O Director-Geral de Minas, assumindo-se progressivamente como dirigente do SFM, tinha ideias peculiares sobre os minérios que deveriam ser procurados no território metropolitano português.
Tendo exercido o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, durante vários anos, e tendo, por esse facto, tido frequente contacto com as Minas do Norte e do Centro do País, era de esperar que se tivesse apercebido de potencialidades que estavam longe de ter sido aproveitadas.
Não foi, porém, esse o caso.
A opinião que se gerou no seu espírito foi essencialmente de carácter negativo.
Relativamente ao tungsténio, não mostrava empenho em que fosse efectuada uma prospecção sistemática, com vista à definição das reais existências dos seus minérios, apesar de, durante os primeiros anos em que desempenhou funções na DGMSG, ter ocorrido a chamada “febre do ouro negro”, que fez afluir a Portugal, durante a 2.ª Guerra Mundial, empresas alemãs e inglesas, para explorarem volframite (essencial para as suas indústrias de guerra), em filões, em que o Norte e o Centro do País se revelavam pródigos.
Demonstrara, porém, algum optimismo relativamente às Minas de Covas, em Vila Nova de Cerveira, nas quais decorria uma modesta exploração, sob a orientação técnica de um prestigiado Professor da Faculdade de Engenharia, seu amigo pessoal. Para elas, dera instruções no sentido de o SFM prestar colaboração, usando as técnicas que eu tinha conseguido instituir no Sul do País.
O tungsténio, nestas minas, ocorria sob a forma de volframite (tungstato de ferro e manganés), ferberite (tungstato de ferro) e scheelite (tungstato de cálcio), em associação com pirrotite, mineral que pelas suas propriedades magnéticas podia ser detectado pelo método magnético de prospecção.
Já no final da década de 50, tinha sido efectuado, pela Brigada de Prospecção Geofísica, um primeiro levantamento magnético, cobrindo as principais concessões onde aflorava a formação mineralizada. Foram então registadas diversas anomalias, algumas das quais sugestivas de corresponderem a concentrações de pirrotite, que poderiam justificar exploração, se a elas estivesse associada mineralização tungstífera.
Todavia, estas anomalias não puderam ser imediatamente investigadas por trabalhos mineiros ou sondagens, por se ter verificado grande discrepância entre a topografia e a correspondente implantação dos resultados da prospecção
Houve que repetir todo o trabalho, com os cuidados aconselháveis em zona com relevo acidentado.
Após um estudo geológico rudimentar, de que se encarregou Geólogo com experiência já comprovada, sobre a zona das principais anomalias registadas na concessão Fervença, na confluência da Ribeira de Arga com o Rio Coura, realizaram-se sondagens.
Os resultados foram francamente positivos.
Encontrou-se abundante mineralização de volframite, ferberite e scheelite em associação com pirrotite.
A empresa concessionária logo passou à sua exploração.
Este foi o início de uma campanha de prospecção orientada sobretudo para a detecção de minérios de tungsténio, numa vasta área dos concelhos de Vila Nova de Cerveira, Caminha e Ponte de Lima, cujas condições geológicas foram consideradas favoráveis para a ocorrências de tais minérios.
A esta campanha me irei referir, em posts futuros, pois ela decorreu de modo atormentado, revelador de um espírito anti-fomento que passou a caracterizar o SFM após a Revolução de Abril de 1974.
Por agora, quero apenas assinalar que o Director-Geral, tendo tomado conhecimento de que um dos principais minerais detectados em Covas era a scheelite, que tem uma coloração esbranquiçada e pode facilmente confundir-se com minerais estéreis e apercebendo-se de que este mineral se torna fluorescente com uma cor azulada, quando sobre ele se faz incidir radiação ultravioleta de determinado comprimento de onda, logo congeminou que poderia ele-próprio ser autor de importantes descobertas, mediante uso de aparelho produtor dessas radiações.
Eu tinha já começado a compilar documentação para ataque do problema do tungsténio do Norte e Centro do País, dentro das funções que me estavam atribuídas.
O Director-Geral, porém, não teve pejo em quebrar a disciplina interna do SFM e decidiu invadir as funções que me estavam atribuídas. Pretendia ficar na história como autor da descoberta dos grandes jazigos que ele já ousava designar de “Torres dos Clérigos”, os quais se manteriam ocultos por terem passado desapercebidos devido à semelhança que, à simples observação visual macroscópica, a scheelite manifestava com outros minerais destituídos de valor comercial.
Afectou vários Geólogos, de recente formatura, portanto sem experiência em prospecção mineira, para a campanha de investigação das existências de scheelite, sob a sua directa dependência, cognominando-os simpaticamente de “scheeliteiros”
Esses Geólogos lograram descobrir, na região de Mogadouro, em rochas que denominaram de calcosilicatadas, bons indícios de mineralização de scheelite e logo “embandeiraram em arco”.
Durante alguns anos, foi muito propagandeado um jazigo denominado de Cravezes, onde foram efectuados trabalhos mineiros e sondagens.
Em artigo publicado no N.º 82 de “Memórias e Notícias” da Universidade de Coimbra, um desses Geólogos dá notícia desta ocorrência de Cravezes.
Em capítulo sob o título “Breve referência sobre os aspectos económicos do jazigo”, escreve o seu autor:
“O estudo do jazigo scheelítico de Cravezes encontra-se ainda numa fase inicial. Fizeram-se 14 sanjas com a finalidade de obter uma amostragem das rochas, onde foram determinados sistematicamente os teores de WO3, Sn, Pb e Ag”.
“A amostragem foi praticada, na sua maior parte, na zona alterada das rochas e foi executada por pessoal não especializado, pelo que os resultados podem estar sujeitos a uma certa rectificação”
Dois factos me surpreenderam nesta publicação.
O primeiro foi a inacreditável declaração do Geólogo responsável pelo estudo, de duvidar da correcta execução da amostragem efectuada. A amostragem é uma operação fundamental sendo a sua execução da competência do Geólogo ou de pessoa agindo sob sua directa orientação.
O segundo foi que tivesse sido aceite para publicação artigo respeitante a fase tão inicial de estudo de uma ocorrência de scheelite e com tal declaração de incompetência.
Tenho conhecimento de terem sido realizadas sondagens para investigação em profundidade desta ocorrência. Ignoro se foram publicados novos artigos sobre o tema e grau de confiança que essas sondagens merecem, sobretudo no que respeita a recuperação de testemunhos.
Constou-me que, quando O SFM começou a organizar uma “caroteca”, em novo edifício, construído na sua sede em de S. Mamede de Infesta, não foram encontrados os testemunhos destas sondagens.
Sei que se procurou interessar neste “jazigo de Cravezes” a Companhia americana Union Carbide, que cumpria contratos de prospecção com concessionários e com o Estado, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha. Em conversa que tive com o Geólogo americano responsável pelo cumprimento destes contratos, soube que Cravezes não lhe despertou o mínimo interesse, porquanto os seus teores de WO3 eram inferiores aos do estéril das minas que estavam em exploração na zona que estava a investigar.
Os estudos em outras áreas não pareciam mais felizes. As tais “Torres dos Clérigos” tardavam em aparecer!
Em 22-2-1972, o Director-Geral convocou os “scheeliteiros” para prestarem informações sobre os trabalhos que tinham em curso. Como eu continuava a dirigir estudos na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, essencialmente com vista à descoberta de concentrações tungstíferas, fui também convocado.
O Director-Geral, depois de ouvir os “scheeliteiros”, quis então ouvir-me. Comecei por lhe chamar a atenção para o facto de o SFM ter uma “Orgânica”, segundo a qual me fora atribuída a chefia de um departamento que tinha a seu cargo os estudos geológicos e os trabalhos de prospecção mineira, em todo o território metropolitano nacional.
O facto de ter colocado o programa de investigação das existências de scheelite, na sua dependência directa, representava uma invasão das minhas atribuições e um acto de indisciplina que não contribuía para o normal funcionamento do SFM.
Permiti-me chamar-lhe ainda a atenção para a distracção que isso representava das importantes funções que tinha a seu cargo, prejudicando o seu cabal cumprimento.
Redarguiu o Director-Geral que eu poderia ter muita razão, mas o Secretário de Estado tinha mostrado urgência nesta matéria e ele entendera que devia dela encarregar-se directamente para corresponder ao seu apelo. Não encontrou reacção menos “esfarrapada”. O Secretário de Estado provavelmente nem saberia o que é a scheelite!
Em reunião da Comissão de Fomento de 10-7-1973, o Director-Geral começara já reconhecer o que classificou de “falhanço” desse programa de prospecção de scheeelites em que tanto se tinha empenhado.
domingo, 29 de março de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário