terça-feira, 5 de novembro de 2013

226 – Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Concessões a estrangeiros. Continuação 17.


        A Faixa Piritosa Alentejana é uma das zonas do País mais representativas da inconsciência com que têm sido alienados alguns dos nossos mais valiosos recursos naturais, em prol de países ricos, praticamente a troco de … nada!

        Tenho vindo a revelar as minhas diligências, ao longo de dezenas de anos, no sentido de passarem a ser portugueses os principais beneficiários dessa nossa riqueza.

        Referi a minha estupefacção perante a naturalidade com que uma Empresa belga, há décadas radicada em Portugal, a extrair minério, que exporta em bruto, ousou reivindicar o direito à exploração de concentração piritosa descoberta pelo SFM.

        Essa Empresa, tão habituada estava a obter direitos, em áreas vizinhas das suas concessões mineiras, apenas com a obrigação, nem sempre satisfatoriamente cumprida, de relatar os trabalhos nelas efectuados e respectivos resultados, que estranhava não lhe ter sido automaticamente outorgada nova concessão, abrangendo a jazida mineral detectada pelo SFM.

        O recado de Costa Almeida era demonstrativo de que o Director-Geral Soares Carneiro não repudiara, por insultuosa, a declaração de eu ter informado as Minas de Aljustrel do seu direito à exploração, de qualquer jazigo que viesse a ser descoberto no interior de um círculo com raio de 5 km, centrado naquelas Minas.

        Considerei deveras lamentável a “amnésia” que afectou, simultaneamente, diversos funcionários que, pouco tempo antes, tinham sido convocados a emitir parecer, acerca do requerimento de “Minas d’Aljustrel S. A” para lhe serem outorgadas duas concessões mineiras, para exploração da concentração de pirite evidenciada na Serra dos Feitais, através de sondagens baseadas em levantamento gravimétrico empreendido pela Lea Cross Geophysical Company, de Inglaterra.

        Quando foi solicitado o meu parecer, já o Director do SFM, Múrias de Queiroz, tinha prestado informação favorável ao deferimento da pretensão de “Minas d’Aljustrel, S.A.”
        Todavia, eu fui abertamente contrário à outorga de duas concessões, porquanto uma superfície de 50 hectares, normal numa concessão mineira, cobria perfeitamente a zona onde tinha sido feita a descoberta.
        Em reunião, posteriormente realizada, em Lisboa, com presença do Chefe da Circunscrição Mineira do Sul, Engenheiro Guilherme de Castro Leandro e de um representante da concessionária, foi efectuada a demarcação de uma única concessão mineira, com a configuração adequada, para permitir o acesso através da Mina de Algares, que a empresa pretendia, para a exploração da recém-descoberta concentração piritosa.
        Curiosa a rectificação que o Director do SFM entendeu fazer à sua informação inicial. Deu parecer favorável, tanto a uma como a duas concessões!!!

        É óbvio que, tendo sido eu o único técnico da DGMSG a emitir parecer restritivo desta natureza, não iria ter a magnanimidade invocada por “Minas d’Aljustrel S.A.”.

        Ignoro qual seria a intenção de Soares Carneiro relativamente a esta reclamação, mas surpreendeu-me o seu desagrado com a minha informação, a ponto de nem ter dado a entrada, que era obrigatória, ao documento esclarecedor, de 25 páginas dactilografadas, que lhe enviei directamente.
       
        Perante a minha informação, seria comprometedor, para Soares Carneiro, atender a reclamação de Minas de Aljustrel.
        Ele não se atrevera a adoptar para comigo o procedimento habitual com Costa Almeida, a quem mandava alterar as informações que lhe solicitava, quando elas não eram do teor que lhe convinha.

        As minhas relações pessoais com todas as Direcções Técnicas e Administrativas que, ao longo dos anos, foram passando pelas Minas de Aljustrel, nunca foram prejudicadas pelo facto de se tratar de empresa estrangeira.
         
        A infracção ao disposto nas leis que impediam estrangeiros de explorar os nossos recursos minerais, por serem classificados como “bens dominiais” era, obviamente, da exclusiva responsabilidade dos serviços oficiais, que terão encontrado justificação para contornar as leis.
       
        É justo, até, reconhecer que as boas relações que mantive com todas as entidades estrangeiras (empresas ou simples individualidades), com as quais estabeleci contactos de ordem profissional, foram extremamente úteis à minha preparação técnica.
        De facto, nunca eu tendo beneficiado de estágios em centros especializados estrangeiros, para meu aperfeiçoamento profissional, como aconteceu com muitos Engenheiros e com Geólogos do SFM, foi mercê dos contactos acima referidos e da minha permanente consulta de Revistas e livros que requisitava, que fui conseguindo introduzir, na actividade do SFM, as mais modernas técnicas de prospecção.
       
        Mas Jacques Louis não conseguiu dominar os seus impulsos. Mostrou-se verdadeiramente agastado, por ter sido indeferida a sua pretensão, sabendo ter sido eu o responsável por tal resolução.
       
        Não reparando que estava em Portugal e não numa colónia belga africana, foi ao ponto de dificultar uma visita de estudo, que eu pretendia fazer, aos trabalhos subterrâneos das Minas de Aljustrel, acompanhado de alunos finalistas do Curso de Geologia, em cumprimento do programa da disciplina de Prospecção Mineira, de cuja regência estava encarregado, como Professor Convidado da Universidade do Porto.

        Eu tinha-lhe dirigido ofício, com ampla antecedência, a preparar a visita, que se enquadrava em vasto programa, que incluía visitas a várias outras Minas do Alentejo e a locais cujo especial interesse geológico-mineiro tinha sido evidenciado pelos estudos do SFM.
       
        Quando chegou a data prevista para essa visita, Jacques Louis, não tinha ainda respondido ao meu ofício.
        Justificou tão insólito facto, com a sua prolongada ausência, e sugeriu o adiamento, por também se encontrar ausente o Engenheiro indicado para nos acompanhar.
        Expliquei-lhe que o meu conhecimento das Minas provém das frequentes visitas que a elas fiz, desde data muito anterior ao seu ingresso como Administrador.
        Declarei saber bem o que pretendia mostrar aos meus alunos, quer quanto ao enquadramento geológico do jazigo e às características do minério, quer quanto aos trabalhos efectuados e em curso para sua exploração.
        Apenas precisava do acompanhamento de um capataz ou outra pessoa responsável, não só para não sermos considerados intrusos, mas também por questões de segurança, perante a natureza dos trabalhos em curso.

        Não pude deixar de considerar muito arrogante a pouca receptividade que lhe mereceu a minha sugestão, até porque era a primeira vez que acontecia uma atitude pouco simpática da parte de um dirigente das Minas de Aljustrel.

        De facto, a empresa só tinha que estar imensamente agradecida pela valiosíssima colaboração que lhe foi prestada pelo SFM, quase gratuitamente, a qual se traduziu na descoberta da massa de Carrasco – Moinho, descoberta que relegou para um plano muito secundário as reservas antes conhecidas em S. João do Deserto e em Algares.

        Jacques Louis ou desconhecia isto ou achava natural que os serviços do Estado Português actuassem em benefício de potência estrangeira, de modo tão generoso.
        De facto, a compensação que tinha sido exigida a Minas de Aljustrel pelo acréscimo de reservas revelado pelo SFM foi simplesmente ridícula, devido à defeituosa interpretação que os “dirigentes de papel selado”, sediados em Lisboa, fizeram do disposto no artigo 5.º do Decreto-lei N.º 29 725 de 28 de Junho de 1939.
        As recompensas exigíveis devem relacionar-se com o real valor das descobertas e não com as despesas efectuadas para a elas chegar.
        É este o racional procedimento em actividades de elevadíssimo risco, como é o caso da prospecção mineira.

        Embora relutantemente, Jacques Louis acabou por concordar com a minha sugestão., indigitando para nos acompanhar, o Senhor Luta, Agente Técnico de Engenharia, que teria sido recentemente admitido ao serviço da Empresa, uma vez que eu nunca tinha ouvido falar dele.
        Dirigi-me, com os alunos, para o local combinado para o encontro e lá aguardamos a chegada de Luta.     Nesse local, estavam já duas pessoas, uma das quais se nos apresentou como sendo o Capataz Zacarias.
        Reparando no companheiro, logo o identifiquei como um antigo trabalhador do SFM, quando, cerca de 30 anos antes, dirigi as campanhas de prospecção nas regiões de Aljustrel e de Castro Verde – Almodôvar.
        Perguntei-lhe se se chamava Camacho e se era filho de um capataz da Mina de S. João do Deserto. Respondeu afirmativamente e reagiu muito afectuosamente, dando-me grande abraço.
        O ambiente, que começara sombrio, logo se desanuviou, facilitando a visita que se efectuou, quando Luta apareceu.
        Luta limitou-se a acompanhar-nos, tendo eu cumprido o programa de ensino aos alunos, tal como tinha planeado.
       

        Continua …

2 comentários:

Rui Matias disse...

É absolutamente indescritível o seu testemunho Engenheiro Rocha Gomes!

A descrição dos factos por si vividos é magnifica! parecer que estamos a viver o "momento"!

Parabéns pelo seu testemunho!

A. Rocha Gomes disse...

Caro Senhor Rui Matias:
Muito agradeço a sua simpática manifestação de apreço
Ela constitui forte estímulo ao prosseguimento no meu propósito de ajudar as novas gerações a evitarem os clamorosos erros do passado, os quais muito contribuíram para a grave crise económica actual.
É caso para dizer que “demos o ouro aos bandidos” e agora queixamo-nos de ser pobres e vamos humildemente mendigar ajudas!