segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

209 – Reflexões sobre os recursos naturais de Portugal

    

        Ouço, com frequência, apresentar a pobreza de Portugal em recursos naturais, como uma das principais causas do nosso atraso relativamente à maioria dos países da União Europeia.
       
        Ouço ainda acusações de estarmos a viver acima das nossas possibilidades, recorrendo a empréstimos, por alegadamente não dispormos de recursos para oferecer, nas trocas comerciais, querendo manter um nível de vida próximo do desses países.
       
        Somos incluídos num grupo pejorativamente designado por “PIGS”, o que, em inglês, significa “PORCOS”, acrónimo constituído com as letras iniciais de países, que, como o nosso, enfrentam grandes dificuldades económicas (Portugal, Italy Greece, Spain).
        Seremos “porcos”, talvez por “emporcalharmos” a nossa dignidade, mendigando bens alheios, por não sabermos aproveitar os que temos.
       
        O que é grave é a nossa pobreza nesses recursos ser naturalmente assumida por personalidades investidas em cargos de elevada responsabilidade na vida nacional.

        De facto, ouvi, no programa de Televisão, “Prós e Contras”, emitido em 19 de Novembro passado, sobre problemas do ensino superior (universitário e politécnico), acentuar a nossa pobreza em recursos naturais, sendo até depreciativamente afirmado não ser com o petróleo de Peniche, o gás do Algarve ou o ouro de Jales que resolveremos a crise com que o País se debate.
       
        Os Reitores realçaram a utilidade dos conhecimentos que o ensino superior proporciona e censuraram vigorosamente os anunciados cortes nas dotações orçamentais que, a confirmarem-se, inviabilizariam um ensino de qualidade.
       
        Chamaram, no entanto, a atenção para a eficiência do ensino superior que se estava praticando, traduzida no baixo custo por aluno, até inferior ao do ensino secundário!

        Perante as reflexões antecedentes, afigurou-se-me oportuno interromper, uma vez mais, a análise crítica que vinha fazendo ao documento intitulado “A prospecção mineira em Portugal”, com o qual o Geólogo José Goinhas pretendeu contribuir para a elaboração de um “Novo Plano Mineiro Nacional”.

        Antes de caracterizar, quanto ao seu real mérito, os nossos recursos naturais, seria normal identificar a sua natureza.  
       
        Em primeiro lugar, temos, obviamente, os recursos humanos e, a este respeito, estou inteiramente de acordo com os senhores Reitores quanto à necessidade imperiosa de dar adequada formação, a diferentes níveis, a todos os portugueses, segundo as suas vocações e capacidades.

       Em segundo plano, vêm os recursos minerais, os agrícolo-pecuários e os piscatórios.

        De nada nos servirão os recursos deste segundo plano, se não tivermos gente capaz de os identificar e aproveitar racionalmente!

        É-me difícil compreender o empenho em dar formação superior a grande número de jovens, para depois os aconselhar a emigrarem, por não encontrarem emprego no País.
        O Estado, isto é, todos nós, contribuintes, fazemos grandes investimentos na formação destes jovens (os 3000 € a 4000 € por aluno, citados pelos Reitores) e depois é o Governo a aconselhá-los a emigrarem para países desenvolvidos, onde ajudarão a desenvolver ainda mais estes países, enquanto por cá muito há para fazer, aproveitando os recursos que temos e os que ainda nem identificamos!”
        Isto corresponde a exportar riqueza (a chamada massa cinzenta), gratuitamente!

        Relativamente aos recursos que considerei em segundo plano, vou concentrar-me, quase exclusivamente nos recursos minerais, pois foi na sua área que desempenhei a minha actividade profissional, longa de 47 anos.

        Nestas “Vivências Mineiras”, cuja leitura sugiro aos Senhores Reitores, que estiveram presentes no programa da TV a que atrás aludi, já muita informação se contém que, no âmbito mineiro, está em desacordo com ideias expressas sobre o seu real valor.
       
        Repetindo algo do que escrevi, começo por citar três jazigos minerais, bem demonstrativos da posição privilegiada que Portugal ocupa, a nível mundial, apesar da exiguidade do seu território.

        Merece especial referência o jazigo de Neves – Corvo, situado na região de Castro Verde – Almodôvar, recentemente descoberto, que se tornou o maior produtor europeu de minério de cobre, quando entrou em exploração (ver posts N.ºs 37 a 43).
       
        No que respeita a minérios de tungsténio, Portugal é, desde longa data, um dos maiores produtores da Europa, sendo as suas reservas avaliadas em 1% das reservas mundiais.
        Na Mina da Panasqueira, situada no concelho do Fundão é explorado o seu principal jazigo, bem conhecido pelas belas e valiosas amostras (autênticos bibelots) exibidas na maioria dos principais museus mineralógicos, de todo o Mundo.
       
        Portugal, tem, além disso, enormes reservas de minério de ferro no jazigo de Moncorvo, já avaliadas em cerca de 600 milhões de toneladas.
        Todavia, de acordo com resultados de técnicas geofísicas recentemente aplicadas, essas reservas poderão ascender a biliões de toneladas, igualando ou ultrapassando os grandes jazigos suecos de Kirunavaara e Luossavaara (Ver posts N.ºs 67 e 67-A).
        O jazigo de Moncorvo não está em exploração, provavelmente por se situar em Portugal.
        Se ocorresse na Suécia, na Alemanha ou noutro país dos mais industrializados, há muito que seria uma das principais fontes de abastecimento dos altos-fornos europeus.

        Se, possuindo estes três gigantescos jazigos, somos pobres em reservas minerais, eu pergunto: que exigimos para nos considerarmos ricos.

        Lembrando a anedota contada por Soares Carneiro, quando ocupou o cargo de Director - Geral de Minas, Deus não estaria, realmente, distraído, quando privilegiava Portugal, na distribuição da riquezas minerais pelos países do mundo.
        Carneiro utilizava a anedota para justificar a incapacidade de os portugueses bem aproveitarem os recursos com que a Natureza prodigamente os bafejou.
        Esquecia, porém, as suas grandes responsabilidades, em tal matéria (ver post N.º 191).

        A este propósito, ocorre-me ainda a expressão do Professor Veiga Simão, quando presidia a reunião sobre temas mineiros, na qualidade de Ministro da Economia: Disse Veiga Simão:
         Costuma dizer-se que somos um País pobre de recursos. No entanto, depois da exposição que aqui foi feita, chego à conclusão que não somos tão pobres como dizem.
        O que somos é pobres em tomar decisões e iniciativas rápidas. Nisso somos pobres ou quase nulos”(ver post N.º 155).

        Mas Veiga Simão, conforme tive oportunidade de o esclarecer, pessoalmente, (ver posts N.ºs 166 a 173) não estava inteiramente correcto.
       
        É que, em 1939, quando o País assistia, eufórico, a uma desenfreada exploração de minérios de tungsténio, desbaratando uma riqueza que se não se renova, houve um Ministro, o Engenheiro Ferreira Dias, que tomou a iniciativa de instituir um Organismo de Estado - o Serviço de Fomento Mineiro (SFM) - com o objectivo de proceder ao inventário dos nossos recursos minerais e disciplinar o seu aproveitamento.
        E houve, depois, o Engenheiro de Minas António Bernardo Ferreira que muito se empenhou na concretização destes objectivos.
       
        Mas a Bernardo Ferreira, prematuramente falecido, sucederam, dirigentes que estiveram longe de corresponder ao que deles seria legítimo esperar, daí resultando, graves erros e enormes atrasos nas investigações necessárias ao cumprimento dos objectivos do SFM.
       
        Todavia, apesar dos incríveis obstáculos criados por esses incompetentes dirigentes, houve funcionários dedicados que foram capazes de tomar iniciativas, que conduziram a significativos êxitos, destacando-se dentre eles, a descoberta do jazigo de Neves – Corvo, que foi apresentado ao Ministro como uma enorme riqueza mineira nacional.
       
        Conforme tenho referido exaustivamente, nestas “Vivências Mineiras”, foi com grande empenho e persistência, durante muitos anos, que organizei uma Brigada de Prospecção Mineira, constituída por pessoal com especialização, a diversos níveis, em levantamentos geológicos e em levantamentos por variados métodos geofísicos (gravimétrico, magnético, eléctricos, electromagnéticos, etc.) e geoquímicos.
       
        Foi à actuação desta Brigada, que se ficou a dever a anomalia gravimétrica que se revelou ser a assinatura do jazigo de Neves – Corvo.
        As vicissitudes por que passou o SFM, após a Revolução de Abril de 1974, originaram a desorganização Brigada, na qual se depositavam as maiores esperanças no aperfeiçoamento geral dos estudos do SFM (ver posts N.ºs 81 a 91).

        As técnicas que tinham sido introduzidas mantiveram-se em aplicação, no terreno, mas faltou supervisão apta a fazer a correcta interpretação dos resultados.
       
        De facto, foi com enorme perplexidade que, já afastado compulsivamente dessa Brigada, deparei com artigo publicado na Revista do SFM, com dados referentes à Região de Montemor-o-Novo, que são sugestivos da existência de enorme jazigo de sulfuretos, maior que Neves - Corvo.
        Estranhamente estes dados continuam por investigar, apesar de para eles eu ter chamado a atenção do Governo! (ver post N.º202)
       
         Quanto ao ouro da Região de Jales – Três Minas e aos produtos petrolíferos líquidos ou gasosos em Peniche ou no Algarve, tão depreciados pelo Senhor Reitor da Universidade de Coimbra, não posso deixar de manifestar o meu total desacordo.

        Em Jales e Três Minas, já os romanos extraíram ouro, usando os procedimentos primitivos, então conhecidos.
        Recentemente, houve intensa exploração, pois os romanos só conseguiram extrair o que se encontrava no estado livre, deixando intacto o que se localizava nas redes cristalinas de outros minerais.
        Pelo que chegou ao meu conhecimento, o jazigo nunca foi devidamente reconhecido, como aliás era regra na maioria dos jazigos portugueses.
        Quando pretendi aplicar, neste jazigo, técnicas geofísicas, que tinham sido bem-sucedidas no jazigo de Aparis em Barrancos, cujas características são algo semelhantes, não encontrei apoio da Direcção do SFM e o assunto foi sendo sucessivamente adiado. (ver post N.º30)

        Por alguma razão, aparecem Companhias sobretudo estrangeiras interessadas em investir nesta Região.
        Têm a noção de que o consultor mineiro canadiano Thomas Elliot tem razão quando afirma.
        Old mines never die…they just close down, and rest a while”.
        Thomas Elliot tinha chegado a esta conclusão, após análise de êxitos e insucessos da indústria mineira, num período de 59 anos.
        Em publicação do CIM, aconselhava o Governo a olhar para as minas antigas não como tendo esgotado os respectivos jazigos, mas como zonas potenciais, susceptíveis de ainda produzirem grandes riquezas e proporcionarem trabalho a muita gente.
       
        E quanto aos produtos petrolíferos, penso que, neste País, ninguém sabe o que realmente se passa. Trata-se de matéria altamente especializada, na qual não temos técnicos suficientemente preparados.
        Se grandes empresas continuam interessadas em investigar, quer a área emersa (on-shore), quer a extensa área imersa (off-shore) sobre a qual o País tem jurisdição, não é, com certeza, para divertimento!
       
        Não é, realmente, “apenas“ com o ouro de Jales, cujo valor está por determinar, nem com os produtos petrolíferos, cuja real importância ignoramos, que resolveremos os nossos problemas.
        Mas é com estes e outros recursos, quando convenientemente identificados, que teremos de contar. Não devemos desprezar qualquer dos nossos recursos, nem ignorar as nossas potencialidades.
        Novo provérbio vem à minha mente: “Fui a casa do vizinho, envergonhei-me!; fui à minha casa, remediei-me!”:

        A este respeito, reconheço que o País está longe de investigado, quanto aos seus recursos minerais e que os serviços oficiais têm grandes responsabilidades em tal situação.
       
        Na realidade, contra o que seria expectável, os principais dirigentes, em vez de estimularem os estudos com vista ao cumprimento dos nobres objectivos do SFM, muito os dificultaram, conforme tenho denunciado nestas “Vivências Mineiras”.
       
        O poder e o saber continuaram dissociados, como no tempo do Barão de Eschwege (Ver post N.º 1)
        “Lamentava o Barão que o saber estivesse dum lado e o poder de outro, com a agravante de o poder ser exercido sem atender aos reais interesses do País.
Passados mais de 100 anos, o País não aprendeu a lição, insistindo neste deplorável erro.”

        Na zona Sul do País, onde os trabalhos de prospecção, nas suas diversas fases, tiveram maior desenvolvimento, os sucessos aconteceram, recompensando magnanimamente os investimentos feitos para os produzir.
        No Norte e no Centro do País, apenas duas áreas foram objecto de estudos sistemáticos: a Região de Vila Nova de Cerveira Caminha – Ponte de Lima, essencialmente em prospecção de minérios de tungsténio; a Faixa Metalífera da Beira Litoral, para minérios diversos, com predomínio dos de cobre, chumbo e zinco.
        Apesar de dispor apenas de pessoal recrutado com escassa formação académica (a antiga 4.ª classe de Instrução Primária), foram registados resultados de muito interesse, devido à capacidade de aprendizagem e à dedicação exemplar demonstradas por esse pessoal.

        Na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, a partir da data em que o SFM iniciou a sua actuação, todas as explorações do concessionário local, que se mantinha em actividade, foram apoiadas em dados fornecidos pelo SFM
        Por outro lado, o interesse da Companhia americana Union Carbide em celebrar contratos com os concessionários e com o Estado, para participar nas investigações mineiras, deveu-se exclusivamente ao conhecimento dos dados que lhe foram facultados pelo SFM.

        Na Faixa Metalífera da Beira Litoral, muitas foram as zonas de anomalias geoquímicas e geofísicas, que justificavam investigação por sondagens.
        Dentre elas, destaquei, no post N.º 138, as seguintes: Braçal - Cabeço do Telégrafo, Alto da Serra (antiga mina de Vale do Vau, Bertufo, Boa Aldeia, Cabeço Santo, Sanguinheiro, Bostelim, Agrelo, Boi.
        Todavia, os dirigentes não deram sequência a projecto de sondagens apresentado para a zona do Cabeço de Telégrafo, apesar de terem conhecimento de que sondas estiveram inactivas … com o argumento de não haver projectos (ver posts N.º s 66 e 190)!!
       
Esta atitude obstrucionista tinha origem no “pouco entusiasmo” por esta Região, que Soares Carneiro, quando ocupou o cargo de Director-Geral de Minas, repetidamente manifestava, porque, em sua opinião, “os filões não têm interesse e é nas pirites do Alentejo que se contem todo o chumbo, zinco e cobre de que o País precisa, não só para prover às necessidades internas, mas também para exportar”.
Sem diminuir a importância da Faixa Piritosa quanto a reservas de minérios de chumbo e zinco, para cuja revelação me orgulho de muito ter contribuído, sempre declarei a minha total discordância pelo abandono a que o Senhor Director-Geral pretendia votar outras possíveis riquezas minerais.
Citei, então, exemplos de nações muito mais desenvolvidas que a nossa, que não desdenhavam aproveitar jazigos de pequenas dimensões, até para um desenvolvimento regional equilibrado, embora dispusessem de jazigos de grandes dimensões, à escala mundial.
Referi o caso da Suécia, que, embora explorando os enormes jazigos de ferro do distrito de Kiruna – Malmberget, que contêm reservas certas de cerca de 3 000 milhões de toneladas de minério de ferro, a grande mina de cobre de Aitik, a mina de Laisvall, que é a maior reserva de minério de chumbo da Europa, não deixa de aproveitar jazigos pequenos e relativamente pobres, tais como os de ferro de Risbergsfaltet, Blottberget, Ragsberg, Vintjarn e Ramhall e o de chumbo de Falun (V. “Industrie Minérale” de Fevereiro de 1974). (ver post N.º66).

        É ainda digno de registo o facto de a antiga Mina do Sanguinheiro, redescoberta pelo método geoquímico, pois não constava dos arquivos dos serviços mineiros oficiais do Norte, ter sido utilizada por um docente da Universidade de Aveiro, para a sua tese de doutoramento.
        Esta era mais uma demonstração de estreita colaboração que se tinha estabelecido com a Universidade de Aveiro, que só haveria vantagem em manter e até reforçar.

        Mas a formação profissional, em ligação com o aproveitamento dos nossos recursos naturais, será objecto de análise no próximo post.

        Parece-me legítimo extrapolar para as vastas áreas do Norte e do Centro do País, onde não incidiram estudos sistemáticos, potencialidades idênticas às que já se traduziram, nas duas áreas atrás mencionadas, em reservas justificativas de exploração remuneradora, ou em claras indicações de existência de possíveis reservas igualmente remuneradoras.

        Esta é, sem dúvida, a explicação para os 70 contratos de prospecção celebrados, recentemente por diversas Companhias com o Estado Português (ver post N.º 206)

Continua …

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

208 - O regresso ao tema do "Novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 1



Ao retomar, no post anterior, a análise do documento da autoria de José Goinhas, “A prospecção mineira em Portugal,” salientei, uma vez mais, as omissões e deturpações, patentes nesse documento.

É, de facto, incompreensível que escassa referência tenha sido feita ao acontecimento mais relevante, em matéria de prospecção mineira, que foi a instituição do “Serviço de Fomento Mineiro” (SFM).

A circunstância de este Organismo de Estado ter encontrado, inicialmente, sérias dificuldades para cumprir os seus projectos, só reforça o mérito dos êxitos que conseguiu ou preparou para que outros os conquistassem.

O seu primeiro Director estava ciente de que as dificuldades tinham origem principalmente em deficiências na formação académica dos técnicos contratados pelo SFM, pois idênticos problemas havia encontrado nos Serviços Centrais de Lisboa.

Planeara, por isso, em consonância com o Director-Geral - Engº. Castro e Solla, proporcionar formação pós-graduada aos futuros candidatos a exercer funções na DGMSG, fazendo-os passar previamente por núcleos do SFM, onde poderiam adquirir experiência directa no terreno, em actividades diversificadas.

Esperava, deste modo, melhorar a eficácia da DGMSG. (Ver post N.º 1)

Porém, o impulso que conseguiu imprimir, no período inicial, ao SFM, apesar das dificuldades que teve de enfrentar, não teve a projectada continuidade.

Bernardo Ferreira faleceu em 1948 e este trágico acontecimento foi extremamente funesto para o SFM.

Os dirigentes que lhe sucederam não tiveram procedimentos melhores que os adoptados pelos “técnicos de papel selado” dos Serviços Centrais de Lisboa.

Pouco ou nenhum interesse demonstraram na valorização do pessoal técnico, chegando até a contrariar sugestões apresentadas, em variados documentos, por funcionários que se esforçavam por dar eficaz cumprimento às tarefas inerentes aos cargos em que tinham sido investidos.

Conforme revelei, no post anterior, o departamento de prospecção mineira do SFM, quando ficou sob minha chefia, conseguiu vencer o obstrucionismo dos novos dirigentes, tornando-se a primeira real Escola de Prospecção Mineira do País.

A Universidade do Porto, apercebendo-se deste notável facto, convidou-me, em 1970, para reger disciplina de “Prospecção Geológica, Geofísica e Geoquímica”, tornando-se também pioneira, na introdução desta matéria, nos Cursos de Geologia e de Engenharia de Minas.

Lembro que a OCDE tinha já criado em 1961, um Grupo “ad hoc” com o objectivo de promover a aplicação de métodos modernos de prospecção mineira, nos seus países constituintes, para acorrer à escassez de matérias-primas que neles estava a acentuar-se. (Ver post N.º 4),

Lembro também a aceitação que teve um ante-projecto de prospecção aérea, abrangendo áreas do Alentejo, por mim apresentado, na qualidade de representante de Portugal nesse Grupo “ad hoc”,.em que tinha sido investido, pelo Director-Geral Castro e Solla.

É-me doloroso lembrar ainda, um lamentável facto ocorrido quando o dirigente máximo do Grupo “ad hoc” se deslocou propositadamente de Paris a Portugal, para avançar com o projecto, que lhe havia merecido tal apreço, que até pretendia estendê-lo para áreas de Espanha de idênticas potencialidades minerais.

Quando isso aconteceu, o novo Director-Geral, Soares Carneiro, entretanto nomeado, já havia designado o ex-Director do SFM Guimarães dos Santos, - que de prospecção nada sabia - , para me substituir na representação do País naquele Grupo de Trabalho.

Em reunião que se realizou em Lisboa, foi sentida a necessidade de solicitar a minha presença, para prestar auxilio a Guimarães dos Santos, mas os meus esforços não foram suficientes para neutralizar a atitude pouco interessada e até soez adoptada pelo Director-Geral e pelo seu servil Adjunto.

O projecto não se concretizou, como era previsível, perante o vergonhoso fracasso da reunião (Ver post N.º22).

Mas não foi apenas a Universidade do Porto a manifestar interesse na experiência do SFM, em prospecção mineira.

Também o instituto Superior de Engenharia do Porto, o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e, anos mais tarde, a Universidade de Braga viriam a solicitar idêntica colaboração (Ver posts N.ºs 56, 99, 117).

É digno de realce que a recém criada Universidade de Aveiro, tenha considerado oportuno instituir o Curso de Engenharia Geológica, orientado especialmente para a prospecção mineira, e tenha encarregado dois licenciados pela Faculdade de Engenharia do Porto, da regência das disciplinas relacionadas com o tema.

Digno de realce é também o empenhamento destes dedicados Engenheiros (Luís Fuentefria Menezes Pinheiro e Fernando Ernesto Rocha de Almeida), que, embora já licenciados, não hesitaram em frequentar as minhas aulas, por não ter constado dos seus Cursos a disciplina de Prospecção Mineira.

Tornaram-se, depois, assíduos companheiros, nos trabalhos de campo que eu dirigia na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, nos quais sempre se faziam acompanhar de seus alunos.

A colaboração com a Universidade de Aveiro foi constante, como referi nos posts atrás citados.

Merece, no entanto, especial menção um curiosíssimo caso ocorrido durante um Seminário de Geoquímica realizado, em Janeiro de 1976.

Neste Seminário, onde me apresentei na qualidade, de Chefe da 2.ª Brigada de Prospecção do SFM., a minha comunicação sobre a actividade desenvolvida, sobretudo na Faixa Metalífera da Beira Litoral, com grande incidência no distrito de Aveiro. tinha sido alvo de grande apreço.

O Geólogo José Goinhas, que compareceu em representação da 1.ª Brigada de Prospecção, justificou a sua presença com doença do Engenheiro Vítor Borralho, que era o técnico encarregado da aplicação do método geoquímico.

A doença de Borralho era, obviamente, fictícia. Ele não tivera coragem para me enfrentar, após a sua infame traição. (Ver post N.º 85).

Mas Goinhas, que já antes (Ver post N.º77) denunciara a sua personalidade oportunista, adaptável às circunstâncias, até acentuou que a 1.ª Brigada de Prospecção do SFM era também uma criação do Senhor Engenheiro Rocha Gomes.

A sua exposição enfermou do facto de não dominar a técnica, que aceitou representar.

Não deu a devida ênfase ao facto de ter sido na 1.ª Brigada de Prospecção que introduzira, no País, a técnica geoquímica e de ter sido em Beja que se instalou um pequeno Laboratório, com tal produtividade, que até as amostras da Faixa Metalífera da Beira Litoral, foram, durante muito tempo, lá analisadas para o conjunto de metais pesados, pelo método da ditizona, apesar de haver na sede do SFM em S. Mamede de Infesta um Laboratório de Análises Químicas modelarmente equipado e dispondo de abundante pessoal técnico.

Os dados que apresentou também não foram suficientemente expressivos da contribuição desta nova técnica em alguns dos êxitos alcançados.

Nesse Seminário, Goinhas teve oportunidade de se aperceber do prestígio do SFM, não só no meio universitário, mas também noutras instituições, públicas e privadas, ligadas à indústria mineira, que também tinham enviado representantes.

Se, no documento sobre “A prospecção mineira em Portugal”, que tem a petulância de classificar de “pedagógico”, ignora todos os factos prestigiantes para o SFM, que acabei de descrever, e não lhe ocorre registar que “em equipa ganhadora não deveria ter-se mexido”, como aconselha o velho rifão, é porque tinha plena consciência das suas responsabilidades na “mexida” que originou a crise que o SFM estava então a atravessar, a qual viria a ocasionar a extinção deste Organismo essencial ao desenvolvimento da economia nacional.

Embora sem directa ligação à prospecção mineira, ter-se-ia justificado registar o valioso contributo do Serviço Meteorológico Nacional, do Instituto Geográfico e Cadastral e do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em reuniões periódicas realizadas no âmbito de um Agrupamento Português de Prospecção Geofísica, criado por iniciativa do Engenheiro Castro Solla, quando exerceu as funções de Director-Geral de Minas.

Ao Serviço de Meteorologia e Geofísica ficou a dever-se o conhecimento dos valores da componente horizontal do campo magnético terrestre, no ano de 1960 e da sua componente vertical em 1954-55, em todo o território continental português, e as respectivas variações anuais.

Além disso, ficou a dever-se a indicação de uma área fortemente anómala, no Alto Alentejo, com possível interesse mineiro, que não constava de planos do SFM.

Todos estes dados foram úteis às campanhas de prospecção do SFM.

O Instituto Geográfico e Cadastral, além de ter disponibilizado cartas à escala 1:5000, de áreas cujo levantamento ainda tinha em curso, apresentou cartas gravimétricas (da anomalia de Bouguer completas e de ar livre), que tiveram utilidade sobretudo para conhecer os gradientes de âmbito regional.

O Laboratório Nacional de Engenharia Civil demonstrou ter adquirido grande experiência na aplicação de técnicas para localização de níveis aquíferos, com ênfase para a resistividade eléctrica.

Quando o Geólogo Dr. Ricardo de Oliveira me propôs incluir este método nas aulas da cadeira de Hidrogeologia, que regia como Professor Convidado na Faculdade de Ciências do Porto, concordei com a proposta, uma vez que a sua experiência era, então superior à minha, em tal matéria.

Aproveito o ensejo para, uma vez mais, exprimir o parecer de que as águas subterrâneas devem ser consideradas como minério, com a característica particular de ser líquido, tal como acontece, por exemplo, com o mercúrio nativo.

Continua …