quarta-feira, 21 de abril de 2010

119 – “Realidades e fantasias” do Director-Geral de Minas

Ao “Congresso 78” de Engenharia, que decorreu no Porto, em fins de Novembro de 1978, o Director-Geral de Minas apresentou duas comunicações, às quais deu os títulos seguintes:

Determinantes fundamentais da política mineira em Portugal
Caracterização económica da indústria extractiva de Portugal

A ambas acrescentou o subtítulo “Realidades e Fantasias”

A primeira é um exemplo de como, neste País, é possível um alto dirigente divagar, em total impunidade, sobre matéria que não domina, perante uma selecta assistência, que esperaria ouvir a definição clara da estratégia do Governo para o desenvolvimento da indústria mineira nacional, como o seu título prenunciava.

Interpretei os insensatos juízos de tal dirigente, emitidos em jeito de paternais conselhos, como velada intenção de se desculpabilizar pelo estado catastrófico a que fez chegar o Organismo cuja direcção lhe foi confiada,

É certo que começou por prevenir que se tratava apenas de apontamentos escritos ao correr da pena, nos intervalos de outras tarefas”, acerca da “cousa mineira”.

Não obstante tal aviso, não teve pejo de fazer publicar o texto no “Boletim de Minas”, n.º 15 de Abril/Junho de 1978, com novas divagações acerca dos seus conceitos quanto às fases das investigações mineiras.

Mas a atitude de desrespeito pelos congressistas não é, o que mais se salienta na comunicação.

Trata-se, de facto de um documento desconexo, cheio de banalidades, “lapaliçadas” e contradições, repetitivo, retórico, pretensioso, revelador de enorme ignorância quanto às reais possibilidades das diversas fases a que deve obedecer a prospecção mineira, nos tempos actuais, não só para evitar atrasos no cumprimento dos programas, mas também para não originar inúteis dispêndios, estando em causa dinheiros públicos.

Em minha opinião, o subtítulo que melhor se adaptaria a este documento seria “Perversidades e pesporrências”

Se o autor tivesse frequentado a cadeira de Prospecção Mineira, cuja docência esteve a meu cargo na Faculdade de Ciências do Porto, seguindo o exemplo de outros Engenheiros, aos quais também tinham faltado lições desta matéria, por não constar do Curso de Minas da Faculdade de Engenharia, não teria feito tantas afirmações destituídas de fundamento.

Muito provavelmente nunca terá feito uso de qualquer das mais de 100 publicações, cuja consulta eu aconselhava aos meus alunos, para completar o ensino que lhes ministrava nas aulas teóricas e práticas de gabinete e de campo.

Se tivesse, por exemplo, consultado o excelente tratado “Mining Geology” de Mc Kinstry, teria aprendido como se deve elaborar um documento técnico, e não nos teria submetido a tamanha trapalhada.

Nas suas divagações, não resulta evidente quando está a comentar a actividade da indústria mineira privada ou a actividade dos serviços oficiais.

A política mineira nacional estava, há muito tempo, claramente determinada, principalmente nas disposições do Decreto-lei n.º 18 713 de 1 de Agosto de 1930 e do Decreto-lei n.º29 725 de 28 de Junho de 1939.

O primeiro estabelecia que as matérias-primas minerais existentes no subsolo nacional, são bens do domínio público e que a sua exploração podia ser autorizada, através de concessões mineiras, sob condições bem definidas.

O segundo atribuía ao Estado um papel fundamental no inventário das existências de minerais úteis no subsolo português.

Surpreendentemente, não há na Comunicação, referência a qualquer destes importantíssimos diplomas legais.

O Decreto-lei n.º 18 713 facilitava o acesso à actividade mineira a qualquer entidade que tivesse descoberto indício de existência de minério ou presumisse essa existência.
Bastar-lhe-ia apresentar, na Câmara Municipal do concelho onde se situasse a área em que estava interessada, um manifesto mineiro, do qual constassem os dados exigidos pela lei, para poder realizar os estudos necessários à demonstração da existência de jazigo mineral.
Tinha o prazo de dois anos para empreender esses estudos, sendo-lhe porém permitido solicitar o prolongamento do prazo, se tal se tornasse necessário.

Quando considerasse evidenciada a existência de jazigo mineral, poderia requerer a concessão da sua exploração.

A Direcção-Geral de Minas, faria, então, deslocar ao terreno um técnico das suas Circunscrições, para fazer o reconhecimento de que tinham sido cumpridas as disposições legais para poder ser atribuída a concessão de exploração.

A realidade insofismável é que ao autor desta Comunicação se ficou devendo o maior desrespeito pelas disposições do Decreto-lei n.º 18 713.

Tendo exercido funções de chefia na Circunscrição Mineira do Norte, de 1944 a 1962, foi o responsável pela outorga de numerosas concessões, sem que tivesse sido comprovada a existência de minerais úteis, em quantidade e em qualidade que justificasse a instalação de empresa economicamente viável, como exigia a lei.

Nesta Comunicação, pretende explicar o incumprimento da lei, afirmando que “houve disposições legais, de política marcadamente conjuntural, que obrigaram a dar concessões a requerimento”, o que obviamente, não pode corresponder à verdade.

Foi de sua inteira responsabilidade a outorga de concessões mineiras, onde nem sequer havia indícios de minério e também o prolongamento artificial da validade de registos mineiros, em cujas áreas nenhuma actividade tinha sido exercida, através de propositado atraso no reconhecimento, exigido por lei.

Como exemplo da leviandade como eram atribuídas concessões, a seguir transcrevo passagens do relatório de reconhecimento da Mina do Sobredo, da freguesia de S. Miguel de Entre Ambos os Rios, do concelho de Ponte da Barca, com data de 27-5-1949, subscrito pelo Engenheiro da Circunscrição Mineira do Norte, que viria a ser o autor da Comunicação que estou a comentar:

“Para se avaliar dos teores de ouro fez-se uma amostragem extensiva ao maior volume possível dos 3 filões, e numerosos roços transversais, com profundidade e largura de cerca de 0,5 m, desde o tecto ao muro.
A fim de reduzir o seu grande volume e peso, fez-se, no local, uma amostragem média, aproveitando-se cerca de ¼ do total, beneficiando-se o seu teor em arsenopirite, que ficou superior ao do tout-venant.
….
O certificado de análise, que se junta, apresentou o valor de 18 gr/T.
….
Admitimos que este resultado seja um pouco superior ao valor médio da metalização de ouro das partes amostradas, visto que, como dissemos, a amostra foi um pouco beneficiada em arsenopirite. Contudo, mesmo considerando um erro, por excesso, de 20% no teor de ouro na amostragem relativamente ao tout-venant, o resultado final ainda é suficiente para conferir valor industrial aos volumes amostrados.

Atendendo ao que se expôs na descrição do jazigo, somos de opinião de que esta mina tem valor industrial para ser objecto de concessão.”

Este curiosíssimo processo, ao qual eufemísticamente foi dada a designação de “benefício da amostra” com as naturais consequências na avaliação de jazigo mineral, é referido, em extenso capítulo dedicado à importante matéria da amostragem, no livro “Economia Mineira” de Theodore Jesse Hoover, como alerta para fraudes passíveis de acontecerem em negócios mineiros.

Eu nunca esperaria que fosse utilizado em Serviços do Estado, que tinham obrigação de dar o exemplo de rigor e seriedade nos seus procedimentos.

Os Serviços oficiais, em vez de procurarem reabilitar uma indústria, a respeito da qual já era habitual usar a expressão “Minas, pantominas!; Mineiros, pantomineiros!, estava a contribuir para confirmar a sua validade!

Eu não creio que a qualquer dos meus ex-alunos da cadeira de Prospecção Mineira passasse pela cabeça usar esta “técnica”, tal a ênfase que eu dedicava à amostragem.

Em consequência deste facilitismo, usado sobretudo na Circunscrição Mineira do Norte, o número de concessões mineiras foi crescendo, atingindo mais de quatro milhares, sendo certo que apenas havia trabalhos de exploração, em pouco mais de uma centena e actividade significativa em menos de uma dezena.

Os detentores de alvarás de concessão passaram a negociar estes alvarás, em vez dos minérios que era suposto explorarem, com total passividade dos Serviços oficiais.

Tenta agora o Director-Geral desculpabilizar-se desta situação, de que foi um dos principais responsáveis, destacando a “obra colossal”, as “ricas cartas mineiras”, “as cartas de afloramentos” resultantes do registo dos indícios de ocorrências mineiras declarados pelos novos “concessionários sem minério para explorarem”.

A realidade é que, quando, em 1964, fui nomeado Chefe do Serviço de Prospecção, extensivo a todo o território metropolitano nacional, tentei cumprir a fase de Documentação, consultando os arquivos da Circunscrição Mineira do Norte, encontrei dificuldade em distinguir os relatórios que mereciam crédito, daqueles que tinham apenas por objectivo obter alvará de concessão, sem correspondência com o que, de facto, ocorria, no terreno.

Nesta consulta, nunca vi as tais cartas mineiras, nem as cartas de afloramentos. O que vi foram cartas de concessões, a várias escalas, que, como já referi, não traduzem a realidade mineira do País; pelo contrário, dão uma falsa ideia de riqueza, que deu origem à expressão de Castro e Solla: “País rico em minas pobres” (Ver post N.º 2)

Continua ...

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