A
Faixa Piritosa Alentejana, que seleccionei como terceiro caso emblemático de “uso de poder em oposição ao saber”, impunemente praticado na
Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), é também representativa de valiosos recursos que o
País não tem sabido aproveitar, em seu próprio benefício, fazendo jus ao velho rifão:
“Dá Deus nozes a quem não tem dentes".
Sempre
estranhei a leviandade, com que personalidades de pretensas elites nacionais faziam,
“axiomaticamente”, afirmações depreciativas acerca dos nossos recursos minerais.
Muito
me surpreendia a concordância, com tal negativa apreciação, de indivíduos que,
no desempenho das suas funções normais, tinham obrigação de zelar pela boa gestão
do património mineiro nacional (Ver post N.º 1).
Enquanto,
por cá, se invocava a escassez em recursos naturais para justificar o atraso no
nosso desenvolvimento, outros países “acorriam,
solícitos, em nosso “auxílio”, extraindo o que nós desprezávamos.
E
nós até nos mostrávamos “agradecidas
por migalhas” que os “nossos
auxiliadores” deixavam, para compensar o esbulho que praticavam!!
Mas,
em 1939, houve alguém que tomou a iniciativa de analisar, com seriedade, esta
matéria, concluindo que, na maioria das minas, que empresas, estrangeiras ou
nacionais, mantinham em exploração, ou em regime de suspensão de lavra, os
estudos dos respectivos jazigos enfermavam de deficiências, das quais resultava
um mau aproveitamento das suas reservas.
Foi
com o objectivo de eliminar essas deficiências que se instituiu o Serviço
de Fomento Mineiro (SFM).
Quando
fui destacado para dirigir os estudos iniciais do SFM, na Faixa Piritosa
Alentejana, impressionou-me, não só a grandiosidade dos jazigos desta Faixa,
mas principalmente o facto de a sua exploração estar a ser realizada por
empresas estrangeiras.
Nas
diversas funções, que ao longo dos anos, fui exercendo no SFM, a Faixa Piritosa
Alentejana sempre mereceu a minha atenção prioritária, com o firme propósito de
conseguir o racional aproveitamento das vastas potencialidades, que iam sendo
progressivamente desvendadas.
Acontecia,
porém, que enquanto eu ia criando as condições para que fossem cidadãos
portugueses a proceder aos estudos exigidos para um cabal conhecimento da
Faixa, sobretudo no que respeita à descoberta de novos jazigos, dirigentes
incompetentes e corruptos iam destruindo sistematicamente tudo quanto eu, paciente e diligentemente tinha
vindo a construir.
Vale
a pena lembrar o curiosíssimo caso da descoberta do jazigo da Estação em
Aljustrel (Ver post N.º 35).
Esta
descoberta só se tornou possível, depois de eu ter organizado a 1. Brigada de
Prospecção, com pessoal especializado, a diversos níveis e depois de ter
conseguido, após anos de persistentes esforços, que fossem adquiridos os
equipamentos indispensáveis ao uso das diversas técnicas geofísicas e
geoquímicas, com realce para o método gravimétrico.
Quando
decorria a primeira sondagem, para investigar discreta anomalia gravimétrica que
depois se verificou ser a assinatura da concentração piritosa da Estação, surgiram,
aos 328 m
de profundidade, grandes obstáculos ao prosseguimento da perfuração, ocasionando
avultados dispêndios para os tentar remover.
No
projecto que o Director-Geral Soares Carneiro tinha aprovado, com o seu
característico despacho “Nada a opor”,
estava prevista a intersecção de uma concentração de pirite maciça, aos 350 m de profundidade.
Todavia,
Soares Carneiro, manifestando insólita preocupação de ordem económica, mandava insistentes
recados, por intermédio do seu Adjunto Engenheiro Costa Almeida, para eu dar o
furo por terminado, alegando ser muito improvável encontrar jazigo a tal
profundidade.
O
Director do SFM, Múrias de Queiroz, era totalmente alheio ao que se estava a passar.
Tive
imensa dificuldade em fazer perceber àqueles ignorantes em prospecção mineira
que uma anomalia geofísica tem sempre uma causa.
Quando
da sua análise, em conjunto com dados de outras técnicas (geológicas, geofísicas
ou geoquímicas) se conclui que a causa pode ser jazigo mineral, justificando
sondagens, estas têm obrigatoriamente
que fornecer a explicação para a anomalia que se investiga, sob pena de se
concluir que tal anomalia é “espúria”.
Ora,
as formações que a sondagem acima referida tinha atravessado, até à marca de
328m, não revelavam variações de densidade, que explicassem a anomalia.
Era
rotina, que eu tinha introduzido, a determinação sistemática das densidades dos
testemunhos das sondagens, com equipamento simples por mim concebido.
Lembrarei, oportunamente, que por
desprezo deste conceito, tão elementar quanto fundamental, se atrasou 5 anos a
descoberta do jazigo de Neves – Corvo.
Tendo-me
mostrado inflexível quanto à execução do projecto, tal como tinha sido
concebido, a Brigada de Sondagens, insistindo nas suas tentativas, durante
vários meses, acabou por conseguir retomar o prosseguimento da sondagem e
aconteceu, então, o que deixou os “técnicos
de papel selado, residentes em Lisboa, que tinham mandado parar o furo, por
considerarem muito improvável encontrar jazigo mineral a tal profundidade, verdadeiramente
estupefactos.
Tinha-se penetrado em espessa
concentração de pirite maciça, precisamente à marca de 350 m , prevista no projecto!
A
atitude destes ignorantes alterou-se, então, profundamente!
Passaram
a julgar possível fazer previsões com aquele rigor, quando, na realidade, esse
pseudo-rigor aconteceu, por mera casualidade.
As
características da anomalia gravimétrica indicavam causa profunda, mas o método,
tal como foi aplicado, não permitia determinar a exacta profundidade.
A
área prospectada nem sequer era suficientemente ampla, para se poder separar,
com exactidão, a anomalia residual da regional.
Uma
carta de segundas derivadas, ou outro tratamento matemático, tal como um
prolongamento ascendente, teriam permitindo algum progresso na análise da
anomalia, mas a imensidão dos cálculos exigidos, embora simples, tornava
impraticável a sua execução, em época em que ainda não tinham sido inventados
os computadores pessoais.
Foi
com base em dados geológicos de superfície, que se projectou encontrar o jazigo
a 350 m
de profundidade.
Usando
o clinómetro associado a uma vulgar bússola de Geólogo, mediu-se o pendor do
contacto do complexo vulcânico com as formações suprajacentes, na presunção de
que o jazigo fosse detectado nesse contacto.
O
jazigo foi detectado aos 350 m ,
mas o contacto, que se situava a muro do jazigo, só foi localizado 75 metros mais abaixo,
havendo portanto um desvio desta grandeza, relativamente ao que o pendor medido
à superfície indicava.
Também
se não entrou em consideração com dobramentos das formações, que só se tornaram
conhecidos, através das sondagens na Mina dos Feitais, que lhe fica próximo.
Portanto,
o rigor encontrado era ilusório e só foi prejudicial para os futuros projectos,
pois os técnicos sediados em Lisboa já quase exigiam a repetição desse rigor. E
isso não mais aconteceu!
Registo
que o Geólogo novato da 1.ª Brigada de Prospecção, Vítor Manuel de Jesus
Oliveira, numa primeira demonstração do seu carácter pouco escrupuloso, chegou
a reivindicar para si o rigor casualmente alcançado.
Pena
foi que, em subsequentes projectos, em que a sua participação foi solicitada,
não tenha conseguido evidenciar rigor idêntico ou sequer aproximado ao que
agora reivindicava como seu autor.
Extasiado
com o êxito da 1.ª Brigada de Prospecção, o Director-Geral de Minas quis
aproveitá-lo para revelar ao Secretário de Estado da Indústria, a elevada
eficiência técnica da DGMSG.
Convidado
a elaborar a notícia respectiva, apresentei texto sucinto e objectivo, que o
Adjunto do Director-Geral, Engenheiro Costa Almeida entendeu necessário
ampliar, alegando a conveniência de causar mais profunda sensação ao membro do
Governo.
Este
“semvergonhista” (como lhe teria chamado o Odorico Paraguaçu da telenovela
brasileira), que tantos recados me enviara para suspender o furo que encontrou
a pirite da Estação, foi capaz de subscrever o documento para o membro do
Governo, juntamente com o Director do SFM, como se ambos tivessem sido co-autores
da descoberta, sendo eu convidado a assinar em último lugar!!!!
Registo
que Múrias de Queiroz, que assinou, em primeiro lugar, na qualidade de Director
do SFM, tinha sido o principal responsável pelo enorme atraso na aquisição do
gravímetro, que esteve na base da descoberta, quando teve a seu cargo a organização
burocrática dos processos de aquisição dos equipamentos necessários à execução
dos trabalhos de prospecção, pesquisa e reconhecimento, durante a vigência da anterior
Direcção do SFM.
Mas
não foi este o único curioso acontecimento relacionado com tão importante
êxito.
Em
Fevereiro de 1968, o Engenheiro Costa Almeida, nas funções de transmissor de recados,
que não teve pejo em assumir, para se manter no cargo de Adjunto do
Director-Geral, que lhe fora atribuído, por mero favoritismo pessoal, deu-me
conhecimento de reclamação apresentada por representantes da Empresa
concessionária das Minas de Aljustrel, que “punha
em causa a minha honra” (sic).
Os
cidadãos belgas De Barsy e Jacques Louis e o Engenheiro Rui Freire de Andrade tinham-se
apresentado na DGMSG a reivindicar o direito à concessão de exploração da massa
de pirite da Estação, recém-descoberta pelo SFM.
Alegavam
que, em conversas com eles, eu teria declarado que a exploração de qualquer
jazigo que fosse descoberto num círculo com raio de 5 km , centrado nas Minas de
Aljustrel, seria automaticamente concedida à actual concessionária destas
Minas.
Não
sei o que mais me surpreendeu, se a credibilidade com que as afirmações do
concessionário das Minas de Aljustrel foi aceite pelo Director-Geral e pelo seu
Adjunto, se a fértil imaginação do concessionário!
Em
primeiro lugar, era simplesmente inacreditável que, tanto o Director-Geral e o
seu Adjunto como o concessionário das Minas de Aljustrel, revelassem tamanha
ignorância da Lei de Minas em vigor, expressa no Decreto-lei N.º 18 713 de
1930.
Todos
eles tinham obrigação de saber que a atribuição de uma concessão mineira era da
exclusiva competência do Presidente da República, sob proposta devidamente
fundamentada da DGMSG, e obedecendo a várias tramitações, entre as quais a
publicação de Éditos tendentes a evitar eventuais futuras reclamações.
Como
foi possível alguém acreditar que eu, que nem sequer tivera direito a
subscrever isoladamente uma descoberta da minha exclusiva paternidade, me
apresentasse com direitos superiores ao do Presidente da República?
Em
segundo lugar, se algum daqueles técnicos tivesse lido as “Considerações finais
“ do artigo de minha autoria “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”
publicado em 1955 e tivesse acompanhado as minhas diligências posteriores para
que fossem cidadãos portugueses a promover o aproveitamento dos recursos nacionais,
em nosso próprio benefício e não em benefício de outros países, teria facilmente
concluído que nunca seria de minha iniciativa a entrega de uma riqueza nossa a
uma potência estrangeira.
Do
recado do Engenheiro Costa Almeida constava que eu deveria apresentar documento
escrito a marcar a minha posição nesta matéria.
Assim
procedi e, em 1 de Março de 1968, enviei, ao Director-Geral de Minas documento
de 25 páginas dactilografadas, subordinado ao título “Prospecção de pirites no
Baixo Alentejo. Breve história, com especial relevo para a região de Aljustrel.
Minha posição neste problema”.
Neste
documento, dou conta das minhas constantes diligências no sentido de dar eficaz
cumprimento ao programa de prospecção que deixei enunciado no relatório
“Prospecção de pirites no Baixo Alentejo” publicado em 1955, na Revista do SFM.
Dele
destaco o resumo:
“Cremos ter demonstrado uma acção pessoal
persistente, ao longo de muitos anos, no sentido de dotar o SFM dos meios que
lhe permitissem atacar capazmente o problema de prospecção de pirites no baixo
Alentejo e muitos outros.
Esta acção, até fins de 1963, não foi
superiormente acarinhada.
Só o estatismo do SFM em tal matéria
justificou que se concedessem autorizações de prospecção e pesquisa, das quais
Mines d’Aljustrel S.A. beneficiou durante largos anos, em áreas contíguas ou
envolventes da sua concessão.
Se se tivesse dado sequência aos
programas propostos pela Brigada do Sul desde 1951, particularmente se o
Engenheiro que em, 1953-54, esteve longo tempo a estudar gravimetria, tivesse
continuado com este método a seu cargo, integrado numa equipa dinâmica,
provavelmente todas as descobertas em Aljustrel, nos últimos 20 anos, teriam
sido obra do Serviço de Fomento Mineiro.
A seguir ao Cerro do Carrasco, estava
preparado o êxito do Moinho. E depois destes viriam, naturalmente os de Feitais
e Estação e os que podem estar ainda para surgir.
Mines d’Aljustrel, S.A. não tem qualquer
direito ao jazigo que acaba de ser evidenciado na sondagem N.º 1 do SFM.
Será, pelo contrário, talvez ocasião de
pensar num aproveitamento racional das enormes reservas já reveladas nas
concessões de Mines d’Aljustrel S.A. e daquelas que, seguramente, ainda podem
ser evidenciadas. Trata-se de uma riqueza da Nação que deve reverter
principalmente em benefício da gente portuguesa.
A tendência que vemos, em todo o Mundo, é
para o aproveitamento das matérias-primas, nos países em que são extraídas.
Efectivamente os grandes lucros são transferidos para as metalurgias.
Não sabemos se serão viáveis instalações
destas no País. Ma sabemos que um estudo desta natureza seria amais que
justificada”.
Fui
informado pelo Engenheiro Costa Almeida que o Director-Geral não apreciou este
documento e, por isso, nem lhe deu sequer entrada!
Todavia,
eu inseri-o, como anexo, ao meu relatório do mês de Março de 1968 e ao anual de
1968. Ignoro se dos 4 exemplares que enviei ainda resta algum.
Continua…
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