A revelação da verdadeira dimensão deste jazigo é mais um sucesso da actividade do SFM, no Sul do País, podendo considerar-se paradigmático da prospecção mineira.
Na realidade, todas as fases da prospecção foram metodicamente seguidas, sem a indisciplina a que tenho assistido quer por entidades nacionais quer por empresas estrangeiras.
Na 1.ªBrigada de Prospecção, houve a preocupação inicial de formar técnicos capazes de se encarregarem de cada uma dessas fases (V. post N:º 24) ou na impossibilidade de tal conseguir, de solicitar a intervenção de técnicos de outras origens supostamente mais preparados para esse efeito.
Através da consulta à documentação constante dos arquivos da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), tomei conhecimento da existência de um jazigo na região de Portel que, nos finais do século XIX, foi objecto de trabalhos mineiros, pela Companhia Mineira Transtagana, com vista à exploração de massas de sulfuretos, que chegaram a ser consideradas idênticas às da Faixa Piritosa Alentejana.
No Catálogo Descritivo da Secção de Minas (Grupos I e II) da Exposição Industrial das Indústrias Fabris, coordenado sob a direcção de José Augusto C. das Neves Cabral, por Severiano Monteiro e por João Augusto Barata e publicado pela Imprensa Nacional em 1889, é feita, no final de um capítulo dedicado a filões de cobre no Alentejo, a seguinte referência a este jazigo:
“ …entre xistos metamórficos, se compreende o jazigo de Outeiro dos Algares, concelho de Portel, que se supunha ser uma massa piritosa, como as de S. Domingos e Aljustrel, mas que se reconheceu ser apenas constituído por camadas de pirite interestratificadas no xisto metamórfico e calcário sem teor de cobre aproveitável.”
A 1.ª Brigada de Prospecção do SFM, pela sua Secção de Évora, dando continuidade às investigações geológicas e mineiras sistemáticas, que já se encontravam em curso, em vastas áreas da região de Évora, a cargo da Brigada do Sul, sob minha directa orientação, procedeu ao levantamento litológico, sobre mapas à escala 1:5.000, da zona onde se situa o jazigo de Algares de Portel.
Neste levantamento, como era norma por mim estabelecida, distinguiram-se os dados obtidos através de afloramentos, dos inferidos da observação de material solto proveniente da desagregação das formações não aflorantes. Não se tentou introduzir elementos interpretativos da estrutura geológica.
Em resultado desta primeira actividade no terreno, desde fins de 1962 até princípios de 1964, foram encontrados afloramentos ferruginosos que podiam ser interpretados como originados da alteração de sulfuretos. Abertas algumas sanjas, foi confirmada esta hipótese, tendo-se detectado a presença de galena, em pequenas pontuações.
Vários poços, um dos quais rodeado de grande escombreira, na qual ainda era possível encontrara minério piritoso, tornaram patente a antiga actividade mineira
Tais elementos foram considerados com suficiente interesse para se justificar uma campanha de prospecção por métodos geofísicos e geoquímicos.
Foi esta uma boa oportunidade para a equipa, que estava em constituição, fazer uso da formação técnica que tinha adquirido.
Considerando que, no domínio da geologia, muito havia a aperfeiçoar, sobretudo no âmbito estrutural, e não havendo ainda na Brigada geólogos com preparação nesta matéria, pedi a colaboração dos Serviços Geológicos, para o levantamento à escala 1:5.000 de uma área de 8 km2 envolvente das ocorrências minerais que tinham sido encontradas.
Fez-se aplicação dos seguintes métodos: gravimétrico, magnético, polarização espontânea, resistividade eléctrica, electromagnético Turam, geoquímico (análises de teores de zinco, chumbo e cobre).
Obtiveram-se resultados tão expressivos por todos estes métodos, que me foi possível afirmar, em memorando que o Director-Geral me convidou a elaborar para ser presente ao Secretário de Estado da Indústria, ter sido descoberto promissor jazigo de sulfuretos de zinco, chumbo e cobre, ainda antes de se realizarem sondagens.
A campanha de sondagens, iniciada em Abril de 1964, confirmou plenamente as previsões. Por não existir na Brigada Geólogo disponível para o estudo dos testemunhos, foi o Agente Técnico de Engenharia destacado na Secção de Évora quem se encarregou desse estudo e devo dizer que, dentro das suas naturais limitações, fez um estudo minucioso, que se manteve útil mesmo quando a Brigada passou a dispor de um Geólogo supostamente especializado em estudos de jazigos de zinco, ao qual me referirei mais adiante.
Foram encontradas, nestas sondagens, concentrações maciças de um minério complexo composto essencialmente de pirite, pirrotite, blenda, galena, magnetite e barita. Dentre os minerais úteis, destacou-se a presença de blenda, sendo os teores de zinco da ordem dos 3%.
Outra importante conclusão desta descoberta foi a revelação da existência de concentrações de sulfuretos, com predomínio dos de zinco, numa extensa Faixa, coincidente com a Faixa das magnetites, paralela à Faixa Piritosa, estendendo-se desde Ficalho para além de Montemor-o-Novo, com ocorrências já evidenciadas na Serra da Preguiça em Moura, em Vale do Vargo na região de Serpa e em Algares de Portel. Passei a designar esta Faixa como Magnetítica e Zincífera.
Quando a campanha de sondagens se encontrava em curso, a Compaghie Royale Asturienne dês Mines (CRAM), que cumpria ainda um contrato de prospecção na região de Moura – Ficalho, mostrando-se interessada em novo contrato para a região de Portel, elaborou também mapa geológico para a área de 8 km2 que já tinha sido objecto de levantamento pelos Serviços Geológicos.
Aconteceu que este mapa era profundamente divergente do dos Serviços Geológicos. Ambos continham elementos interpretativos muito subjectivos.
Da análise dos três mapas, cheguei à conclusão de que aquele que me oferecia maior confiança era ainda o do SFM, que não continha elementos interpretativos.
A geologia desta zona mereceu ainda a atenção de Geólogo da Universidade de Coimbra, para uma tese a apresentar na Universidade de Nancy, sob a orientação do Professor Bernard.
Esperava-se desta colaboração um significativo progresso no conhecimento da geologia da zona. Todavia, tal não se verificou. O geólogo soube criticar a qualidade dos levantamentos a que teve acesso, mas a sua contribuição para melhorar essa qualidade foi praticamente nula. Teve, porém., a habilidade de incluir na sua tese, sem que para tal estivesse autorizado os mapas geofísicos e geoquímicos que eu lhe havia facultado para ajudar a construir a estrutura geológica da região.
Quando já tinham sido efectuadas 17 sondagens, numa extensão de cerca de 1 km, surgiu-me oportunidade de apresentar este caso de sucesso, juntamente com o êxito da aplicação do método electromagnético na definição do sistema de filões cupríferos de Aparis (V. post N.º 21), nas “Primeiras Jornadas de Engenharia de Moçambique”, que iriam ter lugar em Lourenço Marques, em fins de Abril de 1965.
De facto, encontrando-me, em meados de Abril de 1965, num dos habituais períodos de trabalho em Beja, recebi telefonema do Engenheiro Adjunto do Director-Geral informando-me de que eu tinha sido designado para representar a Metrópole nas Jornadas de Engenharia a que aludi.
Surpreendido com tal missão para que estava indigitado, manifestei a minha apreensão perante a dificuldade que teria em preparar, no escasso tempo disponível, comunicação para apresentar às Jornadas. Afinal, a realização dessas Jornadas há muito tempo que era do conhecimento da Direcção-Geral, surpreendendo-me que só então me fosse comunicado que seria eu o representante da Metrópole. Obtive como reacção que não se tornava necessário apresentar qualquer comunicação. Bastaria a minha simples presença!
Não me conformei com esta atitude e todos os esforços envidei para poder apresentar às Jornadas, em Lourenço Marques uma comunicação que intitulei “Dois casos de aplicação de técnicas geofísicas e geoquímicas à prospecção mineira na Metrópole”. O texto desta comunicação foi já elaborado em Lourenço Marques.
Para sua apresentação e discussão, visto que não estava prevista, tive apenas cerca de uns 10 minutos! De salientar a estimativa de reservas superiores a 4 milhões de toneladas, feita com base na anomalia gravimétrica. De salientar, também o controlo sistemático das densidades das formações atravessadas pelas sondagens para avaliar se as anomalias gravimétricas estavam explicadas ou se seriam necessários novos trabalhos para investigar a sua causa total.
Esta comunicação despertou grande interesse a um dos Engenheiros mais categorizados dos Serviços mineiros oficiais da Província de Moçambique. Pretendeu aproveitar a experiência do SFM em métodos geofísicos e geoquímicos para fazer estagiar na 1.ª Brigada de Prospecção alguns técnicos desses Serviços e criar posteriormente em Moçambique um departamento com idênticas atribuições para fomentar o desenvolvimento da indústria mineira da Província.
O referido engenheiro veio à Metrópole tomar contacto directo com os trabalhos de prospecção que se encontravam em curso sobretudo no Sul do País e, na sequência dos dados que colheu vieram alguns técnicos fazer estágios nessas técnicas.
A minha comunicação foi publicada em volume da Sociedade de Estudos de Moçambique.
A título de curiosidade, revelo que este engenheiro, quando da independência de Moçambique, regressou a Portugal e, com mais uma surpresa minha, foi nomeado Director do SFM, ocupando a vaga aberta em consequência da abdicação do anterior Director, o qual, por sua vez, foi nomeado Inspector Superior da Direcção-Geral dos Serviços de Prospecção da Junta de Energia Nuclear, isto é, de um Organismo que já tinha sido extinto!
Impreparado para tão importante cargo, seria natural que viessem a registar-se as naturais consequências.
À evolução do SFM no sentido da sua destruição, após o mau uso das liberdades surgidas com a Revolução de Abril de 1974, me irei referir oportunamente, como já tenho prometido algumas vezes.
Quando ainda decorria o reconhecimento deste jazigo, por uma primeira série de sondagens, alguns grupos empresariais estrangeiros, que já se encontravam instalados em Portugal, manifestaram interesse em se candidatarem a contrato de prospecção e pesquisa mineira, para esta região de Portel, com vista à futura obtenção de concessões de exploração.
Foi superiormente decidido, em fins de 1965, aproveitar este interesse, através da abertura de concurso público, publicado no Diário do Governo. Uma das cláusulas do concurso, que por mim havia sido sugerida, estabelecia que a empresa adjudicatária se obrigaria a instalar indústria metalúrgica no País, caso as reservas que viessem a ser evidenciadas atingissem montante que a justificasse.
Foi a primeira vez que uma tal cláusula foi inserida, sendo certo que já o Decreto-lei N.º 18713 de 1 de Agosto de 1930 que durante 60 anos regulou a indústria mineira nacional previa no seu preâmbulo a imposição do tratamento metalúrgico de alguns minérios, em conformidade com a planeada política de fomento.
Nenhuma das propostas recebidas considerava esta hipótese e, por isso, a área não foi adjudicada, tendo, por isso, prosseguido o estudo pela 1.ª Brigada de Prospecção do SFM.
Em meados de 1967, foi, por minha indicação, contratado o geólogo que, para obter formação no estudo de jazigos de zinco, eu tinha aconselhado a integrar a equipa da Compagnie Royale Asturienne dês Mines (CRAM), especializada não só na prospecção, pesquisa e exploração de jazigos de zinco e chumbo, mas também no tratamento metalúrgico dos minérios que explorava.
O geólogo tivera oportunidade de participar, durante alguns anos, em estudos que a CRAM tinha em curso, em Portugal e também no norte de África, sendo, por isso, de prever que tivesse adquirido a especialização de que a 1.ª Brigada de Prospecção estava carecida.
Logo o encarreguei de aperfeiçoar os estudos que vinham sendo efectuados na Faixa Zincífera e Magnetítica, sem a intervenção de geólogo.
Com carácter prioritário, apresentou-se novo exame dos testemunhos das sondagens em Algares de Portel, para definir, com maior precisão o enquadramento estrutural das zonas mineralizadas.
Simultaneamente, o geólogo passou a fazer o estudo dos testemunhos das sondagens efectuadas na área da Balsa, na proximidade de Algares, onde anteriores levantamentos litológicos tinham detectado a existência de mineralizações de blenda e galena em formações dolomíticas.
Dos estudos deste geólogo resultou uma interpretação bastante subjectiva, até certo ponto admissível, pois apesar de terem sido efectuadas 40 sondagens, dada a sua dispersão por vasta área, não seria fácil ainda obter uma imagem suficientemente fidedigna da estrutura geológica. Uma tentativa feita por prestigiado geólogo de Mining Explorations (Internatrional), a quem foi facultada a consultas aos mesmos testemunhos, conduziu a resultado consideravelmente diferente.
Com base na estrutura que concebeu, o geólogo do SFM procedeu a uma estimativa das reservas de minérios (classificadas como prováveis e possíveis!) do conjunto Algares – Balsa, tendo chegado aos seguintes valores, que constam de artigo publicado no Tomo II, Secção 4 do I Congresso Hispano – Luso – Americano de Geologia Económica (CHILAGE):
Algares – 4.750.000 a 7.000.000 toneladas de minério com teores médios de 3% a 4% de Zn, 0,45% a 0,55% de Pb e 11 a 12 gr/t de Ag e 6.500.000 toneladas de minério piritoso;
Balsa: - 4.500.000 toneladas de minério com 2,35% a 2,75 % de Zn, 0,60 a 0,75% de Pb e 29 a 35 gr de Ag.
Esta região continuava em investigação com vista à melhor definição da estrutura geológica e localização de eventuais bolsadas com mais elevados teores, quando fui afastado da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção.
Tomei conhecimento, pela leitura do Volume 42, N.º 1 do Boletim de Minas (2007) que, por contrato de 20-3-2007, foi adjudicada à Empresa Maepa – Empreendimentos Mineiros e Participações, L.da, uma área de 28.057 ha, dos concelhos de Portel e Vidigueira, para a prospecção e pesquisa de minérios de Zn, Pb, Ag, Cu, Au.
Não constam, porém, desse Boletim os termos do contrato, nem tem sido regra prestar informação sobre os resultados da actividade das empresas que cumprem contratos de prospecção e pesquisa com o Estado português.
Registo que o SFM, no seu relatório anual que publicava em “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”, prestava completa informação da sua actividade, bem como da actividade das empresas que cumpriam contratos de prospecção com o Estado.
Este procedimento, que tão útil era à comunidade mineira terminou em 1963, quando se deu a segunda substituição do cargo de Director do SFM.
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