segunda-feira, 30 de março de 2009

57 – A vaca, a gasolina e os corredores dos edifícios do SFM

Houve quem passando perto do edifício principal do SFM estranhasse a presença frequente de um funcionário à janela absorvido em contemplação da paisagem exterior.
Maior estranheza manifestou quando soube que esse funcionário era …o Director.

Estava o Director, numa dessas atitudes contemplativas, quando entra no seu gabinete o Agente Técnico de Engenharia ABDC e lhe expõe uma situação delicada que tinha herdado. Tratava-se de um caso de silicose diagnosticada a um operário da sua equipa que transitara de uma extinta Secção do SFM.

O Director, concentrado como estava na sua contemplação, pouca atenção dava à exposição de ABDC. Em dado momento, a demonstrar o seu apurado espírito de observação, declara: “Aquela vaca passa aqui, todos os dias à mesma hora”. Esta atitude só não deixou ABDC perplexo, porque já se habituara a observações do género!

Em outra ocasião, expunha ABDC um caso a resolver e o Director mantinha-se bastante alheio à matéria em causa, tão absorvido se encontrava a observar a extensa fila de automóveis que aguardava a vez para encher os seus depósitos de gasolina, em posto de abastecimento situado na Via Norte, em período de grande carência deste combustível. Aparentemente encantado, exclamou, com veemência: “Acabou-se a gasolina!”. Por esta não esperava ABDC, conforme me declarou, desabafando comigo, como era seu hábito.

Outro caso que bem define o Director que tive que suportar durante 15 anos passou-se comigo.
O Director entra no meu gabinete para pedir que lhe ceda um dos dois Agentes Técnicos afectados, no Norte, ao Serviço de Prospecção sob minha chefia, para dar apoio em matéria de topografia a outro departamento do SFM.
Estranhei o pedido, pois sempre considerei fundamental que em todos os departamentos técnicos existisse pessoal habilitado a fazer topografia. No Alentejo, eu tinha preparado muitos funcionários, vários deles apenas com a 4.ª classe de Instrução Primária a desempenhar-se, não só dos trabalhos de campo, como do cálculo das cadernetas e da implantação dos resultados em mapas finais. Só não ensinei cálculos de triangulações, por envolverem uso, em larga escala, de funções trigonométricas.
Nas minhas funções docentes na Faculdade de Ciências do Porto, cheguei até a proporcionar instrução nesta matéria a vários Geólogos do SFM, em trabalhos, tanto no campo como no gabinete, para não ficarem na dependência do trabalho de Agentes Técnicos de Engenharia, cuja qualidade era, por vezes, discutível.
Dado que para as imensas tarefas a resolver no Norte do País, além de Geólogos envolvidos em cartografia para os Serviços Geológicos e em estudos de testemunhos de sondagens, apenas dispunha de dois Agentes Técnicos de Engenharia de modesta qualidade, reagi dizendo que o técnico no qual se mostrara interessado, tinha trabalho distribuído que o absorvia completamente.
Reagiu prontamente o Director: “Eu vejo-o sempre a passear pelos corredores!” Surpreendido, disse apenas: “Eu não sabia disso, porque não frequento assiduamente esses corredores!”

Outros casos irei revelar, a propósito de variados temas, que contribuem para bem definir um Director que conseguiu permanecer no cargo durante década e meia!

domingo, 29 de março de 2009

56 – Os “Scheeliteiros”

O Director-Geral de Minas, assumindo-se progressivamente como dirigente do SFM, tinha ideias peculiares sobre os minérios que deveriam ser procurados no território metropolitano português.
Tendo exercido o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, durante vários anos, e tendo, por esse facto, tido frequente contacto com as Minas do Norte e do Centro do País, era de esperar que se tivesse apercebido de potencialidades que estavam longe de ter sido aproveitadas.
Não foi, porém, esse o caso.
A opinião que se gerou no seu espírito foi essencialmente de carácter negativo.

Relativamente ao tungsténio, não mostrava empenho em que fosse efectuada uma prospecção sistemática, com vista à definição das reais existências dos seus minérios, apesar de, durante os primeiros anos em que desempenhou funções na DGMSG, ter ocorrido a chamada “febre do ouro negro”, que fez afluir a Portugal, durante a 2.ª Guerra Mundial, empresas alemãs e inglesas, para explorarem volframite (essencial para as suas indústrias de guerra), em filões, em que o Norte e o Centro do País se revelavam pródigos.

Demonstrara, porém, algum optimismo relativamente às Minas de Covas, em Vila Nova de Cerveira, nas quais decorria uma modesta exploração, sob a orientação técnica de um prestigiado Professor da Faculdade de Engenharia, seu amigo pessoal. Para elas, dera instruções no sentido de o SFM prestar colaboração, usando as técnicas que eu tinha conseguido instituir no Sul do País.
O tungsténio, nestas minas, ocorria sob a forma de volframite (tungstato de ferro e manganés), ferberite (tungstato de ferro) e scheelite (tungstato de cálcio), em associação com pirrotite, mineral que pelas suas propriedades magnéticas podia ser detectado pelo método magnético de prospecção.

Já no final da década de 50, tinha sido efectuado, pela Brigada de Prospecção Geofísica, um primeiro levantamento magnético, cobrindo as principais concessões onde aflorava a formação mineralizada. Foram então registadas diversas anomalias, algumas das quais sugestivas de corresponderem a concentrações de pirrotite, que poderiam justificar exploração, se a elas estivesse associada mineralização tungstífera.

Todavia, estas anomalias não puderam ser imediatamente investigadas por trabalhos mineiros ou sondagens, por se ter verificado grande discrepância entre a topografia e a correspondente implantação dos resultados da prospecção

Houve que repetir todo o trabalho, com os cuidados aconselháveis em zona com relevo acidentado.

Após um estudo geológico rudimentar, de que se encarregou Geólogo com experiência já comprovada, sobre a zona das principais anomalias registadas na concessão Fervença, na confluência da Ribeira de Arga com o Rio Coura, realizaram-se sondagens.
Os resultados foram francamente positivos.
Encontrou-se abundante mineralização de volframite, ferberite e scheelite em associação com pirrotite.
A empresa concessionária logo passou à sua exploração.

Este foi o início de uma campanha de prospecção orientada sobretudo para a detecção de minérios de tungsténio, numa vasta área dos concelhos de Vila Nova de Cerveira, Caminha e Ponte de Lima, cujas condições geológicas foram consideradas favoráveis para a ocorrências de tais minérios.

A esta campanha me irei referir, em posts futuros, pois ela decorreu de modo atormentado, revelador de um espírito anti-fomento que passou a caracterizar o SFM após a Revolução de Abril de 1974.

Por agora, quero apenas assinalar que o Director-Geral, tendo tomado conhecimento de que um dos principais minerais detectados em Covas era a scheelite, que tem uma coloração esbranquiçada e pode facilmente confundir-se com minerais estéreis e apercebendo-se de que este mineral se torna fluorescente com uma cor azulada, quando sobre ele se faz incidir radiação ultravioleta de determinado comprimento de onda, logo congeminou que poderia ele-próprio ser autor de importantes descobertas, mediante uso de aparelho produtor dessas radiações.

Eu tinha já começado a compilar documentação para ataque do problema do tungsténio do Norte e Centro do País, dentro das funções que me estavam atribuídas.

O Director-Geral, porém, não teve pejo em quebrar a disciplina interna do SFM e decidiu invadir as funções que me estavam atribuídas. Pretendia ficar na história como autor da descoberta dos grandes jazigos que ele já ousava designar de “Torres dos Clérigos”, os quais se manteriam ocultos por terem passado desapercebidos devido à semelhança que, à simples observação visual macroscópica, a scheelite manifestava com outros minerais destituídos de valor comercial.

Afectou vários Geólogos, de recente formatura, portanto sem experiência em prospecção mineira, para a campanha de investigação das existências de scheelite, sob a sua directa dependência, cognominando-os simpaticamente de “scheeliteiros”

Esses Geólogos lograram descobrir, na região de Mogadouro, em rochas que denominaram de calcosilicatadas, bons indícios de mineralização de scheelite e logo “embandeiraram em arco”.

Durante alguns anos, foi muito propagandeado um jazigo denominado de Cravezes, onde foram efectuados trabalhos mineiros e sondagens.

Em artigo publicado no N.º 82 de “Memórias e Notícias” da Universidade de Coimbra, um desses Geólogos dá notícia desta ocorrência de Cravezes.
Em capítulo sob o título “Breve referência sobre os aspectos económicos do jazigo”, escreve o seu autor:
“O estudo do jazigo scheelítico de Cravezes encontra-se ainda numa fase inicial. Fizeram-se 14 sanjas com a finalidade de obter uma amostragem das rochas, onde foram determinados sistematicamente os teores de WO3, Sn, Pb e Ag”.
“A amostragem foi praticada, na sua maior parte, na zona alterada das rochas e foi executada por pessoal não especializado, pelo que os resultados podem estar sujeitos a uma certa rectificação”

Dois factos me surpreenderam nesta publicação.
O primeiro foi a inacreditável declaração do Geólogo responsável pelo estudo, de duvidar da correcta execução da amostragem efectuada. A amostragem é uma operação fundamental sendo a sua execução da competência do Geólogo ou de pessoa agindo sob sua directa orientação.
O segundo foi que tivesse sido aceite para publicação artigo respeitante a fase tão inicial de estudo de uma ocorrência de scheelite e com tal declaração de incompetência.

Tenho conhecimento de terem sido realizadas sondagens para investigação em profundidade desta ocorrência. Ignoro se foram publicados novos artigos sobre o tema e grau de confiança que essas sondagens merecem, sobretudo no que respeita a recuperação de testemunhos.
Constou-me que, quando O SFM começou a organizar uma “caroteca”, em novo edifício, construído na sua sede em de S. Mamede de Infesta, não foram encontrados os testemunhos destas sondagens.

Sei que se procurou interessar neste “jazigo de Cravezes” a Companhia americana Union Carbide, que cumpria contratos de prospecção com concessionários e com o Estado, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha. Em conversa que tive com o Geólogo americano responsável pelo cumprimento destes contratos, soube que Cravezes não lhe despertou o mínimo interesse, porquanto os seus teores de WO3 eram inferiores aos do estéril das minas que estavam em exploração na zona que estava a investigar.

Os estudos em outras áreas não pareciam mais felizes. As tais “Torres dos Clérigos” tardavam em aparecer!

Em 22-2-1972, o Director-Geral convocou os “scheeliteiros” para prestarem informações sobre os trabalhos que tinham em curso. Como eu continuava a dirigir estudos na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, essencialmente com vista à descoberta de concentrações tungstíferas, fui também convocado.
O Director-Geral, depois de ouvir os “scheeliteiros”, quis então ouvir-me. Comecei por lhe chamar a atenção para o facto de o SFM ter uma “Orgânica”, segundo a qual me fora atribuída a chefia de um departamento que tinha a seu cargo os estudos geológicos e os trabalhos de prospecção mineira, em todo o território metropolitano nacional.
O facto de ter colocado o programa de investigação das existências de scheelite, na sua dependência directa, representava uma invasão das minhas atribuições e um acto de indisciplina que não contribuía para o normal funcionamento do SFM.
Permiti-me chamar-lhe ainda a atenção para a distracção que isso representava das importantes funções que tinha a seu cargo, prejudicando o seu cabal cumprimento.
Redarguiu o Director-Geral que eu poderia ter muita razão, mas o Secretário de Estado tinha mostrado urgência nesta matéria e ele entendera que devia dela encarregar-se directamente para corresponder ao seu apelo. Não encontrou reacção menos “esfarrapada”. O Secretário de Estado provavelmente nem saberia o que é a scheelite!

Em reunião da Comissão de Fomento de 10-7-1973, o Director-Geral começara já reconhecer o que classificou de “falhanço” desse programa de prospecção de scheeelites em que tanto se tinha empenhado.

sábado, 21 de março de 2009

55 – A conferência do Director – Geral sobre pirites em 23-5-1969

Ao conhecimento do Director-Geral chegou publicação do Instituto Bartelli, que abordava o tema da pirite, como minério de enxofre, num âmbito global.
Entusiasmado com o que leu, quis aproveitar os dados que lá encontrou, para demonstrar, perante um membro do Governo e alguns dos seus assessores, a posição privilegiada de Portugal nesta matéria e o futuro risonho que era de prever para as concentrações minerais que tinham sido descobertas com a valiosa intervenção da Direcção-Geral de Minas, através do seu Serviço de Fomento Mineiro.

Para esse fim, solicitou a presença do Engenheiro Rogério Martins (Secretário de Estado da Indústria), Engenheiro João Salgueiro (Sub-Secretário de Estado do Planeamento Económico), Dr. Cardoso Torres, Dr. Magalhães Mota e dois técnicos de produtividade do Instituto Nacional da Indústria, para estarem presentes em reunião restrita da Comissão de Fomento, onde se propunha fazer a sua exposição sobre o tema.
Da parte da DGMSG, convocou os Inspectores Superiores, o Director do SFM, o seu Adjunto conhecido por Ajax e os Chefes dos 1.º e 4.º Serviços do SFM.

Na véspera da reunião, após ter desabafado que convocara também o Director do SFM, esperando porém que ele se mantivesse calado, ensaiou, perante mim, a exposição que iria fazer e perguntou-me, quando a concluiu, qual a minha opinião.

Honestamente, refreei o seu entusiasmo, fazendo-lhe ver que a pirite como minério de enxofre, sem os outros minerais que a costumam acompanhar, é uma matéria-prima muito frequente e que a vantajosa posição de Portugal se devia à proximidade dos mercados, visto que sendo produto barato não suportava grandes despesas de transporte.

O Director-Geral não gostou desta resposta e reagiu dizendo que eu poderia saber muito de prospecção, mas da matéria da exposição ele sabia muito mais!

A reunião iniciou-se pelas 10 horas e 30 minutos de 23 de Maio de 1969, com todas as presenças previstas, mas não teve o sucesso que o Director-Geral desejava.

O Engenheiro Rogério Martins nem o deixou terminar. Já cansado da sua longa exposição acompanhada de projecções para o futuro, teve esta expressão: “E se ouvíssemos agora o Engenheiro Rocha Gomes sobre a prospecção na Faixa Piritosa Alentejana?”

Eu tive, então, oportunidade de explicar o que já tinha sido realizado, a actividade em curso e o que estava projectado.

Quanto ao Director do SFM, cumpriu o que o Director-Geral dele esperava.

Poucos anos após esta reunião, aconteceu que a pirite, como minério de enxofre, deixou de ter valor comercial. Passou a ser considerada como ganga, dado que se tornou possível obter enxofre, a partir de outras fontes, em condições muito mais económicas. O minério piritoso voltou a ser valorizado pelo seu conteúdo de cobre, zinco, chumbo e outros metais minoritários, tais como ouro, prata.

sexta-feira, 20 de março de 2009

54 - A radiestesia em prospecção mineira

Quando ingressei no SFM, em 1943, o Director, como bom conversador que era, gostava de reunir à hora de saída, o pessoal técnico, à volta da sua secretária, para amena cavaqueira.
Eu não apreciava o estilo, e não me apercebi que essa era a maneira de ele conhecer as pessoas com as quais trabalhava ou iria trabalhar.
Em algumas dessas sessões, estranhei um certo entusiasmo pela radiestesia.
Parecia acreditar nas virtualidades desta técnica esotérica, sem base científica e exibia, perante os três estagiários recém-contratados, entre os quais eu me incluía, um pequeno pêndulo, com o qual dizia localizar concentrações minerais, através de radiações a que seria sensível, sem necessidade sequer de se deslocar ao campo.
Bastava um simples mapa onde se pretendesse localizar os jazigos minerais! O uso deste pêndulo obedecia a regras contidas em livro francês da autoria do Abbé Moreaux.
Recordo-me deste livro ser prefaciado por técnico com responsabilidades que escreveu: “Vous cherchez la verité”. Isto servia-lhe de propaganda.
As potencialidades atribuídas ao pêndulo eram tais, que até era possível adivinhar o sexo de pessoas representadas em fotografias. Viradas com os rostos para baixo, o pêndulo passando sobre elas dava indicações sobre o seu sexo.

Os meus colegas, fosse por acreditarem também ou apenas para se mostrarem simpáticos, colaboravam activamente nas demonstrações. Eu não podia, obviamente seguir o seu exemplo, e corri o risco de me tornar desagradável.

Perante a minha descrença, o Director fez experiência que lhe saiu mal, sendo certo que, no respeitante à determinação do sexo, tinha 50% de probabilidades de acertar.

Felizmente que esta crença não se traduziu em qualquer actividade no terreno. Como até já tive ocasião de dizer, foi ele o primeiro Director do SFM, e o grande dinamizador deste Organismo, introduzindo desde a sua criação, as técnicas geofísicas mais avançadas, nesse tempo.

Um dos colegas a que me referi foi, em 1964, investido no cargo de Director do SFM, em circunstâncias que descrevi no post N.º 25.

Alguns anos mais tarde, tomei conhecimento de terem aparecido no mercado calculadoras electrónicas que forneciam rapidamente logaritmos, funções trigonométricas, etc.

Uma vez que eu aplicava muito do meu tempo em cálculos de gabinete resultantes de trabalhos de topografia, tinha frequente necessidade de usar quer tábuas de logaritmos de 7 decimais, quer tábuas das funções trigonométricas.

Perante a possibilidade que se me oferecia de melhor aproveitar o meu tempo, sem hipótese de cometer os erros que eram fáceis de acontecer na passagem dos valores das tabelas, requisitei uma das primeiras calculadoras que surgiram no mercado.

O Director, que tinha acreditado nas potencialidades do pêndulo, nunca deu andamento à minha requisição, com a alegação de que não acreditava ser possível existirem tais prodígios.

Só mais tarde, quando os preços se tornaram acessíveis, comprei para meu uso pessoal uma destas calculadoras, que muito facilitaram sobretudo o controlo das piquetagens, pela aplicação de Pothenots ou simples triangulações.

quarta-feira, 18 de março de 2009

53 – Armazém do SFM para testemunhos de sondagens realizadas no Sul do País

Em 1969, começou a surgir, com bastante acuidade, no Sul do País, o problema de armazenamento, em boas condições de conservação e de fácil consulta, dos testemunhos das sondagens executadas e a executar pelo SFM.

Havia, além disso, sondagens efectuadas por empresas privadas, em cumprimento de contratos com o Estado.
Estas empresas, após o termo dos seus contratos, sem resultados positivos quanto a descobertas de jazigos minerais, não se mostravam interessadas na manutenção dos respectivos testemunhos e, nalguns casos, havia cláusula contratual obrigando à entrega deste material de estudo.

Já havia, testemunhos dispersos por diversos locais (Portel, Beja, Moura, Mina de S. Domingos), em precárias condições.

Em 20-6-1969, em reunião com o Director-Geral, na qual esteve presente o Secretário Auditor Jurídico, fiz proposta no sentido de ser adquirido terreno em Beja, para construção de um armazém onde pudessem ser devidamente acondicionados todos esses testemunhos.

A minha proposta teve total receptividade.

Encarreguei a 1.ª Brigada de Prospecção de fazer as diligências necessárias para encontrar terreno nas proximidades de Beja que reunisse as condições adequadas ao fim em vista.

Essas diligências foram coroadas de pleno êxito. Foi encontrado um terreno no Penedo Gordo, a poucos quilómetros de Beja, com a superfície de 15 942 m2 que confinava, de um lado com a estrada nacional Beja – Faro e do outro com estrada para a estação de caminho de ferro, que lhe ficava próxima.

Para este terreno, que estava à venda por preço muito acessível, a Câmara Municipal de Beja, apenas impunha a condição de as edificações respeitarem a distância mínima de 15 metros aos eixos das vias e aos limites da propriedade.

Era minha intenção mandar construir, inicialmente, um módulo que albergasse os testemunhos já existentes e construir novos módulos, â medida que se tornassem necessários, em resultado da evolução dos trabalhos de reconhecimento em curso.

Havia que construir habitação para um fiel do armazém. Assim se daria início a uma série de outras construções, para as quais seriam transferidos os escritórios, as estantes com as amostras de rochas e minérios das áreas onde já tinham incidido os estudos do SFM no Sul do País e o Laboratório de Geoquímica, existentes na Rua D. Frei Amador Arrais.

Já tinha até contactado o Arquitecto António Linhares de Oliveira, autor do projecto das instalações do SFM em S. Mamede de Infesta inauguradas em Agosto de 1964 (V. Post N.º 21), que se prontificou a elaborar o projecto destas construções.

Tendo informado o Director-Geral, em posterior reunião da Comissão de Fomento, da solução que se encontrara para este problema, foi com grande surpresa que ouvi que afinal não era possível a aquisição do terreno do Penedo Gordo! Nem sequer se chegou a apresentar o caso ao Ministério das Finanças.

O problema manteve-se, pois, sem solução racional, durante a minha chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, tendo-se corrido sério risco de destruição de muito material valioso.

segunda-feira, 16 de março de 2009

52 - Os estudos do SFM nas Faixas Carboníferas do Douro e de Ourém

O SFM iniciou estudos na Faixa Carbonífera do Douro, logo após a sua criação em 1939, dando continuidade a anteriores trabalhos do Instituto Português dos Combustíveis

Quando, em Agosto de 1943, ingressei no SFM, ainda como estagiário, encontrava-se em cumprimento uma campanha de sondagens, nas zonas de Gens, Midões e Covelo.
Durante o meu estágio nestas zonas, colaborei nos estudos em curso, sobretudo em trabalhos de topografia, adquirindo alguma preparação na técnica das sondagens que estavam a cargo da empresa belga Foraky.
As sondagens prosseguiam, quando, em Maio de 1944, já com a categoria de Engenheiro, fui nomeado para chefiar a Brigada de Prospecção Eléctrica, que iria efectuar a investigação pelo método electromagnético Turam, da Faixa Piritosa Alentejana.

Vinte anos depois, ficou a meu cargo o Serviço de Prospecção do SFM, extensivo a todo o território continental.
Ainda com poucos dias de presença na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, o Director, a propósito de ordem emanada da Secretaria de Estado da Indústria, para apresentar um “Plano para os Carvões” desabafou com esta frase que me deixou estupefacto: “Eu sei lá o que vou apresentar!”

Eu estava, então, longe de suspeitar do estado em que se encontravam as investigações feitas nas bacias carboníferas do Douro e de Ourém...

A situação que se me deparou causou-me enorme surpresa. Havia por estudar 40 sondagens longas que tinham sido efectuadas na Faixa Carbonífera do Douro e número semelhante na bacia carbonífera de Ourém.
Além disso, nem sequer estava feita a sua implantação em mapas geológicos.
A agravar a situação, decorriam sondagens na zona de Ourém, para investigar o prolongamento em profundidade de camadas de carvão de espessuras exíguas, sem hipótese de viabilidade de exploração económica, não fazendo, consequentemente, sentido, manter em curso tal projecto.

Encarreguei, então, um dos dois Agentes Técnicos de Engenharia, afectados ao Serviço de Prospecção Mineira, de fazer a implantação em cartas geológicas, das sondagens e sanjas que tinham sido efectuadas na Faixa Carbonífera do Douro, anteriormente à minha chefia do Serviço de Prospecção.
Não tive oportunidade de controlar o rigor deste trabalho, mas acredito que tenha sido aceitável. Apenas comento a lentidão da sua execução.

Fez ainda, a implantação em desenhos (perfis geológicos longitudinais e transversais) dos elementos das sondagens efectuadas na Bacia Carbonífera do Douro, as quais estavam a ser estudadas pelo Geólogo a cujo cargo estivera o projecto de investigação desta Bacia.

Ao Geólogo competiria elaborar estes perfis, que iriam constituir a base para cálculo e identificação das reservas evidenciadas, para a planificação da futura exploração.
Mas o Geólogo, não só recusou fazer tal trabalho, como desvalorizou tudo quanto o Agente Técnico de Engenharia havia feito por ele.

Perante o ambiente que vigorava na sede do SFM, estimulado pelo Director e dado tratar-se de um dos funcionários mais antigos do SFM não me era possível impor a metodologia normal.
Nesta matéria, prestou, portanto, valiosa contribuição, o referido Agente Técnico de Engenharia.

Quando ficaram concluídos os desenhos, entreguei, ao Geólogo, volumoso rolo em papel cenográfico que os continha para dele fazer adequado uso, apesar da sua relutância em o receber.
Registo a escassa ou nula representação por testemunhos inteiros das zonas onde se admitiu ter sido atravessado o carvão. Por outro lado, não tinha havido o cuidado elementar de controlar devidamente as trajectórias dos furos.

Eu tinha dado instruções ao Geólogo no sentido de apresentar relatório sintetizando toda a actividade realizada na Faixa Carbonífera do Douro, para se poderem planificar as acções futuras.
Tal relatório teria obviamente que conter peças desenhadas, entre as quais os perfis longitudinais e transversais seriam fundamentais.

O relatório, que recebi, em Agosto de 1968, sem as peças desenhadas a que aludi, foi de pouca utilidade, não correspondendo ao que seria de esperar.

Aconteceu, então, que o Director do SFM, que em 1964 se mostrara incapaz de apresentar o plano que o Secretário de Estado lhe solicitara, sem me informar, chamou a si o problema dos carvões da Bacia Carbonífera do Douro, dando instruções directas ao Geólogo, resultantes de reuniões que realizou com um dos concessionários.
A sequência dos estudos na Bacia Carbonífera do Douro deixou, consequentemente de ser da minha responsabilidade.
A disciplina que eu pretendia introduzir nestes estudos foi destruída pelo Director do SFM.

Tive conhecimento de ter sido elaborado novo projecto de sondagens.
Constou-me também que as peças desenhadas preparadas pelo Agente Técnico de Engenharia, sob minha orientação mas sem a indispensável revisão pelo autor do exame dos testemunhos das sondagens acabaram por ter a utilidade que mereciam.

Em reunião da Comissão de Fomento, tomei conhecimento de que o concessionário da Minas do Pejão não tinha encontrado, em novo piso que instituíra, as camadas de carvão exploráveis, que o exame dos testemunhos das sondagens fizera prever.

As minas deram por finda a exploração, já quando eu estava aposentado. Disso tomei conhecimento pelos jornais. Pelo que me foi dado conhecer, quando o estudo dos carvões esteve sob a minha supervisão, sou levado a concluir que houve graves deficiências no reconhecimento desta importante faixa Carbonífera, que podem ser responsáveis pelo encerramento das Minas.

terça-feira, 10 de março de 2009

51 - Missão falhada ao Japão

Quando, em Novembro de 1962, o Director-Geral de Minas me telefonou a informar que eu tinha sido nomeado para representar o País, em reuniões que iriam ser realizadas em Tóquio, tomei esta nomeação como distinção que me era concedida, face ao invejável currículo que já, nessa data, podia ostentar.

Convencido de que a matéria a analisar se situaria no âmbito da prospecção mineira, onde vinha exercendo a minha actividade, rejubilei com a oportunidade que me era facultada de, mais uma vez, representar o País.

Ao receber, porém, a documentação que tinha sido acumulada na DGMSG a este respeito, há mais de um ano, fiquei perplexo.

A matéria em causa versaria o estabelecimento, em bases científicas, de normas para a amostragem de lotes de minérios de ferro, e as respectivas análises químicas.

Quanto à amostragem, ainda pensei que me seria possível fazer adequada preparação no escasso tempo disponível (cerca de 3 meses), cumulativamente com as funções de Chefe da Brigada do Sul do SFM.
Para tal, adquiri livros de Cálculo das Probabilidades e Estatística, matérias que não tinham constado do meu curso universitário

Quanto às análises, ainda contactei o Engenheiro Químico do SFM, que dirigia o Laboratório instalado nos Serviços Geológicos, convicto de que seria ele a desempenhar-se dessa matéria.

Todavia, tendo consultado o Director-Geral, foi-me respondido que seria eu o único técnico a representar o País nas reuniões de Tóquio.
Não se mostrava, porém, preocupado quanto à qualidade dessa representação. Considerava suficiente a presença, como observador, justificada por o País ser exportador para o Japão, de minérios de ferro extraídos de jazigos existentes no Estado de Goa, nessa data, ainda sob a soberania portuguesa.

Não me conformando com esta atitude, que considerava desprestigiante para o País, fiz ofício de 8 páginas dactilografadas explicando as razões pelas quais me via forçado a renunciar a tal missão.

Desse ofício, com data de 11-2-1963, registado no arquivo da Brigada do Sul com o n.º 305/B:S., transcrevo as seguintes passagens:

“No que respeita às amostragens, há dois pontos fundamentais: o primeiro é a compreensão das normas propostas; o segundo é a análise crítica das mesmas.
Quanto ao primeiro, embora tenha ainda algumas dúvidas na interpretação de determinados conceitos, por se tratar de matéria que me não era familiar, poderei considerá-lo suficientemente dominado.
O segundo exigiria bons conhecimentos de Cálculo das Probabilidades e Estatística, que não possuo nem tenho tempo de adquirir.
No que respeita às análises químicas, é evidente a minha impossibilidade de vir a dominar o assunto. Não se consegue, normalmente, obter, em meses, a experiência que só os anos dão aos indivíduos com formação científica adequada. É matéria para um Engenheiro Químico que, na vida profissional, haja sobretudo, procedido a análises de minérios de ferro ou que faça uma preparação nesse sentido, com a necessária antecedência.
Que o problema exige um cuidadoso estudo demonstra-o a correspondência de vários países com a Organização Internacional de Normalização.
Com efeito, esta Organização começou por enviar, em Março de 1961, para estudo pelos países interessados, a norma japonesa sobre métodos de amostragem de minérios de ferro e métodos de determinação de calibres de minério e de humidade.
Esta norma tem muitíssimo interesse.
Se, na data em que foi recebida, e na qual Portugal informou que participaria nos trabalhos da comissão técnica internacional que iria constituir-se para estudo das normas relativas a minérios de ferro, tivessem sido designados os técnicos da futura representação portuguesa, não surgiriam talvez hoje dúvidas quanto ao êxito da missão.
O estudo desta norma e a sua análise crítica, para conscienciosamente se determinar se ela seria de aceitar, rejeitar ou corrigir nalguns pontos, permitiria, com facilidade, fazer a análise das normas que posteriormente foram recebidas e que constituem a matéria a discutir em Tóquio.
Houve um questionário formulado em 1961, pelo documento ISO/TC 102 (Secretariat-1) 1E. que, como já dissemos, não chegou ao nosso conhecimento.
Todavia, através das respostas ao mesmo contidas no documento ISO7TC 102 (Secretariat-10) 10 E, verificamos que:
a) A Bélgica informava, em 1961, ter em vias de constituição a comissão nacional encarregada de assistir o Instituto que, naquele país, representa a ISO, nestes trabalhos.
b) Vários países propõem a divisão do trabalho por grupos de sub-comissões.
c) A França, concordando com a cidade de Tóquio para local da reunião, mas considerando as despesas que resultarão para os membros da delegação francesa, emite o parecer de que seria extremamente desejável que esta primeira reunião conduzisse a resultados frutuosos, concluindo que importaria, portanto, que cada comissão membro pudesse preparar esta reunião o mais cedo possível.
d) A Alemanha sugere que a reunião tenha lugar numa cidade europeia, informando, contudo, que esperava enviar um representante a Tóquio. A decisão final só seria posteriormente tomada.
e) A Itália manifesta-se em desacordo com a reunião de Tóquio, porque estaria impedida de se fazer representar.
f) A Polónia informa não poder participar por motivo das elevadas despesas da viagem.
g) A Suécia considera aconselhável a reunião na Europa, deixando dúvidas quanto à sua representação.
h) O Reino Unido informa ser extremamente improvável poder enviar uma delegação a Tóquio. Aconselharia a Europa Ocidental
i) A Argentina informa que provavelmente não assistirá.
j) Os Estados Unidos da América do Norte, segundo uma informação não oficial, comunicariam, mais tarde, se participariam ou não.
k) O Canadá, a Índia, a Rússia e a Bulgária concordaram com a escolha de Tóquio para local da reunião.
l) Numerosos países, entre os quais Áustria, Brasil, Chile, Espanha, Grécia, Irão, Nova Zelândia, Paquistão, República da África do Sul, Suíça, Turquia, Estados Unidos da América do Norte, Jugoslávia, não responderam ao questionário.
Concluímos das respostas a este questionário, que na próxima reunião de Tóquio, haveria um certo grau de certeza quanto à participação dos seguintes países: Rússia, Índia, Bulgária, França, Canadá, Japão e Portugal e probabilidade de representação dos Estados Unidos da América do Norte, Alemanha e Suécia.
A reunião será, portanto, na melhor das hipóteses, restrita a 10 países, alguns dos quais nos são nitidamente hostis, do ponto de vista político.
Por todos os motivos, seria da maior conveniência uma representação condigna de Portugal
Não faria também sentido que as avultadas despesas que originaria a deslocação do delegado português, no período de austeridade que o País atravessa – tanto mais que, segundo concluo da correspondência trocada com a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais não foi fácil obter a verba de 40 000$00 para esta missão – não tivessem a compensação de uma representação condigna.
A probidade profissional que me honro de sempre ter demonstrado, impedir-me-ia também de representar o País, nas condições que se me depararam.
Em face do exposto, é com verdadeira mágoa que venho declarar a V. Ex.ª que, sendo manifestamente impossível preparar-me para um satisfatório cumprimento da missão de que V. Ex.ª me incumbiu na capital japonesa, no próximo mês de Março, renuncio ao seu desempenho.
Nesta data, entrego a V. Ex.ª a documentação que recebi sobre este assunto.
Como se trata de uma primeira reunião em que será analisado ainda um ante-projecto, é de presumir que outras reuniões venham a realizar-se, tanto mais que agora, numerosos países membros da ISO se não farão provavelmente representar.
Seria, talvez de designar, desde já, a comissão portuguesa que estará presente em futuras reuniões, a fim de ela poder iniciar, com tempo, a sua preparação.
Em tal comissão, reputamos essencial a presença de um engenheiro químico.
Aproveito o ensejo para afirmar a V. Ex.ª, que, na medida das minhas possibilidades, continuarei ao dispor para quaisquer outras missões que V. Ex.ª entenda dever confiar-me, solicitando, no entanto, a nomeação com a antecedência que me permita uma conveniente preparação.”


Fui propositadamente a Lisboa entregar este ofício e toda a documentação que tinha recebido, ao Director-Geral, estando presente o seu Adjunto, o cognominado Ajax

O Director-Geral mostrou-se francamente desagradado, mas logo nomeou o Ajax para o desempenho da missão,

O Ajax imediatamente aceitou, sem hesitação, mas aconteceu que o Ministério das Finanças, tendo-se apercebido da situação, não autorizou o dispêndio que a missão iria originar.

Receoso de que ao meu ofício não tivesse sido dada entrada, anexei cópia ao meu relatório do mês de Fevereiro de 1963.

Julgo que, como retaliação, o Director-Geral nomeou um Inspector Superior que recentemente tinha deixado o cargo de Director do SFM, para representar o País nas reuniões do Grupo “ad hoc” constituído na OCDE sobre métodos modernos de prospecção.
Fez esta nomeação sem me informar de eu ter sido substituído nas funções parta que tinha sido designado pelo anterior Director-Geral.
O resultado foi desastroso, conforme referi no post N.º 22.

domingo, 8 de março de 2009

50 - A minha mania da justiça

Os trabalhos de prospecção do 1.º Serviço do SFM eram realizados, no campo e em gabinete, com a colaboração de pessoal assalariado recrutado nos locais onde se exercia a sua actividade.

Muitos destes assalariados iam adquirindo formação nas diversas técnicas, mantendo-se no SFM, nalguns casos, durante décadas.

Já referi, no post N.º 24, a minha mágoa por ver abandonarem o SFM alguns elementos que tinham adquirido especialização nessas técnicas, apenas porque não eram autorizados os pequenos aumentos de salários que eu tinha proposto. O meu desalento era tal, que até, em desabafo perante o Director-Geral, cheguei a dizer que me passava pela cabeça também abandonar o SFM, por se tornar muito difícil a execução dos trabalhos que projectava. Isso, porém, não impressionou o Director-Geral que reagiu dizendo-me, que se eu quisesse ir embora, … que fosse!

O mesmo Director-Geral mostrara, porém, noutra ocasião, um particular interesse por um assalariado que eu tinha herdado da 2.ªª Brigada de Levantamentos Liotológicos, quando da reorganização do SFM efectuada em 1964.
Já referi, no post N.º 12, a deficiente qualidade dos estudos desta Brigada, o que não permitiu ao seu pessoal adquirir adequada formação. Todavia, o assalariado, no qual o Director-Geral se mostrara interessado, após a sua integração na 1.ª Brigada de Prospecção, estava a corresponder satisfatoriamente ao que dele se pretendia.

O Director-Geral tinha para esse assalariado uma “cunha” do Secretário de Estado e queria que eu apresentasse proposta para o seu ingresso no Quadro de Contratados, com a categoria de Colector, o que lhe permitiria além de um situação mais estável, melhoria de remuneração e a fixação de residência em Lisboa, com as consequentes compensações por actuação fora da sua residência, tal como se verificava com os outros Colectores contratados.

Não discordando desta promoção, informei o Director-Geral de que havia outros elementos do pessoal assalariado com muito mais mérito a promover à sua frente, até chegar a vez do que agora me era indicado.

O Director-Geral perguntou-me, então, quantos desses elementos considerava eu que deveriam ser contemplados, para que a “cunha” do Secretario de Estado pudesse ser atendida. Reflectindo uns momentos sobre este assunto, cheguei a 7 elementos das diversas Secções da 1.ª Brigada de Prospecção. Ao Director-Geral pareceu exagerado este número, mas disse para eu fazer a proposta.

Ainda me perguntou se seria muito escandalosa a promoção à frente dos elementos com melhor currículo. Respondi que sim e que tal iria perturbar seriamente o ambiente são que reinava, então, na Brigada e diminuir a autoridade que eu nela tinha conquistado.

Regressado ao Porto, logo me apliquei, na recolha dos dados curriculares dos assalariados que tinha considerado merecedores desta promoção e apresentei a respectiva proposta ao Director do SFM.

Alguns dias depois, encontrando-me em Lisboa em serviço, o Director-Geral pergunta-me se já fiz a proposta. Respondo-lhe afirmativamente e que a tinha entregue ao Director do SFM. Censurou-me por não lha ter entregue directamente, ao que eu reagi dizendo que, em casos semelhantes, me tinha ordenado que passasse pelo meu imediato superior hierárquico.

Tendo-lhe confirmado que a proposta contemplava 7 assalariados, reagiu com alguma aspereza, dizendo:

“Este gajo, com a mania das justiças, estraga tudo!!”

Este foi um dos maiores elogios que tive, durante a minha vida profissional.

Quando da análise da proposta, deu-se a curiosa circunstância de ter sido inicialmente rejeitada a promoção do elemento que eu tinha colocado à cabeça da lista, por ser silicótico e ter estado tuberculoso.
Expliquei que, conforme constava da proposta, se tratava de elemento com excepcional currículo, que a silicose tinha sido contraída no SFM e que a tuberculose já tinha sido tratada a expensas do SFM. O facto de a silicose ser da responsabilidade do SFM era, em minha opinião, mais um factor a favor do candidato. Assim mesmo, só com a minha insistência e com documento comprovativo da cura, que fui solicitar ao médico radiologista de Beja que acompanhara o seu caso, é que a processo pôde ter seguimento.

sábado, 7 de março de 2009

49 - A Comissão de Fomento

Em fins de 1968, o Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), consciente da incompetência do Engenheiro que, nomeara para exercer o importante cargo de Director do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), decidiu criar um Grupo de Trabalho, a que chamou “Comissão de Fomento”.

Interpretei esta decisão como processo de resolver a incapacidade que vinha demonstrando o Director do SFM para desempenhar as suas funções, evitando destituí-lo, até porque lhe era útil um subordinado obediente, sem iniciativas para além das de carácter burocrático

O Director-Geral, que já tinha excluído do SFM as instalações construídas em S. Mamede de Infesta, ao designá-las “Laboratórios da DGMSG”, quando da sua inauguração, dava assim mais um passo para se assumir como real dirigente do SFM.

Nesta Comissão participavam todos os Chefes dos vários departamentos da DGMSG (Engenheiro Director-Geral, Engenheiro Director do SFM, Engenheiros-Chefes dos 1.º, 2.º 3.º e 4.º Serviços do SFM, Engenheiro-Chefe dos Serviços Geológicos, Engenheiros-Chefes das Circunscrições Mineiras do Norte e do Sul, Engenheiro-Chefe da Inspecção de Águas).
Participavam, também, um Engenheiro Inspector Superior, um Engenheiro-Adjunto do Director-Geral (o Ajax, a que já tenho feito alusão) e o Secretário Auditor Jurídico da DGMSG.
Nas últimas reuniões, passaram a participar alguns Geólogos que, se tinham destacado na sua actividade no SFM.

Apesar de este procedimento me parecer incorrecto, ingenuamente confiei que o Director-Geral, que, no início da década de 60, vinha dando grande apoio à prospecção mineira, ultrapassando já o Director do SFM, iria, de facto promover grande impulso à indústria mineira nacional, aproveitando as reais potencialidades do País.

As minhas ilusões cedo, porém, se desvaneceram.

Nas reuniões, o que mais se analisava eram problemas de ordem burocrática, secundarizando os verdadeiros objectivos de fomento.

Comecei por observar uma obsessão em libertar o SFM do caso de Aparis, transformando-o num problema grave a resolver, com urgência. Desvalorizou todo o trabalho sério que tinha sido efectuado e procurou transferir o seu estudo para a iniciativa privada, esquecendo as afirmações feitas, quando da visita do Secretário se Estado da Indústria e todas as minhas propostas.,

Classificou a Mina de marginal! Tal não obstou, porém, a que Empresa recém-constituída por ela se interessasse e fizesse uma exploração amplamente lucrativa.

Ao mesmo tempo que classificava esta Mina de marginal, consentia que, na região de Almodôvar, estivesse em reconhecimento um filão cuprífero (Mina do Barrigão), com a extensão de cerca de 100 metros.
E, o que é mais grave, este filão encontrava-se incluído dentro de área adjudicada a Mining Explorationas (International), revertendo, consequentemente para esta Companhia os resultados que eventualmente viessem a ser encontrados.
Quando expus o meu parecer sobre este tema, obtive a seguinte reacção do Director-Geral: “O senhor Engenheiro Rocha Gomes pensa que por ter essa opinião, nós teremos que concordar com ela?” A minha resposta foi simples: Emiti o meu parecer sobre uma área que bem conheço; penso que cumpri um direito e até um dever, como membro desta Comissão de Fomento.
A realidade é que os trabalhos prosseguiram, apesar das minhas objecções, com os resultados negativos que eram de esperar

Numerosos outros casos foram sucedendo, demonstrativos de que o Director-Geral de Minas, assumindo-se progressivamente como dirigente do SFM, foi invadindo até as atribuições do Serviço de Prospecção, que me estava confiado, passando a dirigir pessoalmente trabalhos de prospecção de sheelites, dos quais encarregou um grupo de jovens Geólogos.
Deslumbrado com os êxitos que vinham sendo obtidos pela equipa por mim constituída, pretendeu também ele-próprio, sem consciência da impreparação na matéria, tanto dele como dos Geólogos que escolheu para o coadjuvarem, obter rapidamente idênticos êxitos, que julgava fáceis.

Obviamente, que desta atitude só poderia resultar um total fracasso e foi o que aconteceu.

A alguns destes casos me referirei, em próximos posts.

Com as suas atitudes, algumas vezes contraditórias e frequentemente obstrucionistas, o Director-Geral praticou, de facto, uma política de anti-fomento, contrariamente ao que havia anunciado.

A última reunião teve lugar em 24 de Abril de 1974. Estava prevista nova reunião, no dia seguinte. Ainda me apresentei na DGMSG, em 25 de Abril, preparado para fazer as minhas intervenções, embora consciente de que provavelmente não seriam bem recebidas, como já se tornara hábito. Todavia, o Director-Geral, impressionado com a Revolução que tinha sido iniciada nesse dia, decidiu suspender a sua realização.

Após 25 de Abril, não houve mais reuniões da Comissão de Fomento. O Director-Geral passou a demonstrar sobretudo preocupação em manter o cargo, consciente de que, no desempenho anterior, havia cometido abusos e tomado decisões que mereciam reprovação de membros da Comissão.

Oportunamente me irei referir a visitas que passou a fazer à 1.ª Brigada de Prospecção, onde estava integrado o seu afilhado Delfim de Carvalho. Dessas visitas e da colaboração combinada do Director do SFM, resultou a minha demissão da chefia desta Brigada e a sua consequente degradação.

Este foi o princípio do fim do SFM, como irei demonstrar.

segunda-feira, 2 de março de 2009

48 -O fim inglório do jazigo de cobre de Aparis, em Barrancos

Informei, no post N.º 21, que em 1964, mercê de uma reestruturação do SFM, originada pela nomeação de novo Director, os trabalhos mineiros no Sul do País deixaram de estar a meu cargo, apesar de eu ter manifestado muito sérias dúvidas sobre a sua correcta sequência, conhecedor como estava, da incompetência, nesta matéria, dos engenheiros aos quais eles iam ser confiados.

Eu tinha em preparação um relatório com descrição pormenorizada dos trabalhos realizados desde 1-1-1959 até 31-12-1963 e com proposta para continuação dos estudos.

Os trabalhos estavam documentados em mais de 150 peças desenhadas, que incluíam plantas dos diversos pisos já instituídos, perfis longitudinais e transversais pelos diversos filões conhecidos e também logs de 50 sondagens, algumas iniciadas a partir do piso 150.

As sondagens demonstravam que as anomalias electromagnéticas detectadas pelo método Turam correspondiam a estruturas filonianas, frequentemente com mineralização de calcopirite, malaquite e até cobre nativo.
Contudo, não tinham sido encontradas concentrações com interesse económico Tal não foi interpretado como significativo de que elas não existam. O facto de terem evidenciado enchimentos filonianos, quase sempre, nos locais das anomalias, foi já considerado factor positivo a ter em conta.
Projectava fazer aplicação do método de polarização induzida, que é o indicado para detectar mineralizações disseminadas, como é o caso dos jazigos filonianos.
Já havia proposto a aquisição da respectiva aparelhagem, aguardando que a Direcção do SFM acabasse por compreender a sua necessidade, não só para este caso de Aparis, mas também para outros, como por exemplo o do Salgadinho na região de Cercal – Odemira, onde também havia sido detectada disseminação de calcopirite numa sondagem.
Para a projectada utilização deste equipamento, estivera em estágio, nas Minas do Louzal, onde actuava a Companhia canadiana MC Phar, o engenheiro que, na 1.ª Brigada de Prospecção, tinha os métodos eléctricos a seu cargo (V: post N.º 27).

Planeava, também, instituir dois novos pisos até ao 210, isto é, até 60 metros abaixo do piso 150, que se encontrava em reconhecimento.

Esperava que, finalmente, fosse autorizada a exploração parcial do jazigo, para se obterem os dados de natureza económica essenciais à sua avaliação.

Pretendia ainda fazer desta Mina uma Mina – Escola, onde engenheiros recém – formados pudessem adquirir a experiência que a Universidade não conseguia proporcionar-lhes.

Além disso, era minha intenção propor que esta Mina fosse utilizada para ensaios de novos equipamentos, à medida que eles fossem surgindo no mercado, para aumentar a eficiência dos trabalhos.

Estas ideias foram oralmente expostas em reuniões da Comissão de Fomento, nas quais participaram representantes de todos os departamentos da DGMSG, encontrando-se algumas delas referidas em relatórios que apresentei na qualidade de Chefe do Serviço de Prospecção do SFM.

Não pude, porém concluir esse terceiro relatório, como já tive ocasião de dizer, porque as necessidades prementes de desenvolver a equipa de prospecção absorveram completamente o meu tempo.

A sua elaboração foi confiada ao Agente Técnico de Engenharia João José de Oliveira Barros, Chefe da Secção de Moura e Barrancos, que orientava localmente os trabalhos. Sendo um excelente colaborador, as suas atribuições limitavam-se à execução das instruções que recebia. O seu relatório, naturalmente iria reflectir estas limitações e foi o que aconteceu.

As minhas dúvidas quanto à desorientação subsequente à entrega que fui forçado a fazer da Secção que tão empenhadamente fui construindo, cedo se transformaram em certezas.

Incapazes de prosseguir no reconhecimento do jazigo, em conformidade com programa que estava em cumprimento, apenas conseguiram dar início à exploração de uma das suas bolsadas.
Saliento que a autorização para passar à exploração me fora antes sempre negada, até com censura pela insistência com que a requeria.

Não se considerando, porém, aptos a tal empreendimento, solicitaram a intervenção de professor do Instituto Superior Técnico, que tinha adquirido experiência de exploração, na Mina da Panasqueira.

Quando da visita do Secretário de Estado do Indústria a esta Mina, em meados de 1965, à qual me referi no post anterior, estavam em curso trabalhos preparatórios para o desmonte da bolsada escolhida.

No documento – guia da visita, redigido, com aprovação do Director – Geral, consta o seguinte: “Todos os estudos efectuados, desde a prospecção até à preparação dos concentrados comerciais, têm oferecido a possibilidade de tomar directamente contacto com todos os sectores da actividade mineira, constituindo uma experiência de incalculável valor para a preparação de técnicos (e outro pessoal) responsáveis pelas futuras tarefas de fomento”.

Em Outubro de 1968, foi com alguma surpresa que tomei conhecimento de que o conjunto de concessões abandonadas, que cobriam o jazigo de Aparis, tinha sido posto a concurso, por portaria publicada no Diário do Governo, com vista à sua exploração.
Não constava, porém, do clausulado, obrigação de os concorrentes prosseguirem o reconhecimento das zonas onde apenas se confirmara a passagem de filões através de uma primeira série de sondagens.

Também fora totalmente abandonada a ideia de aproveitar a “experiência de incalculável valor para a preparação de técnicos (e outro pessoal) responsável pelas futuras tarefas de fomento”.

A realidade é que, com o termo dos trabalhos mineiros do SFM, na mina de Aparis, pela sua transferência para a actividade privada, terminaram quase totalmente os trabalhos mineiros do SFM em todo o Paìs!

Acompanhei, no Norte, os esforços de um Agente Técnico de Engenharia do 2-º Serviço para estudar as Minas de zinco, chumbo e cobre da região de Talhadas no concelho de Águeda. Por falta de apoio eficaz, sobretudo no âmbito da geologia, estes estudos não tiveram êxito.
Nunca percebi porque foi dada preferência ao estudo desta Minas, quando, na sua proximidade, se situavam as Minas de Braçal, Malhada e Coval da Mó, que tinham suspendido a sua laboração, não por carência de minério, mas por baixa temporária de cotação do chumbo e por outras causas que me pareceram estranhas.

Do insucesso em Talhadas resultou também a quase total paralisação dos trabalhos mineiros no Norte, perdendo-se igualmente a experiência que lá se tinha conseguido.

Áreas do Sul que poderiam ter continuado a sua investigação por trabalhos mineiros, tais como Algares de Portel, Preguiças, Vale do Vargo e muitas outras, não foram consideradas para aplicação destas técnicas, assim se perdendo uma experiência que levara décadas a conseguir.

As concessões, objecto do concurso, público foram adjudicadas a uma Empresa criada propositadamente para a exploração de Aparis, da qual eram sócios dois professores catedráticos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Esta Empresa, denominada “Minerália” passou a explorar as bolsadas ricas evidenciadas pelo SFM, não constando que se tenha interessado pelas zonas mais pobres ou tenha completado o reconhecimento do jazigo.

Em Abri de 1975, vi, no jornal “República”, o anúncio de que a Mina de Aparis ia ser encerrada “por esgotamento total do seu filão”.

Após o encerramento da Mina de Aparis, um dos sócios de Minerália contactou-me, para me informar que a sua exploração revelou a exactidão das conclusões a que tinha chegado o reconhecimento efectuado sob minha orientação e, estando eu já afastado da direcção de trabalhos mineiros, há mais de uma dezena de anos, perguntou-me se tinha estudo de algum outro jazigo, nas mesmas condições, para Minerália se candidatar à sua exploração. Obviamente que não tinha!

Esta foi o triste fim de um estudo em que profundamente me tinha empenhado.

No arquivo do SFM de S. Mamede de Infesta deixei vasta documentação que poderá ainda ser útil, se um renascido SFM vier a surgir, como penso ter plena justificação, mas com a posição hierárquica que lhe compete. Em ocasiões oportunas, tenho defendido a criação de um Instituto de Investigação dos Recursos Minerais, com categoria equivalente à do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, dotado de autonomia administrativa e financeira.