terça-feira, 12 de novembro de 2013

227 – As prática de outorgar concessões mineiras a empresas estrangeiras


        Na análise que tenho vindo a fazer do caso emblemático da Faixa Piritosa Alentejana, relativamente ao uso do “poder em oposição ao saber” afigura-se-me da maior oportunidade investigar os procedimentos da Direcção-Geral-de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG) para concessão de direitos de exploração dos nossos recursos minerais.

        Contam-se, por dezenas, os anos da minha luta para que sejam portugueses os beneficiários dos nossos recursos minerais.
        Com esse firme propósito, cheguei a organizar, no Serviço de Fomento Mineiro (SFM), uma verdadeira Escola de Prospecção Mineira, envolvendo todas as fases até à Exploração.
       
        Não me foi consentido adquirir e transmitir experiência, em exploração, apesar das minhas insistentes propostas, devido à sistemática oposição do Conselho Superior de Minas.
        Este Conselho, durante os 15 anos, em que exerci a chefia do mais importante sector de Trabalhos Mineiros do SFM, impediu-me de passar á exploração parcial de reservas reveladas, invocando disposições do Decreto-lei N.º 29725.

        Impossibilitou-me de fazer da Mina de Aparis, em Barrancos, a Escola que eu pretendia para complemento da formação dos Engenheiros de Minas e dos Agentes Técnicos de Engenharia, pois era notória a deficiente preparação prática dos técnicos, que ingressavam no SFM.
         
        Posteriormente, quando o sector de Trabalhos Mineiros do SFM já tinha entrado em franca decadência, sem possibilidade de concretizar o objectivo almejado, aquele Conselho Superior corrigiu a atitude negativista, que antes adoptara !!!  (Ver post N.º 48)
       
        .Com o mesmo propósito, prestei colaboração às Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, ao Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e ainda à Universidade de Braga, na preparação de alunos e mestrandos dos cursos de Geologia e de Engenharia de Minas, para realizarem campanhas de prospecção mineira, pelos mais modernos métodos.

        Sempre me surpreendera que estrangeiros tivessem direitos iguais aos dos nacionais, para acesso a concessões, visando a exploração dos nossos recursos minerais.
        Mas não encontrava em publicações da DGMSG qualquer diploma que obstasse á intervenção de estrangeiros na exploração desses recursos.

        No desempenho das funções de professor universitário, perante a grande importância da legislação mineira, dediquei a esta matéria, um desenvolvido capítulo, no programa da disciplina de Prospecção Mineira, cuja regência me estava confiada.
        Segui, essencialmente o livro da autoria de J. Paiva Manso Serrano, que era o Secretário Auditor Jurídico da DGMSG.
        Este livro, publicado em 1969, era suposto conter nas suas 577 páginas, todas as disposições legais em vigor, até àquela data, relativas à actividade mineira ou com ela relacionadas.
        Através da consulta que fazia aos Diários do Governo, publicados após 1969, eu ia tomando conhecimento dos novos diplomas legais relativos à indústria mineira.

        Foi através dessa consulta que deparei com um acórdão do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que me causou enorme surpresa.

        Esta acórdão consta do processo N.º 38/71, Livro N.º 60, publicado no Diário do Governo N.º 44 – II Série de 22-de Fevereiro de 1972 (páginas 1034 a 1038).

        Dele transcrevo as seguintes passagens:      
       
"É aplicável às concessões mineiras o regime estatuído na  Lei N.º 1994 de 13 de Abril de 1943,
e no capítulo IV (artigos 21.º e seguintes) do  Decreto-lei N.º 46 312 de de 28 de Abril de 1905,
        segundo o qual:
     É vedado outorgar a empresas estrangeiras concessões para a exploração de jazigos ou depósitos de jazigos minerais,  
a não ser que exista resolução de Conselho de Ministros, nos termos e para os efeitos  do § 1.º do artigo 21.º daquele Decreto-lei, a qual só pode ser dada para o sector.”
        ….
        “Dispõe-se no capítulo IV do Decreto-lei Nº 46 312 de 28 de Abril de 1965:
        Art.º 21: Só a empresas nacionais é permitido fundar, adquirir, possuir ou explorar, em conformidade com o que vier a ser determinado em diploma regulamentar, estabelecimentos destinados à gestão ou exercício de:
a)   serviços públicos ou bens de domínio público;
b)   actividades que interessem fundamentalmente à defesa do Estado. “
        …
        “Na verdade, a exploração e gestão de bens dominiais estão de tal modo ligadas ao interesse público e à economia nacional, que nem se compreende quanto teria de melindroso permitir o livre acesso de estrangeiros a esse sector, razão por que logo a própria Constituição da República estatui, através do seu artigo 59.º:
        São considerados de interesse colectivo e sujeitos a regime especial, no tocante aos seus direitos e deveres, nacionalidade, corpos gerentes, pessoal e intervenção ou fiscalização do Estado, conforme as necessidades de defesa nacional, da segurança pública e do desenvolvimento económico e social, as empresas concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de exploração de coisas do domínio público do Estado, as sociedades de economia mista e de economia pública, as empresas de exclusivo ou de privilégio não concedido em lei geral e ainda todas as empresas que que exerçam qualquer actividade considerada, por lei, de interesse nacional.”
        …
       E, mais adiante, regista a seguinte censura à DGMSG:
        “O facto de. como informa o Conselho Superior de Minas e Serviços Geológicos, a publicação da Lei N.º 1994  não ter originado quaisquer embaraços ao andamento dos processos em que se verificava a intervenção de empresas estrangeiras, não tem qualquer relevância, não servindo para justificar a derrogação do regime decorrente das disposições legais acabadas de referir, uma vez que traduz prática estabelecida à margem da lei.”

        Era óbvio que o livro da autoria do jurista J. Manso Serrano, omitia deliberadamente tão importantes Decretos, para não denunciar mais algumas flagrantes irregularidades cometidas pela DGMSG.
       
        O Conselho Superior de Minas, nos pareceres que lhe eram solicitados, não devia ignorar aqueles Decretos nem as disposições da Constituição da República de 1933 alusivas aos bens dominiais do País!.
        De facto, dentre as funções definidas no Decreto-lei N.º 38 756 de 16 de Maio de 1952 é de destacar a seguinte passagem:
        “Compete-lhe também emitir parecer fundamentado sobre os assuntos ou processos que lhe forem submetidos e se refiram a minas, pedreiras, hidrologia, geologia aplicada e pessoal dos respectivos serviços, podendo propor ao Governo as medidas que julgar úteis para o  aperfeiçoamento ou desenvolvimento das indústrias e dos serviços respectivos, sob os pontos de vista técnico, económico e social.
        Se o Conselho Superior de Minas não encontrava embaraços à atribuição de concessões mineiras a estrangeiros, os seus pareceres não podiam considerar-se bem fundamentados, como constatou o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República.
                                                                                                                                                                                       Na ignorância dos Decretos citados neste Acórdão, não os pude invocar, para fortalecer a minha luta no sentido de serem portugueses os beneficiários dos seus recursos minerais.

        Mas o Director-Geral de Minas, Soares Carneiro, com total desprezo pelo Acórdão, continuou, impunemente, a celebrar contratos visando a atribuição de direitos de exploração dessas riquezas (não renováveis), a empresas estrangeiras.

        Disso me ocuparei nos próximos posts.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

226 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Concessões a estrangeiros. Continuação 17.


        A Faixa Piritosa Alentejana é uma das zonas do País mais representativas da inconsciência com que têm sido alienados alguns dos nossos mais valiosos recursos naturais, em prol de países ricos, praticamente a troco de … nada!

        Tenho vindo a revelar as minhas diligências, ao longo de dezenas de anos, no sentido de passarem a ser portugueses os principais beneficiários dessa nossa riqueza.

        Referi a minha estupefacção perante a naturalidade com que uma Empresa belga, há décadas radicada em Portugal, a extrair minério, que exporta em bruto, ousou reivindicar o direito à exploração de concentração piritosa descoberta pelo SFM.

        Essa Empresa, tão habituada estava a obter direitos, em áreas vizinhas das suas concessões mineiras, apenas com a obrigação, nem sempre satisfatoriamente cumprida, de relatar os trabalhos nelas efectuados e respectivos resultados, que estranhava não lhe ter sido automaticamente outorgada nova concessão, abrangendo a jazida mineral detectada pelo SFM.

        O recado de Costa Almeida era demonstrativo de que o Director-Geral Soares Carneiro não repudiara, por insultuosa, a declaração de eu ter informado as Minas de Aljustrel do seu direito à exploração, de qualquer jazigo que viesse a ser descoberto no interior de um círculo com raio de 5 km, centrado naquelas Minas.

        Considerei deveras lamentável a “amnésia” que afectou, simultaneamente, diversos funcionários que, pouco tempo antes, tinham sido convocados a emitir parecer, acerca do requerimento de “Minas d’Aljustrel S. A” para lhe serem outorgadas duas concessões mineiras, para exploração da concentração de pirite evidenciada na Serra dos Feitais, através de sondagens baseadas em levantamento gravimétrico empreendido pela Lea Cross Geophysical Company, de Inglaterra.

        Quando foi solicitado o meu parecer, já o Director do SFM, Múrias de Queiroz, tinha prestado informação favorável ao deferimento da pretensão de “Minas d’Aljustrel, S.A.”
        Todavia, eu fui abertamente contrário à outorga de duas concessões, porquanto uma superfície de 50 hectares, normal numa concessão mineira, cobria perfeitamente a zona onde tinha sido feita a descoberta.
        Em reunião, posteriormente realizada, em Lisboa, com presença do Chefe da Circunscrição Mineira do Sul, Engenheiro Guilherme de Castro Leandro e de um representante da concessionária, foi efectuada a demarcação de uma única concessão mineira, com a configuração adequada, para permitir o acesso através da Mina de Algares, que a empresa pretendia, para a exploração da recém-descoberta concentração piritosa.
        Curiosa a rectificação que o Director do SFM entendeu fazer à sua informação inicial. Deu parecer favorável, tanto a uma como a duas concessões!!!

        É óbvio que, tendo sido eu o único técnico da DGMSG a emitir parecer restritivo desta natureza, não iria ter a magnanimidade invocada por “Minas d’Aljustrel S.A.”.

        Ignoro qual seria a intenção de Soares Carneiro relativamente a esta reclamação, mas surpreendeu-me o seu desagrado com a minha informação, a ponto de nem ter dado a entrada, que era obrigatória, ao documento esclarecedor, de 25 páginas dactilografadas, que lhe enviei directamente.
       
        Perante a minha informação, seria comprometedor, para Soares Carneiro, atender a reclamação de Minas de Aljustrel.
        Ele não se atrevera a adoptar para comigo o procedimento habitual com Costa Almeida, a quem mandava alterar as informações que lhe solicitava, quando elas não eram do teor que lhe convinha.

        As minhas relações pessoais com todas as Direcções Técnicas e Administrativas que, ao longo dos anos, foram passando pelas Minas de Aljustrel, nunca foram prejudicadas pelo facto de se tratar de empresa estrangeira.
         
        A infracção ao disposto nas leis que impediam estrangeiros de explorar os nossos recursos minerais, por serem classificados como “bens dominiais” era, obviamente, da exclusiva responsabilidade dos serviços oficiais, que terão encontrado justificação para contornar as leis.
       
        É justo, até, reconhecer que as boas relações que mantive com todas as entidades estrangeiras (empresas ou simples individualidades), com as quais estabeleci contactos de ordem profissional, foram extremamente úteis à minha preparação técnica.
        De facto, nunca eu tendo beneficiado de estágios em centros especializados estrangeiros, para meu aperfeiçoamento profissional, como aconteceu com muitos Engenheiros e com Geólogos do SFM, foi mercê dos contactos acima referidos e da minha permanente consulta de Revistas e livros que requisitava, que fui conseguindo introduzir, na actividade do SFM, as mais modernas técnicas de prospecção.
       
        Mas Jacques Louis não conseguiu dominar os seus impulsos. Mostrou-se verdadeiramente agastado, por ter sido indeferida a sua pretensão, sabendo ter sido eu o responsável por tal resolução.
       
        Não reparando que estava em Portugal e não numa colónia belga africana, foi ao ponto de dificultar uma visita de estudo, que eu pretendia fazer, aos trabalhos subterrâneos das Minas de Aljustrel, acompanhado de alunos finalistas do Curso de Geologia, em cumprimento do programa da disciplina de Prospecção Mineira, de cuja regência estava encarregado, como Professor Convidado da Universidade do Porto.

        Eu tinha-lhe dirigido ofício, com ampla antecedência, a preparar a visita, que se enquadrava em vasto programa, que incluía visitas a várias outras Minas do Alentejo e a locais cujo especial interesse geológico-mineiro tinha sido evidenciado pelos estudos do SFM.
       
        Quando chegou a data prevista para essa visita, Jacques Louis, não tinha ainda respondido ao meu ofício.
        Justificou tão insólito facto, com a sua prolongada ausência, e sugeriu o adiamento, por também se encontrar ausente o Engenheiro indicado para nos acompanhar.
        Expliquei-lhe que o meu conhecimento das Minas provém das frequentes visitas que a elas fiz, desde data muito anterior ao seu ingresso como Administrador.
        Declarei saber bem o que pretendia mostrar aos meus alunos, quer quanto ao enquadramento geológico do jazigo e às características do minério, quer quanto aos trabalhos efectuados e em curso para sua exploração.
        Apenas precisava do acompanhamento de um capataz ou outra pessoa responsável, não só para não sermos considerados intrusos, mas também por questões de segurança, perante a natureza dos trabalhos em curso.

        Não pude deixar de considerar muito arrogante a pouca receptividade que lhe mereceu a minha sugestão, até porque era a primeira vez que acontecia uma atitude pouco simpática da parte de um dirigente das Minas de Aljustrel.

        De facto, a empresa só tinha que estar imensamente agradecida pela valiosíssima colaboração que lhe foi prestada pelo SFM, quase gratuitamente, a qual se traduziu na descoberta da massa de Carrasco – Moinho, descoberta que relegou para um plano muito secundário as reservas antes conhecidas em S. João do Deserto e em Algares.

        Jacques Louis ou desconhecia isto ou achava natural que os serviços do Estado Português actuassem em benefício de potência estrangeira, de modo tão generoso.
        De facto, a compensação que tinha sido exigida a Minas de Aljustrel pelo acréscimo de reservas revelado pelo SFM foi simplesmente ridícula, devido à defeituosa interpretação que os “dirigentes de papel selado”, sediados em Lisboa, fizeram do disposto no artigo 5.º do Decreto-lei N.º 29 725 de 28 de Junho de 1939.
        As recompensas exigíveis devem relacionar-se com o real valor das descobertas e não com as despesas efectuadas para a elas chegar.
        É este o racional procedimento em actividades de elevadíssimo risco, como é o caso da prospecção mineira.

        Embora relutantemente, Jacques Louis acabou por concordar com a minha sugestão., indigitando para nos acompanhar, o Senhor Luta, Agente Técnico de Engenharia, que teria sido recentemente admitido ao serviço da Empresa, uma vez que eu nunca tinha ouvido falar dele.
        Dirigi-me, com os alunos, para o local combinado para o encontro e lá aguardamos a chegada de Luta.     Nesse local, estavam já duas pessoas, uma das quais se nos apresentou como sendo o Capataz Zacarias.
        Reparando no companheiro, logo o identifiquei como um antigo trabalhador do SFM, quando, cerca de 30 anos antes, dirigi as campanhas de prospecção nas regiões de Aljustrel e de Castro Verde – Almodôvar.
        Perguntei-lhe se se chamava Camacho e se era filho de um capataz da Mina de S. João do Deserto. Respondeu afirmativamente e reagiu muito afectuosamente, dando-me grande abraço.
        O ambiente, que começara sombrio, logo se desanuviou, facilitando a visita que se efectuou, quando Luta apareceu.
        Luta limitou-se a acompanhar-nos, tendo eu cumprido o programa de ensino aos alunos, tal como tinha planeado.
       

        Continua …