Na parte final do post N.º 101, referi-me à nomeação, pelo Ministro da tutela, de uma Comissão Instaladora de um Instituto Geológico e Mineiro.
Foi mais uma Comissão criada para pôr ordem em Organismo do Estado que devia promover o desenvolvimento da indústria mineira nacional e não estava a cumprir satisfatoriamente essa missão.
Tal como acontecera com anteriores iniciativas, tornou-se facilmente previsível o insucesso desta Comissão, quando foram conhecidos os seus elementos constitutivos.
Em fins de Dezembro de 1976, foi com alguma surpresa que recebi, na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, convocatória para estar presente em reunião plenária, que tinha por objectivo fazer a apresentação da referida Comissão Instaladora.
Na mesa da Assembleia, tiveram assento: Diogo Pinto, Engenheiro designado pelo Ministro como Presidente da Comissão; Múrias de Queiroz, Director do SFM; Rolando Moreira, Engenheiro de Minas que pertencera ao Quadro do SFM e dele se desvinculara, para se dedicar ao ensino e à actividade privada; Magalhães Ramalho, Geólogo dos Serviços Geológicos; um Técnico da Junta de Energia Nuclear e um Professor da Universidade de Braga
Diogo Pinto espraia-se em generalidades sobre o Instituto, sem esclarecer como se havia chegado à composição da Comissão, sem concretizar devidamente os objectivos do Instituto e sem definir quais os funcionários que nele seriam integrados.
Perante estas indefinições, logo que me foi concedida a palavra, perguntei qual o critério que presidiu à nomeação dos elementos constitutivos da Comissão. A resposta que obtive logo denunciou a incúria havida na escolha desses elementos. Diogo Pinto respondeu que o critério usado foi apenas o de “boas vontades”!
Contive-me e não reagi dizendo o que logicamente viria à mente de qualquer pessoa: “De boas vontades está o inferno cheio”. Reservei a minha reacção para documento que enviaria a Diogo Pinto, o qual adiante transcreverei.
É que da Comissão Instaladora também fazia parte Delfim de Carvalho, cuja hostilidade ao Instituto já assinalei e cujo papel na desorganização que estava a acontecer no SFM se tornara demasiado evidente.
Diversos trabalhadores, demonstraram preocupação quanto à selecção dos que iriam integrar o novo Organismo, mas também não obtiveram resposta satisfatória. Tudo estava ainda muito vago!
Falando-se de competências exigidas para a real eficácia deste novo Organismo, eu fiz a observação de que, certamente, se procuraria dotar o Instituto de pessoas altamente competentes e a contratação não se faria, portanto, com base em considerações de ordem política ou outras que nada tivessem a ver com competência profissional.
Diogo Pinto responde afirmativamente mas retira a palavra “altamente”.
Em nova intervenção perguntei se no âmbito do futuro Instituto se incluiriam explorações mineiras e se, por exemplo, a participação do Estado nas Minas de Aljustrel se processaria através desse Instituto. Diogo Pinto respondeu que o Instituto iria até onde se mostrasse conveniente...
Procurei ainda saber qual a política a seguir relativamente a investimentos estrangeiros em Portugal, na indústria mineira. Também não obtive resposta capaz; tudo iria depender da política do Governo, que mostrou desconhecer.
Diogo Pinto, antes da reunião em S. Mamede de Infesta, tinha visitado as instalações desta sede do SFM, acompanhado do Director e de alguns técnicos que por este foram designados.
Eu, que não tinha sido convidado a participar na Comissão, apesar de ter sido minha a primeira proposta de criação do Instituto (que tivera, então, total rejeição), nem sequer fui informado antecipadamente desta visita.
Nela, foi até ignorada a existência do Serviço de Prospecção que eu chefiava, razão pela qual fui impedido de dar a conhecer a actividade realizada e em curso no principal departamento do SFM.
Perante a situação gerada e tendo tomado conhecimento de que Diogo Pinto iria efectuar visita ao outro núcleo importante do SFM, que era a sede da 1.ª Brigada de Prospecção, em Beja, resolvi enviar-lhe, em 28 de Dezembro de 1976, ofício que, a seguir, transcrevo:
“As palavras de V. Ex.ª na reunião do passado dia 22, na sede do Serviço de Fomento Mineiro, se apaziguaram o espírito de algumas pessoas, trouxeram a várias outras as mais sérias preocupações. Conto-me entre estas últimas.
Na realidade, admitiu V. Ex.ª, como entidade independente, nem sequer vinculada ao Ministério da Indústria, que a Comissão Instaladora do Instituto poderia, eventualmente, no termo dos seus trabalhos, chegar à conclusão de que o modo mais eficaz de atacar os problemas com que se debate a indústria mineira nacional seria “não mexer” nas estruturas existentes, isto é, “deixar tudo na mesma”.
Sou um funcionário com 33 anos de serviço, dedicados à causa do “Fomento Mineiro” e recuso-me a aceitar tal hipótese, ainda que remota.
A situação actual é de tal modo degradada, que seria absurdo mantê-la, por muito mais tempo. Isso corresponderia a destruir totalmente as já tão abaladas esperanças dos que estão realmente interessados em participar na construção de um País novo.
Porque assim penso, tenho chamado a atenção dos poderes constituídos para este sector vital da economia do País, quer enviando exposições a Ministros da Economia, da Indústria e do Planeamento de diversos Governos pós-25 de Abril, quer a Organismos criados com o objectivo de corrigir deficiências de funcionamento do aparelho de Estado e injustiças, herdadas ou não do regime anterior.
Com base nestas e noutras exposições que recebeu, a Comissão de Saneamento e Reclassificação de Funcionários do Ministério da Indústria e Tecnologia considerou necessária a instauração de um inquérito à Direcção–Geral de Minas e Serviços Geológicos. Oficiou, nesse sentido a Sua Ex.ª o Senhor Ministro.
Tal inquérito não foi, porém, até hoje efectuado e vai já decorrido perto de um ano que foi pedido. Não se sente que o Governo esteja interessado em sanear um departamento do Estado que se caracteriza pela desorganização e pela falta de eficiência.
Em contrapartida, assiste-se à nomeação, para essa Comissão Instaladora, de um elemento do Serviço de Fomento Mineiro, que é um dos principais responsáveis pela introdução de indisciplina e de germens de desagregação num dos poucos sectores da Direcção-Geral de Minas dotado de uma certa eficácia, onde se conseguira criar o embrião de uma organização capaz de enfrentar os reais problemas de fomento da indústria mineira nacional.
Vai V. Ex.ª, dentro de dias, visitar a 1.ª Brigada de Prospecção do Serviço de Fomento Mineiro.
Completam-se em 24 de Janeiro, dois anos, desde que, a título provisório, fui destituído da chefia dessa Brigada, com fundamento em abjecta exposição subscrita por 25 elementos nela integrados, entre os quais se contava o Geólogo Delfim de Carvalho.
Tal exposição surpreendeu toda a gente que conhecia a Brigada, dentro e fora do Serviço, porquanto eram bem conhecidas as relações de cordialidade que sempre mantive com esses elementos – nalguns casos, durante mais de 30 anos – e as referências elogiosas que eles frequentemente faziam a meu respeito.
A razão principal, senão única, para esse procedimento é também do domínio geral: a minha inflexível recusa em visar boletins itinerários fraudulentos.
O Senhor Ministro da Indústria ou os seus órgãos de apoio dispõem de dados suficientes para apreciação deste e doutros casos que mencionei nas minhas exposições, se estas não tiverem ficado retidas na Secretaria-geral do Ministério…
Não pôde, pois, deixar de me surpreender a escolha de indivíduo implicado em procedimento demonstrativo de baixo carácter, para funções de tamanha responsabilidade.
O Geólogo Delfim de Carvalho que, segundo suponho, chamou agora a si a chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, irá provavelmente mostrar a V. Ex.ª como está constituída esta equipa de trabalho, a sua obra passada e a actuação presente.
Julgo, porém, oportuno levar ao conhecimento de V. Ex.ª que tal Brigada foi, por mim, metodicamente organizada, no decurso de cerca de 30 anos, vencendo obstáculos de toda a espécie e que a participação do Geólogo Delfim de Carvalho é de data recente e bastante modesta, sobretudo se a confrontarmos com as excepcionais possibilidades de aperfeiçoamento profissional que lhe têm sido proporcionadas.
Declarou V. Ex.ª que a nomeação dos elementos da Comissão Instaladora obedeceu mais a um critério de “boas vontades” do que de competências.
Como posso eu acreditar na “boa vontade” de indivíduo cujo comportamento tem sido tão suspeito, para dar vida a um Organismo novo, sem os vícios de que enfermam os actualmente existentes, criados com idênticos objectivos?
Sabe V. Ex.ª que, na mesma data em que o Geólogo Delfim de Carvalho me acusava de não participar efectivamente na reestruturação da Direcção-Geral de Minas, quando ele e outros técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção se associavam aos Serviços Geológicos para apresentarem um projecto de reestruturação que, com insignificantes alterações, coincidia com o proposto pelo Director-Geral de Minas, eu era o primeiro funcionário da Direcção-geral de Minas a sugerir a criação de um Instituto Geológico e Mineiro? (V. documento anexo N.º 1)
Sabe V. Ex.ª que esta ideia não encontrou então qualquer receptividade e que, cerca de ano e meio depois, o mesmo Geólogo Delfim de Carvalho, em reunião plenária efectuada em S. Mamede de Infesta (V. documento anexo N.º 2), teve o arrojo de me censurar por ter defendido a criação de um Instituto Geológico e Mineiro, num Seminário em Geoquímica realizado em Aveiro, em Janeiro do corrente ano e, numa das suas curiosas intervenções, até declarou que ”nas empresas particulares, afirmações tais como as feitas em Aveiro constituíam motivo para rescisão de contrato”?
Como é possível ignorar estes e outros factos que julgo ocioso descrever, mas que são também do domínio geral e que bem caracterizam a personalidade do Geólogo Delfim de Carvalho?
Das palavras de V. Ex.ª, muitas das pessoas presentes à reunião de 22 do corrente deduziram que, no Instituto, seriam integrados todos os funcionários que, actualmente se dispersam pelo Serviço de Fomento Mineiro, pelos Serviços Geológicos, pelo departamento de Metalurgia e Prospecção da Junta de Energia Nuclear e, provavelmente pela empresa nacionalizada Sociedade Mineira de Santiago.
Embora V. Ex.ª não tenha corrigido tal interpretação, quando um dos trabalhadores presentes exprimia o seu agrado por saber garantidos no Instituto os actuais postos de trabalho do Serviço de Fomento Mineiro, eu suponho que não será exactamente essa a intenção de V. Ex.ª nem do Governo.
Seria, de facto, decepcionante que viesse a fazer-se a integração total.
É que o estado de degradação do Serviço de Fomento Mineiro é consequência lógica da falta de qualidade de muitos dos seus elementos para o desempenho das múltiplas funções exigidas por Organismo tão importante à economia do País.
Esta falta de qualidade é sobretudo notória ao nível de dirigentes.
Integrar no Instituto elementos responsáveis pela degradação do Serviço de Fomento Mineiro, alguns dos quais, segundo consta, até terão declarado, em resposta a recente questionário distribuído pelo GORT, que desejariam permanecer na Direcção-Geral de Minas, parece-me muito perigoso. Será introduzir, à nascença, no Instituto, os germens da sua futura ineficácia, quiçá da sua própria destruição.
Em minha opinião, o inquérito solicitado pela Comissão de Saneamento e Reclassificação de Funcionários do Ministério da Indústria e Tecnologia permitiria obter muitos dados essenciais à escolha dos elementos com qualificações para integração no Instituto.
Com os melhores cumprimentos,
Albertino Adélio Rocha Gomes
Engenheiro de Minas de 1.ª Classe, Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro
Este ofício foi acompanhado de 8 documentos comprovativos das afirmações que nele fiz.
Apesar de ter ficado muito desfavoravelmente impressionado na reunião de 22 de Dezembro, o mínimo que eu poderia esperar era que, após os meus esclarecimentos, o Presidente da Comissão Instaladora do Instituto excluísse, de imediato, Delfim de Carvalho da Comissão.
Sendo Diogo Pinto pessoa com qualificações tais, que levaram o Ministro a escolhê-lo para cargo tão relevante para o futuro da indústria mineira nacional, poderia até esperar que ele pressionasse o Governo no sentido de mandar efectuar a sindicância, há longo tempo reclamada, à Direcção-Geral de Minas, para pôr termo às irregularidades que nela continuavam a ser cometidas, em total impunidade.
Mas nada disso aconteceu! Eu não recebi resposta e Delfim de Carvalho foi mantido na Comissão.
Através do Eng.º Rolando Moreira, membro da Comissão, com quem sempre mantive relação cordial, eu ia tomando conhecimento das reuniões em Lisboa e dos fracos progressos conseguidos.
Não foram divulgadas as respectivas actas, tendo eu ficado com sérias dúvidas de que tivessem sido elaboradas.
Em Abril de 1977, foi um delegado sindical que trouxe a notícia de que o Instituto não se concretizaria.
Tinha sido em reunião com representantes do Sindicato da Função Pública, que o Ministro fizera tal revelação, tendo então acrescentado que o Serviço de Fomento Mineiro se encontrava decrépito.
De facto, não mais se ouviu falar da Comissão Instaladora.
E quanto à situação de decrepitude que o Ministro reconheceu existir no SFM, causou-me grande perplexidade o conformismo deste membro do Governo, apesar de ter na sua posse elementos mais que suficientes para poder agir adequadamente, como era seu dever.
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