sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

190 - Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 14

Sendo a prospecção mineira actividade de elevado risco, envolvendo grandes investimentos, é essencial que se respeitem, escrupulosamente, as fases em que se deve processar.
Tenho vindo a revelar que esta metodologia, não está patente nas vagas informações contidas nos quadros que constam da história da “Prospecção Mineira em Portugal”, da autoria de José Goinhas, apesar do propósito manifestado de a investigação histórica ter sido feita, com a intenção de contribuir para novo Plano Mineiro Nacional, destinado a aumentar a eficácia da nossa indústria mineira, que se encontrava em acentuada decadência.
Exemplo bem elucidativo do desrespeito pela disciplina, fundamental em prospecção mineira, é a “atitude de bombeiro”, que Soares Carneiro frequentemente assumiu (ver post N.º 2), em ostensivo abuso dos poderes do seu cargo de Director-Geral de Minas, convencido de que “queimando etapas”, rapidamente conseguiria chegar a grandes descobertas. (ver post N.º 56)

Sem a mínima consideração pelas funções que competiam ao Director do SFM e aos Chefes de Serviços, decidiu orientar directamente alguns estudos.
Em vários casos, passou à fase de sondagens, prescindindo dos trabalhos em que elas se deveriam fundamentar.
Destas acções indisciplinadas, nem um único sucesso resultou. Além de mau uso de dinheiros públicos, por quem tinha obrigação de dar bons exemplos, atrasou-se o cumprimento dos programas racionalmente estruturados.

O SFM, no seu período inicial, teve, naturalmente, que recorrer a empresas estrangeiras, para trabalhos especializados.
Visando encontrar novas reservas de minérios de ferro e de pirites complexas, firmou contratos com a empresa sueca ABEM, para aplicação de técnicas de prospecção, por métodos geofísicos, que começavam, então, a ser introduzidas na indústria mineira. (ver post N.º 5)
Para reconhecimento da Faixa Carbonífera do Douro e do carvão do Moinho da Ordem (Santa Susana, Alcácer do Sal), contratou a empresa de sondagens “Société Anonyme Belge d’Entreprise de Forage & de Fonçage (Foraky). (ver post N:º 52)

Previdentemente, acompanhou, com grande empenho, os procedimentos técnicos de ambas as empresas, extraindo ensinamentos para poder vir a encarregar-se, futuramente, de realizar, com equipamentos próprios, trabalhos dessa natureza.
No decurso dos tempos, o SFM foi obtendo os equipamentos necessários para atingir os seus objectivos.
Foi também adquirindo experiência na respectiva utilização.
Ficou, portanto, apto a realizar, não apenas trabalhos mineiros tradicionais, mas também a aplicar técnicas de prospecção geofísica e a fazer sondagens.
De realçar, o valiosíssimo material recebido, ao abrigo do Plano Marshall. (ver post N.º 15)
A aplicação de técnicas geofísicas, directamente pelo SFM, de modo sistemático, só teve início na década de 50, por manifesto desinteresse do Engenheiro, a quem foi confiada a denominada Brigada de Prospecção Geofísica (BPG), com tolerância do Director. (ver post N.º 13)

Porém, já em 1947, o SFM fora capaz de efectuar a sua primeira sondagem.
Este acontecimento, notável para a época, ficou a dever-se à iniciativa dos Agentes Técnicos de Engenharia, Luís de Albuquerque e Castro e Fernando Gonçalves Macieira, oriundos da sede em Lisboa, os quais eram dotados de grande capacidade organizativa, lamentavelmente desperdiçada e até hostilizada, pelo Engenheiro Norberto Queiroz, quando ocupou o cargo de Director do SFM.
A sondagem foi implantada próximo da Mina de chumbo do Braçal e teve por objectivo investigar a causa de anomalia electromagnética, registada em campanha a cargo da ABEM de Estocolmo.
O SFM realizou, depois, outras sondagens, em diversas zonas da Faixa Piritosa Sul - Alentejana, com base em anomalias electromagnéticas, seguindo também recomendações da ABEM de Estocolmo, a cujo cargo decorrera a campanha de 1944-49. (ver post N.º 10)
Na Região de Cercal – Odemira, onde tinham decorrido, durante 14 anos, importantes trabalhos de pesquisa e reconhecimento de filões ferro-manganíferos, projectaram-se e executaram-se sondagens, para reconhecer os filões, a profundidade que os trabalhos mineiros não puderam alcançar, por dificuldades de esgoto dos abundantes caudais de água encontrados.
Pretendeu-se aproveitar a experiência que a Brigada com especialização em Sondagens ia evidenciando, para reconhecer a profundidade superior a 300 m, o principal filão ferro – manganífero (na Serra do Rosalgar), na expectativa de que viessem a encontrar-se sulfuretos do grupo BGPC (blenda, galena, pirite, calcopirite).
Em caso afirmativo, seria mais um bom indício a favor da hipótese de estarmos em presença de uma área de características idênticas às da Faixa Piritosa, podendo os filões ser atribuídos a remobilizações provenientes de massas mineralizadas de grandes dimensões.
Todavia, a sondagem não foi realizada, por não se possuir ainda material com capacidade para tal empreendimento e o Director do SFM não ter considerado oportuna a sua aquisição.
Chegou ainda ao meu conhecimento terem sido realizadas sondagens, na década de 50, com equipamentos do SFM, para investigação do jazigo de ferro de Vila Cova do Marão.
Todavia, nem relatórios, nem logs, nem os testemunhos destas sondagens se encontraram, quando, pretendi fazer a sua consulta, no desempenho de novas funções que, em 1963, me foram atribuídas. (ver post N.º 30)

Também na década de 50, a Brigada de Sondagens deu execução a um vasto programa, na região de Barrancos, envolvendo furos, não só no exterior, mas também a partir de trabalhos interiores da Mina de cobre de Aparis.
A maioria destas sondagens apoiou-se em resultados da aplicação do método electromagnético Turam, obtidos em campanha efectuada sob minha orientação, ainda na qualidade de Chefe da Brigada do Sul, com equipamento que o SFM tinha adquirido, o qual a BPG se tinha mostrado incapaz de pôr em funcionamento. (ver posts N.ºs 20 e 21)

É de assinalar que a campanha no exterior esteve em risco de ser suspensa, logo no seu início, por dificuldade de obtenção de testemunhos.
A Brigada de Sondagens teve, porém, o mérito de solucionar este problema.
Entretanto, prosseguiam também sondagens na Faixa Carbonífera do Douro, em sucessivas campanhas, por contrato com a empresa belga Foraky, enquanto o Director do SFM não se dispunha a aproveitar a capacidade técnica que a Brigada de Sondagens vinha demonstrando, para adquirir equipamento com possibilidade de realizar furos com comprimentos da ordem dos 800 m.

Após a minha nomeação para chefiar um Serviço de Prospecção Mineira, com âmbito de actuação extensivo a todo o território metropolitano nacional, rapidamente começaram a surgir alvos justificativos de investigação por sondagens, resultantes da aplicação de variados métodos geofísicos e geoquímicos, em áreas previamente seleccionadas, através estudos geológicos pormenorizados.
A Brigada de Sondagens do SFM foi encarregada de dar a natural sequência aos estudos do Serviço de Prospecção e foi desempenhando, na generalidade dos casos, muito satisfatoriamente esse encargo, em cumprimento de projectos devidamente fundamentados.
Foi assim que puderam concretizar-se os êxitos variados, a que já fiz pormenorizada referência.

O Director-Geral de Minas, Soares Carneiro que, no início do seu mandato, não só não interferia na actividade disciplinada que ia decorrendo, como fazia questão de a revelar ao Ministro da tutela para demonstrar a eficácia do Organismo que lhe estava confiado, passou, a partir de determinada data, a encarregar-se de orientar directamente alguns estudos e a criar obstáculos à investigação, por sondagens, dos alvos que o Serviço de Prospecção, a meu cargo, ia definindo.

No post anterior, antecipei que, em matéria de sondagens, tinham sido cometidos pelos “serviços oficiais”, isto é, pela Director-Geral de Minas e pelo Director do Serviço de Fomento Mineiro, actos escandalosos e, até criminosos.
Vou, agora, referir exemplos desses actos (nalguns casos verdadeiramente anedóticos), para os quais, em tempo oportuno, chamei a atenção, em relatórios e, também em exposições ao Governo.

1 - A sondagem do nevoeiro em Caminha.
A seguir, transcrevo o que consta da coluna de Observações da peça desenhada N.º 149 (Log da sondagem N-º 3 da Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima) do “Relatório Circunstanciado”, a que tenho vindo a fazer frequente referência:

“Esta sondagem foi projectada por técnico do concessionário, com autorização do Director do Serviço de Fomento Mineiro, durante curta ausência, no Alentejo, do responsável pelos estudos na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.
Tendo tomado conhecimento, após o meu regresso, de que esta sondagem se encontrava em curso, manifestei ao Director do Serviço a minha total discordância quanto à sua implantação, para a qual não encontrava qualquer justificação técnica ou científica e a minha estupefacção pela indisciplina que representava a sua autorização.
Como reacção recebi a informação de que “as coisas não se passavam como eu julgava”, que “o Director-Geral estava ao corrente”, que “o concessionário também conhecia o jazigo e tinha, portanto, o direito de projectar sondagens!!!!”
Tendo, mais tarde, encontrado casualmente, na mina da Cerdeirinha, o autor do projecto e tendo-lhe perguntado os fundamentos da implantação desta sondagem, foi-me respondido que o furo fora iniciado em local errado, porque, no dia da sua marcação, esteve denso nevoeiro e o alinhamento que traçou, para o efeito, saiu defeituoso".(!!!!!!!)


Esta autêntica anedota foi o primeiro sinal da indisciplina que progressivamente se instalaria, assumindo proporções escandalosas, de verdadeiros crimes.

2- Suspensão de campanha de sondagens na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima

Quando decorria, com normalidade, sob a minha direcção, a investigação, por sondagens, das existências de mineralizações tungstíferas, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, estando projectado o furo N.º 69, com base em pronunciada anomalia magnética, com apoio geológico e geoquímico, fui surpreendido com ordem superior no sentido de ser suspensa a campanha.
Na tentativa de justificar esta inesperada decisão, o Director-Geral Soares Carneiro, convocou-me para participar em reunião, em Lisboa, que teria por objectivo fazer a distribuição das poucas sondas que o SFM possuía, tendo em atenção as prioridades dos programas que as solicitavam.
Também participaram, nessa reunião, além do Engenheiro Múrias de Queiroz , Director do SFM, e do Engenheiro Fernando José da Silva, que pouco tempo antes, assumira a chefia da Brigada de Sondagens, o Geólogo José Goinhas, em representação da 1.ª Brigada de Prospecção, onde também decorriam sondagens e o Engenheiro Francisco Limpo de Faria.
O argumento apresentado para a decisão tomada foi a urgência em investigar um “muito promissor jazigo tungstífero”, que os denominados “scheeliteiros” tinham descoberto em Cravezes, na região de Mogadouro.
Encontrando-se em utilização todas as sondas de que o SFM dispunha, haveria que transferir uma delas, de programa com menor prioridade.
E o programa escolhido foi o que estava a decorrer, a meu cargo, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima!

Deveras surpreendentes foram declarações produzidas pelo Engenheiro Fernando Silva.

Começou por dizer que tinha sondas em armazém, em tarefas de manutenção, por não lhe terem sido apresentados projectos para pôr em execução!
Assim contradizia, sem disso se ter apercebido, a argumentação do Director-Geral para suspender a campanha a meu cargo. Penso que ignorava esta argumentação, pois não era de esperar que ousasse afrontar o Director-Geral.
De facto, havia projectos, e não só, para a Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima. Também havia, para a Faixa Metalífera da Beira Litoral, há anos aguardando concretização.
Não se tinham apresentado projectos envolvendo muitos furos, porque se usava a boa prática de fazer depender cada novo furo dos resultados do anterior.
Mas era previsível a necessidade de executar campanhas mais ou menos longas, nas diversas áreas onde se registaram extensos alinhamentos de anomalias geofísicas e (ou) geoquímicas.
Quando chamei a atenção para a enorme disparidade entre o rendimento da sonda do SFM que tinha estado a actuar em Caminha, e o rendimento de sondas que actuavam para a Companhia americana Union Carbide, o Engenheiro Fernando Silva só encontrou um comentário: Os americanos eram super-homens! E ninguém contestou tão estranha afirmação!
Não teve o brio nem o zelo que manifestaram os Agentes Técnicos de Engenharia Fernando Macieira e Luís Albuquerque e Castro, que, na década de 40, se não tinham intimidado e conseguiram introduzir a técnica das sondagens no SFM, nem idêntico brio e zelo demonstrado por vários outros técnicos, que foram desenvolvendo o sector das sondagens.
Nem lhe ocorreu seguir o exemplo da minha persistente luta para introduzir as técnicas geofísicas e geoquímicas, cujo sucesso foi de tal ordem, que empresas privadas nacionais ou estrangeiras, passaram a solicitar a colaboração do SFM em trabalhos desta natureza, dando-lhes preferência relativamente às empresas especializadas estrangeiras, por lhes reconhecerem maior qualidade.
Seria natural que um chefe diligente, tivesse manifestado o propósito de providenciar no sentido de o SFM passar a agir com rendimento idêntico ou superior ao que demonstravam os sondadores contratados por Union Carbide.
Mas Fernando Silva, que se declarou ignorante em matéria de sondagens, porque a sua actividade anterior se passara em trabalhos diferentes, ao resignar-se a manter a Brigada que chefiava em tal situação de inferioridade, não se mostrou sequer disposto a aproveitar o mérito dos colaboradores que herdara dos seus antecessores.
Demonstrou, uma vez mais, a mediocridade, de que tinha dado abundantes provas, em vários cargos que ocupara.
A decisão de suspender a campanha de sondagens que decorria na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima foi referida, em relatórios trimestrais e anuais e em outros documentos, como mais uma dificuldade a acrescentar a muitas outras que deliberadamente vinham sendo provocadas ao desempenho das minhas funções, no SFM.

Transcrições parciais desses documentos, constam da “Introdução do Relatório Circunstanciado”, da qual dei directo conhecimento ao Ministro Veiga Simão, com as consequências descritas nos posts N.ºs 164 a 173.

A seguir, reproduzo curtas passagens desses documentos:

a) Na página 7 do Relatório da Actividade do 1.º Serviço durante o ano de 1976:

“Os levantamentos magnéticos e geoquímicos efectuados na zona da Costa das Vinhas, cobrindo o flanco NE da grande estrutura anticlinal, que temos vindo a investigar pormenorizadamente, revelaram diversas anomalias com interesse suficiente para justificarem sondagens.
Dentre estas, destaca-se, junto à Ribeira de S João, a cerca de 400 m a Norte da confluência da Ribeira de Arga com esta Ribeira, uma anomalia magnética de mediana intensidade, com bom apoio geoquímico, registada em ambiente geológico francamente favorável à ocorrência de mineralizações de tungsténio.
Esta anomalia foi seleccionada para implantação da sondagem N.º 69.
Tal sondagem não chegou, porém, a efectuar-se, por superiormente se ter decidido suspender a campanha de sondagens, na Região de Caminha, conforme já referimos.
...
Parece-nos ainda de interesse registar que, no mês de Dezembro, a Companhia americana Union Carbide Exploration Corporation requereu superiormente autorização para estender os seus trabalhos de prospecção e pesquisa a uma área envolvente das concessões de Geomina Limitada, que coincide com aquela onde tem ultimamente incidido a actuação do 1.º Serviço e da qual foi retirada a equipa sondadora, por haver outra zona com maior prioridade para execução de sondagens.

b) De páginas 15 e 16 do Relatório da Actividade do 1.º Serviço, no ano de 1977

"Não podemos ainda deixar de referir um importante êxito obtido pela Companhia americana Union Corporation Exploration Corporation, na área cativa para o Estado que, recentemente lhe foi adjudicada para trabalhos de prospecção, pesquisa e exploração mineira.
Esta Companhia não teve quaisquer dúvidas em transferir imediatamente, uma das sondas que, na região, tem em serviço, para investigar a zona de anomalias magnéticas e geoquímicas que havíamos seleccionado para a implantação da sondagem N.º 69.
Lembramos que, em Setembro de 1976, quando se deveria efectuar este furo, a chamada Comissão de Direcção do Serviço de Fomento Mineiro decidiu retirar a sonda que, há 8 anos, se encontrava em trabalho na região de Caminha, com argumentos inconsistentes, como oportunamente assinalamos, em diversos documentos.
Lembramos também que, num desses documentos, chamamos a atenção para o facto de poucas sondagens se terem efectuado, na Região de Caminha e até em todo o Serviço de Fomento Mineiro, com tão sólidos fundamentos, como a que se projectou com o N.º 69.
Conclui-se que a Comissão dita de Direcção do Serviço de Fomento Mineiro, está pouco interessada em obter êxitos.
Prefere que eles sejam preparados pelos sectores sãos do Serviço, para que outros os concretizem, com a maior das facilidades!
Foi o que aconteceu neste caso.
A Companhia americana, investigando as anomalias definidas pelo Serviço, sem necessidade de proceder a quaisquer outros estudos, intersectou, na sondagem que efectuou, à profundidade de cerca de 50 m, um nível de skarn, com espessura superior a 5 m e com um teor médio de WO3 de 1,5%!
A mineralização, muito semelhante à de Valdarcas, consta de pirrotite maciça, com volframite e scheelite. Nalgumas zonas, ocorre, ainda, a calcopirite, em relativa abundância.”


Este resultado, francamente positivo, encorajou Union Carbide a efectuar várias outras sondagens, com as quais definiu reservas justificativas de futura exploração. Requereu e obteve a respectiva concessão, a que deu o nome de Telheiras.
Com estas novas reservas, aproximou-se significativamente do total de 1 milhão de toneladas com o teor médio de 0,8%, disperso por várias parcelas, que considerava necessário para passar à fase de exploração.
Todavia, uma acentuada baixa de cotação do tungsténio, provocada pela China, tornou anti-económica a exploração de numerosas minas, a nível mundial.
Por esse motivo, Union Carbide decidiu abandonar o seu projecto de Covas. (ver posts N.ºs 148 e 149)

Por minha indicação e não porque tal formalidade constasse de contrato com o Estado, Union Carbide entregou vasta documentação, que eu tencionava usar para reprogramar os estudos na Região, tendo em consideração estes novos dados.

Foi, porém, grande a minha surpresa, ao verificar que esta documentação me foi deliberadamente ocultada e que se tinham intrometido nos estudos da Região, como se nada mais houvesse a fazer no SFM, o Engenheiro Reynaud, recém-admitido, com a categoria de Director de Serviço (!) e um Engenheiro de nome Gonzalez, que não cheguei a conhecer, mas que soube ter vindo, por diversas vezes, clandestinamente, retirar testemunhos das sondagens do SFM, sem que eu chegasse a saber o que deles fazia.
Quando, em 2-2-84, me desloquei a Lisboa, convocado pelo Director do SFM, para análise do projecto de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, e este Director não pôde comparecer, por se ter declarado “doente”, enquanto se aguardava o seu restabelecimento, o Engenheiro Reynaud, quis demonstrar os seus talentos, explicando-me novo cálculo de reservas que fizera, para a zona de Telheiras, com o propósito de aperfeiçoar a avaliação feita por Union Carbide, com base nos resultados das sondagens que projectara e fizera executar.

Registo que Telheiras era a zona onde eu projectara a sondagem N.º 69.
Não atribuí, obviamente, qualquer mérito a esta reavaliação, que considerei despropositada e um simples trabalho académico.
Não compreendia que Reynaud tivesse aceite os locais de implantação das sondagens, o exame dos testemunhos, as amostragens e os resultados das análises e só pusesse em dúvida a avaliação das reservas feita por técnicos directamente envolvidos no projecto.
A decisão dos dirigentes de não executar esta sondagem marcou o fim da campanha de sondagens na Região, sob a minha orientação!!!
Lembro que, a este respeito, escrevi no post N.º 156.
Reynaud aproveitou a oportunidade para falar de um relatório, que disse estar a elaborar, sobre as minas de Covas, com base nos dados de Union Carbide!!!!
Propunha-se racionalizar o aproveitamento do jazigo, promovendo a integração das concessões numa única entidade exploradora.

Parecia-me muito estranho que Reynaud nada revelasse sobre actividade própria, não parasitária, que estivesse a desempenhar, em cumprimento dos programas do SFM, sabendo-se quão atrasado se encontrava o estudo de muitas outras áreas do País, com grandes potencialidades para a ocorrência de minérios vários, e estivesse a intrometer-se no projecto de Caminha, sem nunca lá ter efectuado qualquer trabalho e sem ter demonstrado sequer ter percebido o significado dos resultados das técnicas que lá se aplicavam.
Tomava a sua exposição como um exercício académico, procurando a aprovação do professor.
Nesta atitude, comentei que o seu conhecimento era muito incompleto, que não bastaria usar documentos de outros, que era necessário um conhecimento mais real, que só a presença nas minas, no terreno, facultaria.
Além disso, não era de técnico com a sua formação e mantendo a sua residência no Sul, que o projecto de Caminha estava necessitado. Até Daniel percebera ser no domínio da geologia estrutural que maior carência se notava, apesar dos progressos conseguidos pelos cerca de 20 Geólogos que haviam passado pela Union Carbide.

A deslocação da sonda, para a região de Mogadouro, redundou num dos maiores “fiascos” registados no SFM.
O Director-Geral de Minas, Soares Carneiro, que tinha passado 20 anos no Norte, principalmente em serviços de fiscalização de minas de estanho e volfrâmio, afinal ignorava a propriedade da scheelite, de se tornar fluorescente, quando sobre ela incide radiação de determinado comprimento de onda.
Ao aperceber-se de que eu vinha obtendo êxitos, ao fazer uso desta propriedade, no conjunto de técnicas visando a descoberta de novas ocorrências tungstíferas na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, aplicando um velho “mineralight” que trouxera do Alentejo, logo pensou que também ele poderia chegar às grandes descobertas, se tirasse partido dessa propriedade.
A scheelite não se distingue facilmente, à simples observação visual, de um conjunto de minerais estéreis, entre os quais pode ocorrer disseminada.

Uma campanha de prospecção apoiada simplesmente no uso de um “mineralight”, sem necessidade de aplicação de outras técnicas mais sofisticadas, poderia conduzir a espectaculares descobertas, as “Torres dos Clérigos”, como gostava de as designar, em reuniões da Comissão de Fomento. (Ver post N.º 56)
Nestas reuniões, estava sempre presente o Director do SFM, Múrias de Queiroz, que apoiava, sem discussão, todas as decisões de Soares Carneiro.
Tão confiante se mostrara no êxito da campanha, que não hesitou, em destacar, para sua execução, 10 funcionários da sede do SFM, aos quais adicionaria trabalhadores localmente recrutados.
Da Ordem de Serviço N.º 18/75 (Ver post N.º 106), constam os seguintes, que constituíam o denominado “Grupo de Trabalho do Tungsténio”:
Três Geólogos (Santos Oliveira, Francisco Viegas e Farinha Ramos), um prospector, um auxiliar de prospecção, um ajudante de preparador, um ajudante de Laboratório, dois motoristas, um jornaleiro, diverso pessoal eventual a contratar nos locais de trabalho.
É elucidativa o confronto com o núcleo sediado em Caminha, constituído apenas por 4 a 5 funcionários, actuando sob a minha direcção e com a minha participação, os quais tinham sido admitidos nos locais de trabalho, apenas com a instrução primária e tinham adquirido, por meu intermédio, preparação nas técnicas que estavam a ser aplicadas.
À acção deste núcleo se ficou devendo a continuidade da exploração nas Minas de Valdarcas, Fervença e Cerdeirinha e a introdução de Union Carbide na Região.
O denominado “Grupo de Trabalho do Tungsténio” actuou, durante anos, sob a orientação do Director-Geral, em áreas de Mogadouro, Tarouca, Freixo de Numão e Lagoaça.

Foi em Cravezes, na região de Mogadouro, que declarou ter descoberto “ um muito promissor jazigo”, a exigir imediata investigação por sondagens, assumindo estas, tal prioridade, que se justificaria, para as efectuar, retirar a sonda que se encontrava a cumprir campanha na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.
Isto acontecia, quando estava projectado o furo N.º 69, que tinha óptimo apoio geológico, geofísico e geoquímico, como realcei anteriormente!
Esta descoberta de Cravezes começou por ser apresentada como um grande sucesso dos “scheeliteiros”, mas a realidade acabou por surgir, com toda a crueza. Os teores de WO3, quer em trabalhos à superfície, quer nas sondagens, eram insignificantes, muito longe de permitirem exploração remuneradora.
Não se estava, de facto, em presença de”jazigo”, mas de simples ocorrência de scheelite em rochas classificadas como calco-silicatadas, que deveria ter sido objecto de cuidadosa análise, por estudos de geologia estrutural, geofísicos e geoquímicos, a fim de serem seleccionados alvos realmente dignos de investigação por sondagens.

Os “sheeeliteiros” pretenderam despertar o interesse da Companhia americana Union Carbide que actuava na Região de Covas.
Todavia, o dirigente desta Companhia, Bobby Glenn Cahoon, falando comigo, a este respeito, comentou que o propagandeado minério de Cravezes tinha teor de WO3 inferior ao do estéril da lavaria que funcionava na Mina de Valdarcas.
Procurou também despertar o interesse da Companhia Billinton, que então se encontrava no País a realizar trabalhos de prospecção, em outras áreas.

Conforme revelei no post Nº 114, o scheeliteiro Luís Viegas, quando se propunha fazer a apresentação da Mina à Billinton, não foi capaz de informar a localização dos furos de sonda que tinham sido efectuados, limitando-se a dizer que se situavam junto a umas oliveiras, que eram as árvores que mais abundavam na região.
Também não pôde mostrar os logs das sondagens, por não terem sido feitos. Não soube indicar onde se encontravam os respectivos testemunhos.
E não existiam relatórios finais dos estudos que realizaram!!!
E eram estes “sábios prospectores” que se propunham tomar conta dos estudos na Região de Vila Nova de Cerveira – Ponte de Lima!! (ver post N.º 114)

É oportuno registar que todas as sondagens efectuadas na Região de Vila Nova de Cerveira - Caninha - Ponte de Lima se encontram pormenorizadas descritas em logs, dos quais consta, para cada uma:
a) No rosto
Coordenadas do furo, no sistema Hayford-Gauss, em relação ao Ponto Central, aproximadas ao centímetro, calculadas através de levantamento topográfico propositadamente efectuado; altitude da origem; direcção inicial; pendor inicial; sonda utilizada; data do início; data da conclusão; diâmetros dos testemunhos; legenda das formações atravessadas; principais resultados.
b) Ao longo de várias colunas do log, à escala de 1:100:
Percentagem de testemunhos; distâncias à origem; orientação do furo (rumo e pendor ao longo do furo); formações atravessadas (representação colorida e descrição pormenorizada); densidades; susceptibilidades magnéticas; análises químicas (WO3, Au e Ag); observações.
Estes logs e perfis geológicos passando pelas sondagens constituem as peças desenhadas N.ºs 146 a 246 do “Relatório circunstanciado”. (ver post N.º 158)

Continua …

domingo, 4 de dezembro de 2011

189 - Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 13

Continuo a comentar documento, com o qual José Goinhas pretendeu contribuir para a elaboração de um novo Plano Mineiro Nacional, destinado a "aumentar a eficácia da nossa indústria mineira, que apresentava preocupante decadência".
Esperava-se que, neste documento, intitulado Prospecção Mineira em Portugal. Áreas potenciais de aplicação de projectos”, tivesse sido feita análise criteriosa da história da indústria mineira nacional, sobretudo desde que o Estado assumiu, em 1939, papel preponderante no inventário e no racional aproveitamento dos nossos recursos minerais.
Esperava-se, também, que Goinhas tivesse extraído ensinamentos, para que a sua contribuição resultasse útil.
Terá, porém, grande desilusão quem verdadeiramente interessado em conhecer a história da prospecção mineira em Portugal, se disponha a consultar este documento.
Já denunciei, nos 10 posts anteriores, muitos dos clamorosos erros de que enferma, não obstante quase só me ter concentrado em temas em que estive directamente envolvido, no desempenho das minhas funções no SFM.
Continuando na minha apreciação, vou denunciar mais algumas graves deficiências.

Goinhas ocupa 45 páginas, isto é, 50% do documento, com mapas e quadros onde repete dados pouco relevantes, reservando limitadíssimo espaço para a informação sobre resultados de estudos, quer do SFM, quer das empresas privadas.
Além disso, esta reduzida informação nem crédito merece, como revelei no post anterior. É expressivo exemplo o facto de estudos bem sucedidos, conduzidos sob a minha supervisão, ou não serem referidos ou serem mencionados de modo muito impreciso.
Mapas plurianuais, com criteriosa selecção da informação útil, cobrindo todo o quinquénio, em vez de mapas anuais, teriam sido muito mais elucidativos.
Os dados contidos nos quadros teriam sido, vantajosamente substituídos por descrições, no texto, concretas e objectivas, embora sucintas, relativamente a cada uma das áreas, onde incidiram estudos, quer do SFM, quer das empresas.
Para se ajuizar da qualidade da informação prestada, pretensamente representativa da prospecção mineira em Portugal, bastará referir, por exemplo, que mencionou, como actividade digna de realce, a abertura de roços para colheita de amostras, em filão aurífero ocorrente na Mina de Latadas (Mirandela) e em aluviões de Arganil.
Para o ridículo ser completo, só ficou faltando que citasse quantos roços foram abertos, qual a sua profundidade e largura, quais os equipamentos utilizados e informasse se a amostragem tinha sido feita por pessoal especializado, para não se incorrer no erro denunciado pelo Geólogo Farinha Ramos, em artigo publicado em Revista da Universidade de Coimbra, a propósito do “denominado” jazigo de Cravezes, em Mogadouro (Ver post N.º 56).
Não referiu resultados de análises e sua implicação na explorabilidade dos jazigos, mas considerou essencial informar que o Laboratório ainda não tinha emitido os respectivos boletins.
Inacreditável é que, tendo estes roços merecido honras de referência, nada tenha sido mencionado sobre mais de cem mil amostras de sedimentos de linhas de água, colhidas, por vezes, em difíceis circunstâncias, na Faixa Metalífera da Beira Litoral (Ver post N.º 29), nem sobre as análises geoquímicas expeditas, efectuadas no Laboratório do SFM instalado em Beja.
Goinhas também ignorou “deliberadamente”, pois foi assunto muito badalado, o criminoso acto do Geólogo Santos Oliveira, quando ocupou o cargo de Director do Laboratório do SFM em S. Mamede de Infesta, ao mandar destruir estas valiosas amostras (muitos milhares de contos, na moeda da época), que tinham sido arquivadas para serem objecto de futuras análises, mais completas, quando o Laboratório de S. Mamede de Infesta passasse a ter rendimento compatível com a suas reais possibilidades.
É digno de registo que tão indigno acto, a adicionar a outros pouco edificantes, não impediu promoção de Santos Oliveira à categoria de Investigador Coordenador!!

Da descrição das actividades no quinquénio deveria, obviamente, constar esclarecimento justificativo do seu generalizado insucesso, em contraste com que acontecera anteriormente, no SFM e nas empresas que conseguiram apropriar-se de áreas valorizadas pelo SFM.
Excluem-se, obviamente, os continuados sucessos, em Neves-Corvo, resultantes de estudos do SFM, anteriores ao quinquénio.

Retomando as fases da prospecção mineira, registo que, da escassa informação contida nos excessivos quadros, e de factos que tive oportunidade de observar directamente, não deduzo que tenha sido respeitado o velho princípio de “aplicar sempre, em primeiro lugar, a técnica menos dispendiosa”.
Não vejo alusões a pequenos trabalhos mineiros, sobretudo sanjas, para investigação de anomalias geofísicas e geoquímicas, interpretáveis como tendo origem superficial.
Noto que, em geral, terá sido dispensada esta fase de simples execução e se terá passado de imediato, à investigação por sondagens, muito mais onerosas e até menos informativas.
E o que aconteceu, nesta fase das sondagens, foi verdadeiramente escandaloso e até criminoso.
No próximo post citarei casos comprovativos desta afirmação.

Continua …