domingo, 27 de outubro de 2013

225 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 16.

A Faixa Piritosa Alentejana, que seleccionei como terceiro caso emblemático de “uso de poder em oposição ao saber”, impunemente praticado na Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), é também representativa de valiosos recursos que o País não tem sabido aproveitar, em seu próprio benefício, fazendo jus ao velho rifão: Dá Deus nozes a quem não tem dentes".

Sempre estranhei a leviandade, com que personalidades de pretensas elites nacionais faziam, “axiomaticamente”, afirmações depreciativas acerca dos nossos recursos minerais.
Muito me surpreendia a concordância, com tal negativa apreciação, de indivíduos que, no desempenho das suas funções normais, tinham obrigação de zelar pela boa gestão do património mineiro nacional (Ver post N.º 1).

Enquanto, por cá, se invocava a escassez em recursos naturais para justificar o atraso no nosso desenvolvimento, outros países “acorriam, solícitos, em nosso “auxílio”, extraindo o que nós desprezávamos.
E nós até nos mostrávamosagradecidas por migalhas que os “nossos auxiliadores” deixavam, para compensar o esbulho que praticavam!!

Mas, em 1939, houve alguém que tomou a iniciativa de analisar, com seriedade, esta matéria, concluindo que, na maioria das minas, que empresas, estrangeiras ou nacionais, mantinham em exploração, ou em regime de suspensão de lavra, os estudos dos respectivos jazigos enfermavam de deficiências, das quais resultava um mau aproveitamento das suas reservas.

Foi com o objectivo de eliminar essas deficiências que se instituiu o Serviço de Fomento Mineiro (SFM).

Quando fui destacado para dirigir os estudos iniciais do SFM, na Faixa Piritosa Alentejana, impressionou-me, não só a grandiosidade dos jazigos desta Faixa, mas principalmente o facto de a sua exploração estar a ser realizada por empresas estrangeiras.

Nas diversas funções, que ao longo dos anos, fui exercendo no SFM, a Faixa Piritosa Alentejana sempre mereceu a minha atenção prioritária, com o firme propósito de conseguir o racional aproveitamento das vastas potencialidades, que iam sendo progressivamente desvendadas.

Acontecia, porém, que enquanto eu ia criando as condições para que fossem cidadãos portugueses a proceder aos estudos exigidos para um cabal conhecimento da Faixa, sobretudo no que respeita à descoberta de novos jazigos, dirigentes incompetentes e corruptos iam destruindo sistematicamente tudo quanto eu, paciente e diligentemente tinha vindo a construir.

Vale a pena lembrar o curiosíssimo caso da descoberta do jazigo da Estação em Aljustrel (Ver post N.º 35).

Esta descoberta só se tornou possível, depois de eu ter organizado a 1. Brigada de Prospecção, com pessoal especializado, a diversos níveis e depois de ter conseguido, após anos de persistentes esforços, que fossem adquiridos os equipamentos indispensáveis ao uso das diversas técnicas geofísicas e geoquímicas, com realce para o método gravimétrico.

Quando decorria a primeira sondagem, para investigar discreta anomalia gravimétrica que depois se verificou ser a assinatura da concentração piritosa da Estação, surgiram, aos 328 m de profundidade, grandes obstáculos ao prosseguimento da perfuração, ocasionando avultados dispêndios para os tentar remover.
No projecto que o Director-Geral Soares Carneiro tinha aprovado, com o seu característico despacho “Nada a opor”, estava prevista a intersecção de uma concentração de pirite maciça, aos 350 m de profundidade.
       
Todavia, Soares Carneiro, manifestando insólita preocupação de ordem económica, mandava insistentes recados, por intermédio do seu Adjunto Engenheiro Costa Almeida, para eu dar o furo por terminado, alegando ser muito improvável encontrar jazigo a tal profundidade.
O Director do SFM, Múrias de Queiroz, era totalmente alheio ao que se estava a passar.
      
Tive imensa dificuldade em fazer perceber àqueles ignorantes em prospecção mineira que uma anomalia geofísica tem sempre uma causa.
Quando da sua análise, em conjunto com dados de outras técnicas (geológicas, geofísicas ou geoquímicas) se conclui que a causa pode ser jazigo mineral, justificando sondagens, estas têm obrigatoriamente que fornecer a explicação para a anomalia que se investiga, sob pena de se concluir que tal anomalia é “espúria”.

Ora, as formações que a sondagem acima referida tinha atravessado, até à marca de 328m, não revelavam variações de densidade, que explicassem a anomalia.
Era rotina, que eu tinha introduzido, a determinação sistemática das densidades dos testemunhos das sondagens, com equipamento simples por mim concebido.

Lembrarei, oportunamente, que por desprezo deste conceito, tão elementar quanto fundamental, se atrasou 5 anos a descoberta do jazigo de Neves – Corvo.

Tendo-me mostrado inflexível quanto à execução do projecto, tal como tinha sido concebido, a Brigada de Sondagens, insistindo nas suas tentativas, durante vários meses, acabou por conseguir retomar o prosseguimento da sondagem e aconteceu, então, o que deixou os “técnicos de papel selado, residentes em Lisboa, que tinham mandado parar o furo, por considerarem muito improvável encontrar jazigo mineral a tal profundidade, verdadeiramente estupefactos.

Tinha-se penetrado em espessa concentração de pirite maciça, precisamente à marca de 350 m, prevista no projecto!

A atitude destes ignorantes alterou-se, então, profundamente!
Passaram a julgar possível fazer previsões com aquele rigor, quando, na realidade, esse pseudo-rigor aconteceu, por mera casualidade.
As características da anomalia gravimétrica indicavam causa profunda, mas o método, tal como foi aplicado, não permitia determinar a exacta profundidade.
A área prospectada nem sequer era suficientemente ampla, para se poder separar, com exactidão, a anomalia residual da regional.
Uma carta de segundas derivadas, ou outro tratamento matemático, tal como um prolongamento ascendente, teriam permitindo algum progresso na análise da anomalia, mas a imensidão dos cálculos exigidos, embora simples, tornava impraticável a sua execução, em época em que ainda não tinham sido inventados os computadores pessoais.
      
Foi com base em dados geológicos de superfície, que se projectou encontrar o jazigo a 350 m de profundidade.
Usando o clinómetro associado a uma vulgar bússola de Geólogo, mediu-se o pendor do contacto do complexo vulcânico com as formações suprajacentes, na presunção de que o jazigo fosse detectado nesse contacto.
O jazigo foi detectado aos 350 m, mas o contacto, que se situava a muro do jazigo, só foi localizado 75 metros mais abaixo, havendo portanto um desvio desta grandeza, relativamente ao que o pendor medido à superfície indicava.       
Também se não entrou em consideração com dobramentos das formações, que só se tornaram conhecidos, através das sondagens na Mina dos Feitais, que lhe fica próximo.
Portanto, o rigor encontrado era ilusório e só foi prejudicial para os futuros projectos, pois os técnicos sediados em Lisboa já quase exigiam a repetição desse rigor. E isso não mais aconteceu!
      
Registo que o Geólogo novato da 1.ª Brigada de Prospecção, Vítor Manuel de Jesus Oliveira, numa primeira demonstração do seu carácter pouco escrupuloso, chegou a reivindicar para si o rigor casualmente alcançado.
Pena foi que, em subsequentes projectos, em que a sua participação foi solicitada, não tenha conseguido evidenciar rigor idêntico ou sequer aproximado ao que agora reivindicava como seu autor.

Extasiado com o êxito da 1.ª Brigada de Prospecção, o Director-Geral de Minas quis aproveitá-lo para revelar ao Secretário de Estado da Indústria, a elevada eficiência técnica da DGMSG.
Convidado a elaborar a notícia respectiva, apresentei texto sucinto e objectivo, que o Adjunto do Director-Geral, Engenheiro Costa Almeida entendeu necessário ampliar, alegando a conveniência de causar mais profunda sensação ao membro do Governo.

Este “semvergonhista” (como lhe teria chamado o Odorico Paraguaçu da telenovela brasileira), que tantos recados me enviara para suspender o furo que encontrou a pirite da Estação, foi capaz de subscrever o documento para o membro do Governo, juntamente com o Director do SFM, como se ambos tivessem sido co-autores da descoberta, sendo eu convidado a assinar em último lugar!!!!
      
Registo que Múrias de Queiroz, que assinou, em primeiro lugar, na qualidade de Director do SFM, tinha sido o principal responsável pelo enorme atraso na aquisição do gravímetro, que esteve na base da descoberta, quando teve a seu cargo a organização burocrática dos processos de aquisição dos equipamentos necessários à execução dos trabalhos de prospecção, pesquisa e reconhecimento, durante a vigência da anterior Direcção do SFM.

Mas não foi este o único curioso acontecimento relacionado com tão importante êxito.
      
Em Fevereiro de 1968, o Engenheiro Costa Almeida, nas funções de transmissor de recados, que não teve pejo em assumir, para se manter no cargo de Adjunto do Director-Geral, que lhe fora atribuído, por mero favoritismo pessoal, deu-me conhecimento de reclamação apresentada por representantes da Empresa concessionária das Minas de Aljustrel, que “punha em causa a minha honra” (sic).

Os cidadãos belgas De Barsy e Jacques Louis e o Engenheiro Rui Freire de Andrade tinham-se apresentado na DGMSG a reivindicar o direito à concessão de exploração da massa de pirite da Estação, recém-descoberta pelo SFM.
Alegavam que, em conversas com eles, eu teria declarado que a exploração de qualquer jazigo que fosse descoberto num círculo com raio de 5 km, centrado nas Minas de Aljustrel, seria automaticamente concedida à actual concessionária destas Minas.

Não sei o que mais me surpreendeu, se a credibilidade com que as afirmações do concessionário das Minas de Aljustrel foi aceite pelo Director-Geral e pelo seu Adjunto, se a fértil imaginação do concessionário!

Em primeiro lugar, era simplesmente inacreditável que, tanto o Director-Geral e o seu Adjunto como o concessionário das Minas de Aljustrel, revelassem tamanha ignorância da Lei de Minas em vigor, expressa no Decreto-lei N.º 18 713 de 1930.

Todos eles tinham obrigação de saber que a atribuição de uma concessão mineira era da exclusiva competência do Presidente da República, sob proposta devidamente fundamentada da DGMSG, e obedecendo a várias tramitações, entre as quais a publicação de Éditos tendentes a evitar eventuais futuras reclamações.

Como foi possível alguém acreditar que eu, que nem sequer tivera direito a subscrever isoladamente uma descoberta da minha exclusiva paternidade, me apresentasse com direitos superiores ao do Presidente da República?

Em segundo lugar, se algum daqueles técnicos tivesse lido as “Considerações finais “ do artigo de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955 e tivesse acompanhado as minhas diligências posteriores para que fossem cidadãos portugueses a promover o aproveitamento dos recursos nacionais, em nosso próprio benefício e não em benefício de outros países, teria facilmente concluído que nunca seria de minha iniciativa a entrega de uma riqueza nossa a uma potência estrangeira.

Do recado do Engenheiro Costa Almeida constava que eu deveria apresentar documento escrito a marcar a minha posição nesta matéria.

Assim procedi e, em 1 de Março de 1968, enviei, ao Director-Geral de Minas documento de 25 páginas dactilografadas, subordinado ao título “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo. Breve história, com especial relevo para a região de Aljustrel. Minha posição neste problema”.
      
Neste documento, dou conta das minhas constantes diligências no sentido de dar eficaz cumprimento ao programa de prospecção que deixei enunciado no relatório “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955, na Revista do SFM.

Dele destaco o resumo:

       “Cremos ter demonstrado uma acção pessoal persistente, ao longo de muitos anos, no sentido de dotar o SFM dos meios que lhe permitissem atacar capazmente o problema de prospecção de pirites no baixo Alentejo e muitos outros.
       Esta acção, até fins de 1963, não foi superiormente acarinhada.
       Só o estatismo do SFM em tal matéria justificou que se concedessem autorizações de prospecção e pesquisa, das quais Mines d’Aljustrel S.A. beneficiou durante largos anos, em áreas contíguas ou envolventes da sua concessão.
       Se se tivesse dado sequência aos programas propostos pela Brigada do Sul desde 1951, particularmente se o Engenheiro que em, 1953-54, esteve longo tempo a estudar gravimetria, tivesse continuado com este método a seu cargo, integrado numa equipa dinâmica, provavelmente todas as descobertas em Aljustrel, nos últimos 20 anos, teriam sido obra do Serviço de Fomento Mineiro.
       A seguir ao Cerro do Carrasco, estava preparado o êxito do Moinho. E depois destes viriam, naturalmente os de Feitais e Estação e os que podem estar ainda para surgir.
       Mines d’Aljustrel, S.A. não tem qualquer direito ao jazigo que acaba de ser evidenciado na sondagem N.º 1 do SFM.
       Será, pelo contrário, talvez ocasião de pensar num aproveitamento racional das enormes reservas já reveladas nas concessões de Mines d’Aljustrel S.A. e daquelas que, seguramente, ainda podem ser evidenciadas. Trata-se de uma riqueza da Nação que deve reverter principalmente em benefício da gente portuguesa.
       A tendência que vemos, em todo o Mundo, é para o aproveitamento das matérias-primas, nos países em que são extraídas. Efectivamente os grandes lucros são transferidos para as metalurgias.
       Não sabemos se serão viáveis instalações destas no País. Ma sabemos que um estudo desta natureza seria amais que justificada”.

       Fui informado pelo Engenheiro Costa Almeida que o Director-Geral não apreciou este documento e, por isso, nem lhe deu sequer entrada!
       Todavia, eu inseri-o, como anexo, ao meu relatório do mês de Março de 1968 e ao anual de 1968. Ignoro se dos 4 exemplares que enviei ainda resta algum.


       Continua…

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