terça-feira, 3 de setembro de 2013

220 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 11



        Em 1962, a evolução natural dos estudos, na Brigada do Sul do Serviço de Fomento Mineiro (BSFM), neutralizara praticamente a malévola decisão do Director de separar por três Brigadas, de si directamente dependentes, as investigações que anteriormente se concentravam na BSFM.

        Relativamente a pessoal técnico superior, a situação, não sendo a ideal, não era impeditiva de realizar, com qualidade, as previstas campanhas de prospecção.

        Levantamentos litológicos, com bastante pormenor, vinham sendo efectuados, desde longa data, sobretudo por pessoal recrutado nos locais de trabalho, obedecendo a instruções por mim ministradas, no sentido de serem implantados, em cartas topográficas à escala 1:5 000, os afloramentos das variadas rochas, o “float” dessas rochas (resíduos da sua desagregação, na ausência de afloramentos) e os indícios de mineralizações.
        Foi assim que se definiu a verdadeira geologia da região de Cercal - Odemira, corrigindo os grosseiros erros, que constam de publicação subscrita por 5 autores, entre os quais um Geólogo (Ver post N.º 202).
        Foi também assim que se ampliou a área com potencialidade para jazigos de pirite, na região de Castro Verde – Almodôvar, de que viria a resultar a descoberta do jazigo de Neves – Corvo.
        Ainda estimulei o Geólogo João Martins da Silva a integrar-se na BSFM, prometendo proporcionar-lhe meios para desempenhar, com alguma qualidade, as suas funções.
        Lamentavelmente rejeitou o convite e continuou a produzir mapas, à escala de 1:50 000, com informação insuficiente e de duvidosa qualidade, que tiveram escassa ou nula utilidade para os objectivos do SFM.

        Conforme já referi, o Eng.º La Cueva Couto, que chefiava a BPG, conseguira libertar-se das influências negativas, não apenas do seu antecessor Orlando Cardoso, mas também do Director do SFM e seus Adjuntos Múrias de Queiroz e António Neto.
        Delegara, praticamente, em mim a orientação superior dos trabalhos de prospecção geofísica.
       
        Foi nesta conformidade que auxiliei Marques Bengala a dar início à aplicação da técnica gravimétrica, que era suposto ter aprendido, quando prestou colaboração à Lea Cross Geophysaical Company, na Mina de S. Domingos.
        Com algum desalento, constatei que Bengala pouco proveito tirara do seu prolongado estágio.
        Para além das leituras no gravímetro e dos cálculos simples das correcções nas leituras a diferentes latitudes, altitudes, horas do dia, etc… nada mais tinha aprendido!!!
        Nem a calibragem para a latitude da zona de investigação se mostrou capaz de efectuar, não lhe ocorrendo consultar as instruções do livro que acompanhava o aparelho!
        E quanto ao nivelamento rigoroso dos pontos das observações, revelou total incapacidade!
        Obviamente, não estaria apto a fazer a interpretação dos resultados da aplicação do método.
        Perante tal mediocridade e tendo em consideração a enorme importância do método, tive que dedicar boa parte do meu tempo a estudar o que constava da bibliografia sobre a matéria, de modo a especializar-me, eu próprio, progressivamente nesta técnica.

        O Director do SFM, que nunca se desembaraçou da qualidade de “técnico de papel selado”, consolidada durante longa permanência na sede da DGMSG, em Lisboa, apenas se apercebia dos acontecimentos no Sul, quando o diligente Agente Técnico de Engenharia Fernando Macieira lhe chamava a atenção para a gravidade dos comentários inseridos nos meus. Relatórios e Planos de trabalhos, que previamente tinha analisado, para lhe poupar o esforço de os ler.
        Mas Guimarães mantinha-se indiferente, consciente da sua impunidade, ao fazer uso do poder em que estava investido, esquecendo o seu juramento de “cumprir com lealdade as funções que lhe tinham sido confiadas”.
        Não era, obviamente, leal, desrespeitar os interesses do País, para os quais eu lhe chamava vigorosamente a atenção!

        Os Trabalhos Mineiros, nas diferentes Secções, que constituíam as principais tarefas atribuídas à BSFM, prosseguiam, a bom ritmo.
        Atingiam o seu maior desenvolvimento, na Mina de Aparis, em Barrancos, demonstrando franco progresso da BSFM, nesse âmbito.
        Projectava-se instituir novo piso, 60 m abaixo do piso 150, que se encontrava em reconhecimento e fazer exploração de algumas bolsadas, com o objectivo de obter os dados essenciais à determinação do valor do jazigo, para poder tomar decisão bem fundamentada sobre a sua futura exploração.
        Guimarães dos Santos que, perante problema difícil de resolver, com os meios existentes no SFM, procurava auxílio externo, como foi o caso do projecto da lavaria de Aparis, resolveu demonstrar o seu saber, emitindo instruções técnicas para melhorar a eficiência desta lavaria.
        Foi mais uma das suas ridículas intervenções.
        A elas eu tinha reagido, declarando que, a respeitarem-se as normas de amostragens aconselhadas, não me admiraria que viessem a obter-se análises, em que o teor de cobre no estéril fosse superior ao do minério bruto (tout venant).
        .
        Numa das minhas ocasionais visitas ao Director-Geral Castro e Solla, em Lisboa, revelei estas infelizes instruções de Guimarães dos Santos.
        Castro e Solla, que no decurso do tempo, se fora apercebendo do seu erro, ao designar Guimarães para tão importante cargo, soltou espontânea gargalhada, perante a ironia da minha reacção.
        Não resistiu a comentar que tinham incensado Guimarães e ele até se julgava um génio!
        Acrescentou que estava prevista uma reorganização da DGMSG, aproveitando a próxima aposentação de um Inspector Superior e que, nessa reorganização, eu seria o técnico qualificado para assumir a direcção do SFM.

        Mas Guimarães dos Santos não era pessoa para desperdiçar oportunidade que se lhe oferecesse para despoticamente me afrontar, com a ostentação do seu poder.
        Ignorando as minhas propostas, decidiu destacar para a Brigada do Sul, o Engenheiro Vítor Alvoeiro de Almeida, recentemente contratado pelo SFM.
        Achei estranho que, em 1951, quando emitiu Ordem de Serviço, a integrar o Engenheiro Fernando Silva na BSFM, especificou que lhe competiria promover o estudo dos jazigos de manganés.
        Agora, não entendeu necessário distribuir trabalho ao novo Engenheiro, nem se lembrando de consultar, nos Planos de trabalho que eu apresentava, qual o projecto em que seria útil a sua contribuição.

        Na realidade, eram os métodos geofísicos que estavam desfalcados de pessoal qualificado, sobretudo para a interpretação mais avançada dos resultados da aplicação do método magnético.
        Com o acordo de La Cueva Couto, indigitei Vítor Alvoeiro de Almeida, para preencher essa lacuna, começando por lhe fornecer bibliografia que já tinha coligido, para se especializar no método magnético.
       
        Em época anterior, Guimarães tinha decidido promover o Agente Técnico de Engenharia Vitorino Correia a especialista em magnetometria, enviando-o à BSFM para aplicar o método, em Mina de ferro do concelho de Alvito.
        Quando da campanha de prospecção magnética, a cargo da ABEM de Estocolmo, empreendida no início da década de 40 do passado século, em áreas do Sul e do Norte do País, envolvendo minas de magnetite (Montemor-o-Novo, Alvito, Orada, Vila Cova do Marão) Vitorino tinha sido destacado pelo SFM para colaborar nos trabalhos.
        Isso e a exibição de Vitorino, perante interlocutores ignorantes na matéria, visando auto-promoção, bastaram a Guimarães para o considerar especialista em magnetometria!
       
        Quando a BSFM tinha em progresso, galerias, nos pisos 30 e 60 do poço 3 da sede Mendonça da Mina de Aires, localizada na freguesia de Vila Nova da Baronia do concelho de Alvito, chegara ao meu conhecimento que a Direcção do SFM tinha, em armazém, um magnetómetro de Thalén-Tiberg, que já pouco se usava, devido à sua fraca sensibilidade.
        Requeri ao Director que me enviasse esse aparelho, embora dele pouco esperasse, para o aplicar na Mina do Alvito e em outras minas abandonadas da região.
        Foi, pois, com surpresa que vi aparecer na BSFM o Senhor Vitorino, que o Director encarregara de proceder às “complexas” leituras de um obsoleto magnetómetro, que era apenas uma simples bússola, preparada para medir grosseiras variações da componente vertical.
        Maior foi a minha surpresa com a demora na entrega dos resultados.
        Vitorino fizera um longo relatório de 24 (!) páginas, que me foi enviado, acompanhado de um texto manuscrito de Guimarães dos Santos, bem revelador da sua ignorância e do aproveitamento que Vitorino dela soubera fazer.
        Vitorino fizera detalhada interpretação das suas observações, apresentando “previsões”, em jeito de astrólogo.
        Terminava o relatório, datado de Março de 1950, com o seguinte expressivo parágrafo:
        “Resta-me, então, afirmar, que se tal acontecer, aquelas faltas justificam, afinal, uma tolerância, que não é mais do que o previlégio (sic) sempre pedido em trabalhos, como os propostos neste relatório, pertencentes à ancestral ARTE DE MINAS”    
        Toda esta ridícula retórica Guimarães aceitou e até elogiou!
        Obviamente que nenhuma das recomendações de Vitorino, que até implicavam elevados dispêndios, foi tida em consideração, por notória ausência de fundamentos.

        Considerando ultrapassada, no Sul, esta fase de predomínio do poder absoluto sobre o saber, em que a distância do grupo de anedóticos Engenheiros, acomodados na sede do SFM no Porto era, nessa data, factor pouco propício a contactos pessoais, fortaleci as minhas esperanças de que uma nova era no aproveitamento dos nossos recursos minerais iria ter o seu embrião na BSFM, generalizando-se, posteriormente a todo o País.
        Para isso, contribuíam também, as conversas a que me referi, com o Director-Geral Castro e Solla.

        Continua …

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