terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

56 A – 7.ª parte


            XXXVI – A minha decisão de elaborar o Relatório “circunstanciado”
 
Quando fui impedido de fazer trabalho de campo, a Secção de Caminha, apesar dos escassos meios de que dispunha, era o único núcleo do SFM que conseguia manter, no terreno, investigações com elevado nível de qualidade.

Isto acontecia, devido não só a insensatas ordens emitidas por indivíduos que tinham tomado de assalto os cargos dirigentes recentemente criados, mas também ao facto de os mais categorizados técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção terem desertado para outras paragens.

No período de presença de Múrias de Queiroz no cargo de Director do SFM, o sector de “Trabalhos Mineiros”, para cujo desenvolvimento eu dera importante contributo, no desempenho das funções de Chefe da Brigada do Sul, tinha entrado em franco declínio, chegando à extinção!!

A Prospecção Mineira que, nesse período, me foi confiada, apesar de lhe terem sido atribuídas mais amplas funções, excluía a fase de “Trabalhos Mineiros”, não obstante eu ter declarado poder manter, facilmente, essa fase, no meu âmbito de actuação.

Eu conhecia bem a competência técnica do indivíduo indigitado para me substituir, pois era meu subordinado, na Brigada do Sul.

Apesar do auxílio que sempre tive de lhe prestar, para ficar apto a executar as tarefas de que o encarregava, muito pouco consegui que aprendesse, mas consegui a sua ingratidão e até conivência nos obstáculos à minha actuação, em que o Director do SFM era fértil.

Receava, por isso, que o fundamental sector dos Trabalhos Mineiros entrasse em degradação e viesse a extinguir-se, como sucedeu.

Soares Carneiro, usando o seu tradicional poder discricionário, em vez de procurar solução para a crise que se acentuava naquele sector, optou por tirar proveito da situação, dando forte impulso para o deplorável fim, que eu previa.

Dava-se, então, a circunstância de ser na mina de cobre de Aparis, no concelho de Barrancos, que se concentrava a maior actividade, no terreno, de toda a DGGM.

E tinha sido, sob minha orientação, que se iniciara e mantinha em curso o reconhecimento do jazigo.

Estavam já identificadas reservas certas e prováveis, que permitiriam a exploração do jazigo, em termos económicos.

Dentre os projectos que, oportunamente, submeti a apreciação superior, para continuar as investigações relacionadas com o aproveitamento dos recursos do jazigo, destaco os seguintes:

   a) a instituição de novo piso a 210 m de profundidade (já tinham sido efectuados trabalhos de algum vulto no piso 150):
 
    b) a exploração das bolsadas menos importantes que tinham sido identificadas, não só para adquirir experiência nesta fase, mas também para permitir colher os elementos essenciais a uma correcta avaliação, e ainda para compensar as avultadas despesas com o reconhecimento;

    c) o uso da Mina como Mina–Escola para formação pós-graduada de técnicos recém –licenciados, pois era preocupante a deficiente preparação dos técnicos que ingressavam no SFM, pelo facto de os estabelecimentos de ensino superior e médio não proporcionarem formação adequada à execução das tarefas exigidas.

   d) o tratamento metalúrgico do minério, nos fornos eléctricos recebidos ao abrigo do Plano Marshall, que tinham sido instalados no amplo recinto da sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, com o respectivo posto de transformação e linha de alta tensão.
 
Nenhum destes projectos teve o ambicionado seguimento.

A exploração, que nunca me fora autorizada, pelo Conselho Superior de Minas, obteve surpreendente aprovação, quando fui obrigado a deixar o sector de Trabalhos Mineiros.

Mas, como era previsível, o indivíduo que me substituiu nem sequer soube extrair os elementos essenciais para a correcta avaliação do jazigo.

Perante tal incapacidade, Soares Carneiro foi progressivamente apresentando esta Mina como um sério problema de que a DGGM deveria libertar-se, quando o normal seria que os trabalhos realizados, durante a minha chefia, que até tinham suscitado rasgados elogios a categorizados técnicos estrangeiros que a visitaram, servissem de exemplo para o reconhecimento de jazigos similares,

Como consequência desta desvalorização, a Mina acabou por ser praticamente “doada” a Companhia constituída “ad hoc”, por um Professor Catedrático, amigo de Soares Carneiro e por outro Professor, também da Faculdade de Engenharia do Porto.

E esta Companhia iria praticar “lavra ambiciosa”, proibida por lei, que ambos Professores tanto condenavam nas suas aulas, tendo ficado por explorar valiosas parcelas do jazigo, cuja recuperação será agora anti-económica.

E assim findaram, ingloriamente, os Trabalhos Mineiros no SFM!

A 1.ª Brigada de Prospecção, que eu laboriosamente organizara, no Alentejo, tinha entrado em desagregação, com a fuga para outros departamentos, dos principais autores do hediondo documento, que tinha conduzido à minha demissão da chefia daquela Brigada, nas criminosas circunstâncias a que tenho feito frequente alusão.

Lembro que eu tinha proporcionado a esses personagens, excepcionais condições para se tornarem reais especialistas nas técnicas mais adequadas ao cumprimento dos objectivos do SFM.

Mas, renegando tudo isso, os “dedicados servidores”, que tanto empenho manifestaram em corrigir “as deficiências no planeamento, execução e controle das vastas e delicadas tarefas a cargo desta Brigada” (sic), das quais passaram a considerar-me responsável, não hesitaram em abandonar a Brigada, para ocuparem cargos, noutros departamentos da DGGM, com melhor remuneração e muito menor exigência de trabalho.

Jorge Gouveia, em desabafo para comigo, comentou, em termos depreciativos que, por lá, andavam a “inventar trabalho”, para manter ocupado o seu numeroso pessoal, por cuja admissão me responsabilizava.

Reagindo a esta leviana acusação, esclareci que, quando dirigi aquela Brigada, nunca se conseguiam realizar todos os trabalhos que eu projectava e eram, muitas vezes, empresas estrangeiras a efectuá-los, mediante contratos que requeriam ao Estado, não desdenhando, depois, o recurso à colaboração da Brigada.

Jorge Gouveia quisera ainda, deixar bem assinalada a sua efémera passagem pela direcção do SFM, ao ordenar a suspensão das investigações na Faixa Metalífera da Beira Litoral, com uma pueril justificação.

E, naquela data, não existia, no terreno, outra actividade de prospecção, digna de tal designação.

Eu estava consciente de que o ignorante Alcides não tinha a veleidade de se considerar apto a reprogramar a actividade em Caminha.

E não vislumbrava para que pretenderia ele mais um relatório, com a exigência de ser circunstanciado, se nem ele nem os seus apaniguados, tinham demonstrado o mínimo interesse na leitura dos relatórios que eu já tinha apresentado.

Quem pretenderia, então, encarregar da reprogramação?

Daniel não era, com certeza, pois até já o tinha desconsiderado, ao emitir ordem que a este competiria, se a entendesse justificável, sem lhe dar qualquer satisfação.

E Daniel já havia declarado, alto e bom som, que não viera para o SFM para trabalhar!

Seria Reynaud, o parasita que para se manter ocupado, simulando trabalhar, recalculava reservas, apoiado em dados de quem tinha projectado e executado o trabalho no terreno e fizera, com base nos seus resultados, estimativas muito mais fiáveis?

Pretenderia agora Reynaud parasitar o meu trabalho?

O facto real era que nenhum técnico da DGGM teria capacidade para uma séria reprogramação, sabido que, em prospecção mineira, o que de positivo se fizera no SFM, tinha sido com a minha activa participação, no cumprimento de projectos por mim apresentados e superiormente aprovados.

Após alguma reflexão, durante a qual cheguei a ponderar a hipótese de requerer a passagem à aposentação, decidi ultrapassar mais esta afronta, confiante de que, em nova diligência, junto de um Ministro da tutela, menos ignorante e mais consciente dos seus deveres, que surgisse, em futura remodelação governamental, a situação que me tinha sido criada fosse objecto da necessária análise e consequente punição dos malfeitores que tanto prejuízo estavam a causar à economia do País.          

Do Relatório “circunstanciado”, que decidi elaborar, iriam constar:

            a) um longo texto, com cerca de 50 temas organizados em capítulos, alíneas, etc.

            b) 246 peças desenhadas.
           

            XXXVII – A intervenção do Ministro Veiga Simão

A nomeação de Veiga Simão, para a pasta da Indústria, em remodelação governamental que tinha ocorrido, aumentou a esperança, que eu vinha acalentando, de as minhas exposições serem, finalmente analisadas, como mereciam.

De facto, ao contrário de outros Ministros e Secretários de Estado, que haviam sido nomeados sem base em análise curricular, Veiga Simão era bem conhecido, por iniciativas, nas quais evidenciou grande competência, no desempenho de elevados cargos, antes e depois da Revolução de 25 de Abril de 1974.

Logo que concluí o 1.º Capítulo denominado “Informação introdutória circunstanciada”, com 46 páginas dactilografadas a um espaço, enviei-o a este Ministro, acompanhado de ofício a solicitar as urgentes correcções dos desmandos, que nesse Capítulo denunciava e as consequentes punições.

Estava, porém, a ficar decepcionado com a falta de reacção, quando amigos meus providenciaram no sentido de o Ministro me conceder uma audiência.

Veiga Simão recebeu-me, no dia 19-6-1984, no seu gabinete, em edifício da Rua da Horta Seca, indo eu acompanhado de um destes amigos, que era pessoa muito prestigiada, pelo seu saber.

 Este amigo fez a minha apresentação, salientando:
            a) os êxitos do SFM, graças à minha actividade, com destaque para a descoberta de Neves – Corvo,
            b) o meu sucesso como docente da Universidade.

Quando tive a oportunidade de usar da palavra, comecei por entregar ao Ministro cópias dos ofícios que lhe tinha endereçado, perguntando se deles tivera conhecimento.

O Ministro fez rápida leitura, carregou o semblante e disse que a documentação respeitante a Minas era sempre remetida directamente para o Secretário de Estado Rocha Cabral e nem chegava às suas mãos.

Acrescentou julgar que, nas Minas, “tudo corria bem”.

Reagi dizendo que a realidade é que tudo corre muito mal, a exigir urgentes medidas correctivas.

O Ministro prometeu investigar.

Só passados dois meses e meio, me foram enviados alguns dos documentos que esta investigação originou.

Fiquei sem conhecer, por exemplo, o despacho inicial de Veiga Simão e o papel que terá assumido Rocha Cabral, o personagem que tivera o despudor de subscrever despacho insultuoso, concebido para poder contratar, para a função pública, o geólogo Vítor Pereira, que se apresentara como detentor de um currículo claramente falso.

Mas os documentos que recebi foram suficientemente esclarecedores da desorientação que se apoderou de Alcides para justificar a afronta que me tinha feito.

Tendo desconsiderado o Director do SFM, ao proibir-me de realizar trabalho de campo e ao exigir um relatório circunstanciado da minha actividade em Caminha, foi para ele que endossou, agora, o despacho do Ministro!!

Daniel, com a sua habitual cobardia, usou expediente que o libertaria da responsabilidade pelas ordens estranhas que eu recebera.

Mentindo descaradamente, declarou que a minha actividade na Região de Caminha estava subordinada à chefia de Reynaud e, perante tal circunstância, endossou para este personagem, o despacho que havia recebido.

Este “jogo de empurra” terminou em Reynaud, que revelou, então, o seu verdadeiro carácter.

Reynaud esqueceu-se de me ter dito ignorar a convocatória de Daniel para comparecer em Lisboa, com documentação de Caminha, lamentando a “súbita doença”, que o impediu de me receber.

Esqueceu-se também de ter submetido à minha apreciação exercício académico, a comportar-se como aluno que apresenta trabalho ao seu professor.

Esqueceu-se, ainda, de se ter mostrado profundamente consternado com o incrível “despacho” de Alcides e com as consequências que dele pudessem advir.

Colaborando nas mentiras de Daniel, acrescentou muitas outras, para justificar o “despacho” de Alcides e permitiu-se até fazer apreciações desfavoráveis sobre o meu currículo, que demonstrou não conhecer.

O despacho sintético de Veiga Simão, recomendando ao Director-Geral de Minas que aproveitasse a minha capacidade técnica, no cumprimento dos programas superiormente aprovados, demonstra que o Ministro percebeu o estado a que a DGGM havia chegado.

A sua recomendação era clara. O Director-Geral deveria ocupar-se, essencialmente, em promover que trabalho útil fosse produzido por quem tivesse a indispensável competência e não em assumir arrogantes demonstrações de autoridade, desprovidas daquele fundamental suporte.

Eu esperava um despacho muito mais enérgico, mas constatei que o Ministro enfrentava também problemas delicados, no Governo, em que participava.

Talvez um desses problemas derivasse da presença de um Secretário de Estado, que em vez de ser um honesto colaborador da confiança do Ministro, se mostrou conivente com os desmandos na DGGM.

Após o seu despacho, Veiga Simão pouco tempo, mais se manteve nesse Governo.

Alcides e seus comparsas puderam, assim, continuar, impunemente, a praticar atentados contra à indústria mineira nacional.

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