domingo, 25 de abril de 2010

120 – Realidades e fantasias do Director-Geral de Minas. Continuação 1

Nas suas divagações sobre “Determinantes fundamentais da política mineira nacional”, o Director-Geral declarou “tentar definir a nossa cousa mineira (!), desde a inventariação à exploração”.

Pretendeu ainda distinguir as realidades, das fantasias de visionários de fabulosas riquezas.

No post anterior, já salientei a realidade que o Director-Geral tentou escamotear. Essa realidade era que a lei de minas se não cumpria e que, a actividade privada se exercia sem adequada orientação técnica e com deficiente ou nula fiscalização

Vou agora referir-me ao papel dos Serviços do Estado na inventariação dos recursos minerais do País.

Ao Decreto-lei n.º 29 725 de Junho de 1939, fundamental neste âmbito, não é feita qualquer referência na Comunicação!!

No entanto, logo no preâmbulo deste Decreto-lei, são feitas considerações, que ainda hoje, em 2010, merecem séria reflexão, pois mantêm muita actualidade.

Vou salientar algumas delas:

Falta ainda, um reconhecimento geral das nossas possibilidades mineiras, não só porque têm sido incompletos, por parciais e pouco profundos os estudos realizados, mas também porque a evolução da técnica na exploração das minas e no aproveitamento das matérias primas pode fazer com que sejam hoje susceptíveis de aproveitamento jazigos que antes não eram considerados economicamente exploráveis.”
….
Torna-se, por isso, necessário um novo estudo e reconhecimento das possibilidades do País, sobretudo em relação aos minérios fundamentais.”
….
Interessa inventariar as possibilidades do País prosseguir no caminho que o Governo, já iniciou de preparar técnicos para estudar novas modalidades industriais.”
….
Restam-nos, é certo, os recursos do Império e as possibilidades de actividade que ele nos oferece; mas, apesar do que há feito e do que se está fazendo, não é demais que se aproveitem ao máximo os recursos conhecidos da metrópole, como elemento de melhoria do nível de vida, de fixação de população e até de adestramento para a missão a desempenhar no Portugal de além mar.

O objectivo do desenvolvimento diversificado da produção depende mais de iniciativas que faltam do que de disposições de lei. Mas quando aquelas de facto não surgem, compete ao Estado, na medida em que lhe é possível, tomar as medidas necessárias para estimular, e até forçar, os particulares a não manterem inaproveitadas riquezas que oferecem possibilidades de trabalho para uma parte da população.

Na verdade, uma grande parte do minério extraído é exportado em bruto e embora não seja talvez possível – ainda que muito desejável – realizar a sua transformação integral, o certo é que talvez se possa, pelo menos, desenvolver tratamentos e operações que o valorizem, diminuam encargos de transporte e empreguem mão-de-obra nacional.

Fundamental é também, neste decreto, o papel atribuído ao Estado no domínio da prospecção e pesquisa das riquezas mineiras do País.

A importância dos capitais necessários para certos trabalhos e a pulverização das concessões e registos mineiros
tornam impossível pela iniciativa particular trabalhos sistemáticos e profundos.
Ao Estado compete suprir essa deficiência da actividade privada e por isso se estabelece que poderá realizar, quer nas zonas declaradas cativas, quer nas zonas livres, os trabalhos de prospecção e pesquisa que entender necessários para o reconhecimento da riqueza mineira do País e que, quando seja necessário realizar pesquisas em concessões já dadas e os concessionários não possam ou não queiram fazê-las, o Estado poderá realizá-las pelos seus meios, compensando-se depois sobre o minério extraído.

Logo no artigo 1.º deste Decreto-lei se estabelece que “compete ao Estado o estudo sistemático da riqueza mineira do País, para o seu melhor aproveitamento, conforme os interesses superiores da economia nacional”.

Nos restantes artigos, este papel é reforçado, definindo-se os meios para se alcançar o objectivo visado.

Para a concretização do disposto neste Decreto-lei, foi criado o Serviço de Fomento Mineiro, na dependência da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos.

Não foi, portanto, por falta de disposições legais que se não conseguiu dar ao inventário dos recursos minerais do País, o impulso expectável, após quase 40 anos de existência, que aquele Organismo já contava, quando o Director-Geral apresentou Comunicação ao Congresso 78, com curiosas divagações sobre o tema.

Quando se instituiu o Serviço de Fomento Mineiro, tinha-se em vista, não só um verdadeiro conhecimento dos recursos minerais do País, mas também a formação de técnicos, a todos os níveis, para que a inventariação fosse realmente fidedigna e o aproveitamento dos recursos pudesse ser racionalmente efectuado.

Não se excluía a possibilidade de formação complementar em adequados centros de outros países, nem a contratação de empresas especializadas estrangeiras.

Foram, por isso, totalmente descabidos o despacho de Torres Campos “Para a dinamização da indústria nineira” e as consequentes medidas, que originaram vultosos dispêndios, completamente inúteis.

O diagnóstico da situação, na turbulenta época, que se seguiu à Revolução de Abril de 1974, tinha sido feito por mim, quando propus a criação de um Instituto Geológico e Mineiro, para poderem ter efectiva concretização os objectivos visados no Decreto-lei n.º 29 725. (ver post n.º 78)

Durante a minha permanência de 47 anos no Serviço de Fomento Mineiro, uma das minhas constantes preocupações foi a formação de pessoal para poder desempenhar, com rigor, as várias tarefas exigidas pela prospecção mineira, quer proporcionando-lhe, eu próprio, instrução, quer promovendo estágios em centros apropriados nacionais ou estrangeiros (Ver posts n.ºs 24 e 85, 86, 87, 88, 89 e 90).
Até a Engenheiros e Agentes Técnicos de Engenharia tive que dar formação, perante a fraquíssima preparação com que ingressavam nos departamentos que chefiei. Aconteceu que pessoal auxiliar, habilitado apenas com a instrução primária conseguira maior capacidade técnica que funcionários com cursos superiores e médios, através dos ensinamentos que eu lhes havia ministrado. Esta situação chegou a originar problemas de ordem disciplinar, que rapidamente se resolviam, pois além de lições técnicas, dei lições de civismo.
Também na qualidade de docente de disciplinas de Prospecção Mineiras, nas Faculdades de Ciências e de Engenharia do Porto, preparei futuros Geólogos e Engenheiros nesta matéria.
Ministrei, ainda, aulas essencialmente de ordem prática, em cursos no âmbito da CEE, para formação de prospectores.

É uma verdade do Senhor de La Palice que competência é essencial para que a execução de qualquer tarefa mereça credibilidade.

Assim também o reconheceu o Director-Geral, em numerosas passagens da sua Comunicação.

São suas as seguintes afirmações:

“todos os projectos de investigação de recursos têm de ser ponderados, reflectidos, elaborados fundamentalmente com o conhecimento pleno da informação possível, isto é, tem de se obra de técnicos de alta qualidade”.

“os projectos relativos à inventariação de recursos exigem alto nível técnico e completo conhecimento da informação acumulada nos estudos já efectuados relativos a milhares de casos” .

Todavia, como já referi, em vários posts, na prática, o seu procedimento foi completamente oposto ao que enunciou.

Vou começar por apreciar a sua própria competência nas matérias sobre as quais teve directa intervenção.
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Lembrarei, seguidamente, o que já referi, detalhadamente, em vários posts isto é, as graves perturbações aos trabalhos de prospecção, ocasionadas pela protecção que dispensou a funcionários que sabia serem muito incompetentes para o desempenho dos cargos em que os investiu, ou consentiu que fossem investidos.

Considerando-se perito em investigação mineira, atreveu-se a assumir a orientação directa de jovens e inexperientes Geólogos, em prospecção de scheelites, com os desastrosos resultados que já descrevi no post n.º 94.

Mas, nesta Comunicação, revela, além de uma enorme ignorância em prospecção mineira, grande ousadia nas suas conclusões quanto à situação actual do País nesta matéria.

A sua impreparação resulta da curta permanência que teve no Serviço de Fomento Mineiro. De facto, apenas nele esteve integrado de 1942 a 1944, mas muito do seu tempo foi passado a desempenhar o papel de Colector do Professor da Universidade de Coimbra, colaborador do SFM, João Manuel Cotelo Neiva, como bem assinalam as estampas III, V, VIII, XI, XII e XVIII de “Rochas e Minérios de Bragança-Vinhais” publicado na colecção “Relatórios do SFM”.

Não teve oportunidade de adquirir experiência em prospecção, até porque, como afirmou o Director do SFM de então, perante Robert Woodtly, representante de um Grupo “ad hoc” constituído para a aplicação de “métodos modernos de prospecção”, nos países da OCDE, propositadamente vindo a Portugal, para auscultar as necessidades do País em tal domínio, a prospecção não tinha aplicabilidade, no Norte do País. Só no Sul se justificava – disse ele!

Ao declarar que “dum modo geral, a prospecção de superfície está praticamente terminada para a maioria dos principais minerais, ….com resultados francamente positivos (identificadas milhares de ocorrências)” e que a “prospecção de superfície está bem em dia” comete um incomensurável erro.
Mas volta a afirmar
Anota-se que aqui e por agora, apenas nos referimos à identificação de jazigos aflorantes (prospecção de superfície, repete-se). Assim, poderá concluir-se que, em nosso entender esta história … está bem em dia nos domínios da prospecção de superfície.
É preciso que se entenda, duma vez por todas, que ninguém, tecnicamente responsável, tem o direito de se imaginar prospector de superfície batendo terrenos virgens, quando, na verdade, caminhará, quase sempre, sobre terrenos devassados, pejados por densa rede de pistas, de rastos, de pegadas, testemunhos de uma das mais antigas e frutuosas histórias mineiras do Mundo. História, em cuja feitura participaram muitos dos melhores prospectores de todos os tempos, desde os Romanos (até pré-Romanos) até hoje…
E insiste: É que aqui, sobretudo aqui e agora, não têm cabimento os tradicionais prospectores de superfície, ... mas apenas os cientistas e técnicos do complexo conjunto de disciplinas que intervêm no processo geológico de formação de jazigos.

Em primeiro lugar, confunde procura de indícios de jazigos aflorantes com o que designa por prospecção de superfície.

A realidade é que as técnicas de prospecção mineira se aplicam, na sua maioria, a partir da superfície.

Mas é também real que a procura de indícios de jazigos aflorantes está muito longe de terminada.

Ter-se-ia apercebido de quão insensata era a sua afirmação, se tivesse consultado, por exemplo, qualquer das publicações que, a seguir, menciono:
“Recherche et Étude Économique dês Gîtes Métalifères L.Thiébaut. 1934,
La prospection minière à la batée dans le Massif Armorican. Mémoire du B.R.G.M n.º71. J. Guigues et F. Desvismes. 1969
La prospeccion aluvionar sistematizada en la fase estrategica de la investigacion minera de grandes areas. Aplicacion al complejo granítico de los Pedroches (Córdoba). Echevarria e Razabal. Publicações do Congresso Hispano-Luso-Americano de Geologia Económica. 1971
Interpretation of Leached Outcrops. Roland Blanchard. 1968

Confirmaria, também a insensatez das suas afirmações negativistas, se tivesse lido os relatórios que apresentei, no SFM, quer na qualidade de Chefe da Brigada do Sul, quer como Chefe do 1.º Serviço.
Nesses relatórios, teria verificado que a prospecção de jazigos aflorantes, em Portugal, está ainda em fase muito atrasada e que numerosas ocorrências minerais, que justificaram estudos, para verificar se corresponderiam a jazigos, foram descobertas, por simples exame da superfície, em todas as zonas onde foram efectuados trabalhos sob minha orientação.
Entre outros, são disso exemplo:
a) a descoberta do jazigo de cobre, chumbo, zinco e prata do Torgal (Odemira), referido no post n.º 17,
b) a descoberta de ocorrências de ouro nas Herdades de Grou, Romeiras, Defesa, Chaminé na região de Montemor-o-Novo, às quais me refiro no post n.º 18,
c) a descoberta de ocorrência de barita na área do Monte dos Clérigos, na região de Alcácer do Sal,
d) a descoberta do jazigo de ferro da Alagada, na região de Elvas,
e) a descoberta de vários afloramentos de skarn com mineralização de scheelite, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, às quais me referirei detalhadamente em futuro post,
f) a descoberta de mineralizações essencialmente zincíferas, na zona de Vale do Vargo (Moura),
g) a revelação da grande mancha de rochas vulcânicas da região de Castro Verde – Almodôvar, como área potencial, antes desconhecida, para a ocorrência de grandes jazigos de sulfuretos maciços; na qual viria a concretizar-se o maior êxito, de todos tempos, em Portugal, o já célebre Jazigo de Neves-Corvo,
h) a revelação da grande mancha de rochas vulcânicas da região de Cercal – Odemira, antes desconhecida, e a sua potencialidade para jazigos de sulfuretos idênticos aos da Faixa Piritosa
i) a revelação da região de Alcácer do Sal como prolongamento de um dos horizontes da Faixa Piritosa Alentejana.

Tive a intenção de aplicar, o método de prospecção aluvionar, usado no Maciço Armoricano francês, pelo BRGM, método que representava um aperfeiçoamento da técnica aconselhada no livro de Thiébaut de 1934.
Começaria, com ensaios de orientação em zonas seleccionadas por considerações de ordem geológica e estenderia progressivamente a sua aplicação até abranger todo o território nacional.

Tal método exigiria a colaboração de técnicos especialistas no exame, à lupa binocular, dos concentrados obtidos em aluviões nas linhas de água.
O BRGM francês aceitava preparar esses técnicos.
Perante a total falta de receptividade do Director do SFM, cheguei a propor que um Assistente da Faculdade de Ciências do Porto, onde eu dava aulas de Prospecção Mineira, se especializasse, em França, em tal matéria. Esteve indigitado o Dr. Aprígio, mas a ideia não teve concretização, por dificuldades orçamentais.
É meu parecer que, ainda actualmente, se justifica considerar o uso desta técnica.

No próximo post, revelarei outras situações de real obstrução ao progresso do inventário dos recursos minerais do País, as quais demonstram uma atitude do Director-Geral de Minas absolutamente oposta àquela com que pretendeu apresentar-se de grande defensor de um sã política de valorização da indústria mineira nacional.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

119 – “Realidades e fantasias” do Director-Geral de Minas

Ao “Congresso 78” de Engenharia, que decorreu no Porto, em fins de Novembro de 1978, o Director-Geral de Minas apresentou duas comunicações, às quais deu os títulos seguintes:

Determinantes fundamentais da política mineira em Portugal
Caracterização económica da indústria extractiva de Portugal

A ambas acrescentou o subtítulo “Realidades e Fantasias”

A primeira é um exemplo de como, neste País, é possível um alto dirigente divagar, em total impunidade, sobre matéria que não domina, perante uma selecta assistência, que esperaria ouvir a definição clara da estratégia do Governo para o desenvolvimento da indústria mineira nacional, como o seu título prenunciava.

Interpretei os insensatos juízos de tal dirigente, emitidos em jeito de paternais conselhos, como velada intenção de se desculpabilizar pelo estado catastrófico a que fez chegar o Organismo cuja direcção lhe foi confiada,

É certo que começou por prevenir que se tratava apenas de apontamentos escritos ao correr da pena, nos intervalos de outras tarefas”, acerca da “cousa mineira”.

Não obstante tal aviso, não teve pejo de fazer publicar o texto no “Boletim de Minas”, n.º 15 de Abril/Junho de 1978, com novas divagações acerca dos seus conceitos quanto às fases das investigações mineiras.

Mas a atitude de desrespeito pelos congressistas não é, o que mais se salienta na comunicação.

Trata-se, de facto de um documento desconexo, cheio de banalidades, “lapaliçadas” e contradições, repetitivo, retórico, pretensioso, revelador de enorme ignorância quanto às reais possibilidades das diversas fases a que deve obedecer a prospecção mineira, nos tempos actuais, não só para evitar atrasos no cumprimento dos programas, mas também para não originar inúteis dispêndios, estando em causa dinheiros públicos.

Em minha opinião, o subtítulo que melhor se adaptaria a este documento seria “Perversidades e pesporrências”

Se o autor tivesse frequentado a cadeira de Prospecção Mineira, cuja docência esteve a meu cargo na Faculdade de Ciências do Porto, seguindo o exemplo de outros Engenheiros, aos quais também tinham faltado lições desta matéria, por não constar do Curso de Minas da Faculdade de Engenharia, não teria feito tantas afirmações destituídas de fundamento.

Muito provavelmente nunca terá feito uso de qualquer das mais de 100 publicações, cuja consulta eu aconselhava aos meus alunos, para completar o ensino que lhes ministrava nas aulas teóricas e práticas de gabinete e de campo.

Se tivesse, por exemplo, consultado o excelente tratado “Mining Geology” de Mc Kinstry, teria aprendido como se deve elaborar um documento técnico, e não nos teria submetido a tamanha trapalhada.

Nas suas divagações, não resulta evidente quando está a comentar a actividade da indústria mineira privada ou a actividade dos serviços oficiais.

A política mineira nacional estava, há muito tempo, claramente determinada, principalmente nas disposições do Decreto-lei n.º 18 713 de 1 de Agosto de 1930 e do Decreto-lei n.º29 725 de 28 de Junho de 1939.

O primeiro estabelecia que as matérias-primas minerais existentes no subsolo nacional, são bens do domínio público e que a sua exploração podia ser autorizada, através de concessões mineiras, sob condições bem definidas.

O segundo atribuía ao Estado um papel fundamental no inventário das existências de minerais úteis no subsolo português.

Surpreendentemente, não há na Comunicação, referência a qualquer destes importantíssimos diplomas legais.

O Decreto-lei n.º 18 713 facilitava o acesso à actividade mineira a qualquer entidade que tivesse descoberto indício de existência de minério ou presumisse essa existência.
Bastar-lhe-ia apresentar, na Câmara Municipal do concelho onde se situasse a área em que estava interessada, um manifesto mineiro, do qual constassem os dados exigidos pela lei, para poder realizar os estudos necessários à demonstração da existência de jazigo mineral.
Tinha o prazo de dois anos para empreender esses estudos, sendo-lhe porém permitido solicitar o prolongamento do prazo, se tal se tornasse necessário.

Quando considerasse evidenciada a existência de jazigo mineral, poderia requerer a concessão da sua exploração.

A Direcção-Geral de Minas, faria, então, deslocar ao terreno um técnico das suas Circunscrições, para fazer o reconhecimento de que tinham sido cumpridas as disposições legais para poder ser atribuída a concessão de exploração.

A realidade insofismável é que ao autor desta Comunicação se ficou devendo o maior desrespeito pelas disposições do Decreto-lei n.º 18 713.

Tendo exercido funções de chefia na Circunscrição Mineira do Norte, de 1944 a 1962, foi o responsável pela outorga de numerosas concessões, sem que tivesse sido comprovada a existência de minerais úteis, em quantidade e em qualidade que justificasse a instalação de empresa economicamente viável, como exigia a lei.

Nesta Comunicação, pretende explicar o incumprimento da lei, afirmando que “houve disposições legais, de política marcadamente conjuntural, que obrigaram a dar concessões a requerimento”, o que obviamente, não pode corresponder à verdade.

Foi de sua inteira responsabilidade a outorga de concessões mineiras, onde nem sequer havia indícios de minério e também o prolongamento artificial da validade de registos mineiros, em cujas áreas nenhuma actividade tinha sido exercida, através de propositado atraso no reconhecimento, exigido por lei.

Como exemplo da leviandade como eram atribuídas concessões, a seguir transcrevo passagens do relatório de reconhecimento da Mina do Sobredo, da freguesia de S. Miguel de Entre Ambos os Rios, do concelho de Ponte da Barca, com data de 27-5-1949, subscrito pelo Engenheiro da Circunscrição Mineira do Norte, que viria a ser o autor da Comunicação que estou a comentar:

“Para se avaliar dos teores de ouro fez-se uma amostragem extensiva ao maior volume possível dos 3 filões, e numerosos roços transversais, com profundidade e largura de cerca de 0,5 m, desde o tecto ao muro.
A fim de reduzir o seu grande volume e peso, fez-se, no local, uma amostragem média, aproveitando-se cerca de ¼ do total, beneficiando-se o seu teor em arsenopirite, que ficou superior ao do tout-venant.
….
O certificado de análise, que se junta, apresentou o valor de 18 gr/T.
….
Admitimos que este resultado seja um pouco superior ao valor médio da metalização de ouro das partes amostradas, visto que, como dissemos, a amostra foi um pouco beneficiada em arsenopirite. Contudo, mesmo considerando um erro, por excesso, de 20% no teor de ouro na amostragem relativamente ao tout-venant, o resultado final ainda é suficiente para conferir valor industrial aos volumes amostrados.

Atendendo ao que se expôs na descrição do jazigo, somos de opinião de que esta mina tem valor industrial para ser objecto de concessão.”

Este curiosíssimo processo, ao qual eufemísticamente foi dada a designação de “benefício da amostra” com as naturais consequências na avaliação de jazigo mineral, é referido, em extenso capítulo dedicado à importante matéria da amostragem, no livro “Economia Mineira” de Theodore Jesse Hoover, como alerta para fraudes passíveis de acontecerem em negócios mineiros.

Eu nunca esperaria que fosse utilizado em Serviços do Estado, que tinham obrigação de dar o exemplo de rigor e seriedade nos seus procedimentos.

Os Serviços oficiais, em vez de procurarem reabilitar uma indústria, a respeito da qual já era habitual usar a expressão “Minas, pantominas!; Mineiros, pantomineiros!, estava a contribuir para confirmar a sua validade!

Eu não creio que a qualquer dos meus ex-alunos da cadeira de Prospecção Mineira passasse pela cabeça usar esta “técnica”, tal a ênfase que eu dedicava à amostragem.

Em consequência deste facilitismo, usado sobretudo na Circunscrição Mineira do Norte, o número de concessões mineiras foi crescendo, atingindo mais de quatro milhares, sendo certo que apenas havia trabalhos de exploração, em pouco mais de uma centena e actividade significativa em menos de uma dezena.

Os detentores de alvarás de concessão passaram a negociar estes alvarás, em vez dos minérios que era suposto explorarem, com total passividade dos Serviços oficiais.

Tenta agora o Director-Geral desculpabilizar-se desta situação, de que foi um dos principais responsáveis, destacando a “obra colossal”, as “ricas cartas mineiras”, “as cartas de afloramentos” resultantes do registo dos indícios de ocorrências mineiras declarados pelos novos “concessionários sem minério para explorarem”.

A realidade é que, quando, em 1964, fui nomeado Chefe do Serviço de Prospecção, extensivo a todo o território metropolitano nacional, tentei cumprir a fase de Documentação, consultando os arquivos da Circunscrição Mineira do Norte, encontrei dificuldade em distinguir os relatórios que mereciam crédito, daqueles que tinham apenas por objectivo obter alvará de concessão, sem correspondência com o que, de facto, ocorria, no terreno.

Nesta consulta, nunca vi as tais cartas mineiras, nem as cartas de afloramentos. O que vi foram cartas de concessões, a várias escalas, que, como já referi, não traduzem a realidade mineira do País; pelo contrário, dão uma falsa ideia de riqueza, que deu origem à expressão de Castro e Solla: “País rico em minas pobres” (Ver post N.º 2)

Continua ...