domingo, 22 de julho de 2012

203 – As investigações do SFM na Região de Cercal – Odemira. Continuação 1

No anterior post, comecei a descrever a actuação do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), na Região de Cercal – Odemira.

Conforme tenho relatado, a instituição do SFM tornou-se indispensável, para suprir o escasso interesse das empresas privadas, pela investigação mineira.

Investimentos nesta matéria, não eram considerados atractivos, perante o elevado risco que envolviam.
Havia até empresas que, embora beneficiassem de direitos de exploração, não os utilizavam e mantinham as suas concessões mineiras na situação de “lavra suspensa”, com tolerância da DGMSG, raramente justificável.

Com o declarado intuito de contribuir para novo Plano Mineiro Nacional, exigido pelo Governo, o Geólogo José Goinhas apresentara uma versão da história da “Prospecção Mineira em Portugal”, eivada de deturpações e omissões, com o deliberado propósito de desvalorizar a actuação do SFM, que auspiciosamente o tinha acolhido.

No seu texto, nem uma palavra se encontra, relativamente à importante fase de “Trabalhos Mineiros”, que constituiu a principal actividade da Secção de Cercal – Odemira do SFM, em matéria de prospecção mineira, durante cerca de 14 anos (1942 a 1956).

É certo que, nos seus primórdios (1942 a 1948), esta actividade não decorreu com a desejável eficácia.
O pessoal técnico, destacado para dirigir os estudos, era de recente formação académica e não teve capacidade para se valorizar, de modo a conseguir uma produtividade normal.

Habituado à organização que tinha imprimido na Brigada de Prospecção Eléctrica, cujos rigor e eficiência eram bem conhecidos em todo o SFM, (Ver post N.º 6), impressionou-me uma série de situações aberrantes, com as quais deparei, quando passei a assumir as funções de Chefe da Brigada do Sul.

Passados 6 anos, ainda os técnicos, que tinham apresentado Planos de reconhecimento dos principais sistemas filonianos da Região de Cercal – Odemira, não tinham consciência do real custo dos trabalhos que projectaram e estavam a executar!

Num desses Planos, que está publicado, com o N.º 12, na série “Relatórios” do SFM, consta orçamento, que surpreende, pelo irrealismo dos custos unitários atribuídos aos trabalhos projectados, apesar do seu pretenso rigor (aproximação até aos centavos!!).

Os custos previstos, por metro de avanço, nos quais até se incluía a amortização do material de perfuração, foram os seguintes (!!!):
galerias no xisto encaixante - 160$38
galerias no filão - 174$66
chaminés - 120$23
poços de secção 2,1x1,6 m2 - 404$67
poços de secção 1,6x1,6 m2 - 304$42

O Conselho Superior de Minas, não só aprovou o Plano, de que constava tal orçamento, (too good to be true!), como lhe reconheceu mérito, justificativo de recompensa ao principal autor. (Ver post anterior)

A realidade é que a importância global prevista, de 300 000$00, rapidamente, se esgotara, deixando o Plano muito aquém do seu cumprimento, apesar de não ter sido adquirido material algum!.
Por tal motivo, já tinha sido solicitado um “reforço de verba”, que foi concedido, mas se revelou insuficiente.
Aguardava-se a aprovação de um segundo pedido, recentemente formulado.

Eu estava a ficar deveras preocupado com a tendência para o rápido esvaziamento de uma verba atribuída à Brigada do Sul, com diferente finalidade, que estava a ser utilizada, enquanto não surgia a aprovação do segundo pedido.

Neste novo pedido, o principal autor do orçamento inicial passou a usar, para os trabalhos que estavam por realizar, os custos unitários seguintes:
metro de galeria: 300$00
metro de poço 900$00

A minha preocupação levou-me a tomar a decisão de me deslocar, de Beja a Lisboa, para informar o Director-Geral de Minas das sérias dúvidas que me assolavam, quanto à possibilidade de realizar os trabalhos ainda em falta, com o “reforço” que aguardava aprovação.

O Director-Geral convocou, então, o Inspector Superior, Manuel Maria de Lancastre Ferrão de Castelo-Branco, mais conhecido por Conde de Arrochela, que tinha o processo a seu cargo, e este Inspector Superior logo manifestou grande estranheza por tantos pedidos, para os mesmos trabalhos.

A minha pronta reacção foi dizer-lhe que, também eu achava estranho, mas acrescentei que não assumia o compromisso de completar, com este novo “reforço”, os trabalhos projectados, que tinham merecido aprovação do Conselho Superior de Minas.
O Director-Geral esclareceu que tal situação anómala não era de minha responsabilidade, pois só em data recente assumira a chefia da Brigada do Sul do SFM.

Conde de Arrochela, perante a minha atitude, resolveu aumentar a importância do item de imprevistos, de 10% para 20%, pensando assim ajudar a resolver o problema.

Mas o problema não era, dessa ordem de grandeza!

O que eu iria encontrar descrito em relatórios da Secção, anteriores à minha chefia da Brigada do Sul, foi surpreendente.
Devido a avarias dos velhos moto-compressores, (Ver post anterior), enquanto se procedia à reparação de máquina que ficasse inoperacional, o pessoal cuja actividade dela dependia, era entretido a arranjar caminhos, para se manter ocupado!

Como as avarias eram constantes, não havia, obviamente, orçamento que resistisse a tão inúteis despesas.

Por outro lado, não havia registo das despesas ocasionadas pelas operações exigidas pelos diferentes tipos de trabalhos, em variadas circunstâncias, não só para avaliar a qualidade da execução, mas também com a finalidade de obter dados para elaborar futuros orçamentos.

Não foram difíceis as providências que tive que tomar, para tornar normal a actividade da Secção.

A primeira tinha, obviamente, que ter por objectivo terminar com a inconcebível necessidade de sucessivos “reforços de verba” para efectuar o reconhecimento do sistema filoniano, que tem a sua maior representação na concessão da Serra da Mina.

A solução foi fácil.

Esgotado já o segundo reforço, havia que confrontar as despesas feitas, com os trabalhos que as ocasionaram.
Partindo do princípio de que os trabalhos a executar iriam decorrer em idênticas condições, o problema resumia-se a uma simples regra de três.
O resultado, a que cheguei, atingiu um pouco mais do dobro do orçamento inicial!!!
Foi esta verba que solicitei e foi aprovada, sem objecções.

A segunda foi a decisão de mandar proceder, em competente oficina de Lisboa, a grande reparação de todos os moto-compressores, de modo a eliminar as longas paralisações.

A terceira foi adoptar procedimentos para ficar a saber o custo real dos diferentes trabalhos, nas várias fases da sua execução.
Mandei fazer impressos, para registo diário, por todos os grupos de trabalho, directamente dependentes dos Chefes de Secção.
Nestes impressos figuravam o pessoal e os materiais aplicados. Em coluna de Observações, indicar-se-iam circunstâncias especiais que justificariam preços anormais.

Nos relatórios anuais da Brigada, passaram a constar, com discriminação pormenorizada pelas diversas operações exigidas pelos trabalhos (perfuração, revestimento, transporte, ventilação, esgoto, diversos) mapas de avanços e consumos e mapas de avanços e despesas
Fiquei, assim, a saber o custo real dos trabalhos, nas diversas circunstâncias, em que eram executados, obtendo bases para poder elaborar orçamentos realistas.

Do Plano de reconhecimento do sistema filoniano que tem a sua maior expressão na concessão da Serra da Mina, ficou rapidamente concluído o que era de possível execução.
Não mais se sentiu necessidade de “reforços” e houve até substancial saldo, não só devido às medidas organizativas adoptadas, mas também porque se tornou impossível, com os meios existentes, a realização de alguns trabalhos projectados,

Ocorrera uma situação, que não tinha sido devidamente ponderada.

“Para o esgoto dos poços utilizam-se bombas, que serão movidas a ar comprimido, sempre que for necessário“
É isto que consta no N.º IV do capítulo I do “Plano de pesquisa e reconhecimento em profundidade”, com o título “Meios a empregar na abertura dos trabalhos, transporte extracção, ventilação e esgoto”, (Ver último parágrafo da pág.54 da publicação N.º 12, da série “Relatórios do SFM”),

Mas o que se me tornou evidente foi que, anteriormente à minha chefia, se tinha suspendido a actividade nos poços e nas galerias deles derivadas, sempre que aparecia água e a tinham tentado esgotar, com bombas manuais!!! (Ver pág.35 da mesma publicação)

Ao pretender retomar o trabalho nos poços, verifiquei que os caudais a esgotar eram tais, que tornavam impraticável o seu aprofundamento ou o progresso de galerias deles derivadas, apenas com recurso aos meios disponíveis na Brigada do Sul.

Continua …

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