terça-feira, 14 de dezembro de 2010

151 – O 5.º Director do SFM

Conforme referi, no post anterior, o Engenheiro Fernando da Silva Daniel, oriundo da indústria privada, esteve, durante três horas, em sala contígua ao gabinete do Director-Geral de Minas, aguardando que este o chamasse para lhe dar conhecimento do que tinha sido acordado na reunião que acabava de ter comigo.

Causou-me estranheza mais este acto de indelicadeza e desrespeito por princípios éticos elementares.

O cargo de Director do Serviço de Fomento Mineiro exigia que lhe fosse conferida dignidade correspondente às suas elevadas funções.

Em meu entender, Fernando Daniel também deveria ter sido convocado para a reunião, e deveria ter participado na análise da situação decadente em que se encontrava o SFM.
Seria de esperar que, dessa análise, resultasse uma clara definição dos projectos a cumprir e das regras a respeitar para uma eficaz execução.

Até para funcionário subalterno seria censurável tratamento igual ao que foi dispensado ao Engenheiro Daniel.
A um futuro dirigente do departamento mais importante de toda a DGGM, era inadmissível semelhante humilhação.

Perante o que descrevi no post anterior, fiquei convencido de que a decisão final de nomear o Engenheiro Daniel, para o cargo de Director do SFM, estaria dependente da minha aprovação, e Daniel disso estaria consciente.

Durante a sua curta presença no gabinete do Director-Geral, Daniel, que já se sujeitara àquele desprestigiante tratamento inicial, depressa demonstrou que talvez dele fosse merecedor.
De facto, rapidamente revelou carácter muito diferente do que eu tinha o direito de esperar, não só por ter sido escolhido para o cargo, mas também pelas boas referências que Nabais Conde me fizera a seu respeito.

Não foi um encontro franco e cordial de técnicos que encarassem, com entusiasmo, a resolução dos aliciantes problemas suscitados pela prospecção mineira.
Mais uma vez, parecia começar a confirmar-se a famosa lei de Murphy.

Como era inevitável, o tema em que eu mais insistia, na conversa a três, era a decadência, em que o SFM mergulhara, a qual tinha conduzido à demissão de Jorge Gouveia da respectiva chefia.

Grande foi a minha decepção, quando Fernando Daniel, em vez de mostrar interesse em analisar as causas de tal decadência e em introduzir as correcções que se impunham, fez o seguinte infeliz comentário, quando eu me propunha auxiliá-lo no correcto desempenho das suas futuras funções “Vemos nos outros aquilo que nós somos!”.
Interpretei que já estava negativamente influenciado por elementos nocivos da DGGM, com os quais teria contactado.

Avisei-o de que tinha que conhecer com quem iria trabalhar, salientando que, com os actuais chefes, não iria a lado algum!
Como exemplo típico, citei o caso do Geólogo de recente contratação, Luís Francisco Viegas, que apesar da sua comprovada incompetência e da indisciplina que acrescentou ao SFM, conseguiu, talvez por considerações de ordem política (gabava-se da sua militância na LCI – Liga Comunista Internacionalista) ascender a Chefe de Divisão.
Daniel reage, dizendo acreditar nos que dele faziam boas referências.
Deduzo que os seus informadores pertenceriam ao grupo de ignorantes no qual Viegas se incluía.

Num discurso desconexo, pretendeu mostrar desinteresse pelo passado do SFM, dando a entender que só o futuro o preocupava.
Idêntica atitude tinha assumido Jorge Gouveia, quando fora nomeado para o cargo, o que constituía mais um mau prenúncio.
Procurei esclarecê-lo de que o futuro teria, obviamente que ser alicerçado na experiência válida acumulada ao longo dos 40 anos que o SFM já contava. Insistiu em discordar.

Acompanhei-o até à porta do edifício de António Enes, onde me aguardava nova surpresa.
Já lhe tinha sido distribuída uma viatura Renault 4L, para seu uso pessoal, e era nela que iria regressar à sua residência em Oeiras! Privilégio sem base legal!

Na curta conversa que tivemos, antes de entrar na viatura, começou por me revelar a sua tentativa de ingressar na DGGM, na década de 70, à qual Soares Carneiro se opôs. Comentou que, nessa época, só entravam Geólogos.

Demonstrou, em seguida, que, afinal, contrariamente ao que afirmara, se interessara pelo passado do SFM, pois estava bem informado de comportamentos reprováveis de vários funcionários.

Referiu-se, por exemplo, à Secção de Vila Viçosa, onde o seu Chefe, Manuel Camarinhas, se dedicava essencialmente a trabalhos particulares, em pedreiras.
Informei o que conhecia do passado de Camarinhas, desde a longa permanência em levantamentos geológicos de deficiente qualidade, integrado na 2.ª Brigada de Levantamentos Litológicos, até ao início da actividade de prospecção mineira, integrado no 1.º Serviço, sob minha direcção, na qual mostrou dificuldade de adaptação, pois estava habituado a um regime de trabalho muito pouco exigente, acabando, porém, por constituir uma Secção verdadeiramente eficaz.

Pergunto-lhe se sabe o que fazem as Secções de Melres, Mirandela, S. João da Madeira, Aveiro e Coimbra e se tem conhecimento de passeatas de funcionários, a colher amostras com o único objectivo de justificar deslocações com direito a ajudas de custo.
Declarou conhecer bem o estado em que o SFM se encontrava, o que, de novo, me surpreendeu.
Não pude deixar de manifestar as minhas sérias dúvidas. Disse-lhe mesmo: “Você não sabe no que se meteu!”

As suas referências a técnicos superiores da DGGM eram essencialmente de ordem política, nos seus aspectos mais negativos.
Goinhas, dirigente do PSD em Beja, estava mais envolvido nos problemas do partido, que no desempenho das suas funções no SFM.
Borralho também se tinha politizado, mas em partido de esquerda, por isso, previa choques entre ambos.
De Delfim de Carvalho, realçava a pressa em se filiar no Partido Socialista.
Só muito mais tarde, tomei conhecimento de que, afinal, também a nomeação de Daniel obedecera a favorecimento político. Teria sido Mota Pinto, que chegara a exercer o cargo de Primeiro-Ministro, quem o recomendara para Director do SFM.

Comentou, ironicamente, que a Direcção-Geral de Minas actuava em benefício de Soares Carneiro, fazendo “uns trabalhos de prospecção”.
Conseguindo manter-me calmo, perante tão insensata depreciação da principal actividade do SFM, expliquei-lhe que os trabalhos de prospecção por mim dirigidos faziam a admiração de estrangeiros, e nunca tinham sido orientados para proveito de Soares Carneiro; mas sim em defesa dos reais interesses do País.
Por ser notório que nunca trabalhei para agradar a dirigentes; tive permanentes dificuldades na Direcção-Geral.

Falando-se da exposição dos 25 funcionários contratados da 1.ª Brigada de Prospecção que conduziu à minha demissão da chefia desta Brigada, atribuiu o principal papel ao Geólogo Goinhas, mas não manifestou repulsa pelo acto, nem disposição para corrigir a situação que me foi criada pelo calunioso documento.
Para que se tornasse possível a realização de trabalho útil, no SFM, era essencial sanear o ambiente, enfrentando corajosamente os problemas suscitados por aquela sórdida exposição.
E não parecia que Daniel tivesse tal disposição.
Ele colocava-se numa posição subalterna, de ex-infeliz companheiro de trabalho de Goinhas e, daquele grupo de 25 funcionários, só este Geólogo o preocupava.
Tinha tido, com ele, sérios problemas, quando ambos estiveram contratados pela Compagnie Royale Asturienne des Mines, durante as investigações desta Companhia nas Minas das Preguiças em Moura e parecia agora disposto a retaliar.

Abordando o tema de Neves – Corvo, diz que Soares Carneiro apresentava Delfim – o seu delfim – como o autor da descoberta, mas ele atribuía-a ao Geólogo Nabais Conde, assim demonstrando total ignorância, quanto ao fundamental papel do SFM neste sucesso.
Informei-o da entrega da área, sem eu ter sido consultado, a uma Associação privada, quando a anomalia gravimétrica, que era a assinatura do jazigo, estava quase totalmente definida. Não pareceu, porém, acreditar tratar-se de um êxito essencialmente do SFM.

Não notei, em Daniel, capacidade para exercer, com eficácia e dignidade, as funções em que iria ser investido.

Apesar desta desagradável apresentação, mantive a esperança de poder esclarecê-lo, quanto às medidas indispensáveis para fazer sair o SFM da deplorável situação em que se encontrava.
Ficou combinado um encontro, talvez em S. Mamede de Infesta, dentro de 2 a 3 semanas, para mais ampla análise da situação do SFM e para definir o papel que eu deveria desempenhar, nesta fase da minha carreira profissional,
Não mostrava pressa, o que continuava a não ser de bom augúrio.

Continua …

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