sábado, 9 de junho de 2012

199 - Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 23

O documento, publicado no Boletim de Minas, com o título “Prospecção Mineira em Portugal. Áreas potenciais para aplicação de projectos”, da autoria do Geólogo José Goinhas, que tenho vindo a analisar, foi produzido com a declarada intenção de contribuir para novo Plano Mineiro Nacional.

O Ministro Veiga Simão exigira que este Plano fosse apresentado no ano de 1984, a fim de combater grave crise, que considerava estar, então, atravessando, a indústria mineira nacional.
Tal Plano tinha sido sugerido pelo Geólogo Alcides Pereira que, na categoria de Director – Geral de Minas, a que pouco tempo antes conseguira ascender, nas circunstâncias que descrevi nos post N.º 112 e 118, pretendia demonstrar o seu forte empenho na dinamização da nossa indústria mineira.
E o Ministro, cuja formação académica não se orientara para temas mineiros e cuja experiência profissional também se não encaminhara nesse sentido, facilmente caiu no logro deste “Chico esperto”.

Das análises a que já procedi, sobressaem duas conclusões principais.
A primeira é que a crise não tinha carácter geral.
Na realidade, as criteriosas investigações sistemáticas, realizadas durante mais de 30 anos, por núcleos do SFM por mim dirigidos - apesar de inacreditáveis dificuldades criadas por dirigentes sem consciência das responsabilidades inerentes aos seus altos cargos (Ver post Nº 14), tinham sido recompensadas com a sensacional descoberta do jazigo de Neves – Corvo, que viria a revelar-se a maior concentração de minério de cobre, zinco, chumbo e estanho da Europa.
Até já se encontravam em curso trabalhos de grande vulto, visando o início da exploração, a grande profundidade.

E, como mostram vários quadros e mapas, inseridos no documento de Goinhas, foram 25 os contratos celebrados, na década de 80, com Empresas privadas, concedendo direitos de prospecção e pesquisa, para minérios variados, abrangendo vastas áreas do País, muitos dos quais se mantinham em vigor em 1984.

O interesse destas Empresas, quase todas estrangeiras, foi suscitado pela inconsciente alienação, em prol de um consórcio luso – francês, em que predominava a presença francesa, do jazigo de Neves-Corvo, cuja descoberta estava praticamente concretizada, através de forte anomalia gravimétrica detectada pelo SFM.

A este respeito, é oportuno transcrever a seguinte passagem do capítulo final do relatório de minha autoria “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, publicado, em 1955, no Volume X da Revista do SFM, nunca tida na mínima consideração, pelos chamados “técnicos de papel selado” que, no conforto dos seus gabinetes, tomavam decisões sobre matéria a que pareciam alheios:

Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam, para o efeito, adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação do Serviço.
Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades, como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução a pessoal português.
A favor deste modo de proceder falam, não só a economia como o próprio interesse no assunto, que não poderá esperar-se de outros superior ao dos nacionais.”

De facto, a crise, a que o Ministro aludia, afectava, exclusivamente e de modo alarmante, a DGGM, devido à ocupação dos principais cargos directivos deste Organismo estatal, por técnicos incompetentes e de baixo carácter.
Tal degradação de um Organismo que tinha por obrigação zelar escrupulosamente pela defesa do património mineiro nacional, tornou-se possível, por desregrado uso das liberdades conquistadas, após a Revolução de 25 de Abril de 1974.

No desconhecimento dos termos dos contratos celebrados com as empresas privadas, os quais não foram publicados, permito-me duvidar de terem sido devidamente acautelados os interesses nacionais.
E tenho também muito sérias dúvidas quanto ao correcto acompanhamento, pelos serviços oficiais, da actividade destas empresas, de modo a tirar benefício da sua presença.

A segunda é que José Goinhas, estando incluído naquele grupo de técnicos incompetentes e malévolos, não tinha idoneidade para apresentar uma história credível da prospecção mineira em Portugal, e muito menos, para extrair lições tendentes a evitar repetição dos erros responsáveis pela crise a que o Ministro aludiu.
Não se pode esperar de um incompetente que denuncie os erros e oportunismos que ele e seus parceiros coniventes praticaram!

Goinhas não se preocupou com o diagnóstico da situação que o Ministro classificou de grave.
Limitou-se a descrever, de modo atabalhoado, alguns casos, extraídos da extensa bibliografia que disse ter consultado, mas foram frequentes as suas deturpações e sobretudo inadmissíveis as suas deliberadas omissões.
Procurando dar um ordenamento racional ao tema em análise, tratei já as fases que devem preceder os trabalhos mineiros mais desenvolvidos, com o objectivo de definir reservas.

Os trabalhos simples, sanjas, em ocorrências aflorantes, pequenas galerias e pequenos poços, tinham justificação, nas fases iniciais, para avaliar se os dados, que proporcionavam, teriam mérito suficiente para passar às fases seguintes, destinadas à definição de reservas economicamente exploráveis.

Os trabalhos mineiros tradicionais foram aplicados, quase sistematicamente, desde o início da actividade do SFM.
Eram, inicialmente, de pequena envergadura, mas passaram, em alguns casos, a ter desenvolvimentos que atingiam, na horizontal, extensões de quilómetros e, em profundidade, 150 m, abaixo da superfície.

O SFM começou por prestar contas desta sua actividade, em publicações da série “Relatórios”, que citei no post anterior.
Passou, depois, a usar a Revista “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”, para esse fim.
Os relatórios publicados até 1963, são bem elucidativos quanto ao predomínio dos trabalhos mineiros clássicos, sobretudo no Norte do País.
Alterações verificadas em cargos directivos no SFM, no início de 1964, tiveram diversas consequências.
Uma delas foi ter deixado de se publicar o relatório anual da actividade do SFM!

O anterior Director de SFM, o Engenheiro Guimarães dos Santos, tirando partido das qualidades organizativas do Agente Técnico de Engenharia Fernando Macieira encarregava-o de compilar todos os dados para a elaboração desse relatório.
E, pelo que me constava, Fernando Macieira tinha o cuidado de chamar a atenção do Director para comentários e sugestões, que eu inseria nos relatórios dos trabalhos a meu cargo, os quais não eram abonatórios do modo como o Director estava interpretando a sua função, não facilitando, como era seu dever, o cumprimento dos objectivos do SFM.
Estes reparos não iriam, obviamente, constar do texto do relatório para publicação, mas poderão ser consultados nos arquivos oficiais … se não tiverem sido destruídos. Registo que conservo em meu poder, exemplares de todos estes documentos.

Do que foi publicado até 1963, conclui-se que as Brigadas do Norte e do Centro se dispersaram por numerosas ocorrências, em trabalhos, que, de modo geral, tiveram muito reduzida importância, apenas conduzindo, no caso do jazigo de Guadramil, a avaliação de reservas.

Relativamente à actividade destas Brigadas, constam, nesses relatórios, trabalhos nas seguintes minas antigas, inactivas, na quase totalidade:

a) Minas de ferro:
Guadramil e Vila Cova.
b) Minas de ouro:
Vila Meã Vilas Boas, Três Minas, Gralheira, Argeriz, Santa Comba Vales, Poço das Freitas, Tresmundes, Valongo.
c) Sulfuretos de chumbo:
Paradinha, Vale de Campo, Adorigo, Quintanilha, Penabeice, Fontes de Cima, Campo de Víboras, Castelo Branco, Vale da Murta (zona do Braçal), Terramonte (Castelo de Paiva).

Se excluirmos a Faixa Carbonífera do Douro, investigada por sanjas e sondagens, nas circunstâncias que descrevi no post Nº 52, os trabalhos mineiros, efectuados pelas Brigadas do Norte e do Centro do SFM, apenas deram origem a exploração, por empresa privada, no caso da Mina de chumbo argentífero de Terramonte, situada no concelho de Castelo de Paiva.

Não houve capacidade para dar sequência aos numerosos indícios de possíveis jazigos, representados pelas ocorrências que começaram a ser investigadas.
Não havia, nestes núcleos do SFM, preparação para fazer uso das modernas técnicas de prospecção.

Lembro a triste figura que fez o Director Guimarães dos Santos, quando me desloquei, em 1961, à sede do SFM, acompanhado do Professor Robert Woodtly da Universidade de Lausanne, e este se propunha oferecer a colaboração da OCDE no uso destas novas técnicas.
Surpreendentemente, o Director do SFM declarou que no Norte do País, não havia matéria que justificasse a aplicação desses métodos (Ver post Nº 4).
O Colaborador também não prestou ajuda alguma nesta matéria. Duvidava da eficácia dos métodos indirectos.

Houve, todavia, um estranho acontecimento, que me causou grande perplexidade.
Quando estava em curso, na região de Barrancos, sob minha orientação, uma campanha pelo método electromagnético Turam, que já tinha tido grande sucesso na definição do sistema filoniano cuprífero de Aparis, o Director do SFM - Guimarães dos Santos, ordenou que as equipas de campo e de gabinete, por mim constituídas, com pessoal localmente recrutado, se deslocassem à zona Norte, para lá ser aplicado o método.
Recordo que a Brigada de Prospecção Geofísica se tinha revelado incapaz de pôr o equipamento Turam em uso, apesar da total disponibilidade que demonstrei para transmitir a minha experiência no método.
Recordo, também, que o equipamento permaneceu encaixotado, até que eu apresentei proposta para o utilizar, no âmbito da Brigada do Sul (Ver post N.º 13).

Ao ler o relatório respeitante ao ano de 1956, publicado nos fascículos 3 e 4 -do Vol. XII da Revista do SFM, tomei conhecimento de que o método tinha sido aplicado na Mina de Campo de Víboras (Bragança), na qual ocorrem numerosos filões com mineralização de galena e na zona de Castelo Branco (Vimioso e Mogadouro ), com resultados considerados sem interesse.
Permito-me duvidar da correcta aplicação do método, pois não basta usar o pessoal adestrado no trabalho de campo e de gabinete, para o sucesso da técnica.
Seria essencial a criteriosa planificação do trabalho, o controlo da sua execução e a capacidade de interpretar os resultados.
Mas não estivera destacado pessoal habilitado a cumprir estas acções.

Em acentuado contraste com o que se passara no Norte e no Centro do País, no âmbito dos Trabalhos Mineiros, a actividade na Brigada do Sul do SFM, principalmente durante os 15 anos decorridos sob minha orientação e a minha activa participação, foi muito mais intensa, como é claramente evidenciado nos relatórios anuais publicados na Revista do SFM.
Dela resultaram não só várias explorações mineiras, por entidades privadas, com benefício directo para a economia nacional, mas também novos estudos, por entidades privadas, que se interessaram em dar continuidade a programas estabelecidos pelo SFM, através de contratos adequados.

A esses Trabalhos Mineiros, farei mais desenvolvida referência, no próximo post.
Continua …

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