terça-feira, 12 de agosto de 2014

233 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. (Concessões a estrangeiros). Continuação 23


Para protecção dos resultados dos estudos do Serviço de Fomento Mineiro (SFM) da Direcção – Geral de Minas (DGM), tinham sido publicadas, no Diário do Governo, portarias, declarando cativas para o Estado, determinadas áreas, nas quais o SFM tinha projectado aplicar técnicas adequadas à detecção de jazigos minerais, suficientemente valiosos, para justificarem os riscos envolvidos e os inerentes dispêndios.

Em tais áreas, estava, consequentemente, interdita a atribuição de direitos mineiros, a Empresas privadas.

Porém, o Director do SFM, que sucedeu a Bernardo Ferreira, não interpretava como seria expectável, os desígnios do Organismo cuja orientação lhe foi confiada.

Efectivamente, Guimarães dos Santos, ignorando que o SFM tinha sido instituído para solucionar à escassez de iniciativas privadas, na indústria mineira, revelava, afinal, iniciativa inferior à dalgumas Empresas privadas.

Não desejando assumir os riscos normais desta indústria, decidiu extinguir núcleos de investigação, criados pelo seu dinâmico antecessor, com o insólito argumento de se ter tornado já excessiva a permanência desses núcleos(!!!).

Não percebia que uma das principais características da prospecção mineira é ser actividade com expectativas a longo prazo.

Por alguma razão, os romanos, apesar de terem explorado intensamente os recursos minerais de Portugal, durante os séculos de ocupação do nosso território, deixando bem salientes, na paisagem, inúmeros vestígios dessa actuação, não conseguiram detectar valiosíssimos jazigos, que actualmente são objecto de exploração lucrativa.

Baseado nas suas estranhas ideias, mandou terminar a prospecção na Faixa Piritosa Alentejana, quando, na realidade, os estudos, nesta Faixa, se encontravam ainda em fase muito embrionária.

Ao Eng.º Fernando Silva, a quem estava, então, confiado o apoio à aplicação do método electromagnético Turam, que decorria sob a supervisão da ABEM de Estocolmo, tal ordem não suscitou qualquer reacção.
Mas eu fiquei francamente perplexo, quando dela tomei conhecimento!

Silva tinha-me substituído, na Brigada de Prospecção Eléctrica, após a minha nomeação para dirigir a Brigada do Sul, de âmbito regional, que tinha por objectivo detectar os jazigos minerais ocorrentes, na vasta região do País, a Sul do Rio Tejo.

Foi integrado na Brigada do Sul, recebendo instruções directas do Director do SFM, para elaborar o relatório de todos os estudos efectuados na Faixa Piritosa Alentejana, incluindo os recomendados pela empresa sueca ABEM, quando foi rescindido o seu contrato com o Estado Português.

Rapidamente constatei a incapacidade deste protegido do Director, de cumprir tão honrosa missão. Assumi, por isso, o encargo de elaborar, integralmente, o relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, ao qual tenho feito constantes alusões.

Silva ainda simulou relutância em o subscrever, por nada ter contribuído para sua redacção.

Mas eu quis que figurasse como co-autor, não só por ter tido a seu cargo a Brigada de Prospecção Eléctrica nos anos finais da sua actuação, mas sobretudo por ter sido, sob a sua chefia, que a 1.ª Brigada de Levantamentos Litológicos definiu algumas das manchas de rochas vulcânicas, patentes em mapa anexo.

Perante casos, a que tenho aludido, de deliberada ocultação de relatórios de minha autoria, sou induzido a concluir que a inserção deste na Revista do SFM, em 1955, foi decidida por Silva constar como autor.

A seguir, transcrevo algumas frases deste relatório, que considero da maior oportunidade, suscitadas por frequentes declarações de Guimarães dos Santos:

Vale bem a pena dedicar ao assunto a melhor atenção, pois tem de continuar a admitir-se possível a existência de depósitos ocultos, nas vastas áreas que separam os jazigos conhecidos.
...
A área de Almodôvar a investigar não é, senão, a continuação para sudoeste da de Castro Verde. Panoias.

Não há, efectivamente, motivo ponderoso para não prosseguir a prospecção desta zona, antes de se abrangeram, na sua totalidade, as manchas de pórfiros e de se incluírem os filões de cobre que, em grande densidade aqui ocorrem, parecendo constituir uma região cuprífera digna de atenção.

Somos de opinião que o prosseguimento da campanha de prospecção de pirites, para ter a eficácia pretendida, deverá contar com a cooperação efectiva de especialistas em geologia aplicada e prospecção geofísica, integrados na equipa de estudo,

Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam, para o efeito, adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação do Serviço.

Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades, como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução a pessoal português.
 
A favor deste modo de proceder falam, não só a economia como o próprio interesse no assunto, que não poderá esperar-se de outros superior ao dos nacionais.

Ainda que fosse inviável, ou desaconselhada por demasiado especializada, a execução directa pelo Serviço, de determinados estudos, o que não cremos possa vir a acontecer, porquanto o Ultramar é vasto campo onde a especialização adquirida teria sempre ocasião de frutificar, é indispensável para uma eficiente fiscalização, um amplo conhecimento das matérias a fiscalizar.”

        Insisto, uma vez mais, que, quando isto escrevi, ignorava as disposições legais que vedavam a estrangeiros o acesso a concessões mineiras no território metropolitano nacional.

Nem Guimarães dos Santos, nem os Directores do SFM que lhe sucederam, nem tão pouco o Director-Geral, que sucedeu a Castro e Solla, tiveram na mínima consideração aquelas minhas recomendações baseadas em experiência, no terreno, que faltava a todos eles.
Todos tiveram a preocupação de “dividir para governar”.

Criaram Brigadas ditas especializadas, cuja chefia confiaram a técnicos medíocres, com isso conseguindo estudos praticamente inúteis e consideráveis atrasos no cumprimento dos programas da Brigada do Sul, que eu apresentara, no desempenho normal das minhas funções.

       
E como estes programas, de facto, não eram executados, aconteceu que as Empresas privadas estrangeiras já instaladas na Faixa Piritosa, requereram autorizações para serem elas a aplicar técnicas modernas de prospecção mineira, dentro das áreas que o SFM mantinha reservadas para os seus estudos.

Estes requerimentos só acidentalmente me eram endossados, para eu emitir parecer.

Quando tal acontecia, eu explicava que se mantinham cativas algumas áreas, aguardando a aquisição dos equipamentos há muito tempo requisitados e a preparação de pessoal para o seu correcto uso.

Quando foi julgado necessário ou conveniente, obter parecer do Conselho Superior de Minas, Guimarães teve a seguinte curiosa explicação para o facto de nada ter sido feito para efectuar os estudos previstos nas áreas cativas: “Por causas que não merece referir”.

E o Conselho Superior de Minas, comportando-se como a histórica “Brigada do Reumático, não demonstrou a mínima preocupação em conhecer as reais causas do atraso no cumprimento dos objectivos que estiveram na base da imperiosa necessidade de instituir o SFM.
 
A realidade era que Guimarães dos Santos não acreditava na eficácia dos métodos geofísicos e repugnava-lhe, por exemplo, despender 600 contos para compra de um gravímetro que, em sua opinião apenas poderia ter aplicação na Faixa Piritosa.

Curioso é que o SFM tinha contratado como seu Colaborador, com confortável remuneração, um Professor Catedrático da Universidade de Coimbra.

E também este Colaborador demonstrava o mesmo nível de ignorância, relativamente à importância dos métodos geofísicos e geoquímicos, pois tivera a ousadia de me aconselhar a usar os métodos de pesquisa tradicionais (sanjas, galerias, poços), em, vez de perder tempo com métodos indirectos, algo desacreditados por empresas que prometiam resultados, que afinal se não confirmavam.

A Direcção do SFM, com a sua passividade, não poderia, evidentemente, chegar ao ponto de rejeitar a iniciativa privada, isto é, “não fazer nem deixar fazer

As áreas mantiveram-se cativas para o Estado, mas foi decidido autorizar contratos, com Empresas privadas, para pequenas parcelas dessas áreas.

Foram concedidas grandes facilidades às Empresas interessadas, exigindo-se apenas a entrega de relatórios dos trabalhos efectuados, sendo certo que não havia, nos Serviços Centrais da DGM, técnicos aptos a fazerem uma eficaz fiscalização das actividades desenvolvidas.

Também não era solicitada a intervenção do SFM.

Todavia, como já referi, nunca desperdicei a oportunidade que me era proporcionada para aprender as técnicas que Empresas estrangeiras vinham aplicar em Portugal.

Foi, como disse, “escrever direito, por linhas tortas”.

As Empresas estrangeiras, há longo tempo detentoras de concessões mineiras, comportavam-se como proprietárias dos jazigos que exploravam, com a condescendência dos técnicos dos Serviços Centrais sediados em Lisboa, que não estavam aptos a uma eficaz fiscalização das actividades dessas Empresas.

E, no que respeita ao SFM, cujos estudos sempre acarinharam, procuraram extrair o máximo benefício das disposições do Decreto-lei de criação deste Organismo.
 
Chegaram ao cúmulo de solicitar ao Estado português o reembolso das suas despesas, em campanha de prospecção de resultados negativos (Ver post N.º 218).

Outro caso extraordinário foi a pretensão da concessionária do jazigo de Aljustrel ao direito à concessão da exploração do jazigo da Estação, descoberto pelo SFM!!! (Ver post N.º35).

Muito elucidativo foi, também, o insólito incidente com o Administrador Jacques Louis das Minas de Aljustrel, quando eu pretendia visitar estas Minas, acompanhado de meus alunos da disciplina de Prospecção Mineira, em visita de estudo a diversos locais de interesse mineiro, no Alentejo, programada com grande antecedência.

Jacques Louis ousou dificultar o cumprimento deste programa, com argumentos de inacreditável arrogância, esquecendo-se que estava em Portugal, onde os jazigos minerais são propriedade do Estado e que eu, além de Professor Universitário, era funcionário da DGM, perfeitamente conhecedor das Minas de Aljustrel, pelos estudos, que nelas fizera, sendo até frequente lá aparecer, sem necessitar de aviso prévio..(Ver post N.º 226)

Mas, como já tive ensejo de referir, as enormes potencialidades da Faixa Piritosa Alentejana, evidenciadas sobretudo pelo SFM, despertaram a cobiça de outras grandes Empresas estrangeiras e também de uma importante Sociedade portuguesa, adrede constituída, como afiliada da prestigiada Companhia União Fabril (CUF).

Aconteceu, porém, que o interesse destas Empresas coincidiu com o facto de o SFM ter conseguido, finalmente equipar-se para aplicar os métodos adequados ao cumprimento dos projectos, nas áreas mantidas cativas para os seus estudos.

 Aconteceram, também, em quase simultaneidade, profundas alterações nos principais cargos directivos da DGM, as quais guindaram Soares Carneiro a Director-Geral de Minas.

 Soares Carneiro rapidamente evoluiu para a sua fase autoritária (Ver post N.º 228), desprezando as leis em vigor, consciente da tácita aprovação do Governo, resultante de ignorância, em matérias da indústria mineira.

Não teve, pois qualquer dificuldade em celebrar contratos com as novas Empresas, interessadas na Faixa Piritosa Alentejana.

Ao que resultou destes contratos, referir-me-ei, no próximo post.

       Continua…

sábado, 21 de junho de 2014

232 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 22 (Concessões a estrangeiros)

Não preciso arvorar-me em moralista, para poder afirmar que honestidade e lealdade, são essenciais à salutar convivência humana.

A observância destes princípios conduziria, naturalmente, ao reconhecimento do mérito dos indivíduos mais qualificados e ao aproveitamento das suas iniciativas.

Por quanto já disse, fácil é concluir que, relativamente aos nossos recursos minerais, aqueles princípios não constavam do carácter de detentores dos mais altos cargos da Direcção-Geral de Minas (DGM).

Embora possa classificar-se de atitude redundante, todos aqueles técnicos, por imposição legal, tinham jurado, pelas suas honras, desempenhar com lealdade as funções que passaram a ser-lhes confiadas.
De facto, tal juramento, ao qual os funcionários públicos ainda são obrigados, nos actos de posse, é absurdo e inútil, porquanto a todo o indivíduo se deve exigir que seja honesto e leal, isto é, que “tenha uma só palavra”, o que, obviamente, já envolve a sua honra.
Foi de tal inutilidade que nasceu o dito jocoso: “Quem mais jura, mais mente!”

A realidade é que funcionários com as maiores responsabilidades, na DGM, não tiveram pejo em alienar, em prol de potências estrangeiras, os nossos mais relevantes recursos minerais, em flagrante deslealdade para com os seus concidadãos.

Conquanto não compreendesse os motivos de tão estranho procedimento, eu estava convencido, de que não eram infringidas as leis vigentes.

Só em 22 de Fevereiro de 1972, pela minha habitual consulta ao Diário do Governo, fiquei a saber da existência de Decretos – lei de 1943 e de 1965 e de normas da Constituição da República, que vedam atribuir concessões mineiras a estrangeiros.
Um Acórdão da Procuradoria – Geral da Republica, suscitado por consulta da DGM, chamava a atenção para essas disposições legais.

De facto, o volumoso livro (577 páginas), intitulado “Legislação Mineira”, da autoria do Secretário Auditor Jurídico da DGM, publicado em 1969, que era suposto compilar todas as leis, que regulam a indústria mineira nacional, e que era distribuído aos técnicos da DGM, para ficarem aptos a dar-lhes correcto cumprimento, nas actividades a seu cargo, não inseria os aludidos Decretos!!
E, na cadeira de Prospecção Mineira, que regi em Universidades, perante a importância das leis, nesta matéria, eu incluía um capítulo dedicado à Legislação Mineira, sem aludir a tão pertinentes disposições legais, aconselhando até os alunos a adquirirem o livro publicado pela DGM, que era vendido por preço simbólico.

Apesar desse meu desconhecimento, desde o início da minha actividade profissional, sempre fui envidando esforços, no sentido de técnicos portugueses ficarem aptos a executar todas as tarefas necessárias à racional exploração dos nossos recursos minerais, sem necessidade de intervenção de empresas estrangeiras (Ver, por exemplo, o artigo de minha autoria “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, publicado em 1955, ao qual tenho aludido frequentemente).
O meu propósito era evitar a transferência, quase gratuita, das nossas riquezas minerais para outros países, como era tradição acontecer.
Portugal tinha o imperativo dever de aproveitar, ao máximo, esses e outros recursos naturais, para sair do sub - desenvolvimento, em que se encontrava.
Deveria, consequentemente, preparar os seus técnicos, não apenas para as actividades mineiras, mas também para as metalúrgicas, a fim de satisfazer as necessidades do consumo interno e exportar produtos mais elaborados, provenientes desses tratamentos metalúrgicos.
Tal desiderato estava, aliás, expresso em várias das leis em vigor.

Ocorria-me, naturalmente, perguntar, para que incluem, as instituições portuguesas de ensino superior licenciaturas em Engenharia de Minas.
Para os Engenheiros de Minas portugueses assistirem à actuação de técnicos estrangeiros a dirigirem as explorações dos nossos jazigos minerais, reservando para si - próprios apenas tarefas subalternas?
Obviamente que não me conformaria com tão humilhante situação, porquanto do confronto com estrangeiros não me sentia diminuído.
Do ponto de vista teórico, até me sentia com melhor preparação em Matemáticas, Física, Química, Mineralogia.
Em Geologia, reconhecia inferioridade que, todavia, ia progressivamente atenuando, quer através da consulta de livros e revistas, que se publicavam sobre ciência em franco desenvolvimento, quer através do convívio com conceituados geólogos (holandeses, alemães, ingleses, etc.), que aproveitavam o grande atraso do País, neste âmbito, para teses de doutoramento, por aqui haver ainda abundantes zonas para investigar, o que já não acontecia, nos seus países.

E ocorre-me, também, perguntar porque, sendo os principais jazigos portugueses alvo de exploração por empresas estrangeiras, as estatísticas oficiais apresentem, a produção de minérios desses jazigos, como demonstrativa da riqueza da nossa indústria mineira, sem referir que são países estrangeiros os grandes beneficiários dessa indústria!

O artigo “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”, que guindou Soares Carneiro ao mais alto cargo na DGM, nem no título está correcto!
Já comentei que extractivas são também outras indústrias, como por exemplo as pescas e as agrícola – pecuárias.
Riqueza em recursos minerais é uma realidade, conforme tenho acentuado, mas riqueza da indústria mineira, isto é, enriquecimento, por exploração desses recursos, tem acontecido muito mais em proveito de estrangeiros que dos habitantes da Metrópole portuguesa, como Soares Carneiro gostou de denominar Portugal, quando ainda tínhamos colónias, sem lhe ter ocorrido que devíamos ter tirado mais proveito das enormíssimas riquezas minerais destes territórios.

Os meus persistentes esforços acabaram por ter sucesso., apesar dos obstáculos a que tenho aludido.
Consegui organizar equipas técnicas aptas a desempenhar a maior parte das tarefas da prospecção mineira.

E, no que respeita à fase de investigação por trabalhos de pesquisa e reconhecimento, os relatórios de minha autoria sobre os jazigos ferro – manganíferos de Cercal – Odemira e sobre o jazigo cuprífero de Aparis, além de muitos outros que deviam ter sido publicados, como era prática corrente, lamentavelmente interrompida, por motivos que já explicitei, é bem elucidativa da capacidade das equipas, neste âmbito.
O conceituado Geólogo alemão Gunter Strauss ficou vivamente impressionado com os estudos em curso na Mina de Aparis, quando lhe proporcionei visita a esta Mina, declarando ser muito raro encontrar investigações desta natureza, com tal qualidade.

Às equipas, que laboriosamente constituí, ao longo de muitos anos, se ficaram devendo os maiores êxitos em prospecção mineira, conseguidos em Portugal.

Todavia, os mais categorizados dirigentes da DGM, com assombroso desprezo pelas leis vigentes e com a maior desconsideração pelos técnicos nacionais, que haviam demonstrado ser dispensável a intervenção de especialistas estrangeiros, mantiveram o anterior procedimento, não obstante o Acórdão de 1972 classificar este procedimento como prática à margem da lei.

A usurpação dos nossos recursos minerais por empresas estrangeiras teve origem na quase total ausência de iniciativas, da parte de investidores nacionais, nas actividades mineiras, perante o elevado risco suscitado por estas actividades.

Foi essa falta de iniciativa um dos principais motivos da instituição do SFM.

Para protecção dos resultados que viesse a obter, o SFM, por imposição legal, era obrigado a promover que fossem publicadas, no Diário do Governo, portarias declarando cativas para os seus estudos, as áreas onde viesse a exercer actividade.
Foi assim que foram declaradas cativas, diversas áreas, cujas características geológicas as tornavam especialmente favoráveis à ocorrência de jazigos, com especial realce para zonas envolventes das principais Minas de pirite da Faixa Piritosa Alentejana e para a grande zona de rochas vulcânicas básicas e ácidas de Castro Verde - Almodovar, identificada pelos estudos do SFM.

Como estas áreas estavam cativas, o SFM não só não fazia segredo dos resultados que ia obtendo, como os relatava, para que fossem publicados, assim justificando a aplicação de dinheiros públicos.

A título de curiosidade, registo que ao empenho do Ministro Ferreira Dias para que ao SFM fossem atribuídas confortáveis dotações, essenciais ao cumprimento das suas exigentes tarefas, correspondeu, inicialmente, uma atitude pseudo – economicista do dirigente do SFM que sucedeu a Bernardo Ferreira, o qual se vangloriava de apresentar anualmente avultados saldos … sendo porém certo que não dava andamento às minhas propostas de aquisição de equipamentos necessários à execução dos trabalhos projectados … por os considerar excessivamente dispendiosos!!!!!
Também não promovia correctas diligências para o aperfeiçoamento profissional dos técnicos que deviam dar cumprimento àqueles trabalhos.

Como o SFM, demonstrava, afinal, também notória falta de iniciativas, por incapacidade dos dirigentes que sucederam a Bernardo Ferreira, não procedendo, em algumas das principais áreas cativas aos trabalhos que projectara, aconteceu que as empresas estrangeiras instaladas na Faixa Piritosa Alentejana, alertadas para as grandes potencialidades ainda existentes na Faixa, pelos artigos de minha autoria que davam conta do êxito conseguido na região de Aljustrel, o qual fora objecto de duas importantes publicações, requereram autorizações para serem elas a efectuar os estudos que o SFM demorava a concretizar.
Alguns destes requerimentos foram-me endossados para que eu prestasse o meu parecer. E eu, obviamente, só podia concordar com o deferimento, pois não é papel do SFM contrariar o fomento da nossa indústria mineira.
Enquanto o SFM não se equipava para desempenhar cabalmente as tarefas para que fora instituído, não tinha o direito de impedir que outros executassem essas tarefas, no convencimento em que me encontrava de que não infringiam as leis vigentes.
Manifestava-me, porém, sempre no sentido de ser exigida a apresentação, com regularidade, de relatórios completos dos estudos empreendidos.

Os primeiros contratos foram celebrados, por negociação directa, sem publicação do Diário do Governo, tendo como única exigência a apresentação periódica de relatórios, por mim sugerida, quando me foi solicitado parecer.
A fiscalização do seu cumprimento, que estaria a cargo dos Serviços Centrais, era praticamente inexistente, por não haver, nesses Serviços, técnicos com competência para a realizar.
Todavia, como já referi, eu sempre acompanhei, de perto, os trabalhos dos especialistas nos variados métodos de prospecção, que os concessionários traziam a Portugal.

Quando as equipas técnicas que constituí, durante mais de 20 anos, ficaram aptas a desempenhar a maior parte das tarefas exigidas pelo cabal cumprimento dos objectivos do SFM, eu confiava que não seriam celebrados novos contratos com empresas estrangeiras.
Mas aconteceu que a fama das elevadas potencialidades da Faixa Piritosa Alentejana chegou a países com indústrias mineiras mais evoluídas.

Os artigos de minha autoria, que passaram a ser citados em livros de texto, tais como o de Routhier (Professor em Universidade de França), o de D. S. Parasnis (Professor na Universidade de Cambridge) e em brochuras de propaganda da firma sueca ABEM inventora do método electromagnético Turam, chegaram ao conhecimento de grandes empresas desses países, suscitando a sua cobiça, com algum convencimento de que Portugal seria ainda um país sem grande tradição nos métodos modernos de prospecção mineira, onde seria fácil obter rapidamente grandes êxitos.

Continua…

domingo, 11 de maio de 2014

231 –Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 21

Em textos anteriores, dedicados a este tema, dei especial relevo aos seguintes itens:

1- Afirmações proferidas, em programas televisivos e em outros meios de comunicação social, por personagens das elites portugueses, qualificando o País como pobre em recursos naturais.
A principal causa da grave crise actual seria o facto de consumirmos mais do que consentiriam os nossos escassos recursos.

2 – Discordância destas afirmações, porque os recursos com que a Natureza nos dotou, até nos teriam permitido viver muito mais desafogadamente, se tivéssemos confiado a sua administração a pessoas com as qualificações adequadas e não a “chicos – espertos”, como tem acontecido.
No que respeita a recursos minerais, os três gigantescos jazigos, que qualquer português, medianamente culto, conhece:
Panasqueira, rica em tungsténio;
Neves - Corvo, com centenas de milhões de toneladas de minério, contendo elevados teores de cobre, zinco, chumbo e outros metais;
Moncorvo, com as suas enormes reservas de minério de ferro;

seriam suficientes para demonstrar a leviandade daquelas afirmações.
       
3 – A minha decisão de analisar, em pormenor, este caso dos recursos minerais, porque tendo desempenhado, nesta área, actividade profissional, durante 47 anos, me considero habilitado a demonstrar que, até podemos classificar-nos como excepcionalmente ricos, em tais recursos.

4 – As disposições legais, em vigor, para salvaguarda do património mineral do País.
O Decreto-lei N.º 18713, de 1 de Agosto de 1930, que confere ao Estado a propriedade dos jazigos minerais.
A exploração dos jazigos minerais, acessível a empresas privadas, mediante concessões mineiras, sob determinadas condições, sendo de salientar a segurança nos trabalhos de lavra e o bom aproveitamento dos recursos.

A lei N.º 1994 de 13 4-1943 e o Decreto-lei N.º 46 312 de 28-4-1905, que “vedam outorgar, a empresas estrangeiras, concessões para a exploração de jazigos ou depósitos de jazigos minerais”, por se tratar de “bens dominiais”, conforme foi reafirmado em Acórdão da Procuradoria Geral da República, - que denuncia os procedimentos ilegais da DGM - , publicado no Diário do Governo de 22-2- 1972.

A atribuição ao Estado de um papel fundamental no inventário e no racional aproveitamento dos recursos minerais do País, ao criar, pelo Decreto-lei N.º 29725 de 28-6-1939, o “Serviço de Fomento Mineiro” (SFM).

5 – A falta de experiência mineira dos técnicos superiores do Organismo instituído para zelar pelo cumprimento das leis vigentes, dando origem a uma ineficaz fiscalização da actividade dos concessionários e a consequente esbanjamento de bens não renováveis.

6 – A pretensão do primeiro Director do SFM, de que este Organismo de Estado, além das suas actividades normais, tivesse também por objectivo a formação pós-graduada dos futuros candidatos ao desempenho de funções técnicas nos serviços centrais da Direcção-Geral de Minas, a fim de lhes proporcionar experiência directa, em todas as fases da indústria mineira.

As esperanças de que, com este procedimento, pudessem ser aperfeiçoadas as decisões de técnicos que, sentados às secretárias, nas sedes, em Lisboa e Porto, se mantinham afastados das realidades mineiras, justificando o epíteto de “técnicos de papel selado”, pelo qual eram frequentemente apelidados.

 7 – O sistemático desrespeito dos serviços oficiais, desde recuados tempos, pelas leis que impediam outorgar, a empresas estrangeiras, a concessão do direito à exploração dos nossos recursos minerais.

8 – A minha homenagem a Bernardo Ferreira, pelos seus denodados esforços, no sentido de serem concretizados os nobres objectivos do SFM.
O mérito de ter criado núcleos de investigação, dispersos por todo o País, dotados dos meios possíveis, em período de grandes dificuldades, originadas pela 2.ª Guerra Mundial, que muito afectaram Portugal, apesar da sua neutralidade.

9 – A tragédia que representou, para o SFM e para o País, o prematuro falecimento de Bernardo Ferreira, em 1948, quando muito havia a esperar do seu dinamismo e do seu prestígio, a nível governamental.

10 – As atitudes negativas de todos os dirigentes que sucederam a Bernardo Ferreira que, impulsionados por mesquinhos interesses pessoais, não tiveram pejo de criar sistemáticos obstáculos à actuação de profissionais que, mercê da sua dedicação, se iam tornando altamente competentes.

 11 – O facto insólito de jamais me ter sido proporcionada formação especializada em adequados centros estrangeiros, apesar de tal especialização se encontrar prevista no Decreto-lei de criação do SFM.

 12 – Resultado que se revelou muito positivo, da ilegal outorga de concessões mineiras a empresas estrangeiras, fazendo jus ao adágio “Deus escreve direito por linhas tortas”:
A oportunidade, que nunca desperdicei, de entrar em contacto com conceituados cientistas e com Companhias especializadas em novos métodos de prospecção, que os concessionários contratavam, para tarefas que não estavam aptos a desempenhar.

 13 – A preparação, que consegui, ao longo de muitos anos, em prospecção geológica e mineira, através dos contactos citados no n.º anterior e da permanente consulta de livros e Revistas, que iam sendo publicados.
A consciência de ter atingido um grau de especialização, que me colocava em nítida vantagem relativamente aos estrangeiros que os concessionários continuavam a contratar, pelo facto de ter muito melhor conhecimento do território onde incidiam as campanhas de prospecção.

14 – A necessidade, que se me deparou, de promover a realização de levantamentos geológicos, com o pormenor adequado às fases seguintes da prospecção mineira, corrigindo erros clamorosos de Geólogo que um Director colocara, na minha zona de actuação, com independência da minha chefia.
O exemplo de um importantíssimo resultado destes novos levantamentos:
          a definição, pela primeira vez, de áreas com potencialidade para a ocorrência de jazigos idênticos aos da tradicional Faixa Piritosa, nas zonas de Castro Verde – Panoias, Cercal – Odemira e Alcácer do Sal.

 15 – O encargo, que tive que assumir, de lançar todas as campanhas de prospecção, estivessem ou não sob a minha chefia, perante a generalizada incompetência dos Engenheiros e dos Agentes Técnicos de Engenharia, que delas tinham sido incumbidos pelo Director do SFM.

 16 – A formação técnica, que promovi, a indivíduos escolarmente habilitados apenas com a 4.ª Classe de Instrução Primária, tornando-os preciosos auxiliares de prospecção, em topografia, métodos geofísicos, etc.

 17 – O honroso convite do Professor Montenegro de Andrade, para reger disciplina de Prospecção Mineira, no Curso de Geologia da Faculdade de Ciências do Porto, acabando por introduzir, também, esse ensino, na Faculdade Engenharia do Porto, em Curso de Mestrado da Universidade de Braga e, indirectamente, através de alguns dos meus discípulos, na Universidade de Aveiro.

A minha surpresa por esta importante matéria não constar, anteriormente, nem do Curso de Geologia nem dos Cursos de Engenharia de Minas das Instituições portuguesas de ensino superior!

A preferência dada aos diplomados, que tinham frequentado a cadeira de Prospecção Mineira, pelas empresas que pretendiam contratar pessoal técnico.

 18 - As minhas persistentes diligências, no exercício das minhas funções no SFM, ainda muito antes de chegarem ao meu conhecimento – talvez por deliberada ocultação, pelas entidades infractoras – as leis que vedavam concessões mineiras a estrangeiros. no sentido de serem portugueses a aproveitarem os recursos minerais com que a Natureza nos dotou. (É disso bem elucidativo artigo de minha autoria, publicado em 1955)

  19 - O sucesso parcial dessas diligências, após cerca de 20 anos (!) de árdua luta, enfrentando obstáculos de dirigentes incompetentes e corruptos que tinham ascendido aos seus cargos, por considerações politico - religiosas.

Sucesso que consistiu na formação de equipas técnicas, aptas a executar a maior parte das tarefas exigidas pelo programa de inventariação científica dos nossos recursos minerais.

 20 – Sucesso apenas parcial, porque, o importante sector dos Trabalhos Mineiros, a que eu dera grande desenvolvimento, acabou por ser extinto, por ter sido entregue a técnicos incompetentes, apesar das minhas sérias advertências e da minha incisiva declaração de que me seria fácil manter esse sector sob a minha orientação, confiante na capacidade de técnicos habituados a comigo colaborarem.

A minha frustração por não ter sido aproveitada a sugestão, que apresentei, de utilizar a Mina de cobre de Aparis, em Barrancos, como Mina-Escola, para a formação pós-graduada de Engenheiros de Minas, que as Universidades não conseguiam preparar devidamente para a execução dos estudos exigidos pelos objectivos do SFM.

 21 - A demonstração da capacidade técnica das equipas por mim organizadas, com ênfase para o trabalho executado por indivíduos recrutados com reduzida preparação académica, a que proporcionei formação prática, no campo e até no gabinete, nos vários métodos de prospecção.

Os sucessos na Faixa Piritosa Sul – Alentejana.
        a) Descoberta do jazigo de Cerro do Carrasco – Moinho, em Aljustrel, pelo método electromagnético Turam, que, embora ainda sob a supervisão da ABEM de Estocolmo, resultou de trabalho totalmente efectuado por equipas portuguesas;
       b) Descoberta do jazigo da Estação em Aljustrel; pelo método gravimétrico;
       c) Descoberta do jazigo do Gavião, em Aljustrel, pelo método gravimétrico;
        Os sucessos em outras zonas:
        a) A definição do sistema filoniano de Aparis, em Barrancos, pelo método electromagnético Turam;
        b) A descoberta do pequeno jazigo de ferro da Alagada, em Elvas, pelos métodos magnético e gravimétrico;
        c) A descoberta do jazigo de ferro de Vale de Pães, na zona de Cuba – Vidigueira, pelos métodos magnético e gravimétrico;
        d) A descoberta do jazigo de sulfuretos de zinco, chumbo e cobre, na área da antiga Mina de Algares de Portel, por um conjunto de métodos que ali foi aplicado (magnético. gravimétrico, de polarização espontânea, de resistividade eléctrica, geoquímico de solos, para Cu, Pb e Zn);
        e) A descoberta de várias concentrações de pirrotite com volframite e scheelite associadas, nas Minas de Covas do concelho de Vila Nova de Cerveira, que permitiram manter estas Minas em exploração, durante vários anos, apesar da baixa de cotação do tungsténio.
        f) Numerosas anomalias geoquímicas na Faixa Metalífera da Beira Litoral, que abrange as antigas Minas de chumbo de Braçal e as Minas de cobre, zinco e chumbo de Talhadas, as quais continuam por investigar, por decisão de dirigentes com estranhas ideias sobre a importância dos filões, na indústria mineira.

22 – As minhas esperanças de que, perante tais sucessos, na qualidade que, em reorganização do SFM, me fora atribuída, de Chefe do Serviço de Prospecção Mineira, com âmbito de acção extensivo a todo o território metropolitano nacional, me fosse consentido dar cumprimento aos objectivos do SFM, sem necessidade de intervenção de empresas estrangeiras.

 23 – O inesperado requerimento do Engenheiro Castro e Solla, para se libertar das funções de Director-Geral de Minas, a fim de passar à categoria de Inspector Superior, ocupando vaga ocorrida por aposentação de anterior titular.
As minhas sérias apreensões relativamente ao futuro do SFM, quando o requerimento de Castro e Solla mereceu deferimento, por não conhecer no Organismo que durante longos anos lhe esteve confiado, Engenheiro de Minas apto a desempenhar o cargo com a mesma dignidade.
A noção que Castro e Solla adquirira, quanto á ausência de qualificações de Guimarães dos Santos para o cargo de Director do SFM.
O parecer que emitiu de ser eu o técnico indicado para dirigir o SFM, em reestruturação da DGM que projectava realizar.
O apreço que Castro e Solla já tinha manifestado por qualidades que em mim detectou, em comentários e em decisões que assumiu.
Dúvidas que, por exemplo, não teve em chamar, muito diplomaticamente, como era seu timbre, a atenção de Guimarães dos Santos, para a conveniência de corrigir algumas das suas irreflectidas decisões, para evitar os efeitos muito negativos, que teriam, no futuro do SFM.
Tinha sido eu a invocar essa intervenção do Director-Geral.
A confiança que Castro e Solla em mim depositava, que o levara a nomear-me representante de Portugal num Grupo “ad hoc” constituído no âmbito da OCDE, em reuniões que se realizaram em Paris, sobre “métodos modernos de prospecção mineira”, ainda quando eu tinha a meu cargo uma Brigada que se dedicava essencialmente a Trabalhos Mineiros, não obstante existir no SFM uma Brigada denominada de Prospecção Geofísica!

24 – A nomeação de Fernando Soares Carneiro, para substituir Castro e Solla, no cargo de Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos.
O seu magríssimo currículo.
A sua fugaz passagem pelo SFM, sem ter demonstrado capacidade para obter a experiência que Bernardo Ferreira ambicionava para os técnicos destinados aos serviços centrais.
O papel, que aceitou desempenhar, de Colector do Professor da Universidade de Coimbra, João Manuel Cotelo Neiva, em levantamentos geológicos na Região de Bragança – Vinhais, quando este Professor, aproveitando a sua qualidade de Colaborador do SFM, para que tinha sido convidado, melhorava o seu currículo, com escassa contribuição para os reais objectivos do SFM.
As suas responsabilidades em graves erros cometidos na atribuição de concessões mineiras, quando ocupou o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte
O artigo com título “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”, publicado na Revista do SFM, tido como principal contributo para a sua nomeação como Director-Geral.
A generalizada superficialidade deste artigo, sobre a nossa real potencialidade em recursos minerais, com afirmações que posteriormente viria a contradizer; a apreciação favorável que terá sido feita por “técnicos de papel selado”, dos serviços centrais da DGMSG.

25 - A evolução do comportamento de Soares Carneiro, como Director-Geral de Minas, no decurso do tempo.

        a) As minhas grandes esperanças de que, tendo sido meu contemporâneo na Faculdade de Engenharia do Porto e tendo, com ele, estabelecida sã camaradagem na DGMSG, viesse a ter na devida consideração as minhas recomendações no sentido de ser devidamente aproveitada a capacidade técnica das equipas por mim constituídas, ao longo de muitos anos de persistentes esforços, de modo a dispensar a intervenção de especialistas estrangeiros.
        b) O seu franco apoio inicial às minhas actividades, enquanto o considerou útil à sua promoção perante membros do Governo, aos quais apresentava os sucessos das Brigadas por mim chefiadas, como resultantes da sua superior orientação, sendo certo que para eles nada tinha contribuído.
        c) A informação de ter sido induzido a aceitar a nomeação – que considerava transitória - de Múrias de Queiroz, para Director do SFM, embora estivesse consciente da sua grande incompetência, apenas porque lhe fora indicada pelo Secretário de Estado da Indústria Edgar de Oliveira, que tinha sido confrade de Múrias de Queiroz, na JUC (Juventude Católica Universitária, que era uma Organização de carácter político e religioso, apoiante do Governo de Salazar)
        d) A baixa consideração que tinha por Múrias de Queiroz, a ponto de retardar a nomeação prometida por Edgar de Oliveira, só a concretizando, após a recepção de carta que exigiu a Múrias de Queiroz, explicitando a necessidade da nomeação definitiva.
        e) A declaração que chegou a fazer, em conversa informal comigo, de que seria eu o futuro Director do SFM.
        f) A colocação de Múrias em tal situação de dependência e de inferioridade que lhe permitiu passar a exercer, ele-próprio, as funções técnicas, que competiam ao Director do SFM, reservando, para o detentor nominal do cargo, apenas os problemas que pudessem afectar o prestígio que julgava ter alcançado.
        A instituição de uma “Comissão de Fomento”, para dar solução à inoperância de Múrias de Queiroz.
        g) A noção que foi progressivamente adquirindo sobre à ignorância dos membros dos sucessivos Governos, em assuntos relacionados com a indústria mineira, levando os governantes a nele depositarem total confiança, quanto à correcta resolução dos problemas dessa indústria.
        h) A progressiva desvalorização da minha experiência em prospecção mineira e a sua presunção de que estaria mais apto do que eu, a dirigir campanhas dessa natureza.
        O caso flagrante da prospecção de scheelite (mineral de tungsténio), de que passou a encarregar-se directamente, quando notou que eu aproveitava a particularidade de este mineral se tornar fluorescente, na escuridão, com intensa cor azul, quando sobre ele incidia radiação de determinado comprimento de onda, produzida por instrumento adequado, permitindo assim distingui-lo de minerais sem valor económico, com os quais se confundia, à luz desarmada.
        O caso curioso de ter desconhecido esta propriedade da scheelite, durante os 20 anos, em que exerceu funções na região Norte do País!
        Os comentários ao meu uso dos métodos geofísicos e geoquímicos, segundo me informava o seu Adjunto, Costa Almeida.
        “Anda lá o Rocha Gomes com os vectores!” passou a ser o seu modo de apreciar a minha actividade

  i) Os vários dogmas que instituiu, com grande prejuízo para o cumprimento dos objectivos do SFM.
        i1 - O caso da prospecção do tungsténio, que segundo ele, tinha sido efectuada “com as botas”, na intensa procura, durante a 2.ª Grande Guerra Mundial. A excepção da scheelite, quando aprendeu a propriedade a que me referi.
        i2 - O caso do jazigo de ferro de Moncorvo, em que impediu as execução de sondagem profunda, para investigar expressivas anomalias pelos métodos magnético e gravimétrico, provavelmente originadas por enormes reservas de minério de ferro.
        O seu argumento de que as reservas conhecidas são já abundantes, não necessitando ser acrescentadas.
        A hipótese de as reservas ocultas, terem melhor qualidade que as aflorantes, que são desvalorizadas por elementos nocivos, não era digna de investigação.
        i3 - O caso dos extensos jazigos filonianos da Região de Cercal – Odemira, em que impediu a execução de sondagens, para verificar a hipótese de evoluírem, em profundidade, para jazigos de sulfuretos de cobre, zinco e chumbo, à semelhança do que acontece com o jazigo do Torgal, por mim próprio descoberto, perto de Odemira.
        i4- O seu parecer de a investigação dos jazigos filonianos de Cu, Pb, Zn, como os que ocorrem na Faixa Metalífera da Beira Litoral, se não justificar, perante a abundância daqueles metais na Faixa Piritosa Alentejana.
       i5 - As suas dúvidas sobre a possível ocorrência de concentrações de minérios de crómio, níquel,  cobalto platina, em associação com as rochas básicas e ultrabásicas de Trás-os-Montes, não justificando, consequentemente, campanhas de prospecção para as detectar.

26 – O auge na evolução do comportamento da Soares Carneiro, como Director-Geral de Minas, ao assumir-se como detentor de um poder absoluto, no sector mineiro nacional, que lhe permitiu desprezar todas as leis, com a noção da sua impunidade, tornando-se-lhe até possível apresentar-se como grande defensor do interesse nacional!

 27 – As minhas referências aos numerosos casos de abusos do poder, lembrando o que o Barão d’Eschwege dissera, há mais de um século: “o poder de um lado e o saber do outro, com a agravante de o poder ser exercido sem atender aos reais interesses do País” lamentando também que a lição não tivesse sido aprendida (Ver post N.º 1).

 28 – Os 3 seguintes casos, que seleccionei entre os mais paradigmáticos da incompetência técnica e do arrogante abuso do poder, por dirigentes que desprezaram as leis, originando dramáticas situações a muitas famílias portuguesas:

     Os casos da Faixa Carbonífera do Douro, e da Mina de chumbo do Braçal, onde inacreditáveis erros conduziram ao encerramento de explorações mineiras e ao consequente despedimento de muitas centenas de trabalhadores.
     O caso da Faixa Piritosa Alentejana, em que o desprezo pelas leis vigentes conduziu à alienação, em prol de potências estrangeiras, do mais importante jazigo de cobre, zinco e chumbo, descoberto na Europa, nos tempos recentes, quando a sua detecção estava praticamente concretizada, pela metódica actuação das equipas portuguesas, por mim constituídas.
      O incrível atraso de 5 anos nesta descoberta, em zona que só foi incluída na Faixa Piritosa Sul – Alentejana, após estudos geológicos efectuados sob minha orientação, e a ingénua surpresa pela presença de cassiterite (mineral rico em estanho), no minério, por óbvia incompetência dos técnicos estrangeiros, que deram continuidade aos estudos do SFM, na zona onde eu já previa a existência de jazigo de enormes dimensões.

     É a este último caso, que já classifiquei como o maior escândalo praticado pela DGM, em todos os tempos, que me proponho dedicar próximo post.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

230 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 20


Ao assumir, em 1948, a chefia da Brigada do Sul do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), estranhei que a principal actividade, à qual eu devia dar continuidade, incidisse em áreas concedidas a entidades estrangeiras.

De facto, o mais importante núcleo da Brigada, que era a Secção de Cercal do Alentejo, tinha em curso trabalhos de pesquisa (sanjas, galerias, poços), em minas, na situação legal de “lavra suspensa”, cujo concessionário era o Banco Burnay, de origem belga.

Também na Secção de Alvito, decorriam investigações, em minas de ferro, com lavra suspensa, concedidas ao Banco Burnay e na Secção de Montemor-o-Novo já tinham sido dados por concluídos, sem resultados de interesse, estudos em minas de ferro concedidas ao mesmo Banco.

Destes últimos estudos, constam as publicações N.ºs 3 e 15, da Série “Relatórios do SFM”, as quais comentei no post N.º 200.

Nas numerosas minas de manganés ocorrentes na Faixa Piritosa Alentejana, nas quais estavam em curso, ou tinham já sido realizados, trabalhos de pesquisa, também o concessionário, Alonso Gomes, tinha origem estrangeira!
Dos estudos empreendidos, em algumas destas minas, constam as publicações N.ºs 7, 8 e 9 da mesma série - “Relatórios do SFM”.

Causou-me, ainda maior estranheza, que técnicos seleccionados para desenvolverem a indústria mineira moçambicana, tivessem privilegiado os tradicionais trabalhos de pesquisa, em detrimento das investigações geológicas e das técnicas geofísicas, nas vastas áreas, a Sul do Rio Tejo, onde abundavam expressivos indícios de jazigos minerais, eventualmente mais importantes do que aqueles onde estavam em curso os trabalhos de pesquisa.

Esses técnicos, que me antecederam na programação da actividade da Brigada do Sul, não tinham conseguido ultrapassar a inexperiência inicial, nem tinham acompanhado, através de consulta bibliográfica, o que se passava em países mais evoluídos, em matéria de investigação mineira.
Muito do que fizeram e consta de publicações do SFM, enfermou de indesculpáveis erros, conforme denunciei em vários posts.

Eu teria, logicamente, que alterar esta orientação e foi nesse sentido que iniciei as minhas diligências.

Contava com o indefectível apoio do Director, Engenheiro António Bernardo Ferreira, para quem eu surgia como “tábua de salvação” dos problemas gerados pela deserção dos técnicos mais qualificados da Brigada do Sul.

Ocorreu, porém, um trágico acontecimento, que se revelaria profundamente nefasto para o SFM.
Bernardo Ferreira faleceu em 1948, quando muito havia a esperar da sua dedicação ao progresso da indústria mineira nacional.

Nenhum dos dirigentes, que lhe sucederam, esteve à altura do cargo, dai resultando enormes atrasos na concretização dos objectivos do SFM.

Por incrível que pareça, todos esses dirigentes se deixaram dominar por mesquinhos sentimentos pessoais (rivalidades consentidas por proteccionismo politico – religioso), desrespeitando, o juramento de “cumprir, com lealdade, as funções que lhes foram confiadas”.

Sem deixar de dar continuidade às pesquisas que estavam em curso, passei a incluir nos programas da Brigada, investigações geológicas e geofísicas, em diversas zonas do Sul do País, como fases preparatórias, essenciais à correcta selecção das áreas de maior potencialidade mineira, nas quais incidiriam, depois, trabalhos mais onerosos, tais como sondagens mecânicas, galerias, poços.

Ao incluir nos programas da Brigada do Sul as investigações geológicas e a prospecção geofísica, era óbvia a minha intenção de dotar a Brigada dos equipamentos e do pessoal adestrado para poder cumprir aqueles programas.

Todavia, o novo Director do SFM, indiferente às minhas propostas, decidiu criar Brigadas ditas especializadas naquelas matérias, que passaram a agir com inteira independência da Brigada do Sul.

Esta sua decisão foi catastrófica.

Para os estudos geológicos, instituiu a 2.ª Brigada de Levantamentos Litológicos (2.ª BLL), nomeando, para a chefiar, o Geólogo que antes estivera integrado na Brigada do Sul e revelara assombrosa incompetência, conforme já denunciei, nos meus comentários aos relatórios publicados sobre os jazigos de ferro de Montemor-o-Novo e sobre os jazigos ferro-manganíferos de Cercal – Odemira.

Para a aplicação de técnicas geofísicas, criou a Brigada de Prospecção Geofísica (BPG), nomeando, para a chefiar, um inexperiente Engenheiro que, apesar de todos os auxílios que lhe prestei e das lições de um Professor do Imperial College, propositadamente vindo a Portugal para o ensinar, nunca conseguiu ser outra coisa senão um grave empecilho à aplicação destas técnicas (Ver post N.º 13).
Esclarecedora foi a sua atitude, quando sugeri que fosse integrado na BPG um Engenheiro recém-admitido que o Director encaminhara para a Brigada do Sul, onde seria menos útil.
A sua estranha reacção foi: “Na Geofísica, quanto menos, melhor!”
Curiosamente, nas suas atitudes obstrucionistas, contou sempre com o apoio do Director do SFM!!!

A zona que continuou a merecer a minha atenção privilegiada foi a FAIXA PIRITOSA ALENTEJANA.
Embora me tivesse mantido em contacto com os colegas Fernando José da Silva e Pedro Lopes Paradela, que me substituíram na Brigada de Prospecção Eléctrica (BPE), não consegui evitar a degradação desta Brigada, e a deterioração das relações pessoais com o Engenheiro sueco, que sempre tivera para comigo grande cordialidade.

Esta ambiente, associado à atitude negativista assumida pelo novo Director do SFM, Eng.º João Lopes Guimarães dos Santos, mais preocupado em dar por findos estudos que mal haviam começado (ver post N.º 6), do que em promover a sua correcta orientação, para se atingirem os objectivos desejados, conduziram à ordem de pôr termo às investigações na Faixa Piritosa, quando muito havia por executar.

Não tinham sido prospectadas as zonas de Alcaria Ruiva e Albernoa, onde se haviam definido, nos anteriores levantamentos geológicos, extensas manchas de rochas vulcânicas, caracterizando um ambiente favorável à ocorrências de jazigos de minério piritoso.

Além disso, não tinha sido completada a prospecção da zona de Castro Verde – Panoias.
Excluíra-se, precisamente, a parcela mais promissora, onde ocorrem as mineralizações cupríferas, a que me tenho referido, com frequência.

A ABEM de Estocolmo apresentou o seu relatório final, com conclusões idênticas às que eu me sentia apto a extrair dos documentos técnicos que ficaram arquivados no SFM. Recomendava a execução de trabalhos para investigação das causas de anomalias electromagnéticas registadas em locais cujas características geológicas considerava como as mais favoráveis à ocorrência de jazigos minerais.

Todos estes trabalhos foram efectuados, cabendo ao SFM, através da sua Brigada especializada, a execução de sondagens, em zonas exteriores às concessões. Eu próprio me encarreguei do exame pormenorizado dos testemunhos destas sondagens.
Os concessionários encarregaram-se dos trabalhos dentro das suas concessões.

Na concessão de S. João do Deserto e Algares, localizada na região de Aljustrel, registou-se um resultado positivo, que foi suficiente para compensar todas as despesas com a campanha efectuada durante 5 anos (1944-49).

As sondagens, fora das áreas das concessões mineiras, revelaram que as causas das anomalias eram sistematicamente, xistos negros, carbonosos, bons condutores eléctricos.

Da análise de todos estes resultados concluí que o estudo da Faixa Piritosa Sul-Alentejana, apesar da longa campanha de prospecção que sobre ela havia incidido, tinha que considerar-se apenas numa fase muito incipiente.

Disso dei conta nas “Considerações finais” do relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, parcialmente publicado em 1955, no Volume X, (fasc. 1 e 2) da Revista “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fmento Mineiro”. De um Apêndice, que não foi publicado, constam os logs das sondagens e os seus perfis em correlação com as anomalias que se destinavam investigar.

Pela sua grande importância, respigo passagem das páginas 69 a 71, as finais desse capítulo:

“Somos de opinião que o prosseguimento do programa de prospecção de pirites, para ter a eficácia pretendida, deve contar com a cooperação efectiva de especialistas em geologia aplicada e em prospecção geofísica, integrados na equipa de estudo, de modo a poder cumprir-se o seguinte programa:
a) Estudo minucioso das condições geológicas de ocorrência dos jazigos de pirite, actualmente em lavra activa, em colaboração com as empresas concessionárias, com amplo recurso aos métodos de exame microscópico, químico e espectrográfico, tanto do minério como das rochas encaixantes e circunvizinhas.
b) Estudos geológicos sistemáticos, de campo, em toda a área da Faixa Piritosa, acompanhados, de perto por investigações laboratoriais, procurando, essencialmente, encontrar ambientes geológicos idênticos aos dos jazigos conhecidos.
c) Aplicação conjunta de métodos vários de prospecção geofísica, em especial dos eléctricos, electromagnéticos, gravimétricos e magnéticos, seguida de novas investigações geológicas, nas áreas que se apresentem mais prometedoras, visando uma interpretação, o menos aleatória possível, das causas das anomalias que se registem.
Terá cabimento, nesta fase, a execução de pequenos trabalhos mineiros e mesmo sondagens, com objectivo geológico, conquanto não deva jamais perder-se de vista que a finalidade de todo o estudo é de um carácter mais prático.
d) Eventual utilização de métodos geoquímicos, se ensaios prévios lhe mostrarem possibilidades.
e) Execução de trabalhos mineiros e sondagens, para esclarecimento das anomalias geofísicas, logo que haja um número suficiente destas, merecedor de exame.
Não convirá ter a prospecção geofísica muito avançada, sem os seus resultados serem devidamente aferidos por métodos de observação directa; podem tornar-se aconselháveis modificações nos processos utilizados, para os tornar mais apropriados, para os fins em vista.
Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam para no efeito, adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação de Serviço.
Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução a pessoal português.
A favor deste modo de proceder falam não só a economia, como o próprio interesse no assunto, que não poderá esperar-se de outros superior ao dos nacionais.
Ainda que fosse desaconselhada por demasiado especializada, a execução directa de determinados estudos, o que não cremos possa vir a acontecer, porquanto o Ultramar é vasto campo onde a especialização adquirida teria sempre ocasião de frutificar, é indispensável, para uma eficiente fiscalização, um amplo conhecimento das matérias a fiscalizar.”

Continua …

domingo, 19 de janeiro de 2014

229 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 19.

Anunciei, no post anterior, dar o devido relevo a uma série de acontecimentos que classifiquei como demonstrativos do maior escândalo, de todos os tempos, ocorrido na antiga Direcção-Geral de Minas (DGM).

O que deveria constituir motivo de grande orgulho para Portugal, foi transformado em crime de lesa–pátria, cometido por um conjunto de indivíduos incompetentes e corruptos que, abusando de poder injustamente conquistado, na DGM, alienaram, em benefício de potência estrangeira, a maior riqueza mineral descoberta, em território nacional, exclusivamente graças aos persistentes esforços de técnicos portugueses.

Embora todos os acontecimentos, a que aludi, já tenham sido pormenorizadamente descritos, justifica-se estabelecer o seu encadeamento, para pôr em evidência o abuso de poder, levado ao extremo, por dirigentes, que não tiveram pejo em desprezar leis e ultrajar técnicos nacionais, que muito se tinham esforçado, no seu aperfeiçoamento, para conseguirem dispensar colaboração estrangeira.


Quando tomei a decisão de me licenciar em Engenharia de Minas, a minha natural expectativa era vir a exercer a profissão, no meu País, aplicando, em toda a sua plenitude, os conhecimentos adquiridos nas várias Escolas que frequentei e outros originados, pela sua aplicação prática, ao longo do tempo.

De facto, o ensino nessas Escolas, cobria amplamente todas as fases do aproveitamento dos nossos recursos minerais, incluindo até disciplinas de análises químicas e metalurgia.

Tive excelentes professores no ramo das Matemáticas, em Electrotecnia, em Topografia, em Lavra de Minas e também tive professores mal preparados nas matérias que aceitaram ensinar.

O ensino era essencialmente teórico e os estágios regulamentares, no final de cada ano da Faculdade de Engenharia, eram, na generalidade, pouco exigentes, havendo grande tolerância na sua apreciação. Daí, a minha proposta no sentido de fazer uso da Mina de Aparis, como Mina-Escola, com o objectivo de melhorar a formação dos futuros Engenheiros de Minas.

Era, porém, óbvio que quem estivesse verdadeiramente interessado na sua preparação para a actividade profissional, teria capacidade para suprir deficiências na sua formação académica. Como sempre fui bem classificado, encarei, com grande optimismo o exercício da profissão que escolhi.

Em 1939, no início do meu 3.º ano na Universidade, eclodiu a 2.ª Guerra Mundial e muito passou a ouvir-se sobre um fenómeno que viria a designar-se por “A febre do volfrâmio”.
O volfrâmio era fundamental para o equipamento bélico de ambos os contendores e Portugal tinha abundantes reservas deste metal.
Ingleses e alemães aqui vieram abastecer-se, mediante concessões mineiras que lhes foram facilmente outorgadas.
Muitos portugueses estiveram ao serviço desses estrangeiros, sentindo-se felizes pelas valiosas compensações que conquistavam, nem sempre honestamente, quando já se fazia sentir escassez de recursos alimentares e outros, que antes se obtinham por importação.

Nessa época, nunca ouvi mencionar, o Decreto-lei N.º 46312 de 28 de Abril de 1905, nem a Constituição da República de 1933, que continham disposições impeditivas da outorga de concessões para a exploração de jazigos minerais a empresas estrangeiras.

É, no entanto, digno de registo que um esclarecido Ministro de um Governo de Salazar, já se tinha apercebido da delapidação que estava a acontecer com a exploração desenfreada de uma riqueza do País, que se não renova: os nossos recursos minerais.

Com o nobre objectivo de disciplinar a actividade mineira, no País, esse Ministro fez publicar o Decreto-lei N.º 29725, em 28-6-1939, pelo qual, foi atribuído, ao Estado, um papel fundamental no inventário dos nossos recursos minerais, com vista ao seu racional aproveitamento.

Para a concretização deste objectivo, foi criado o Serviço de Fomento Mineiro (SFM), na dependência da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG).

Foi neste Organismo do Estado, que iniciei a minha actividade profissional.
Nele realizei, em 1943, o 3.º estágio regulamentar, e, em 1944, assinei contrato com a categoria de Engenheiro de 3.ª Classe.

Logo, em 1944, fiquei com a responsabilidade de chefiar uma Brigada, com a missão de investigar a extensa Faixa Piritosa Alentejana, visando, a descoberta de novas concentrações de minério, idênticas às que, nela, 7 se mantinham em exploração.

Um método moderno de prospecção geofísica iria ser aplicado.

Para esse fim, já tinha sido celebrado contrato com a empresa sueca ABEM, detentora da respectiva patente.

Era o método electromagnético Turam, que envolvia aparatoso equipamento e numeroso pessoal técnico e auxiliar.
A zona mineira de S. Domingos, perto da fronteira com a Espanha, foi a parcela da Faixa seleccionada para dar início às investigações.

Além de dois engenheiros suecos, que eram os especialistas do método, a equipa da denominada Brigada de Prospecção Eléctrica (BPE), ficou constituída por um Engenheiro de Minas eu), 5 Agentes Técnicos de Engenharia e 20 operários localmente recrutados.

Os 10 meses que passei naquela Mina, foram decisivos para o meu esclarecimento sobre o papel que deveria competir aos portugueses no aproveitamento dos recursos minerais do País.

Causava-me profunda estranheza que, estando em Portugal, tivesse que usar, no exercício da minha profissão, mais frequentemente a língua inglesa que, passei a dominar razoavelmente, no decurso do tempo. Quase me parecia estar noutro País.

Na Mina de S. Domingos, os meus principais contactos profissionais eram com indivíduos que mal falavam a nossa língua, alguns dos quais até viviam em Portugal há mais tempo que eu, que contava, então 24 anos.
Os cargos de maior responsabilidade eram desempenhados por técnicos ingleses, cabendo aos portugueses tarefas secundárias.

A lei exigia que o Director Técnico tivesse nacionalidade portuguesa, mas ao Engenheiro contratado com essa categoria estavam atribuídas funções subalternas.

Também me surpreendia o reduzido interesse que “Mason and Barry”, exploradora do jazigo, mediante contrato de arrendamento com a concessionária espanhola “La Sabina”, manifestava pela actuação da Brigada sob minha chefia, sendo certo que, dos resultados que viesse a obter, poderia depender o futuro da exploração mineira, já então algo comprometido, por escassez de reservas cubicadas.

Pareceu-me até perceber insinuações de que a minha actividade seria idêntica à dos “Engenheiros de papel selado da DGM”, autores de simbólicas fiscalizações, que consentiam gravíssimo desrespeito por leis vigentes, com destaque para a enorme poluição ambiental.

Relativamente à aplicação do método electromagnético Turam, não demorei a reconhecer que podia dispensar a participação da quase totalidade dos Agentes Técnicos de Engenharia, encarregando operários, localmente recrutados, das tarefas que lhes estavam istribuídas, daí resultando considerável aumento da produtividade da Brigada.

Um único Agente Técnico de Engenharia bastou para me auxiliar na resolução dos problemas técnicos e administrativos da Brigada.
Não foi, também difícil conseguir total domínio na aplicação do método electromagnético Turam.
Introduzi, até, alguns aperfeiçoamentos em matéria de topografia, para aumentar o rigor na implantação dos pontos das futuras observações electromagnéticas.

Em Maio de 1945, tive que suspender as investigações A1, na zona mineira de S. Domingos.
Tinham sido prospectadas as principais áreas com potencialidade para a ocorrência de concentrações de minério piritoso.
Carência de meios de transporte impossibilitaram a cobertura total das áreas potenciais, pois o pessoal teria de deslocar-se, a pé, a grandes distâncias.

Eu e o Engenheiro sueco que diariamente prestava assistência aos trabalhos no campo, já tínhamos adquirido bicicletas, o que, nessa época, podia considerar-se um luxo. O outro Engenheiro sueco, que raramente ia ao campo, optava por alugar um burro, para o transportar.

Em meados de 1945, transferi a sede da Brigada para as Minas de Aljustrel.
Aqui, era também uma empresa estrangeira, a “Socièté Anonyme Belge des Mines d’Áljustrel” a detentora da concessão mineira.

Terminado o conflito mundial na Europa, foi então possível adquirir uma camionete de carga, embora com muito uso, que se adaptou ao transporte de passageiros.
Algum tempo mais tarde, uma pequena furgoneta melhorou consideravelmente os meios de deslocação do pessoal, tornando assim possível investigar áreas potenciais distantes da sede em Aljustrel.

Considerando-me já apto a dirigir todos os trabalhos, tanto no terreno como no gabinete, respeitantes à aplicação do método Turam, sugeri superiormente que fosse dispensada a presença de um dos Engenheiros suecos, acumulando eu, com as tarefas da chefia da Brigada, as que ele vinha desempenhando, essencialmente no campo.
A sugestão foi bem acolhida pela ABEM, daí resultando muito sensível decréscimo de despesas, só tendo eu a lamentar a perda do agradável convívio com um bom amigo e com sua família, que ele trouxera para Portugal.

A minha boa preparação académica, em temas de Electricidade permitiu-me até eliminar algumas deficiências, que se arrastavam no tempo, quer nos equipamentos, quer na sua aplicação, com estupefacção das equipas constituídas por pessoal localmente recrutado, que se tinham especializado nas diversas tarefas inerentes ao método.
O Engenheiro sueco que permaneceu em Portugal teve a sua actividade extremamente facilitada, quase se limitando a uma discreta fiscalização das actividades em curso e aos contactos com a casa-mãe na Suécia.

Persistia, no entanto alguma dúvida sobre uma eventual interpretação dos resultados, mais elaborada do que a que se deduzia da análise das curvas representativas das variações das características do campo electromagnético (intensidade e fase), ao longo dos perfis prospectados, a qual a ABEM manteria em reserva.

Foi já com o total domínio das actividades na Brigada, que decidi dar início à investigação da extensa mancha de rochas vulcânicas de “Panoias - Castro Verde”, cuja potencialidade para jazigos de minério piritoso havia sido revelada, através dos estudos anteriormente efectuados pela 1.-ª Brigada de Levantamentos Litológicos, que havia sido criada por minha sugestão (Ver post N.º 7)).
A ocorrência de várias minas filonianas de cobre, na situação legal de abandonadas, induzia-me a formular a hipótese de estar em presença de remobilizações de massas estratiformes ricas em cobre.

Tratava-se, pois de uma área com particular interesse para investigação.
Apesar das minhas grandes expectativas quanto aos resultados do estudo desta área, fui compelido a abandonar a chefia da BPE, por ter recebido um honroso convite do Director do SFM, Engenheiro António Bernardo Ferreira, para passar a exercer funções de âmbito mais vasto.

Acontecia que, da Brigada do Sul, com sede em Beja, iam ser destacados para prestar serviço em Moçambique, dois Engenheiros e três Agentes Técnicos de Engenharia, supostamente especializados em investigações mineiras, com vista ao desenvolvimento da indústria mineira daquele que era, então, território ultramarino português.

O Engenheiro António Bernardo Ferreira convidou-me para chefiar a Brigada do Sul, cujo campo de acção se desenvolvia por todo o território continental português, a Sul do Rio Tejo.

Durante cerca de 8 meses, transmiti aos colegas José da Silva e Pedro Lopes Paradela instruções para poderem desempenhar as funções que eu exercia, mantendo-me disponível para os auxiliar, se tal se tornasse necessário.

Em Janeiro de 1948, iniciei os meus contactos com as actividades em curso na Brigada do Sul, sediada em Beja assumindo a sua chefia, em Junho do mesmo ano, quando se verificou a debandada dos técnicos destacados para prestarem serviço em Moçambique.

Continua ...