segunda-feira, 29 de novembro de 2010

150 - Alcides Pereira manda secretária transmitir ordem para eu comparecer, no seu gabinete, em Lisboa

Em 7-9-83, regressado de um dia de trabalho de campo, na região de Caminha, fui informado de que Alcides Pereira deixara mensagem para eu lhe telefonar.

Quando pretendia dar cumprimento a esta ordem, não foi Alcides quem me atendeu.
Não teve essa consideração, como exigiam princípios elementares de ética e deontologia profissional, apesar de saber que eu, com 40 anos de permanência no SFM, era, não só o funcionário mais antigo da DGGM, mas também o técnico detentor do mais valioso currículo, sendo responsável pelos maiores êxitos do SFM, em toda a sua existência.

Foi D. Maria Eugénia quem surgiu ao telefone, dizendo ser sua secretária e logo comunicando ter sido incumbida de transmitir convocatória para me apresentar no gabinete, do Director-Geral, em Lisboa, na próxima 6.ª feira, 9 de Setembro.
Perguntei qual era a agenda de trabalhos. Respondeu não saber!

Perante o que constava sobre a demissão de Jorge Gouveia, era de prever que Alcides pretendesse terminar com a situação originada pela sucessão de ordens ilegais e lesivas da eficiência do SFM, que tinham confinado a minha actividade à região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.

Eu apresentava os meus relatórios, na qualidade de Chefe do Serviço de Prospecção Mineira do SFM, cujas funções eram extensivas a todo o território metropolitano nacional, porquanto todas as ordens, visando restringir essas funções, tinham sido emitidas por Comissões ilegalmente constituídas, conforme demonstrei, em reuniões na Secretaria de Estado da Indústria.
Numa dessas reuniões, em que tinham participado o Dr. Luís Lobo, em representação do Ministro da Indústria e Alcides Pereira, em representação do Secretário de Estado, ficou claramente confirmada essa indiscutível ilegalidade (Ver post n.º 112).

Seguiram-se as exonerações de Soares Carneiro e de Múrias de Queiroz dos cargos de Director-Geral e de Director do Serviço de Fomento Mineiro, sem que lhes fossem exigidas responsabilidades pela degradação que tinham introduzido no SFM e também noutros departamentos da Direcção-Geral de Minas.

Após as duas Resoluções que o Conselhos de Ministros sentiu necessidade de publicar, para exigir que o respeito pela hierarquia e a competência profissional fossem princípios fundamentais para a nomeação de cargos dirigentes (Ver posts n.ºs 128 e 133), esperavam-se medidas enérgicas no sentido de serem corrigidas as decisões erradas que tinham justificado a exoneração daqueles funcionários.

Não foi, porém, isso que aconteceu, como tenho vindo a revelar em sucessivos posts.

Pelo contrário. Os novos dirigentes que, em escandalosa desobediência àquelas Resoluções, não tinham sido escolhidos com base em competência técnica ou outros predicados, patentes nos seus currículos, não tinham, obviamente, capacidade nem autoridade moral, para corrigir esses erros e, muito menos, para promover a responsabilização de quem permitiu o “assalto” aos cargos de chefia criados pela Decreto-lei 548 /77.
Eles, afinal, incluíam-se no bando de “assaltantes”.
Por isso e por comodismo que gera inércia, começaram por aceitar a situação que receberam e acabaram até por agravá-la.
Daí resultou a necessidade de exonerar Jorge Gouveia.

Alcides era um exemplo típico do “Chico esperto” português.

De modestíssimo funcionário do Gabinete para a Prospecção e Exploração de Petróleo (Organismo cuja existência não tinha justificação, conforme denunciei no post n.º 118), conseguiu, em apenas três anos, ser promovido ao cargo máximo na DGGM!!!

Na reunião de 10-8-77, a que fiz referência no post n.º 112, Alcides Pereira, na qualidade que lhe tinha sido conferida de representante do Secretário de Estado da Indústria, foi por mim informado, na presença de Soares Carneiro e de Múrias de Queiroz, de vasta série de irregularidades cometidas por ambos estes funcionários, que então detinham ainda os cargos de Director-Geral de Minas e de Director do SFM, respectivamente.

Apresentei documentos comprovativos de tudo quanto afirmei, salientando que, na sua maioria, já deviam constar dos arquivos da Secretaria de Estado, pois tinham sido enviadas cópias, em várias das minhas exposições, a solicitar a intervenção governamental para travar a marcha do SFM no sentido da sua destruição.
Alcides Pereira pediu que lhe deixasse todos esses documentos para serem devidamente analisados.
Acedi ao seu pedido, com a condição de me serem devolvidos, pois de alguns deles não tinha cópias.
Alcides concordou, mas nunca devolveu tais documentos, com diversas evasivas que, juntamente com outras das suas atitudes, não eram abonatórias do seu carácter.

Por consequência, quando, em 11-11-1980, foi nomeado Director-Geral de Minas, estava plenamente informado das graves irregularidades que, na DGGM estavam a ser impunemente cometidas.

No entanto, o seu comportamento, como Director-Geral, caracterizou-se por uma total passividade, perante as atitudes criminosas que lhe revelara, permitindo que Jorge Gouveia se mantivesse nas funções de Director do SFM, durante mais 3 anos, apesar de ele persistir nas irregularidades do seu antecessor, e até ter contribuído para apressar a destruição do Organismo que lhe fora confiado.

Perante o carácter que Alcides Pereira já tinha evidenciado, de que acabei de dar elucidativos aspectos, eu não esperava uma boa recepção.
Fui preparado para ter que abandonar o SFM, encarando a possibilidade de me transferir, a tempo inteiro, para uma das várias Faculdades (Ciências ou Engenharia da Universidade do Porto, ou Geociências da Universidade de Aveiro), cujos dirigentes, em variadas ocasiões, haviam manifestado empenho em que eu participasse mais activamente na preparação dos seus alunos.

Logo no início da reunião me apercebi de que as minhas apreensões tinham plena justificação.
Alcides começou por breve comentário sobre o “caos” em que disse ter encontrado a Direcção-Geral, que Soares Carneiro lhe deixara.
À minha pergunta sobre as explicações ao País sobre os fundamentos da exoneração do seu antecessor, não soube ou, se sabia, não quis responder.
Sem perda de tempo, logo lhe chamei a atenção para as diversas Comissões ilegais que ocasionaram consideráveis prejuízos ao País, lembrando-lhe as minhas denúncias, na reunião de 10-8-77, em que ele participara ainda como representante do Secretário de Estado da Indústria.

Teve o enorme despudor de declarar que se não lembrava dessa reunião e que a permanência de tais Comissões ilegais se baseava em “razões políticas”!!!

Procurei esclarecê-lo de que o Serviço de Fomento Mineiro è um Organismo eminentemente técnico e que, em conformidade com o Decreto de sua criação, tem por objectivo promover o racional aproveitamento dos recursos minerais do País.
Tem, por isso, que dispor de um conjunto de técnicos com a competência exigida para o metódico cumprimento das sucessivas fases em que deve desenvolver-se a inventariação desses recursos e a sua futura exploração.

Alcides alude a um certo mal-estar que tem detectado no SFM, manifestando o desejo de corrigir essa inconveniente situação,
Pretendia que os funcionários se sentissem bem, nas funções que estivessem a desempenhar.
Não tive dúvidas em declarar que, há cerca de 35 anos, tenho sentido esse mal-estar e, várias vezes, encarei a hipótese de abandonar o Serviço, aproveitando convites que me foram feitos, quer para organismos oficiais da Metrópole, quer para as ex-províncias ultramarinas.
Com excepção do primeiro Director, o Engenheiro António Bernardo Ferreira, prematuramente falecido, sempre tive maus chefes.
Todavia, nunca se havia chegado tão longe em decisões erradas, como no mandato de Jorge Gouveia, com o consequente desrespeito pelo bom uso dos dinheiros públicos.

Muito do que eu estava a dizer já tinha sido exposto em 1977, quando me recebeu na Secretaria de Estado de Indústria.
Insistiu que não se lembrava!!!.

Apesar do mau ambiente criado à minha volta, disse-lhe que sempre estive de alma e coração no SFM, mas não estava a servir dirigentes que, por acidente, passavam por este Organismo. Estava a servir o País!

Após esta infeliz introdução, Alcides passou a referir a existência de um “esquema da estrutura da DGGM”, salientando que, “pela primeira vez, o SFM tem o seu diploma orgânico”.
Mostrei-me surpreendido, pois tal diploma não era do meu conhecimento.
O que eu sabia e constava de publicação no Diário da República, era a nomeação para os cargos directivos criados pelo Decreto 548/77 de diversos funcionários, sem qualquer relação com os respectivos currículos, mantendo-se a estrutura que vigorava desde 1963, com a divisão do SFM, em vários Serviços, subdivididos em Secções, dos quais o Serviço de Prospecção continuava a meu cargo.

Não me dando a conhecer tal diploma orgânico, pergunta-me onde me enquadro.

Respondo-lhe que, perante o meu currículo, que ele tinha obrigação de conhecer e respeitar, era a mim que competia dirigir o SFM, como era reconhecido nos sectores sãos deste Organismo, embora fosse notório que muitos funcionários preferiam continuar com o regabofe, que se tinha instalado sobretudo após a Revolução de Abril de 1974.
Afinal também ele reconhecera o caos em que mergulhara a DGGM.
Revelei-lhe que no SFM, desde 1944, sempre desempenhei, efectivamente e não nominalmente, funções de chefia, nunca tendo recebido remuneração correspondente a essas chefias, com isso deixando de receber alguns milhares de contos.
No entanto, há actualmente funcionários com cargos de chefia que nada chefiam, não só porque não souberam preparar pessoal (Ver post n.º 138), mas também porque quem os nomeou não destinou, ainda, projectos concretos para eles.
Além disso, sendo os meus boletins itinerários preenchidos com respeito pela verdade, sou remunerado em grande inferioridade relativamente a muitos outros técnicos, que foram autorizados a preencherem os seus boletins com deslocações fictícias.

Quando me referi aos êxitos do SFM, originados pela minha actividade, os quais tiveram a sua maior expressão na descoberta do jazigo de dimensão mundial de Neves-Corvo, percebi que a sua ignorância em prospecção mineira era tal que não valeria a pena perder tempo em grande explicações. Ele nunca frequentara cadeira de Prospecção Mineira!
Duvido até que tivesse penetrado nalguma mina, antes do seu ingresso como Subdirector-geral na DGGM!

Confirmava-se a sua característica de corpo estranho à DGGM.

Não manifestou o mínimo apreço pelos êxitos que consegui.

No entanto, foi sancionar, com a sua presença oficial, em sessão solene, a condecoração a Xavier Leca, por membro do Governo francês que, em reconhecimento pela descoberta do jazigo de Neves-Corvo, de que era considerado o principal autor (!!!), se deslocara propositadamente a Portugal.
Não tivera capacidade para perceber o que eu, mais tarde, iria publicar em revista inglesa, isto é, que Leca, em vez de condecorado, deveria ter sido responsabilizado por vários erros que cometeu, sobretudo pelo atraso de 5 anos que originou na descoberta.

Também não mostrou reconhecimento pela colaboração que eu vinha prestando a várias instituições de ensino superior e médio, nem reprovação pela hostilidade de Gouveia no aproveitamento de oferta de colaboração da Faculdade de Ciências do Porto, no estudo de testemunhos da Região de Caminha, não obstante ter prometido publicamente toda a colaboração para que fossem formados os bons técnicos de que o País necessita!

Refiro o argumento que alguns elementos do SFM puseram a circular acerca do”meu mau feitio” e pergunto como foi possível organizar a mais importante Brigada do SFM, mantendo más relações com o pessoal.
Saliento as óptimas relações, nalguns casos durante mais de 30 anos, com a maior parte dos técnicos que me atraiçoaram, para poderem usar procedimentos fraudulentos no preenchimento dos seus boletins itinerários, vendendo-se a Soares Carneiro, que os aconselhara nesses procedimentos, não se apercebendo de que a permanência deste funcionário no cargo de Director-Geral estava próxima do fim.

Chamo-lhe a atenção para o vergonhoso documento que subscreveram pedindo a minha demissão da chefia da 1,ª Brigada de Prospecção, por me ter recusado a visar esses boletins itinerários fraudulentos.

Com o maior dos despudores, Alcides disse desconhecer tal documento, que lhe havia deixado na Secretaria de Estado, quando por lá passara e que antes tinha sido enviado directamente ao Secretário de Estado!!!
Tenho até ofício em que ele Alcides se refere a esta fraude das ajudas de custo.

Alcides informa que, realmente se encarou a hipótese de eu ser nomeado Director do SFM…, mas que “se não foi por aí”.
Foi esta a (não) explicação que foi capaz de apresentar para me informar que tinha sido escolhido um Engenheiro vindo da indústria privada, para passar a dirigir o Fomento Mineiro.

Informou-me que estava indigitado o Engenheiro Fernando da Silva Daniel, que vinha de Minas de Aljustrel.

Quis saber a minha opinião a seu respeito.

Informei não o conhecer, mas que Nabais Conde, Geólogo que me merecia especial consideração, fizera dele boas referências.

A reunião prolongou-se por cerca de três horas, durante as quais Alcides Pereira, pretendendo demonstrar preocupação em bem desempenhar o cargo em que fora investido, conseguia sempre reforçar a ideia que eu dele criara, de ser um “corpo estranho”, dentro da DGGM.

Parecia ignorar os reais objectivos do SFM. Não lhe ouvi uma única referência aos projectos que deveriam ser cumpridos.
Mas mostrava-se exigente para comigo na entrega de relatórios da actividade que eu dirigia em Caminha, patenteando completa ignorância quanto aos numerosos relatórios em que eu dava detalhada conta dessa actividade, um dos quais até fora objecto de publicação!
Nesta matéria, estava a seguir o exemplo das ilegais e incompetentes Comissões, que Conselhos de Ministros haviam condenado!

Chamei-lhe a atenção para a obrigatoriedade de os Organismos oficiais prestarem, ao País, contas do modo como administram os dinheiros públicos, esclarecendo-o que, até 1963, o SFM prestava, no seu relatório anual, publicado em “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro” essas contas, com todo o pormenor.
Porém, a partir de 1963, tal prática terminou, por incapacidade do novo dirigente do SFM.
Era importante que ele, Alcides Pereira se preocupasse mais em retomar a antiga prática, para que o País tomasse verdadeiro conhecimento do modo como estão a ser utilizados os dinheiros destinados ao inventário dos seus recursos minerais, do que em insistir em novos relatórios sobre áreas de que são constantemente apresentados documentos elucidativos da actividade em curso.

Também lhe chamei a atenção para relatórios importantes de estudos concluídos na 1.ª Brigada de Prospecção, que nunca foram apresentados tais como, Vale do Vargo, Oradas, Portel, Vale de Pães, Montemor-o.-Novo.

Não mostrou o mínimo interesse em analisar os reais problemas com que se debatia o SFM.

Fugia às questões que tinham conduzido o SFM à decadência em que se encontrava, mentindo, com o maior despudor, quando afirmava não se lembrar da exposição que eu fizera em 10-8-77, na Secretaria de Estado da Indústria. E também não revelava a mínima disposição em analisar agora os factos que voltei a relatar-lhe.

Acerca da minha posição na hierarquia da DGGM, considerava-a mal definida. Todavia afirma que já no tempo de Soares Carneiro, eu me encontrava na directa dependência do Director-Geral e que ele não alterara essa posição.
Contestei, naturalmente, tal afirmação, lembrando que Soares Carneiro dera franco acolhimento a um pedido de sanções disciplinares apresentado por uma Comissão dita de Direcção do SFM, por eu ter recusado acatar as ordens que dela recebera que considerara ilegais.
Também não era verdade que ele Alcides me considerasse na sua directa dependência, pois, durante os três anos que já levava no cargo de Director-Geral, jamais dele recebera quaisquer instruções de trabalho e era este o primeiro contacto que com ele tinha após a reunião de 10-8-77, ainda na qualidade de Assessor do Secretário de Estado da Indústria.
Por outro lado, Gouveia, tentara, por mais de uma vez, colocar-me na dependência de Goinhas, que estava nomeado Director da Prospecção, apesar de ser de seu conhecimento o procedimento criminoso que este Geólogo tinha tido para comigo.

Sempre tenho assinado documentos na qualidade de Chefe do 1.º Serviço e a receber correspondência também nessa qualidade, pois jamais surgiu Ordem de Serviço legal que me retirasse tal chefia.

Alcides termina a reunião, propondo que eu continue a dirigir a campanha de prospecção na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, directamente subordinado a Daniel, se o projecto for considerado com interesse.

Curiosíssima esta condição final!

Alcides admitia que eu tivesse estado dele directamente dependente, desde que assumiu o cargo de Director-Geral, porque herdara essa situação, do seu antecessor.

Ao impor esta condição demonstrara que nunca lera os meus relatórios, nos quais eu insistira, vigorosamente, em que me fossem entregues todos os documentos (incluindo testemunhos de sondagens), que, por minha exclusiva iniciativa, tinham sido entregues por Union Carbide, para eu poder fazer uma reavaliação do projecto.

Por outro lado, a quem poderia ele encarregar de fazer a apreciação de um projecto apresentado pelo técnico, com provas dadas, de ser, de longe, o mais competente, em matéria de prospecção mineira, dentro de toda a Direcção-Geral de Minas, senão do País?

Era caso para dizer: “Perdoai-lhe, Senhor, que ele não sabe o que diz, e o mal que está a fazer ao País!”

Manda chamar Daniel, que se encontrava aguardando o fim da reunião, em sala contígua e faz as apresentações, informando Daniel da decisão que tinha sido tomada a meu respeito.

No próximo post, referirei as primeiras atitudes para comigo, deste novo Director do SFM.

Sem comentários: