XXXVI – A
minha decisão de elaborar o Relatório “circunstanciado”
Quando fui impedido de fazer trabalho de campo, a Secção de Caminha, apesar dos escassos meios de que dispunha, era o único núcleo do SFM que conseguia manter, no terreno, investigações com elevado nível de qualidade.
Isto
acontecia, devido não só a insensatas ordens emitidas
por indivíduos que tinham tomado de assalto os cargos dirigentes recentemente
criados, mas também ao facto de os mais categorizados técnicos da 1.ª Brigada
de Prospecção terem desertado para outras paragens.
No período de presença de Múrias de Queiroz no cargo de Director do SFM, o sector de “Trabalhos Mineiros”, para cujo desenvolvimento eu dera importante contributo, no desempenho das funções de Chefe da Brigada do Sul, tinha entrado em franco declínio, chegando à extinção!!
A
Prospecção Mineira que, nesse período, me foi confiada, apesar de lhe terem
sido atribuídas mais amplas funções, excluía a fase de “Trabalhos Mineiros”, não
obstante eu ter declarado poder manter, facilmente, essa fase, no meu âmbito de
actuação.
Eu conhecia bem a competência técnica do indivíduo indigitado para me substituir, pois era meu subordinado, na Brigada do Sul.
Apesar do
auxílio que sempre tive de lhe prestar, para ficar apto a executar as tarefas
de que o encarregava, muito pouco consegui que aprendesse, mas consegui a sua
ingratidão e até conivência nos obstáculos à minha actuação, em que o Director
do SFM era fértil.
Receava,
por isso, que o fundamental sector dos Trabalhos Mineiros entrasse em
degradação e viesse a extinguir-se, como sucedeu.
Soares
Carneiro, usando o seu tradicional poder discricionário, em vez de procurar
solução para a crise que se acentuava naquele sector, optou por tirar proveito
da situação, dando forte impulso para o deplorável fim, que eu previa.
Dava-se,
então, a circunstância de ser na mina de cobre de Aparis, no concelho de
Barrancos, que se concentrava a maior actividade, no terreno, de toda a DGGM.
E tinha
sido, sob minha orientação, que se iniciara e mantinha em curso o
reconhecimento do jazigo.
Estavam já identificadas
reservas certas e prováveis, que permitiriam a exploração do jazigo, em termos
económicos.
Dentre os
projectos que, oportunamente, submeti a apreciação superior, para continuar as
investigações relacionadas com o aproveitamento dos recursos do jazigo, destaco
os seguintes:
a) a instituição de novo piso a 210 m de profundidade (já
tinham sido efectuados trabalhos de algum vulto no piso 150):
b) a exploração
das bolsadas menos importantes que tinham sido identificadas, não só para
adquirir experiência nesta fase, mas também para permitir colher os elementos
essenciais a uma correcta avaliação, e ainda para compensar as avultadas
despesas com o reconhecimento;
c) o uso da Mina como
Mina–Escola para formação pós-graduada de técnicos recém –licenciados, pois era
preocupante a deficiente preparação dos técnicos que ingressavam no SFM, pelo
facto de os estabelecimentos de ensino superior e médio não proporcionarem
formação adequada à execução das tarefas exigidas.
d) o tratamento metalúrgico do minério, nos fornos eléctricos
recebidos ao abrigo do Plano Marshall, que tinham sido instalados no amplo
recinto da sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, com o respectivo posto de
transformação e linha de alta tensão.
Nenhum destes
projectos teve o ambicionado seguimento.
A
exploração, que nunca me fora autorizada, pelo Conselho Superior de Minas,
obteve surpreendente aprovação, quando fui obrigado a deixar o sector de
Trabalhos Mineiros.
Mas, como
era previsível, o indivíduo que me substituiu nem sequer soube extrair os
elementos essenciais para a correcta avaliação do jazigo.
Perante tal
incapacidade, Soares Carneiro foi progressivamente apresentando esta Mina como
um sério problema de que a DGGM deveria libertar-se, quando o normal seria que
os trabalhos realizados, durante a minha chefia, que até tinham suscitado rasgados
elogios a categorizados técnicos estrangeiros que a visitaram, servissem de
exemplo para o reconhecimento de jazigos similares,
Como
consequência desta desvalorização, a Mina acabou por ser praticamente “doada” a
Companhia constituída “ad hoc”, por um Professor Catedrático, amigo de Soares
Carneiro e por outro Professor, também da Faculdade de Engenharia do Porto.
E esta
Companhia iria praticar “lavra ambiciosa”, proibida por lei, que ambos Professores
tanto condenavam nas suas aulas, tendo ficado por explorar valiosas parcelas do
jazigo, cuja recuperação será agora anti-económica.
E assim
findaram, ingloriamente, os Trabalhos Mineiros no SFM!
A 1.ª Brigada de Prospecção, que eu laboriosamente organizara, no Alentejo, tinha entrado em desagregação, com a fuga para outros departamentos, dos principais autores do hediondo documento, que tinha conduzido à minha demissão da chefia daquela Brigada, nas criminosas circunstâncias a que tenho feito frequente alusão.
Lembro que
eu tinha proporcionado a esses personagens, excepcionais condições para se
tornarem reais especialistas nas técnicas mais adequadas ao cumprimento dos
objectivos do SFM.
Mas,
renegando tudo isso, os “dedicados servidores”, que tanto empenho manifestaram
em corrigir “as deficiências no planeamento, execução e controle das vastas e
delicadas tarefas a cargo desta Brigada” (sic), das quais passaram a considerar-me
responsável, não hesitaram em abandonar a Brigada, para ocuparem cargos,
noutros departamentos da DGGM, com melhor remuneração e muito menor exigência
de trabalho.
Jorge
Gouveia, em desabafo para comigo, comentou, em termos depreciativos que, por
lá, andavam a “inventar trabalho”, para manter ocupado o seu numeroso pessoal,
por cuja admissão me responsabilizava.
Reagindo a
esta leviana acusação, esclareci que, quando dirigi aquela Brigada, nunca se
conseguiam realizar todos os trabalhos que eu projectava e eram, muitas vezes,
empresas estrangeiras a efectuá-los, mediante contratos que requeriam ao Estado,
não desdenhando, depois, o recurso à colaboração da Brigada.
Jorge Gouveia
quisera ainda, deixar bem assinalada a sua efémera passagem pela direcção do
SFM, ao ordenar a suspensão das investigações na Faixa Metalífera da Beira
Litoral, com uma pueril justificação.
E, naquela
data, não existia, no terreno, outra actividade de prospecção, digna de tal designação.
Eu estava
consciente de que o ignorante Alcides não tinha a veleidade de se considerar
apto a reprogramar a actividade em Caminha.
E não
vislumbrava para que pretenderia ele mais um relatório, com a exigência de ser
circunstanciado, se nem ele nem os seus apaniguados, tinham demonstrado o
mínimo interesse na leitura dos relatórios que eu já tinha apresentado.
Quem
pretenderia, então, encarregar da reprogramação?
Daniel não
era, com certeza, pois até já o tinha desconsiderado, ao emitir ordem que a
este competiria, se a entendesse justificável, sem lhe dar qualquer satisfação.
E Daniel já
havia declarado, alto e bom som, que não viera para o SFM para trabalhar!
Seria
Reynaud, o parasita que para se manter ocupado, simulando trabalhar, recalculava
reservas, apoiado em dados de quem tinha projectado e executado o trabalho no
terreno e fizera, com base nos seus resultados, estimativas muito mais fiáveis?
Pretenderia
agora Reynaud parasitar o meu trabalho?
Após alguma
reflexão, durante a qual cheguei a ponderar a hipótese de requerer a passagem à
aposentação, decidi ultrapassar mais esta afronta, confiante de que, em nova
diligência, junto de um Ministro da tutela, menos ignorante e mais consciente
dos seus deveres, que surgisse, em futura remodelação governamental, a situação
que me tinha sido criada fosse objecto da necessária análise e consequente punição
dos malfeitores que tanto prejuízo estavam a causar à economia do País.
Do Relatório
“circunstanciado”, que decidi elaborar, iriam constar:
a) um longo
texto, com cerca de 50 temas organizados em capítulos, alíneas, etc.
b) 246
peças desenhadas.
XXXVII – A intervenção
do Ministro Veiga Simão
A nomeação
de Veiga Simão, para a pasta da Indústria, em remodelação governamental que
tinha ocorrido, aumentou a esperança, que eu vinha acalentando, de as minhas
exposições serem, finalmente analisadas, como mereciam.
De facto,
ao contrário de outros Ministros e Secretários de Estado, que haviam sido
nomeados sem base em análise curricular, Veiga Simão era bem conhecido, por
iniciativas, nas quais evidenciou grande competência, no desempenho de elevados
cargos, antes e depois da Revolução de 25 de Abril de 1974.
Logo que concluí
o 1.º Capítulo denominado “Informação introdutória circunstanciada”, com 46 páginas
dactilografadas a um espaço, enviei-o a este Ministro, acompanhado de ofício a solicitar
as urgentes correcções dos desmandos, que nesse Capítulo denunciava e as consequentes
punições.
Estava,
porém, a ficar decepcionado com a falta de reacção, quando amigos meus providenciaram
no sentido de o Ministro me conceder uma audiência.
Veiga Simão
recebeu-me, no dia 19-6-1984, no seu gabinete, em edifício da Rua da Horta
Seca, indo eu acompanhado de um destes amigos, que era pessoa muito prestigiada,
pelo seu saber.
b) o meu sucesso como docente da Universidade.
Quando tive
a oportunidade de usar da palavra, comecei por entregar ao Ministro cópias dos
ofícios que lhe tinha endereçado, perguntando se deles tivera conhecimento.
O Ministro
fez rápida leitura, carregou o semblante e disse que a documentação respeitante
a Minas era sempre remetida directamente para o Secretário de Estado Rocha Cabral
e nem chegava às suas mãos.
Acrescentou
julgar que, nas Minas, “tudo corria bem”.
Reagi
dizendo que a realidade é que tudo corre muito mal, a exigir urgentes medidas
correctivas.
O Ministro prometeu
investigar.
Só passados
dois meses e meio, me foram enviados alguns dos documentos que esta
investigação originou.
Fiquei sem
conhecer, por exemplo, o despacho inicial de Veiga Simão e o papel que terá assumido
Rocha Cabral, o personagem que tivera o despudor de subscrever despacho insultuoso,
concebido para poder contratar, para a função pública, o geólogo Vítor Pereira,
que se apresentara como detentor de um currículo claramente falso.
Mas os
documentos que recebi foram suficientemente esclarecedores da desorientação que
se apoderou de Alcides para justificar a afronta que me tinha feito.
Tendo
desconsiderado o Director do SFM, ao proibir-me de realizar trabalho de campo e
ao exigir um relatório circunstanciado da minha actividade em Caminha, foi para
ele que endossou, agora, o despacho do Ministro!!
Daniel, com
a sua habitual cobardia, usou expediente que o libertaria da responsabilidade
pelas ordens estranhas que eu recebera.
Mentindo
descaradamente, declarou que a minha actividade na Região de Caminha estava
subordinada à chefia de Reynaud e, perante tal circunstância, endossou para
este personagem, o despacho que havia recebido.
Este “jogo
de empurra” terminou em Reynaud, que revelou, então, o seu verdadeiro carácter.
Reynaud esqueceu-se
de me ter dito ignorar a convocatória de Daniel para comparecer em Lisboa, com
documentação de Caminha, lamentando a “súbita doença”, que o impediu de me
receber.
Esqueceu-se
também de ter submetido à minha apreciação exercício académico, a comportar-se
como aluno que apresenta trabalho ao seu professor.
Esqueceu-se,
ainda, de se ter mostrado profundamente consternado com o incrível “despacho”
de Alcides e com as consequências que dele pudessem advir.
Colaborando
nas mentiras de Daniel, acrescentou muitas outras, para justificar o “despacho”
de Alcides e permitiu-se até fazer apreciações desfavoráveis sobre o meu currículo,
que demonstrou não conhecer.
O despacho
sintético de Veiga Simão, recomendando ao Director-Geral de Minas que aproveitasse
a minha capacidade técnica, no cumprimento dos programas superiormente
aprovados, demonstra que o Ministro percebeu o estado a que a DGGM havia chegado.
A sua
recomendação era clara. O Director-Geral deveria ocupar-se, essencialmente, em promover
que trabalho útil fosse produzido por quem tivesse a indispensável competência e
não em assumir arrogantes demonstrações de autoridade, desprovidas daquele fundamental
suporte.
Eu esperava
um despacho muito mais enérgico, mas constatei que o Ministro enfrentava também
problemas delicados, no Governo, em que participava.
Talvez um
desses problemas derivasse da presença de um Secretário de Estado, que em vez
de ser um honesto colaborador da confiança do Ministro, se mostrou conivente
com os desmandos na DGGM.
Após o seu
despacho, Veiga Simão pouco tempo, mais se manteve nesse Governo.
Alcides e
seus comparsas puderam, assim, continuar, impunemente, a praticar atentados contra
à indústria mineira nacional.
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