Prosseguindo
na apresentação de três casos emblemáticos de “oposição
do poder ao saber”, que seleccionei, dentre muitos que tiveram trágicas
consequências na vida de portugueses envolvidos em actividades mineiras, passo
a descrever, o caso seguinte.
À
concessão mineira de Braçal-Malhada correspondia o N.º 1, no livro “Minas
concedidas no Continente”, publicado em 1946, pela Direcção-Geral de Minas e
Serviços Geológicos (DGMSG).
Braçal
era, portanto, a mais antiga mina registada na DGMSG. Datava de 1836.
Por
circunstância fortuita, fui residir, na área desta concessão mineira, durante 4
meses (Maio a Agosto) do ano de 1946.
A
minha principal zona de actividade situava-se, então, na região Sul do País, estando
a meu cargo a chefia da Brigada de Prospecção Eléctrica, cujo programa de
trabalhos consistia na investigação, pelo método electromagnético Turam, da
Faixa Piritosa Alentejana, que inicialmente era considerada ocupar uma
superfície de 120 km x 20 km, desde a fronteira com Espanha no concelho de
Mértola até ao Oceano Atlântico, no concelho de Grândola.
De
Agosto de 1944 a meados de Maio de 1945, tive residência em instalações da Mina
de S, Domingos cedidas pela empresa inglesa Mason and Barry, que explorava o
jazigo ali existente.
Nesse
período foi investigada a área, cujas características geológicas lhe conferiam
potencialidade para a ocorrência de novas concentrações de pirite complexa.
Em
Maio de 1945, a Brigada transferiu-se para a região de Aljustrel, ficando eu a
residir em edifício cedido pela empresa belga “Socièté Anonyme Belge des Mines
d’Aljustrel”, que era a concessionária da exploração de jazigo de pirite ali
existente.
Em
Aljustrel, surgiu, no início do verão de 1946, um problema que obrigou à
suspensão temporária das investigações pela técnica geofísica, que tinha sido
escolhida para detectar as concentrações ocultas de minério piritoso.
A
cultura do trigo, nessa região, estava generalizada e o desenvolvimento das searas,
a partir de Maio, não permitia os atravessamentos, que eram necessários para a colheita
dos elementos geofísicos, sem lhes ocasionar prejuízos.
O Director do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), então em exercício – O Engenheiro António Bernardo Ferreira – aproveitou esta oportunidade para tentar valorizar o jazigo de chumbo do Braçal, que já tinha chamado a sua atenção, pelas suas singulares características, talvez únicas no País, quanto à ocorrência de galena argentífera.
Tratava-se
de um sistema filoniano, com alguns quilómetros de extensão, de minério simples,
de fácil concentração, que já tinha sido alvo de intensa exploração, em
variadas épocas, comprovada desde a ocupação romana do território, chegando, na
zona da Malhada, a atingir a profundidade de 400 m.
Bernardo
Ferreira admitia poderem detectar-se prolongamentos de filões conhecidos e
novos filões, mediante a aplicação de método electromagnético.
Foram
estas, portanto, as razões pelas quais fui residir para as Minas do Braçal.
Logo
de início, fiquei favoravelmente impressionado, por me ser facultado prestar
auxílio a Empresa portuguesa, pois à medida que me ia introduzindo no meio mineiro
nacional (tinha, então 26 anos de idade e 2 de actividade profissional), me
surpreendia que todas as nossas principais riquezas minerais estivessem a ser
exploradas por Companhias estrangeiras, cujos trabalhos nem sempre respeitavam
a legislação mineira do País, sobretudo do ponto de vista ambiental, perante a passividade
dos departamentos de fiscalização da DGMSG.
Estas boas impressões iniciais foram obtendo confirmação, à medida que tomava conhecimento da actividade que, então, decorria nas Minas.
Lembro-me
de ter ouvido referir a Companhia “Previdente”, cujos principais accionistas pertenceriam
a uma família de nome Simões.
Foi
essa Companhia que instituiu, em 1942, uma sua afiliada designada por “Companhia
Industrial e Agrícola do Braçal”, com o objectivo de aproveitar não
apenas os recursos minerais, mas também os florestais, existentes na região de Sever
do Vouga.
No
que respeita aos recursos minerais, esta nova Companhia, apercebera-se do
elevado teor em chumbo das enormes escombreiras originadas por antigas
explorações.
Tendo
adquirido a concessão mineira, começou por recuperar a galena contida nessas antigas
escombreiras, em lavaria, que para o efeito instalou.
Parecia ter sido este o móbil principal, para a Companhia se interessar pelas Minas.
Não estando,
porém, os resultados a corresponder às expectativas optimistas que tinham sido geradas,
talvez por deficiência da amostragem previamente executada, a Companhia decidiu
dar início a nova fase de exploração mineira.
Em
1946, tive oportunidade de visitar os trabalhos subterrâneos da Mina do Braçal,
entrando pelo Poço Matias, acompanhado pelo Agente Técnico de Engenharia João
de Oliveira Vidal, que era o responsável local por toda a actividade de
carácter técnico, em curso nas Minas.
Achei
extraordinário que nenhum trabalho novo (galeria, poço ou chaminé) tivesse sido
necessário, até então, para encontrar minério suficiente para ir alimentando a
lavaria.
Bastava
extrair o minério que anteriores exploradores haviam deixado intacto, por não
terem considerado o seu teor em galena susceptível de gerar lucro!
O
senhor Vidal era, em 1946, um jovem, que estava ainda a adquirir a experiência
exigível pelas importantes funções que lhe competia desempenhar.
Pude
observar quão dedicadamente procurava exercer essas funções.
Foi
por isso, com consternação, que assisti a ásperas censuras do veterano Engenheiro
Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, em visita de fiscalização, que fez, na
companhia de ambos nós, aos trabalhos subterrâneos a que acima me referi, por
ter notado deficiências das quais eu nem me tinha apercebido, tão habituado
estava a ver, tolerados ou ignorados, erros muito mais graves praticados por grandes
empresas.
Eu
até esperava que, em consonância com o objectivo de fomento da indústria
mineira nacional que esteve na base da transferência da Brigada que eu chefiava
para a Mina do Braçal, aquele veterano dirigente tivesse palavras de estímulo
para com o jovem Vidal, pelos seus esforços para aproveitar uma riqueza que já estava
a beneficiar a região, pelos empregos que gerava.
Durante
os 4 meses em que residi na área das Minas, tive ocasião de observar que nelas
trabalhava um numeroso grupo de operários especializados, que tornava possível
a realização dos mais variados trabalhos: carpinteiros, ferreiros,
serralheiros, electricistas, motoristas, fundidores, administrativos, etc…
De
realçar o facto de se produzir, na concessão, chumbo metálico e até alguns artefactos
usando este metal.
Isto
fora conseguido, recuperando um forno que tinha sido instalado no século XIX,
num dos períodos áureos deste Centro Mineiro.
Regressado
ao Alentejo, mantive o meu interesse em acompanhar os progressos que se
registavam na Mina do Braçal.
Por
notícias que lia ou ouvia, fiquei a saber que ali chegaram a trabalhar mais de 700
operários, fazendo da empresa concessionária uma das maiores do distrito de
Aveiro.
Divulgaram-se
as seguintes produções de lingotes de chumbo
Em
1944 – 106 370 kg
Em
1950 – 590 644 kgEm 1955 – 899 885 kg
Em 1958, a empresa concessionária, alegando forte desvalorização de chumbo, no mercado internacional, decidiu encerrar o complexo mineiro.
Registo
que a exploração não terminou, por esgotamento do jazigo.
A
Companhia Previdente, a que atrás me referi, declarou obter chumbo, por
importação, a preço inferior ao custo do que era produzido na Mina do Braçal.
Todavia,
não conheci provas concretas desta afirmação.
O “Diário de
Lisboa” de 15/12/1959 noticiava do seguinte modo este trágico acontecimento:
Permitiu-se
o encerramento de uma exploração mineira, com indústria transformadora anexa.
Cerca
de 600 mineiros, trabalhadores do concelho de Sever do Vouga, ficaram sem
trabalho, deixando na miséria milhares de pessoas das suas famílias Houve, então, uma determinação do Governo dando prioridade a esses desempregados, para emigrarem para França.
Causou-me
profunda estranheza, tanto a atitude da Companhia industrial e Agrícola do
Braçal, como a atitude da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos
(DGMSG).
É
conhecido que a variação cíclica das cotações dos metais ocasiona períodos de
prosperidade às empresas que exploram os minérios desses metais, seguidos de
períodos em que a exploração não é suficientemente remuneradora.
Uma
boa administração terá que contar com isso.
No
caso presente, a concessionária como não se dedicava exclusivamente à
actividade mineira, poderia até compensar parcial ou totalmente as eventuais perdas
nesta actividade, melhorando o aproveitamento dos recursos florestais.
A
Empresa devia estar consciente de que as leis em vigor visavam estimular o racional
aproveitamento dos nossos recursos minerais.
O Decreto-lei N.º 18713 de 1-8-1930, que se manteve válido, durante 60 anos, com ligeiras
actualizações, nem sempre felizes, consta que os jazigos minerais são
propriedade do Estado, podendo a sua exploração ser objecto de concessão, sob
condições exaradas no respectivo alvará, subscrito pelo Presidente da
República.
Entre
estas condições figura a obrigatoriedade de a exploração ser regularmente mantida,
só se aceitando suspensão temporária, se devidamente justificada e
superiormente autorizada.
À Empresa era
facultada a transmissão da concessão.
Caso
não tivesse conseguido encontrar entidade interessada, restava-lhe requerer o
abandono, o que a obrigava a tomar medidas que acautelassem não apenas a segurança
e os aspectos ambientais, mas também a manutenção da Mina como unidade
industrial apta a retomar a lavra, visto que o jazigo não fora declarado
esgotado.
Era-lhe, por conseguinte, vedado desafectar
qualquer dos acessórios necessários à futura exploração, tais como edifícios,
lavaria, instalações metalúrgicas, caminhos-de-ferro mineiros, etc…, sem
autorização governamental.
“Compete ao Estado, na
medida em que lhe é possível, tomar as medidas necessárias para estimular e até
forçar os particulares a não manterem inaproveitadas riquezas que oferecem
possibilidades de trabalho para uma parte da população".
-A Circunscrição Mineira do Norte, tinha a obrigação de manter válida a concessão, visto que o jazigo não fora considerado esgotado.
-Em
cumprimento da lei, devia declarar a concessão na situação de abandonada,
podendo consequentemente ser objecto de nova adjudicação, normalmente através
de concurso público.
-Não deveria
ter permitido a desafectação de qualquer dos seus acessórios, para
não dificultar uma futura exploração.
-Em
completo desrespeito por todos estes preceitos legais, a Circunscrição Mineira
do Norte promoveu que fosse revogada a mais antiga concessão
registada no País, sendo certo que se mantinham válidas milhares de
concessões, sem actividade alguma e até sem que existisse, em várias delas,
minério justificativo da atribuição do respectivo alvará!!
Continua…
2 comentários:
Exmo Sr. Professor,
Novamente, os meus parabéns pela preciosa informação sobre recursos minerais/naturais, tal como de história veiculada pelo seu blog.
Com os meus melhores cumprimentos
Mário Brito
Mestre em Engenharia Mecânica
Investigador IN+/IST
Ex.mo Amigo:
Os meus agradecimentos, pelas suas estimulantes palavras.
Espero continuar a não desiludir os meus leitores, em novos posts, que tenho previstos.
Um abraço
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