múrias de Queiroz demonstrava.
E, como lhe tinha prestado o “favor” de o nomear, quase lhe fazendo sentir que tal não merecia, considerava-se com direito a compensações, dando jus ao velho ditado “Não há almoços grátis”.
Essas compensações foram ao ponto de se assenhorear totalmente do SFM.
As novas instalações do SFM, em S. Mamede de Infesta (Ver post N.º 31), que Soares Carneiro designou por “Laboratórios da DGMSG”, sem a mínima objecção de Múrias, eram, na gíria corrente, designadas como … “Quinta do Carneiro”, sendo Múrias o caseiro!

Ainda sem nomeação definitiva, mas confiante no incondicional apoio do Secretário de Estado, Múrias de Queiroz tinha efectuado, em Abril e em Maio de 1962, visitas à Brigada do Sul, para me dar conhecimento da sua intenção de instituir uma nova Organização do SFM, na qual, eu deixaria os Trabalhos Mineiros.
Eu perderia a Secção de Moura e Barrancos e a Secção de Castro Verde, isto é, as Secções dotadas do melhor pessoal, habituado a comigo cooperar.
Seria o “infiltrado do Norte”, Fernando Silva a assumir o pesado encargo de orientar, superiormente, estes que eram, então, os mais evoluídos núcleos de actividade de todo o SFM.

Fernando Silva iria, finalmente, conseguir capturar-me a chefia da Brigada do Sul, assim confirmando as minhas suspeitas (Ver post anterior).
Este seria o reflexo muito negativo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG, que facilmente poderia ter sido evitado.
Insistentemente, tentei esclarecer Múrias de Queiroz dos graves inconvenientes da entrega das Secções de Moura e Barrancos e de Castro Verde, que dispunham de pessoal técnico de elevada competência a Engenheiros inexperientes, como ele tinha decidido.
Informei-o de que os longos anos de convívio laboral com esses técnicos, me autorizava a afirmar que seria fácil manter a orientação dos Trabalhos Mineiros no Sul do País, dando cumprimento a projectos por mim concebidos.
A meu cargo, iria ficar um Serviço que teria, entre outras atribuições, os estudos geológicos e os trabalhos de prospecção mineira, em todo o território metropolitano.
Nele seriam incorporados núcleos do Norte e do Sul, onde era tradicional a tolerância na qualidade e na produtividade do trabalho.
No decurso do tempo, este novo Serviço revelar-se-ia um reflexo muito positivo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG.
De facto, o Serviço de Prospecção Mineira que pacientemente fui organizando, transformou-se no mais importante departamento, não apenas do SFM, mas de toda a DGMSG.
A ele se ficaram devendo os maiores êxitos mineiros, obtidos em Portugal, em todos os tempos, merecendo especial destaque a descoberta do já célebre jazigo de cobre, chumbo, zinco e outros metais, de Neves – Corvo, na Região de Castro Verde – Almodôvar (Ver posts N.ºs 37 a 43).
Enquanto isso acontecia, o sector dos Trabalhos Mineiros ia sofrendo progressiva degradação, até à sua completa extinção.
Confirmando as minhas pessimistas previsões, Fernando Silva, no Sul e Orlando Cardoso, no Norte, assumiam o papel de “coveiros” do importante sector de “Trabalhos Mineiros”, no qual eu até projectara instituir uma verdadeira Escola de Minas, para completar a formação dos futuros Engenheiros de Minas (Ver post N.º 122)

Continua …

terça-feira, 10 de setembro de 2013

221 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 12

O meu optimismo quanto ao início de nova era, no aproveitamento dos recursos minerais do País, em que passasse a respeitar-se a disposição legal que classifica esses recursos como “bens dominiais”, cuja exploração só é, portanto, permitida a portugueses, não teve, na devida conta, os numerosos poderes instalados, por favoritismo político–religioso, sem base em competência profissional, que demonstraram extraordinária capacidade de adaptação a qualquer regime político.

Sem o mínimo escrúpulo, detentores de poder, que tinham jurado exercer, com lealdade, as funções que lhes tinham sido confiadas, sobrepuseram os seus interesses pessoais ao interesse colectivo!

De facto, quando em 1962, tudo parecia bem encaminhado, acontecimentos inesperados vieram perturbar a entrada em vigor da nova era. Grande foi a minha surpresa, com a notícia de o Engenheiro Luís de Castro e Solla ter pedido a exoneração do cargo de Director-Geral de Minas (Ver post N.º 22).

Era óbvio que o próximo Director-Geral não se iria sentir vinculado ao projecto que Castro e Solla me havia transmitido, relativamente à nova chefia do Serviço de Fomento Mineiro (SFM).

Fernando Soares Carneiro foi o Engenheiro nomeado, em fins de Agosto de 1962, para o cargo de Director-Geral de Minas. Meu contemporâneo na Faculdade de Engenharia do Porto, não fora brilhante a sua carreira académica. Tinha classificação inferior à minha e à de vários outros colegas. Fizera o seu terceiro estágio no SFM, participando em trabalhos de prospecção e pesquisa mineiras, que estavam em curso nas Secções de Montemor-o-Novo e Cercal do Alentejo da Brigada do Sul.
Concluída a licenciatura, ingressou no SFM, e foi integrado na Brigada do Norte. A sua passagem, por este importante departamento da Direcção-Geral de Minas, limitou-se ao período de 1942 a 1944, e não deixou marca assinalável.
Achei, porém, estranho que uma das suas principais actividades tivesse sido desempenhada, assumindo o papel de Colector (submetido às instruções do colaborador Cotelo Neiva) em levantamentos geológicos da Região de Trás-os-Montes, quando tanto havia para investigar, no âmbito da Engenharia de Minas (Ver post N.º 120).
Em 1944, transitou para a Circunscrição Mineira do Norte e chefiava este departamento da DGMSG, quando foi indigitado para as funções de Director-Geral.

Atribuiu-se a nomeação a artigo publicado na Revista do SFM, sob o título “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”, no qual fez sugestões para o desenvolvimento da indústria mineira nacional, criticando os seus próprios procedimentos como dirigente responsável pela atribuição de concessões sem respeito pela lei. (Ver post N.º 25)

Soares Carneiro não era detentor de um currículo que me induzisse a depositar grandes esperanças na sua actuação como Director-Geral. O auto-elogio que fez constar em livro de sua autoria, publicado no ano 2000, com o título, “ A Fala das Pedras. Histórias Mineiras”, sobre as suas actividades, é mais uma das muitas fantasias, com que se inebriou.

Não é verdade que tenha feito “quase tudo”, na indústria mineira. Pouco de útil fez, mas muito de prejudicial se lhe ficou devendo! Teria sido bem mais vantajoso para o País que tivesse tido menos intervenções no SFM, pois estas se centraram, essencialmente na satisfação de interesses pessoais.

Comportou-se como se dono fosse do Organismo, que lhe foi confiado, aproveitando-se das facilidades orçamentais que o Governo tinha atribuído ao SFM. Dotações atribuídas para trabalhos foram desviadas para compra de várias viaturas que passaram a estar ao seu serviço, praticamente exclusivo, em Lisboa. Assalariados que deviam ocupar-se em actividades mineiras, passaram a prestar serviço em Lisboa como motoristas em notório contraste com o seu antecessor, que se deslocava de autocarro!

O Eng.º La Cueva Couto, que chefiava a Brigada de Prospecção Geofísica (BPG), fora acometido, de grave enfermidade e viria a falecer em Novembro ou Dezembro (não posso precisar) de 1962.

Guimarães dos Santos não esteve presente no funeral, delegando em mim a representação da Direcção do SFM.

Perante a situação criada na BPG, Guimarães dos Santos, no uso dos seus poderes de Director, emitiu, em 11-12-1962, a Ordem de Serviço N.º 523, do seguinte teor:

“A Brigada de Geofísica, que prosseguirá com os trabalhos em curso no Sul, passa a ser chefiada pelo Eng.º de 2.ª Classe Fernando José da Silva”.

Esta Ordem constituía mais do que uma despótica demonstração de um poder absoluto, indiferente às minhas propostas no sentido de melhorar a produtividade do SFM, expressas nos relatórios e nos Planos de Trabalhos da Brigada do Sul.

Era um grave insulto à minha profissão e ao cargo que desempenhava, cuja dignidade tinha o dever de preservar. Perante tal desrespeito pela deontologia profissional, reagi, vigorosamente, por ofício, com data de 31-12-1962, explicitado em 14 páginas dactilografadas, nas quais chamei a atenção para as evidentes ilegalidades de que a ordem enfermava e para os funestos efeitos do seu cumprimento.

Extraordinária a celeridade com que Guimarães quis preencher a vaga ocorrida na BPG. Não tivera igual celeridade, em 1947, quando necessitou de um ano para me promover à categoria correspondente a chefia da BSFM, que eu desempenhava. Só corrigiu o lapso, que me pareceu intencional, depois de eu lhe ter chamado a atenção para a ilegalidade em que estava incorrendo.

O grupo de Engenheiros acomodados na sede do SFM no Porto já havia demonstrado, com vários procedimentos, que eu apenas poderia, deles esperar, atitudes hostis. Todavia, durante muitos anos, acreditei que Fernando José da Silva era um leal companheiro. E, nessa presunção, frequentes vezes acorri em seu auxílio, até em assuntos de carácter pessoal, por reconhecer a sua inferioridade, que chegava a causar-me embaraços, quando aconteciam confrontos com Agentes Técnicos de Engenharia, muito mais competentes. Só tardiamente percebi a sua subserviência perante o Grupo do Norte, a cuja protecção se acolhia, comportando-se como seu “infiltrado” no Sul.

O estranho comportamento que assumiu, no caso do processo disciplinar que fui forçado a mover a um perverso Agente de Engenharia, forneceu-me inesperadas provas da sua ingratidão e deslealdade. (Ver post N.º 91)

Tornou-se-me claro que aguardava a oportunidade de me conquistar a chefia de uma Brigada bem organizada, recolhendo as consequentes benesses, sem se aperceber quão difícil lhe seria manter a qualidade que nela se tinha atingido.



A seguir, transcrevo passagens do meu ofício ao Director:

“Com o devido respeito e, ao abrigo do disposto no § 4.º do art.º 9 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis, aprovado pelo Decreto-lei N.º 32659 de 9 de Fevereiro de 1943, cumpre-me declarar que considero a decisão de V. Ex.ª ilegal e contrária aos interesses do Serviço.

Com efeito, é óbvio que o interesse do País exige que, salvo caso de força maior, um funcionário não seja desligado das funções em que está investido, sem prestar contas do desempenho dessas funções, e sem transmitir a outrem, expressamente designado para tal fim, os poderes e valores que lhe hajam sido confiados para tal fim. Ora, nada disto sucedeu, no caso presente.

O Engenheiro Senhor Fernando José da Silva não apresentou relatório algum dos mencionados no meu ofício N.º 2217 de 6 do corrente, os quais se referem a estudos já concluídos” … “Pode, portanto, dizer-se que o Engenheiro Senhor Fernando José da Silva vai entrar em domínio, no qual tem muito pouca experiência, pois não deve esquecer-se que o método electromagnético continua a estar fora do âmbito da Brigada de Prospecção Geofísica.

É lógico, portanto, perguntar qual a utilidade desta nomeação.

Para já, sabe-se que houve manifesto prejuízo. O Engenheiro Senhor Fernando José da Silva, como tem em preparação relatórios referentes ainda à sua actuação na Brigada do Sul e está fora dos problemas da Brigada de Prospecção Geofísica, não pode dar aos trabalhos desta a assistência que seria para desejar. Limitar-se-á a “deixar correr”. É evidente que não foi para isto que foi nomeado.

Então, tinham-se-lhe criado, antes, as condições para poder deixar a Brigada do Sul, de forma a que, quando assumisse a chefia da Brigada de Prospecção Geofísica pudesse a ela dedicar-se inteiramente.

Anteriormente à nomeação do Engenheiro Senhor Fernando José da Silva, para a chefia da Brigada de Prospecção Geofísica, os trabalhos desta estavam decorrendo em franca e leal colaboração com a Brigada do Sul.

A Brigada do Sul, consciente como sempre esteve, da importância do problema do ferro do Sul do País e reconhecendo que há muito trabalho de campo que não teve ainda adequado tratamento no gabinete, destacou mesmo, para prestar colaboração à Brigada de Prospecção Geofísica, nesta matéria, o Engenheiro Senhor Vitor Alvoeiro de Almeida, que em Novembro ingressara na Brigada do Sul.

Planeava-se marcar novas sondagens na região de Cuba - Vidigueira, para dar continuidade ao estudo iniciado, nesta semana e que, há longos anos se acha interrompido sem se saber porquê.

É claro que a nomeação do Engenheiro Senhor Fernando José da Silva forçou a nova interrupção deste estudo.

Outros problemas sofreram inevitáveis atrasos, com manifesto prejuízo para o Serviço e, portanto, para o País”. … “De tudo o que ficou dito e do muito mais que haveria ainda para dizer, resulta evidente que a organização do Serviço, no Sul do País, se já era defeituosa, passou, a partir das recentes Ordens de Serviço, a sê-lo ainda mais.

Sabemos que o Ex.mo Senhor Engenheiro Director-Geral projecta uma reforma de toda a estrutura da Direcção-Geral de Minas e que o Serviço de Fomento Mineiro será também abrangido.

Isto seria argumento para esperar. Todavia, o tempo passa e não se recupera.

O Serviço de Fomento Mineiro tem uma missão basilar para a economia do País. Impõe-se que se tome verdadeira consciência dessa missão e que se retome, quanto antes, o caminho de que nunca deveria ter-se saído.

Há que conjugar os esforços de todos para que se faça a obra que ao Fomento foi confiada e não desperdiçar energias em tarefas como esta que eu sou agora forçado a enfrentar, bem contra minha vontade, quando problemas vitais aguardam a minha disponibilidade de tempo.

No caso do problema que tenho vindo a tratar a melhor solução, para o momento presente, seria, como já numerosas vezes tenho sugerido, a extinção da Brigada de Prospecção Geofísica, uma vez que, na prática, se tem verificado não ser propícia a uma eficiente colaboração a existência de Brigadas independentes.

Tem falhado a coordenação das suas actividades.

… Mas se se entender que deve manter-se a Brigada de Prospecção Geofísica, sugiro, então, que eu seja nomeado interinamente seu Chefe (não me considerando um perito em prospecção geofísica, tenho honra em afirmar que toda a actividade de prospecção geofísica do Serviço de Fomento Mineiro no Sul do País, resultou de iniciativas que tomei e para cujo cumprimento tenho arduamente combatido e colaborado activamente, durante largos anos, perante a incompreensão de alguns que as deveriam ter acarinhado) até se encontrar alguém com as qualificações necessárias para assumir essa chefia.

Como V.Ex.ª está em causa, neste assunto, requeiro respeitosamente que o mesmo seja superiormente apresentado, para que se encontre a solução que mais convém aos interesses do País.

Nesta data, envio cópia do presente ofício ao Ex.mo Senhor Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos.”.


As reacções de Guimarães dos Santos e de Soares Carneiro não tiveram na mínima consideração o bom aproveitamento dos recursos minerais do País.
O objectivo para que foi criado o SFM foi completamente ignorado.

A Ordem de Serviço, nomeando Fernando Silva, Chefe da BPG foi mantida, apesar das minhas informações sobre a impreparação daquele Engenheiro para o cargo e sobre as naturais consequências no cumprimento dos programas da BSFM.

Para ambos os dirigentes, verdadeiramente importante era manter aquela hierarquia, que tinha sido muito incorrectamente estabelecida, embora dela estivessem a resultar graves prejuízos para o País!

Foi mais uma ostensiva manifestação do “Poder em oposição ao saber”.

Curiosamente, em ligação com o meu ofício contestando a legitimidade da Ordem de Serviço de Guimarães dos Santos, eu tinha recebido, em jeito de conselho amigo, aviso de colega que se tinha instalado em Lisboa e que viria, anos mais tarde a conseguir do Ministro Nobre da Costa, nomeação de Director-Geral Gabinete para a Prospecção e Exploração de Petróleo, isto é, de Organismo que nem prospectava nem explorava petróleo e apenas acompanhava, com intenção fiscalizadora, difícil de cumprir, perante a complexidade dos problemas técnicos envolvidos, o que Empresa privada ia fazendo neste âmbito (Ver post N.º 118).
Nesta mensagem, avisava-me dos riscos da minha atitude, pois está estabelecido na Função Pública, que ... “os Chefes têm sempre razão” (Ver post N.º 23 )

Pelo que me diz respeito, Soares Carneiro confirmou, logo no início do seu mandato, as minhas suspeitas de que não iria facilitar a minha actividade.

Não teve coragem de induzir Guimarães dos Santos a anular a insensata Ordem de Serviço, que designava Fernando Silva para a chefia da BPG, assim desprezando a opção por mim apresentada, que solucionaria muito melhor o problema originado pelo falecimento de La Cueva Couto.

Não seria, afinal, a primeira vez que Guimarães dos Santos seria convidado, por um Director-Geral, a anular uma infeliz Ordem, Tal foi o caso da correcção diplomaticamente aconselhada por Castro e Solla a uma Ordem que alterava a residência oficial de grande número de funcionários, a qual teria muito negativos reflexos nos proventos destes funcionários (Ver post N.º 24).

Mas de Carneiro não era expectável um comportamento diplomático.

Assisti a muitas das atitudes grosseiras, que adoptava, em demonstração de autoridade. Curiosamente, um dirigente de importante Companhia mineira canadiana, com o natural à-vontade que o convívio em trabalho havia gerado, quando se referia a Soares Carneiro, apelidava-o de “the grocer”, isto é, “o merceeiro”, sem ofensa para esta digna classe de trabalhadores.

Infelizmente este mau exemplo teve seguidores, que chegavam a ufanar-se de até o excederem, acabando com uma aristocracia de trato, que caracterizava anteriormente o corpo de técnicos da DGMSG.

Contrariamente ao posicionamento de Castro e Solla (Ver Post N.º 197), Soares Carneiro iria ter permanente intervenção no SFM, apropriando-se, praticamente, deste importante departamento da DGMSG. As suas arbitrariedades começaram logo a causar-me preocupação. Um exemplo pouco edificante foi a sua ordem para suspensão de campanha de sondagens que estava em curso na região de Montemor-o-Novo, na Mina de cobre de Alcalaínha, com base em anomalias registadas pela aplicação do método electromagnético Turam.

A Brigada de Sondagens, encarregara para dirigir a execução desta campanha, o Agente Técnico de Engenharia Raul da Silva Dionísio, que tinha sido companheiro de trabalho da Soares Carneiro, na Brigada do Norte do SFM. Aparentemente, Soares Carneiro não nutria simpatia por Dionísio, por motivos que eu desconhecia. Aconteceu que a vila de Montemor-o-Novo, onde Dionísio residia temporariamente, fora dotada de uma Escola Técnica, que lutava ainda com carências de pessoal docente. Dionísio foi convidado a colaborar, para preencher lacunas, dentro das suas competências. Pediu autorização superior para prestar essa útil colaboração. Soares Carneiro, não conseguindo melhores argumentos para recusar a colaboração, mandou transferir Dionísio para local distante de Montemor-o-Novo, suspendendo a campanha que estava em curso na Mina de Alcalainha!!!

Não era estimulante este prenúncio sobre o modo arbitrário como Soares Carneiro iria exercer o seu poder, impedindo a transmissão de saber, sem respeito pelos interesses do País.

Apesar disso, o facto de termos sido contemporâneos na Universidade e colegas de idêntica categoria na hierarquia da DGMSG, dava-me grande à-vontade para lhe expor, com firmeza, as minhas opiniões e alimentar esperanças de que as passasse a ter na devida consideração. .

Continua …

terça-feira, 3 de setembro de 2013

220 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 11



        Em 1962, a evolução natural dos estudos, na Brigada do Sul do Serviço de Fomento Mineiro (BSFM), neutralizara praticamente a malévola decisão do Director de separar por três Brigadas, de si directamente dependentes, as investigações que anteriormente se concentravam na BSFM.

        Relativamente a pessoal técnico superior, a situação, não sendo a ideal, não era impeditiva de realizar, com qualidade, as previstas campanhas de prospecção.

        Levantamentos litológicos, com bastante pormenor, vinham sendo efectuados, desde longa data, sobretudo por pessoal recrutado nos locais de trabalho, obedecendo a instruções por mim ministradas, no sentido de serem implantados, em cartas topográficas à escala 1:5 000, os afloramentos das variadas rochas, o “float” dessas rochas (resíduos da sua desagregação, na ausência de afloramentos) e os indícios de mineralizações.
        Foi assim que se definiu a verdadeira geologia da região de Cercal - Odemira, corrigindo os grosseiros erros, que constam de publicação subscrita por 5 autores, entre os quais um Geólogo (Ver post N.º 202).
        Foi também assim que se ampliou a área com potencialidade para jazigos de pirite, na região de Castro Verde – Almodôvar, de que viria a resultar a descoberta do jazigo de Neves – Corvo.
        Ainda estimulei o Geólogo João Martins da Silva a integrar-se na BSFM, prometendo proporcionar-lhe meios para desempenhar, com alguma qualidade, as suas funções.
        Lamentavelmente rejeitou o convite e continuou a produzir mapas, à escala de 1:50 000, com informação insuficiente e de duvidosa qualidade, que tiveram escassa ou nula utilidade para os objectivos do SFM.

        Conforme já referi, o Eng.º La Cueva Couto, que chefiava a BPG, conseguira libertar-se das influências negativas, não apenas do seu antecessor Orlando Cardoso, mas também do Director do SFM e seus Adjuntos Múrias de Queiroz e António Neto.
        Delegara, praticamente, em mim a orientação superior dos trabalhos de prospecção geofísica.
       
        Foi nesta conformidade que auxiliei Marques Bengala a dar início à aplicação da técnica gravimétrica, que era suposto ter aprendido, quando prestou colaboração à Lea Cross Geophysaical Company, na Mina de S. Domingos.
        Com algum desalento, constatei que Bengala pouco proveito tirara do seu prolongado estágio.
        Para além das leituras no gravímetro e dos cálculos simples das correcções nas leituras a diferentes latitudes, altitudes, horas do dia, etc… nada mais tinha aprendido!!!
        Nem a calibragem para a latitude da zona de investigação se mostrou capaz de efectuar, não lhe ocorrendo consultar as instruções do livro que acompanhava o aparelho!
        E quanto ao nivelamento rigoroso dos pontos das observações, revelou total incapacidade!
        Obviamente, não estaria apto a fazer a interpretação dos resultados da aplicação do método.
        Perante tal mediocridade e tendo em consideração a enorme importância do método, tive que dedicar boa parte do meu tempo a estudar o que constava da bibliografia sobre a matéria, de modo a especializar-me, eu próprio, progressivamente nesta técnica.

        O Director do SFM, que nunca se desembaraçou da qualidade de “técnico de papel selado”, consolidada durante longa permanência na sede da DGMSG, em Lisboa, apenas se apercebia dos acontecimentos no Sul, quando o diligente Agente Técnico de Engenharia Fernando Macieira lhe chamava a atenção para a gravidade dos comentários inseridos nos meus. Relatórios e Planos de trabalhos, que previamente tinha analisado, para lhe poupar o esforço de os ler.
        Mas Guimarães mantinha-se indiferente, consciente da sua impunidade, ao fazer uso do poder em que estava investido, esquecendo o seu juramento de “cumprir com lealdade as funções que lhe tinham sido confiadas”.
        Não era, obviamente, leal, desrespeitar os interesses do País, para os quais eu lhe chamava vigorosamente a atenção!

        Os Trabalhos Mineiros, nas diferentes Secções, que constituíam as principais tarefas atribuídas à BSFM, prosseguiam, a bom ritmo.
        Atingiam o seu maior desenvolvimento, na Mina de Aparis, em Barrancos, demonstrando franco progresso da BSFM, nesse âmbito.
        Projectava-se instituir novo piso, 60 m abaixo do piso 150, que se encontrava em reconhecimento e fazer exploração de algumas bolsadas, com o objectivo de obter os dados essenciais à determinação do valor do jazigo, para poder tomar decisão bem fundamentada sobre a sua futura exploração.
        Guimarães dos Santos que, perante problema difícil de resolver, com os meios existentes no SFM, procurava auxílio externo, como foi o caso do projecto da lavaria de Aparis, resolveu demonstrar o seu saber, emitindo instruções técnicas para melhorar a eficiência desta lavaria.
        Foi mais uma das suas ridículas intervenções.
        A elas eu tinha reagido, declarando que, a respeitarem-se as normas de amostragens aconselhadas, não me admiraria que viessem a obter-se análises, em que o teor de cobre no estéril fosse superior ao do minério bruto (tout venant).
        .
        Numa das minhas ocasionais visitas ao Director-Geral Castro e Solla, em Lisboa, revelei estas infelizes instruções de Guimarães dos Santos.
        Castro e Solla, que no decurso do tempo, se fora apercebendo do seu erro, ao designar Guimarães para tão importante cargo, soltou espontânea gargalhada, perante a ironia da minha reacção.
        Não resistiu a comentar que tinham incensado Guimarães e ele até se julgava um génio!
        Acrescentou que estava prevista uma reorganização da DGMSG, aproveitando a próxima aposentação de um Inspector Superior e que, nessa reorganização, eu seria o técnico qualificado para assumir a direcção do SFM.

        Mas Guimarães dos Santos não era pessoa para desperdiçar oportunidade que se lhe oferecesse para despoticamente me afrontar, com a ostentação do seu poder.
        Ignorando as minhas propostas, decidiu destacar para a Brigada do Sul, o Engenheiro Vítor Alvoeiro de Almeida, recentemente contratado pelo SFM.
        Achei estranho que, em 1951, quando emitiu Ordem de Serviço, a integrar o Engenheiro Fernando Silva na BSFM, especificou que lhe competiria promover o estudo dos jazigos de manganés.
        Agora, não entendeu necessário distribuir trabalho ao novo Engenheiro, nem se lembrando de consultar, nos Planos de trabalho que eu apresentava, qual o projecto em que seria útil a sua contribuição.

        Na realidade, eram os métodos geofísicos que estavam desfalcados de pessoal qualificado, sobretudo para a interpretação mais avançada dos resultados da aplicação do método magnético.
        Com o acordo de La Cueva Couto, indigitei Vítor Alvoeiro de Almeida, para preencher essa lacuna, começando por lhe fornecer bibliografia que já tinha coligido, para se especializar no método magnético.
       
        Em época anterior, Guimarães tinha decidido promover o Agente Técnico de Engenharia Vitorino Correia a especialista em magnetometria, enviando-o à BSFM para aplicar o método, em Mina de ferro do concelho de Alvito.
        Quando da campanha de prospecção magnética, a cargo da ABEM de Estocolmo, empreendida no início da década de 40 do passado século, em áreas do Sul e do Norte do País, envolvendo minas de magnetite (Montemor-o-Novo, Alvito, Orada, Vila Cova do Marão) Vitorino tinha sido destacado pelo SFM para colaborar nos trabalhos.
        Isso e a exibição de Vitorino, perante interlocutores ignorantes na matéria, visando auto-promoção, bastaram a Guimarães para o considerar especialista em magnetometria!
       
        Quando a BSFM tinha em progresso, galerias, nos pisos 30 e 60 do poço 3 da sede Mendonça da Mina de Aires, localizada na freguesia de Vila Nova da Baronia do concelho de Alvito, chegara ao meu conhecimento que a Direcção do SFM tinha, em armazém, um magnetómetro de Thalén-Tiberg, que já pouco se usava, devido à sua fraca sensibilidade.
        Requeri ao Director que me enviasse esse aparelho, embora dele pouco esperasse, para o aplicar na Mina do Alvito e em outras minas abandonadas da região.
        Foi, pois, com surpresa que vi aparecer na BSFM o Senhor Vitorino, que o Director encarregara de proceder às “complexas” leituras de um obsoleto magnetómetro, que era apenas uma simples bússola, preparada para medir grosseiras variações da componente vertical.
        Maior foi a minha surpresa com a demora na entrega dos resultados.
        Vitorino fizera um longo relatório de 24 (!) páginas, que me foi enviado, acompanhado de um texto manuscrito de Guimarães dos Santos, bem revelador da sua ignorância e do aproveitamento que Vitorino dela soubera fazer.
        Vitorino fizera detalhada interpretação das suas observações, apresentando “previsões”, em jeito de astrólogo.
        Terminava o relatório, datado de Março de 1950, com o seguinte expressivo parágrafo:
        “Resta-me, então, afirmar, que se tal acontecer, aquelas faltas justificam, afinal, uma tolerância, que não é mais do que o previlégio (sic) sempre pedido em trabalhos, como os propostos neste relatório, pertencentes à ancestral ARTE DE MINAS”    
        Toda esta ridícula retórica Guimarães aceitou e até elogiou!
        Obviamente que nenhuma das recomendações de Vitorino, que até implicavam elevados dispêndios, foi tida em consideração, por notória ausência de fundamentos.

        Considerando ultrapassada, no Sul, esta fase de predomínio do poder absoluto sobre o saber, em que a distância do grupo de anedóticos Engenheiros, acomodados na sede do SFM no Porto era, nessa data, factor pouco propício a contactos pessoais, fortaleci as minhas esperanças de que uma nova era no aproveitamento dos nossos recursos minerais iria ter o seu embrião na BSFM, generalizando-se, posteriormente a todo o País.
        Para isso, contribuíam também, as conversas a que me referi, com o Director-Geral Castro e Solla.

        Continua …