quinta-feira, 30 de abril de 2015

56 A – 8.ª parte

 
XXXVIII– A elaboração do Relatório “circunstanciado”

Na “Ordem de Serviço”, impropriamente designada por “despacho”, que Alcides Rodrigues Pereira emitiu, em escandaloso abuso da autoridade do cargo de Director-Geral de Minas, que irregularmente ocupava, estava implícita a necessidade urgente de um relatório “circunstanciado” da minha actividade na Região de Caminha.

Mas eu não poderia deixar de dar atenção prioritária a um caso de crucial importância, que surgiu, a nível externo, embora com origem na DGGM.

Tratava-se de um projecto de nova Lei de Minas, que tinha sido enviado à Ordem dos Engenheiros, para obter o seu parecer.

Desde longa data, se reconhecera, em reuniões da DGGM, a conveniência de proceder à actualização da lei que vigorava desde 1935, tendo em conta os progressos alcançados, no decurso do tempo, tanto no conhecimento da geologia dos jazigos minerais, como nas técnicas para a exploração destes jazigos.

Porém, apenas ligeiras alterações se efectuavam, as quais até se revelavam de duvidosa eficácia.

 É que não era por carência de disposições legais, que se não aproveitavam devidamente as potencialidades do País em recursos minerais.

Acontecia que a lei não era respeitada pelos Organismos oficiais, que tinham obrigação de a cumprir e fazer cumprir!

Alcides, talvez influenciado pelos “técnicos de papel selado” da sua “entourage”, sediados em Lisboa, pouco mais competentes do que ele, em temas mineiros, quis demonstrar capacidade de corrigir esta situação.

Quando tomei conhecimento de que o tema ia ser debatido, na Ordem dos Engenheiros, entendi dever prestar a minha colaboração, com receio de que viesse a ser posta em vigor uma lei muito pior que a de 1935.

Começou por me causar grande surpresa a informação de que a nova lei já passara em Conselho de Ministros e se encontrava na Assembleia da República, para publicação, só sendo consentidos pequenos aperfeiçoamentos!

E estranhamente, apenas os Engenheiros que presidiam à sessão, dispunham do seu texto!

Durante a discussão, tal como previra, fui induzido a fazer várias intervenções, sobretudo para realçar a importância da investigação científica da ocorrência de recursos minerais no território nacional, defendendo que tal investigação deveria continuar a cargo do Estado, perante a notória insuficiência e falta de qualidade da iniciativa privada.

A nova lei retiraria ao Estado aquele fundamental papel!!!

Seria revogado o Decreto-lei N.º 29 725 que, em 1939, em plena “febre do volfrâmio”, instituiu o Serviço de Fomento Mineiro (SFM), com a finalidade de disciplinar a actividade mineira, que decorria de modo caótico.

Apesar da falta de respeito que Alcides exuberantemente demonstrava pelo cargo que ocupava, custava-me perceber como ele e seus conselheiros ignoraram os espectaculares êxitos do SFM, conseguidos pela actuação de alguns dedicados funcionários, que tiveram capacidade para ultrapassar obstáculos artificialmente criados por dirigentes de mesquinho carácter, preocupados essencialmente com seus interesses pessoais.

Tendo-me sido facultada rápida leitura do texto da lei, em intervalo entre as duas partes da sessão, vi plenamente confirmados os meus receios.

Em conversa com o presidente da sessão, comentei que a nova lei tinha sido feita sobre o joelho e ele concordou abertamente, acrescentando que, na DGGM, se estão a aproveitar da ignorância dos membros do Governo nestas matérias, para obter a aprovação de leis levianas!

A Ordem dos Engenheiros considerou pertinentes as minhas intervenções e solicitou-me a sua apresentação em texto escrito, para envio directo à Assembleia da República.

Mas não ficou por aqui a minha defesa do SFM, na qual, lamentavelmente, não notei participação de qualquer outro Engenheiro dos quadros deste Organismo.

Em oficio que dirigi ao Vice-Primeiro-Ministro, Dr. Almeida Santos, apelei à sua qualidade de jurista para impedir que fosse posta em vigor tão deficiente lei.

E o facto é que a lei não foi aprovada!

Mas foram sobretudo incidentes, a nível interno, que contribuíram para retardar a conclusão do Relatório

Por incrível que pareça, a preocupação dos dirigentes não era, de facto, o Relatório!
Embora simulassem pressa em o receber, tudo inventavam para me perturbarem na sua elaboração!

Era a minha presença na DGGM que os incomodava!

Eu conhecia, de casos anteriores, a incapacidade da Secretaria da sede do SFM, para tarefas fora da sua rotina.

Também o Chefe da Sala de Desenho declarou a indisponibilidade da Sala para colaboração que eu pretendesse, para além de cópias em papel ozalid, de originais que eu preparasse.

Consequentemente, teria de ser eu a dactilografar o texto e a produzir as peças desenhadas.

Mas isto não constituiria dificuldade de maior pois, desde que a minha actividade de gabinete passou a ser exercida nas instalações de S. Mamede de Infesta, me vi compelido a realizar tarefas que, em circunstâncias normais, competiriam a pessoal menos qualificado.

Eu tinha criado melhor organização, na Brigada do Sul, que chefiara, desde 1948 até 1963.
Nessa Brigada, tinha promovido a instrução de pessoal, localmente admitido, para realizar, com eficácia, estas e muitas outras tarefas, de que costumavam encarregar-se técnicos mais qualificados, do ponto de vista académico.

Enquanto nisto me afadigava, recebia acidentais visitas de Alcides e de Daniel.
Alcides parecia arrependido do seu “despacho”, pois me disse “quero vê-lo, de novo, no campo” (sic)!!
Daniel não se coibia dos seus habituais ridículos comentários. Vangloriava-se de não tencionar ler o que eu escrevesse e também de não analisar as peças desenhadas. Disso encarregaria Reynaud, cujo saber admirara, pela “genial” proeza de reavaliar reservas minerais de parcela do jazigo tungstífero de Covas, com base em dados de Empresa americana, já utilizados por esta Empresa, para estimativa muito mais fiável.

Nem Alcides, nem Daniel faziam ideia do que iria constar do relatório, exigido com o carácter de “circunstanciado”.
Surpreendentemente, nas suas visitas, não demonstravam o mínimo interesse em sequer tentar perceber o que eu estava fazendo.

Todavia, em total contradição com esta atitude negativa, a estranha criatura, que ocupava o cargo de Director-Geral de Minas, manifestava a maior preocupação em receber o Relatório!

Como o tempo ia passando e o Relatório não era apresentado, Alcides, inquieto com tal facto, iria novamente ultrapassar Daniel, sem que este reagisse, a nova ofensa à dignidade do seu cargo.
Sem o mínimo escrúpulo, Alcides, envia-me, em 19-7-84, ordem que persiste em denominar de “despacho”, a exigir que informe, no prazo de 10 dias, a data previsível para terminar o Relatório.

Uma semana mais tarde é Daniel a fazer a pergunta, por telefone!
Na minha resposta, com data de 27-7-84, descrevi as condições de trabalho, que estava a enfrentar, concluindo necessitar de dois anos (!) para dar cabal cumprimento ao que me era exigido.
Grande foi a minha surpresa com a aceitação, que este prazo teve!

Eu esperava que Alcides percebesse o seu erro e rectificasse o “despacho”, substituindo “circunstanciado” por “sucinto”, de modo a dispor do que simulava necessitar, em prazo normal, nunca após longo tempo, que deveria, preferencialmente, ser ocupado com real trabalho, não com inoportunos relatos, a adicionar aos muitos que eu tinha produzido e às informações directas que já prestara.

Mas a triste realidade foi que até este longo prazo me impediram de poder cumprir!

Como referi anteriormente, mais que o Relatório, era a minha presença, na DGGM, que alarmava criaturas receosas de que, alguma das minhas exposições aos sucessivos Governos, originasse a severa punição dos responsáveis pelos crimes, que cometiam.
Daniel chegou a aconselhar-me que me dedicasse exclusivamente ao ensino, já que as minhas aulas eram tão apreciadas e os deixasse em paz, a eles, que só recentemente tinham ingressado na DGGM, onde tudo parecia indicar só terem procurado asilo.

Com a sua habitual fanfarronice, foi usando os mais variados pretextos, para abalar a minha calma, esperando talvez induzir-me a requerer a aposentação, à semelhança do procedimento que tinha adoptado com outro colega originário dos extintos Serviços de Prospecção da Junta de Energia Nuclear.

 
Dentre os casos caricatos, em que ele e Alcides foram protagonistas, destaco os seguintes:

1 –Um dos apaniguados de Daniel, cuja ocupação, na sede em Lisboa, consistia em parasitar trabalho por outros efectuado, descobriu que eu não tinha ainda entregue o relatório da minha actividade, respeitante ao ano de 1983.
Daniel, que se vangloriava de não ter lido relatório algum dos que eu já apresentara e de até não ter intenção de ler o que estava elaborando, ficou tão excitado com a lacuna para que foi alertado, que me ameaçou com “processo por incompetência”, com reflexos até nas minhas funções docentes, caso não regularizasse, imediatamente, tão clamorosa falta!!
Se dúvida eu ainda tivesse quanto à sanidade mental do indivíduo que ocupava o cargo de Director do SFM, esta atitude deixou-me perfeitamente esclarecido.
Porém, na tentativa de acalmar tão perigoso personagem, condescendi em desperdiçar algumas horas a elaborar um relatório tornado supérfluo, perante a exigência do “circunstanciado”, ao qual deveria, obviamente, dar prioridade.

2 - Alguns Governos, após a Revolução de 25 de Abril de 1974, aperceberam-se de se ter generalizado, na função pública, a ocupação de cargos de responsabilidade, por pessoas incompetentes.
Fizeram, por isso, publicar Resoluções e normas tendentes a moralizar e disciplinar a Administração Pública.
Uma dessas normas consistia na classificação periódica dos funcionários, a fim de corrigir essa aberrante situação, através de uma criteriosa selecção para os diferentes cargos.
Esta norma foi, porém, escandalosamente pervertida.

Tornara-se evidente, serem os dirigentes de mais elevada categoria que deveriam ser avaliados, pois eram eles os principais responsáveis pelo atraso do País.
Deu-se, na DGGM, o caso caricato de Alcides e Daniel, se terem prestado a fazer a minha classificação, apesar de ambos terem declarado, em diferentes ocasiões, nada perceberem das actividades que eu desempenhava!!!

Era óbvio que eu não iria aceitar tal afronta à minha dignidade profissional, qualquer que fosse a classificação que me atribuíssem.

A Daniel declarei, dever ser ele um dos primeiros funcionários a precisar de ver esclarecida a sua colocação na escala hierárquica do SFM e eu até reunia as condições para o classificar, estando seguro de que daria nota muito negativa, tal era a ignorância que ele constantemente demonstrava, da qual até se ufanava.

Alcides, depois de ter declarado, em resposta a pergunta que lhe fiz, nada perceber das minhas actividades, informou vir classificar-me, porque eu isso pedira e, em nova atitude de extrema grosseria, desmentiu-me quando neguei tal pedido!!

Regressado à sede em Lisboa, deu instruções a sua secretária, para explicar, por telefonema, que a minha classificação se tornou necessária, por eu ter concorrido à Carreira de Investigação, recentemente criada.
 
Fui, pois, compelido a usar muitas horas de trabalho a fazer todas as reclamações que a lei me permitia, apesar de ambos os dirigentes me terem classificado com a pontuação máxima no item da competência técnica.
Era no item das “relações humanas”, que me pontuavam mais desfavoravelmente, ignorando todo o meu excepcional passado neste domínio, como constava de documentos arquivados no meu processo individual.

3 - Uma estranhíssima ordem de Daniel para eu apresentar um “plano de visitas ao campo”, lembrada em insistentes telefonemas, a qual eu interpretava como um grosseiro lapso.
Efectivamente, quando me deslocava ao campo, não era para visitas; era para trabalho e disto eu estava proibido, como ele sabia.
Visitas, tinha-lhe eu proporcionado, por ele não ter ingressado no SFM para trabalhar, conforme ostensivamente declarou.
Perante a minha recusa em obedecer a esta insensata ordem, Daniel encontrou motivo para me instaurar processo disciplinar.

2 comentários:

Unknown disse...

É sempre com enorme prazer que leio as crónicas das suas Vivências Mineiras! a realidade do que escreve é bem esclarecedora do carácter das seus interlocutores! que também conheci profissionalmente e dos quais também formulei opinião idêntica!

Rocha Gomes disse...

Casos imprevistos que ocuparam muito do meu tempo, levaram-me a interromper a normal sequência deste blog.
Só recentemente tomei conhecimento do simpático comentário de Geomineral.
Muito me apraz ver reconhecido o auxílio que tenho vindo a prestar às novas gerações, para evitarem os erros que conduziram à triste situação em que se encontra um País riquíssimo em recursos minerais, - além de muitos outros - que não os tem conseguido aproveitar convenientemente, por razões esclarecidamente assinaladas, há mais de um século, pelo Barão de Eschwege (Ver post N.º 1).
Os meus agradecimentos.
Gostaria de saber quem são os dirigentes de Geomineral e os seus contactos.