Prossigo
na descrição de acontecimentos ocorridos na Faixa
Piritosa Alentejana, que seleccionei como emblemáticos do “uso do poder em oposição ao saber”,
impunemente praticado por dirigentes da Direcção-Geral de Minas e Serviços
Geológicos (DGMSG).
Em
cumprimento de disposições legais, tinham sido declaradas cativas, para os
estudos do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), áreas envolventes dos três
principais centros mineiros da Faixa Piritosa Alentejana (S. Domingos,
Aljustrel e Louzal-Caveira).
Pretendeu-se,
com tal medida, impedir que entidade privada utilizasse resultados dos estudos
do SFM, sem as devidas compensações ao Estado.
Acontecia,
porém, que a Direcção do SFM não dava andamento às propostas de aquisição dos
equipamentos indispensáveis para que se cumprisse o programa constante do
relatório de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, publicado
em 1955, na Revista do SFM.
Durante
a 2.ª Guerra Mundial, apenas a Mina de S. Domingos manteve produção
significativa, porque tinha instalado fábricas, nas quais produzia enxofre, a
partir da pirite.
Aljustrel
e Louzal procediam quase exclusivamente a trabalhos de manutenção.
E
a Mina da Caveira estava sem actividade, desde o grande incêndio que nela
deflagrara.
Com
o termo do conflito, todas as Empresas instaladas na Faixa, mostraram grande
interesse em investigar áreas adjacentes às suas concessões, apesar de essas
áreas se situarem no interior de zonas reservadas para os estudos do SFM.
Pretendiam
garantir a continuidade das suas explorações, com novas reservas minerais, que
esperavam descobrir.
No caso de
S. Domingos a situação até já era crítica. Mina quase com um século de contínua
exploração, só tinha reservas para extrair, durante 20 anos.
Era óbvio
que Organismo instituído com o objectivo de desenvolver a indústria mineira
nacional, não deveria criar obstáculos a Empresas, que se propunham realizar o
que a Direcção desse Organismo não demonstrava grande empenho em levar à
prática.
As
pretensões de todas as Empresas foram atendidas, não tendo sequer sido exigidas
compensações pela valorização introduzida, nessas parcelas das áreas cativas,
pelos estudos geológicos e pela aplicação de técnicas geofísicas, da iniciativa
do SFM.
Nas
cláusulas contratuais, nem sempre foi exigida a entrega de relatórios
desenvolvidos dos estudos que viessem a ser efectuados.
Os
contratos, apesar de levianamente elaborados por “técnicos de papel selado”,
sediados em Lisboa, que nem tiveram na devida consideração as disposições do
art.º 6.º do Decreto-lei 29725, que visavam acautelar os interesses do Estado,
acabaram por trazer notáveis benefícios ao SFM.
De
facto, todas as concessionárias trouxeram, a Portugal, conceituados cientistas
e prestigiadas Companhias especializadas em técnicas geofísicas, a fim de efectuarem
campanhas para a descoberta de novas concentrações de minério.
Eu
não desperdicei a extraordinária oportunidade que se me oferecia para adquirir
algum conhecimento directo da aplicação prática de técnicas que já tinha
estudado na teoria.
Entrei
em contacto com todos estes cientistas e com os técnicos das empresas
especializadas em métodos geofísicos, encontrando sempre excelente
receptividade perante as questões que lhes apresentei.
Os
Professores ingleses J. Bruckshaw, John Webb, David Williams e o Professor
francês Delcey não foram bem-sucedidos nos seus denodados esforços para revelar
novas concentrações de minério, que permitissem prolongar a laboração na Mina
de S. Domingos.
Porém,
na Mina de Aljustrel, embora a
“Compagnie Générale de Géophysique (CGG)” francesa, não tivesse adicionado
novas reservas às evidenciadas pelo método electromagnético Turam, foi notável
a vigorosa expressão gravimétrica da massa de Carrasco – Moinho, que até
permitiu fazer a estimativa das suas reservas.
Notável
também a anomalia de polarização espontânea, que muito valorizou a aplicação
futura deste método de grande simplicidade.
As
Companhias McPhar e Excalibur, que actuaram sobretudo no Centro Mineiro de
Louzal – Caveira, aplicando o método de polarização induzida, também não
tiveram sucessos práticos nas suas campanhas.
Mas foi,
numa fase mais tardia (1960-61), que eu pude tirar o proveito, que ambicionava,
da presença de Empresa especializada em métodos geofísicos e geoquímicos, em
território nacional.
A Lea Cross
Geophysical Company actuava na
Mina de S. Domingos, aplicando diversas técnicas, com realce para a gravimetria
e a análise geoquímica de Cu, Pb, Zn em amostras de solos.
Num dos meus
frequentes contactos com os seus dirigentes, foi-me solicitada a indicação de
um Geólogo ou Engenheiro de Minas português, para colaborar nos seus trabalhos.
Logo me
ocorreu que esta seria uma óptima oportunidade para que o
Engenheiro Marques Bengala, que acabara de ser destacado para a BPG, juntando-se
aos que se entretinham com a magnetometria, aprendesse as técnicas que a Lea
Cross usava.
Não foi com
entusiasmo que este recém–admitido colega aceitou trocar, durante alguns meses,
o conforto do gabinete em que o tinham instalado, por trabalho diário, de campo
ou laboratorial, na zona de S. Domingos (Ver post N.º 14).
O Chefe da
BPG, Eng.º La Cueva Couto ,
que começava a conseguir libertar-se da passividade herdada do seu antecessor,
concordou em enviar ao Director do SFM proposta, que eu me encarreguei de
elaborar, para ser autorizado o estágio de Marques Bengala na Lea Cross
Geophysical Company.
A
autorização foi concedida por ter sido solicitada por ofício subscrito pelo
Chefe da BPG.
Bengala
permaneceu durante 6 meses em estágio, na Lea Cross, beneficiando do meu constante
apoio, pois fazia regresso a Beja com passagem pela Mina de S. Domingos, nas
minhas frequentes deslocações à Mina de Aparis, em Barrancos, onde dirigia
importantes trabalhos de reconhecimento deste jazigo cuprífero.
Terminado o
estágio, o Director do SFM aceitou, finalmente que fosse adquirido um
gravímetro!!
Tinham
passado 10 anos sobre a data da minha primeira referência à necessidade de
aquisição deste aparelho!!!.
O gravímetro chegou, em 1962.
O SFM poderia, finalmente cumprir, com
meios próprios, o objectivo para que fora instituído, dispensando a concurso de
Empresas estrangeiras!
É certo que
ainda não dispunha de equipamentos para aplicação do método de refracção
sísmica e de alguns métodos eléctricos, mas estas técnicas não se apresentavam
com o mesmo grau de urgência.
Relativamente
a pessoal técnico, o Eng.º La Cueva Couto, aceitava e até agradecia a
colaboração que sempre me dispusera a prestar-lhe.
E Marques
Bengala era suposto ter-se especializado em gravimetria, durante o seu
prolongado estágio na Mina de S. Domingos.
Perante estes factos, convenci-me
de que, Portugal reunia agora condições para entrar em nova era,
no que respeita ao aproveitamento dos seus recursos minerais.
Era chegada a oportunidade de a DGMSG passar
a respeitar o preceito legal de defesa do património mineiro nacional, - que
tem sistematicamente ignorado - , segundo o qual, os recursos minerais são
classificados como “bens
dominiais”, estando
consequentemente interdita, a entidades estrangeiras, a concessão de direitos para
sua exploração.
O
desiderato expresso nas Considerações finais do meu relatório “Prospecção de
Pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955, quanto ao papel dos portugueses
no aproveitamento dos seus recursos minerais teria assim o seu normal
cumprimento.
Continua
…
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