terça-feira, 15 de outubro de 2013

224 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 15.

        
        A Faixa Piritosa Alentejana é a parcela portuguesa de uma extensa província metalogénica ibérica, mundialmente conhecida pelos seus gigantescos jazigos de sulfuretos (alguns, com centenas de milhões de toneladas) que, desde remotos tempos, têm sido explorados, sobretudo para recuperação de cobre e de enxofre.

        A recuperação de enxofre deixou de ser atractiva, quando este elemento passou a obter-se como subproduto da refinação do petróleo bruto, surgindo, nos mercados, a preços muito inferiores e em quantidades suficientes para o abastecimento das indústrias que dele careciam.

        Em compensação, os progressos na produção de concentrados dos vários metais contidos no minério, tornaram económica a recuperação destes metais, com destaque para o cobre, o zinco, o chumbo, o ouro, a prata, o índio.

        O primeiro Director do SFM, o Eng.º António Bernardo Ferreira, apercebeu-se da real importância desta Faixa, e a ela dedicou especial atenção, contando com forte apoio do Ministro Ferreira Dias.  
       
        Eu fui o Engenheiro do SFM, destacado para dirigir as primeiras investigações na Faixa, com recurso às mais modernas técnicas de prospecção, então disponíveis na indústria mineira. Estávamos em 1944.

        Tive a honra de participar no primeiro notável sucesso do SFM: a descoberta da massa mineralizada de Carraço – Moinho, em Aljustrel,

        Outras descobertas se seguiram, mediante a aplicação das técnicas de prospecção geofísica, com realce para o método gravimétrico, despertando o interesse de grandes Companhias mineiras estrangeiras.
       
        Para tal, muito contribuiu a publicação dos artigos de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” e “The discovery of a new orebody within the Pyrite Belt of Portugal by electromagnetic prospecting”. (Ver post N.º 9)

        Como referi no post anterior, Soares Carneiro, na fase inicial do seu mandato de Director-Geral, não dificultou a minha actividade de Prospecção Mineira.
       
        O meu inveterado optimismo e a minha incorrigível ingenuidade, fizeram-me alimentar a ilusão de que as “Considerações finais” do primeiro dos artigos citados teriam merecido a sua plena concordância.
       
        Assim sendo, confiei que, em futuras adjudicações, respeitaria a disposição legal que classifica os recursos minerais como “bens dominiais”, impossibilitando, portanto, a concessão da sua exploração a entidades estrangeiras.
       
        De facto, tendo eu preconizado a conveniente especialização de técnicos do SFM, para que todos os estudos pudessem ficar a cargo de cidadãos portugueses (Ver post N:º 11), podia garantir ter-se conseguido essa especialização, na 1.ª Brigada de Prospecção.

        Mas Soares Carneiro estava a assumir-se como real dirigente do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), subalternizando este departamento da DGMSG.
       
        Eu já não tinha apreciado que, na inauguração das modernas instalações de S. Mamede de Infesta, as designasse por Laboratórios da DGMSG, quando na realidade, elas se destinaram à sede do SFM, com os seus Gabinetes Técnicos, Secretaria, Biblioteca, Salão de Conferências, Salão de Exposição de Minérios e Rochas de todo o País, Sala de Desenho, Laboratórios, Armazéns, Oficinas, etc., representando, portanto, os Laboratórios apenas uma parcela, embora importante dessas Instalações.

        Soares Carneiro tinha exercido funções no SFM, entre 1942 e 1944, mas não fora brilhante a sua passagem por este Serviço.
        Surpreendeu-me que se tivesse conformado com o papel de Colector do Colaborador Cotelo Neiva, em levantamento geológico da Região de Bragança – Vinhais, de reduzido mérito para os objectivos do SFM. (Ver post N.º 120)
        Não adquiriu a experiência profissional que Bernardo Ferreira ambicionava proporcionar aos técnicos contratados pelo SFM (Ver post N.º 1), para ousar dirigir este importantíssimo departamento.

        Eu acabara por perder a esperança de que viesse a cumprir o que me declarara, quanto ao carácter transitório da nomeação de Múrias como Director do SFM, pois ia-me apercebendo de que a subserviência deste funcionário, era útil à sua estratégia.

        Soares Carneiro passara a exigir que fossem submetidos, à sua prévia apreciação, trabalhos da competência normal do Director do SFM, sem que este fizesse a mínima objecção.
       
        É bem elucidativo o exemplo das sondagens
       
        Nenhuma sondagem poderia ser efectuada sem a sua aprovação, como se ele tivesse preparação técnica para emitir parecer fundamentado!
        Como não tinha essa preparação, o seu despacho era sempre do mesmo teor: “Nada a opor”, escrito à mão, com péssima caligrafia, em letras garrafais, ostentando pesporrência!
        Nunca uma palavra de apreço ou estímulo, não só pelo trabalho produzido, justificativo do projecto, mas também pela esmerada apresentação, com texto e abundantes peças desenhadas.

        Na sua ânsia de assumir um poder absoluto, não só desautorizou o SFM, como ignorou a existência do Conselho Superior de Minas, cujas atribuições de consultadoria obrigatória estavam claramente expressas, no Decreto–lei N.º 18713 de 1930, e em vários outros diplomas legais.
       
        Foi ao ponto de instituir, na DGMSG, uma Comissão, que designou por “Comissão de Fomento”, composta por funcionários superiores dos departamentos da DGMSG (técnicos ou não), com a finalidade de analisar, periodicamente, os casos surgidos nesses departamentos.
       
        Em fastidiosas reuniões, foi muitas vezes referida a necessidade de reestruturar a DGMSG, para aumentar a sua eficácia, mas nada se resolveu.
        Na lei de Minas de 1930 ainda se fizeram pequenas alterações, para tentar corrigir erros na outorga de concessões mineiras. Mas, em minha opinião, o que se conseguiu deu jus à velha expressão “pior a emenda que o soneto
       
        Foi o Secretário de Estado, Rogério Martins, oriundo da antiga CUF (Companhia União Fabril), quem tentou, na sua efémera passagem pelo Governo, alterar a organização da DGMSG, concebendo um projecto que submeteu à apreciação de todas as Direcções-Gerais sob a sua tutela (Ver post N.º 69).
        A intenção era louvável, mas a reacção da DGMSG foi, para ele, inesperada.
        Em vez das opiniões individuais que pretendia, o que lhe foi apresentado foi um parecer colectivo de concordância, quase por unanimidade, apenas com a minha discordância, expressa em “declaração de voto”, pois eu nunca aceitaria a extinção do SFM, que Rogério Martins sugeria.

        Causou-me estupefacção a naturalidade com que Soares Carneiro aceitou a saída das Circunscrições Mineiras do âmbito da DGMS, conforme propôs Rogério Martins.
        Tal conformismo não se conciliava com a ambição de poder que demonstrava ao assumir abusivamente funções da competência de outros departamentos da DGMSG.
       
        Nas reuniões da Comissão de Fomento, os temas com alguma utilidade acabavam por ser, praticamente, os do SFM, pois os restantes tinham um interesse marginal, que não justificava, nem os dispêndios com as deslocações dos funcionários, nem a distracção das suas actividades normais.
       
        Nelas, eu ia dando conta dos resultados que conseguia, mediante a aplicação das variadas técnicas de prospecção mineira.

        Embora o autoritarismo de Soares Carneiro, nesta fase inicial do seu mandato, não fosse bom prenúncio sobre o seu futuro comportamento, o facto de não criar embaraços à minha actividade, induzia-me a considerar positiva a sua atitude relativamente à prospecção mineira.
       
        Soares Carneiro iria fazer uso, da informação que adquiria através das minhas exposições, de um modo muito discutível, relativamente ao respeito pelos interesses do País.

        Isso irei analisar, no próximo post, para justificar a selecção da Faixa Piritosa Alentejana como um dos casos mais emblemáticos do “uso do poder, em oposição ao saber” praticado pelo Director-Geral de Minas Soares Carneiro.
       

        Continua …

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