Prossigo
nas minhas reflexões sobre o caso das Minas do Braçal, que seleccionei como um
dos mais emblemáticos de “oposição do
poder ao saber” praticados por dirigentes de Organismos oficiais.
Além
de grande insensibilidade perante um drama humano, que poderia ter sido evitado,
ou, pelo menos, atenuado, houve, da parte destes dirigentes, grande desrespeito
pelas leis em vigor!!
1
– Art. 90: As concessões mineiras
podem ser declaradas abandonadas, por despacho do Secretário de Estado da
Indústria, revertendo para o Estado:
a) A requerimento do
concessionário;
b) Por caducidade da concessão
2
– Art. 91: A DGMSG indicará em qualquer
dos casos as medidas de segurança necessárias.
3 – Art. 93: Verificando-se que o valor industrial da mina é suficiente para justificar a
possível continuação do seu aproveitamento,
será a concessão declarada abandonada, ouvido o Conselho Superior de
Minas e Serviços Geológicos (CSMSG).
4
– Art. 95: As concessões abandonadas
poderão ser novamente atribuídas, por iniciativa do Estado ou a
requerimento de qualquer interessado, sendo a atribuição, em regra, feita por
concurso público.
5-
Art. 6: Os acessórios das concessões mineiras constituem, para cada uma
delas, um todo, uma universalidade, só podendo ser alienados separadamente, com
autorização da Secretaria de Estado da Indústria
.6
– Art. 94: Verificando-se que os
depósitos ou jazigos minerais se encontram esgotados ou não possuem já
suficiente valor industrial que justifique o subsequente aproveitamento dos
minérios que contenham, será a respectiva concessão revogada, por despacho
do Secretário de Estado da Indústria e declarada em campo livre, ouvido o CSMSG.
Nunca
foi explicado, ao País, o estranho procedimento da DGMSG, ao revogar a mais
antiga concessão mineira, embora estivesse bem consciente de que o seu jazigo
estava longe de esgotado.
Recordo
o sábio conselho de experiente consultor mineiro canadiano (Ver post N.º 209): ”Old mines never die…they just close down,
and rest a while”.
Afigurava-se-me
que, de preferência a facilitar a emigração de operários especializados
portugueses, o Governo deveria ter tomado medidas de protecção da indústria
nacional, até porque era provável que a desvalorização dos metais resultasse de
políticas proteccionistas, adoptadas por países ciosos de manterem as suas
minas em laboração.
Políticas
dessa natureza ainda hoje se praticam, numa Europa dita Unida, mais ou menos camufladas
e delas temos sido ingénuas vítimas.
Bernardo
Ferreira, durante o curto período em que o SFM esteve a seu cargo, tomou a
iniciativa de acorrer em auxílio da concessionária, promovendo a realização de
estudos que ela não tinha capacidade para executar.
Era
expectável que, perante a tragédia que agora acontecia, o novo dirigente do
SFM, encaminhasse para aquelas Minas os meios técnicos e financeiros de que
dispunha, de preferência a aplicá-los em áreas menos evoluídas ou de mais
duvidosa potencialidade mineira.
Conforme já
referi, no preâmbulo do Decreto-lei N.º 29725, atribuía-se ao Governo “tomar as medidas necessárias para que se
não mantivessem inaproveitadas riquezas que oferecem possibilidades de trabalho
para uma parte da população”
Dentre
essas medidas, seriam normais as seguintes:
a)
proceder ao reconhecimento do jazigo, que, na realidade estava por fazer, como
era regra, na grande maioria das minas que estavam em lavra activa;
b)
manter a mina em laboração, continuando a exploração do minério, nas bolsadas
já conhecidas, de modo a evitar despedimentos de operários, que eram vitais
para a manutenção deste importante centro industrial.
Em 1958, o SFM contava 19 anos de existência, sendo natural que já tivessem sido atingidos os desígnios de Bernardo Ferreira, quanto à formação pós-graduada do pessoal técnico.
Este problema do Braçal não deveria, consequentemente, oferecer dificuldades.
Mas não era isso que, de facto, acontecia.
Os
departamentos sediados no Norte e no Centro do País, afinal, pouco se tinham desenvolvido
e ao Director do SFM nem sequer terá ocorrido contribuir para a solução dos problemas
surgidos nas Minas do Braçal.
Preferiu
dispersar-se por minas abandonadas, com passado de reduzida ou nula importância,
na sua maior parte localizadas no distrito de Bragança.
Nelas,
entretinha o pessoal com pequenos trabalhos de pesquisa (sanjas, galerias,
poços, chaminés) não procedendo a investigações geológicas de natureza
estrutural e, muito menos, à aplicação dos métodos de prospecção geológica, geofísica
e geoquímica aconselháveis.
A grande
maioria destes estudos teve valor muito reduzido, como pode constatar-se pela análise
dos relatórios anuais do SFM, publicados em “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”, nos
quais predomina a descrição das actividades no Sul do País, com apresentação de
resultados concretos.
Também a
documentação que consultei, na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, no
desempenho das funções de chefe do departamento de Prospecção Mineira, em que
tinha sido investido, confirmou aquela negativa conclusão.
Já sem o
encargo da exploração, teria sido mais fácil e útil proceder a um reconhecimento
eficaz do jazigo de Braçal do que investigar os filões de sulfuretos, que tinham
merecido modesta exploração, em minas há muito tempo abandonadas.
Nestas minas
seria previsível deparar com grandes desmoronamentos, que obrigariam a avultados
dispêndios para aceder aos locais onde fosse possível a colheita dos elementos
necessários á caracterização do jazigo.
De facto, os
trabalhos nelas efectuados foram dados por concluídos, sem resultados
positivos, sobretudo por falta de apoio geológico.
Não
posso deixar de registar que, na década de 50, a Brigada do Sul do SFM,
tinha em curso trabalhos, na Mina de cobre de Aparis, localizada no concelho de
Barrancos, cuja amplitude superava largamente os que, então, decorriam na Mina
do Braçal.
Não
me seria, por isso, difícil tomar a meu cargo a continuidade das operações na
Mina, que a Companhia Industrial e Agrícola do Braçal decidira terminar, esperando
até melhorar a produtividade, como consequência da definição de reservas
resultante do reconhecimento a que iria proceder.
Tudo
isto pode ser confirmado pelos desenvolvidos relatórios que, periodicamente,
enviava para apreciação pelo Conselho Superior de Minas, sediado em Lisboa.
Registo,
contudo que este Conselho, sistematicamente reprovava as minhas propostas para
que o SFM pudesse, na Mina de Aparis, fazer ensaios de exploração, a fim de
obter dados sobre o real valor da Mina, na moeda de então, antes de a pôr a
concurso público, para adjudicação da concessão.
O
Conselho Superior de Minas, qual “Brigada do Reumático”, fazia uma interpretação
profundamente errada do Decreto que criara o SFM.
Não
estava, de facto, taxativamente consignado neste Decreto que o SFM pudesse ou
devesse fazer trabalhos de exploração, nas reservas minerais que revelasse.
Mas
o artigo 5.º deste Decreto é bem claro ao determinar que os jazigos
evidenciados por trabalhos realizados pelo Estado sejam propostos para
concessão, nas condições especiais que se fixarem, tidas em conta a sua
riqueza, as somas despendidas com o seu estudo, o valor do minério e as
possibilidades do seu aproveitamento industrial.
Tal
exigiria ensaios de exploração e concentração, sem comprometerem, obviamente, a
actividade da empresa que viesse a obter a concessão.
Mas
os conhecimentos teóricos que possuía e a experiência adquirida, nas variadas
minas com trabalhos subterrâneos, em que já tinha actuado, ou em minas
concedidas que tinha visitado, davam-me plena confiança para assumir o problema
do Braçal.
Aconteceu
que, em 1963, em nova Orgânica instituída no SFM, tendo-me sido atribuída a
chefia de um Departamento de Prospecção Mineira, os Trabalhos Mineiros
tradicionais foram excluídos do âmbito da Prospecção.
Eu
tentara esclarecer o Director de que a Prospecção, no seu sentido lato, inclui
todas as fases de estudo, até à definição de reservas de minério com valor
comercial.
Era
minha intenção, conforme proposta que apresentei, instituir, na Mina de Aparis,
novo piso, à profundidade de 210
m e continuar o reconhecimento do jazigo, por novos
métodos (resistividade, polarização induzida, geoquímico), nas zonas em que
sondagens mecânicas tinham confirmado os diversos ramos filonianos assinalados
pelo método electromagnético Turam.
Informei
o Director de que facilmente poderia dirigir esses trabalhos, baseado na
confiança que me inspirava a equipa, composta por pessoal competente, com
experiência de mais de uma dezena de anos habituado à minha liderança.
Manifestava,
também, as minhas sérias apreensões quanto às consequências previsíveis da nova
chefia que se anunciava para o prosseguimento desses trabalhos.
Aconteceu,
então, algo que pareceria impensável. O poder
arbitrário persistiu em se opor ao
saber originado de experiência válida.
O
Conselho Superior de Minas, sem o mínimo pudor, decidiu mudar de opinião,
autorizando o Engenheiro que me substituiu na chefia dos trabalhos que, então,
decorriam na Mina de Aparis, a proceder a trabalhos de exploração!!!
Mas
como este Engenheiro se sentiu incapaz de planificar tais trabalhos, recorreu a
Professor do Instituto Superior Técnico, para assumir esse encargo!!
Nunca
antes tal sucedera! Eram os diplomados com cursos de Engenharia que iam
completar a sua formação, em estágios no SFM!
Além
disso, projectava-se ensaiar, nessa Escola, novos equipamentos que fossem
surgindo no mercado, a facilitar o desenvolvimento da indústria mineira.
Mas o que acabou por acontecer foi o Director-Geral Soares Carneiro adjudicar, precipitadamente, a concessão, a empresa constituída por um seu amigo e colega de curso, como sócio principal, propositadamente para exploração das parcelas mais ricas do jazigo, (Ver post n.º48, sobre o fim inglório do jazigo de Aparis)
Foi
mais uma atitude “liquidatária” do citado Engenheiro.
No
Norte do País, também trabalhos, desta natureza, há muito, vinham declinando.
Assim
se foi progressivamente processando a decadência do SFM, que culminaria com a
sua extinção!
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