segunda-feira, 8 de julho de 2013

216 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 7


O caso do encerramento do Centro Mineiro do Braçal, que seleccionei como um dos mais emblemáticos de “uso do poder em oposição ao saber”, suscita-me novas reflexões, que se me afiguram oportunas, para ajudar a explicar a crise económica, que o País actualmente atravessa.
          
A Faixa Metalífera da Beira Litoral, que engloba o centro mineiro do Braçal, as Minas de Talhadas e muitas minas abandonadas, em algumas das quais houve intensa exploração, foi uma das áreas que sobressaíram para estudo, após a minha consulta aos documentos, a que tive acesso, quando me foi atribuído o departamento de Prospecção Mineira do SFM.
       
Trata-se, efectivamente, de uma Faixa onde abundam manifestações de sulfuretos, que já, em fins do século XIX, tinha merecido a atenção do eminente Geólogo Carlos Ribeiro.
É de sua autoria a Memória sobre o grande filão metalífero que passa ao nascente de Albergaria-a-Velha e Oliveira de Azeméis, publicada em 1861, na qual é realçada a potencialidade mineira desta Região.

Para os estudos que projectei no Norte e no Centro do País, no desempenho das minhas novas funções, criei a 2.ª Brigada de Prospecção.
Nesta Brigada, apenas me foi possível instituir dois núcleos, para concretização desses projectos: a Secção de Caminha e a Secção de Talhadas.
Ambas ficaram a cargo de Colectores, cuja instrução básica era apenas a proporcionada pela antiga 4.ª Classe de Instrução Primária, por me não ter sido disponibilizado pessoal com melhor preparação académica, apto a exercer tais funções.
       
Para a Secção de Caminha, tive mesmo que destacar um Colector da Secção de Évora da 1.ª Brigada, que tinha adquirido experiência em trabalhos de prospecção geofísica, tanto de campo como de gabinete.
       
Para a Secção de Talhadas, mandei estagiar, nas técnicas de prospecção que estavam a ser aplicadas na 1.ª Brigada, sediada em Beja, um Colector que sempre estivera mal aproveitado no Norte, não lhe tendo sido facilitado o aperfeiçoamento profissional, em que se mostrara vivamente interessado.
Ambos se revelaram excelentes colaboradores, suprindo amplamente as insuficiências da sua formação básica.

A actividade da Secção de Talhadas consistiu, essencialmente, na aplicação do método geoquímico, com amostragem de sedimentos de linhas de água.
       
Dela resultaram numerosas anomalias, com destaque para as zonas de Cabeço do Telégrafo, Alto da Serra, Bertufo, Boa Aldeia, Cabeço Santo, Sanguinheiro, Bostelim, Agrelo, Boi, que justificaram a aplicação de outros métodos, com vista à futura definição de concentrações de minérios susceptíveis de exploração lucrativa.

Para a zona de Cabeço do Telégrafo, situada na proximidade da antiga Mina do Braçal, eu tinha apresentado, em 1974, projecto de sondagens que aguardava ainda aprovação.

Devo registar que nunca foi fácil a vida da Secção de Talhadas (Ver posts N.ºs 62 a 66).
       
Apesar das minhas pormenorizadas informações, em relatórios mensais e anuais e, oralmente, em reuniões da Comissão de Fomento, o Director do SFM chegou a ameaçar extinguir este núcleo de actividade, porque, na sua erudita expressão, “a Secção de Talhadas não estava a dar nada” (Ver post N.º 215)
       
Mais surpreendentes eram os comentários que o Director-Geral, Soares Carneiro, se permitia fazer, quanto ao interesse desta zona mineira, cuja actividade lhe incumbira acompanhar e fiscalizar, quando detivera o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte.
Mostrava-se muito reticente quanto ao interesse de filões!!
Para ele, só formações estratificadas, como as que ocorrem na Faixa Piritosa ou na Faixa Zincífera Alentejana, eram susceptíveis de conter reservas que viessem a justificar exploração.
        
Todavia, consentia que o 2.º Serviço se mantivesse a reconhecer jazigos filonianos no Norte e no Sul do País.
Curiosamente, nem se preocupava que, no caso do filão cuprífero do Barrigão, localizado no concelho de Almodôvar, no interior de área adjudicada a Companhia canadiana, se estivessem a fazer despesas em benefício desta Companhia, que até nem demonstrara o mínimo interesse em filão de tão exíguas dimensões.

Tive oportunidade de divulgar os resultados obtidos, durante 10 anos, na Faixa Metalífera da Beira Litoral, em palestra subordinada ao título Casos concretos de prospecção integrada em Portugal”, inserida em Seminário Internacional de Geoquímica, que teve lugar, em 30-9-1978, na Universidade de Aveiro, por iniciativa de um dos seus docentes.
Neste Seminário, um dos cientistas estrangeiros, que nele havia participado, manifestou a maior surpresa por eu não apresentar resultados de sondagens que tivessem sido executadas para investigação do extenso alinhamento de anomalias geoquímicas de Pb, no Cabeço do Telégrafo, próximo das Minas do Braçal, as quais tinham apoio do método de resistividade eléctrica.
   
Não pude evitar a denúncia pública do falacioso argumento do Director-Geral de que os filões não têm interesse, só justificando investigação as formações estratificadas.
Acrescentei, no entanto, conhecer vários casos de jazigos inicialmente classificados como filonianos, que após estudos mais elaborados, passaram a classificar-se como estratiformes. 
Tal é, por exemplo, o caso do jazigo tungstífero de Covas, em Vila Nova de Cerveira.

Após a Revolução de Abril de 1974, as forças vivas de Sever do Vouga, já libertas dos constrangimentos do regime político anterior, censuraram, através de um seu representante, a Administração Concelhia, que estivera em exercício, quando o Centro Mineiro do Braçal foi encerrado, por não ter pressionado a Direcção-Geral de Minas, no sentido de indeferir o pedido de suspensão de lavra das Minas do Braçal, assim evitando queos poços fossem inundados e as instalações fabris vendidas como sucata”.

É bem expressiva a passagem da exposição ao Presidente da Câmara que, a seguir, transcrevo:
       
É altura de se solicitar ao Governo Provisório, através da nossa Câmara Municipal Renovada, que o Ministério respectivo se debruce sobre o nosso problema, que seja aberto um inquérito ao proteccionismo das importações, com total desprezo pela economia nacional.
Queremos as nossas antiquíssimas Minas a funcionar.    
Queremos trazer para a nossa terra todos os nossos conterrâneos que tiveram que deixar o nosso País na busca de trabalho.
Queremos defender um Concelho Rico, da ideia errada de que somos Pobres.
Aliado às potencialidades mineiras, temos uma floresta das mais ricas do distrito.
Estamos numa zona turística por excelência chamada a “Suíça Portuguesa”.
Queremos defender o futuro dos nossos Filhos criando-lhes estruturas, onde mais tarde se possam empregar.
Rogamos a V. Ex.ª que seja exarado em acta da primeira sessão camarária, da memorável Comissão Administrativa Democrática, parecer favorável a esta exposição”.

Esta exposição transitou pelo Governo Civil de Aveiro e pelo Ministro da Coordenação Económica, chegando à DGMSG, para esclarecimento das circunstâncias do encerramento do Centro Mineiro do Braçal e para informação sobre actividades que os serviços oficiais tivessem em curso, que facilitassem a revitalização desse Centro.

Soares Carneiro, que detivera o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, quando o Centro Mineiro do Braçal foi encerrado, sendo portanto responsável por todas as ilegalidades a que aludi, estava agora investido nas funções de Director-Geral de Minas.
Coerentemente com as dificuldades que o seu poder arbitrário lhe tinha permitido criar no estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral, Soares Carneiro não se coibia de exprimir, em publicação oficial, a opinião de que, na actual conjuntura, são diminutas, para não dizer mesmo nulas, as possibilidades económicas da maior parte dos nossos jazigos de chumbo e zinco, do tipo filoniano, que integram a faixa de sulfuretos entre nós e durante muito tempo consideradas as mais representativas do potencial destes metais”

Múrias de Queiroz, com o seu habitual servilismo, que o tornava incapaz de exercer com a dignidade e o respeito exigidos pelo cargo de Director do SFM, em que estava investido, ainda adicionava mais dificuldades à investigação da Faixa.
       
Apesar disso, os estudos iam prosseguindo, graças à dedicação dos dois Colectores e de pessoal localmente contratado.
       
Mas as sondagens projectadas para o Cabeço do Telégrafo, continuavam por executar, não obstante haver sondas inactivas, “por falta de projectos !!”, na infundada afirmação do Chefe da Brigada de Sondagens (Ver post N.º 190).

O documento, proveniente do Ministro da tutela, para informação pela DGMSG, deixou francamente embaraçados, tanto o Director-Geral como o Director do SFM.
       
O Director do SFM não podia agora exaltar a mesma preocupação com uma riqueza que estava a ser desperdiçada, como tinha acontecido, no caso de um possível jazigo de ouro, cujos indícios tinham dado origem a vários manifestos, apresentados por um conhecido especulador, no concelho de Vila Velha de Ródão, estando os respectivos registos próximos da caducidade.
       
Neste caso, a sua desfaçatez tinha ido ao ponto de pretender comprometer-me com o poder político instituído pela Revolução de Abril de 1974, alegando que eu demonstrava não estar integrado no espírito do MFA (Movimento das Forças Armadas!!! (Ver post N.º 70), por ter chamado a atenção para leis em vigor, que os vários despachos exarados no documento enviado pelo Ministro, não respeitavam.

O Director-Geral de Minas, o Chefe da Circunscrição Mineira do Sul e o Director do SFM, todos beneficiários do regime político anterior, ficaram seriamente amedrontados, quando aquele especulador enviou segunda carta, reclamando atenção para o facto de estarem a ser usadas areias auríferas, retiradas das áreas dos seus registos, para a construção da barragem de Fratel, no Rio Tejo.
       
A primeira carta, anterior à Revolução, nem sequer tinha sido considerada merecedora de resposta!!!
         
Receando que os novos detentores do poder político levassem “a sério” os proclamados propósitos da Revolução, de corrigirem os desmandos do regime anterior, chamando à responsabilidade os seus autores, quiseram demonstrar tamanha preocupação com o aproveitamento das nossas riquezas minerais, que até se propuseram ultrapassar as leis em vigor, para que tais riquezas se não perdessem!!!

O Director do SFM, perante os reparos que ficaram registados na minha informação, ainda foi mais longe, nas suas arbitrariedades.
Desrespeitando a Orgânica que por si havia sido instituída, encarregou o 2.º Serviço, - que já tinha sido responsável pela extinção do sector de Trabalhos Mineiros tradicionais - de proceder às investigações que eu declarara ilegais.
Estas investigações, se justificáveis, seriam da competência do 1.º Serviço, que eu chefiava.
       
O 2.º Serviço, impreparado para sua concretização, limitou-se a fazer concentrados de bateia, com resultados que só vieram evidenciar o agravamento da indisciplina que já grassava no SFM.
       
O relatório sobre os estudos do 2.º Serviço nesta Região de Vila Velha de Ródão está publicado no Boletim de Minas. O que dele consta é um ultraje à dignidade do SFM. (Ver post N.º 70).

Assim como Guimarães dos Santos, que deteve o cargo de Director do SFM até 1963, não encarregou a Brigada do Norte de dar continuidade à exploração do Jazigo do Braçal, quando a empresa concessionária decidiu encerrar este Centro Mineiro, também Múrias de Queiroz, que lhe sucedeu no cargo, não encarregou o 2.º Serviço de realizar nesse Centro, os Trabalhos, que ao 2.º Serviço competiriam.
        
Não encarregou, pela simples razão de que o 2.ª Serviço tinha deixado extinguir esse sector e já não conseguiria com o pessoal envelhecido que lhe restava e com os vícios adquiridos, atrever-se a tal proeza!

O Director do SFM não encontrou agora alternativa senão despachar para mim o documento enviado pelo Ministro, para eu ser a sua tábua de salvação, esquecendo todas as dificuldades que ele e o Director Geral tinham colocado à actividade da Secção de Talhadas.

Mas, desrespeitando os procedimentos normalmente adoptados, não me enviou os documentos originais, que haviam chegado às suas mãos.

Apenas transcreveu curta passagem da carta do representante das forças vivas de Sever do Vouga, determinando que eu informasse, com urgência, quais os trabalhos de prospecção, realizados ou em curso, na área do Braçal e noutras áreas da Região e respectivos resultados.

Este desleal procedimento do Director do SFM reflectia o seu receio de eu registar, em documento que chegasse às mãos do Ministro, as enormes dificuldades criadas à actividade da Secção de Talhadas, as quais atrasavam o aproveitamento de uma riqueza que era real, ao contrário do ouro de Vila Velha de Ródão, que não passava de mera especulação!!!

Não me conformando com este irregular procedimento, requeri o suporte de entidade jurídica da DGMSG e, já na posse de todos os documentos, comecei por chamar a atenção do Director do SFM para as informações detalhadas contidas nos relatórios de minha autoria e em exposições orais que recentemente fizera.

Mas, ao Director, só faltou dizer que não costumava ler os meus relatórios, ou prestar atenção às minhas informações orais.
Sobre o mérito da Faixa Metalífera tinha-lhe bastado a opinião de Soares Carneiro, decretada nos seus habituais “dogmas” negativistas.

Múrias de Queiroz não revelava capacidade para ler agora, as longas exposições, que eu apresentara, sendo de destacar o relatório por ele-próprio exigido para eu lhe demonstrar que os trabalhos empreendidos até 31-12-1972, tiveram resultados positivos, sendo portanto, extremamente errada a sua afirmação de a “Secção de Talhadas não estar a dar nada”
       
De facto, os resultados até àquela data, representados principalmente em algumas centenas de cartas geoquímicas à escala de 1:5000, cobrindo, cada uma, área de 4 km2, podiam até considerar-se surpreendentes e já tinham justificado projecto de sondagens.
       
Mas o Director do SFM pretendia agora uma informação sucinta que o dispensasse do esforço de consultar a documentação que eu lhe tinha aconselhado.

Todavia, dada a urgência requerida e perante a vastidão das questões formuladas, apresentei em 15-7-1974, exposição de 20 páginas manuscritas, para dar cabal cumprimento ao último despacho.
A concluir esta exposição, fiz a análise de duas alternativas, para a reactivação do Centro Mineiro do Braçal.

A primeira seria a sugerida pelo representante das forças vivas de Sever do Vouga, a qual previa a constituição de empresa privada, com integração dos mineiros, que haviam emigrado para França:
A segunda seria encarregar o SFM de revitalizar o Complexo Minero-Metalúrgico do Braçal.

Relativamente à primeira alternativa, manifestei dúvidas de que os antigos mineiros, após uma ausência de 20 anos, em País onde as suas qualidades de trabalho e a sua especialização provavelmente teriam sido apreciadas e satisfatoriamente remuneradas, se interessassem em regressar ao ambiente das minas subterrâneas.

Relativamente à segunda alternativa, fui de opinião que, se o Serviço de Fomento Mineiro pretendesse lançar-se no empreendimento do Braçal e em outros idênticos que viessem a justificar-se, teria que modificar a sua Orgânica, porquanto a que estava em vigor não se mostrava sequer capaz de manter o ritmo de actividade conseguido com a Orgânica anterior.

Insistia na necessidade de elevar o SFM à categoria de empresa pública, criando o Instituto de Investigação Geológica e Mineira, com autonomia administrativa e financeira, conforme minha proposta de 12-1-1975 (Ver post N.º 78), libertando-o da tutela castradora do Director-Geral  Soares Carneiro.
Só um tal Instituto, obviamente a cargo de técnicos competentes e não de nomeação por critérios de outra índole, reuniria as condições exigíveis para enfrentar problemas como este do Braçal.     
       
Não sei o que foi extraído minha informação, para esclarecer o Ministro.
Mas o que, de facto, se verificou, foi a permanência da paralisação de toda a actividade, no antigo Centro Mineiro do Braçal.
       
Tive conhecimento de que, recentemente, a Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), se propôs contratar empresa privada para a execução de novos trabalhos nas Minas de Braçal, Malhada e Coval da Mó.

Mas não se tratava, afinal, de retomar a actividade mineira, como se deduziria da designação da Empresa e como proclama o Geólogo Delfim de Carvalho, na qualidade de seu dirigente, quando refere os objectivos visados pela Empresa.
       
Tratava-se, afinal, de actuar como “Agência Funerária”, promovendo “exéquias condignas” a estas Minas, com a “selagem” de todas as aberturas dos trabalhos subterrâneos para o exterior, a pretexto de “recuperação ambiental”.
       
Não lhe ocorreu a conservação das antigas instalações mineiras e dos acessos ao jazigo, na previsão de que o Centro Mineiro viesse a ser revitalizado.
De facto, a sua nula experiência mineira não o poderia induzir a aceitar o sábio conselho, a que tenho feito referência:   Old mines never die…they just close down, and rest a while”.



        Continua …

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