O
caso do encerramento do Centro Mineiro do Braçal, que seleccionei como um dos
mais emblemáticos de “uso do poder em
oposição ao saber”, suscita-me novas reflexões, que se me afiguram
oportunas, para ajudar a explicar a crise económica, que o País actualmente
atravessa.
A
Faixa Metalífera da Beira Litoral, que engloba o centro mineiro do
Braçal, as Minas de Talhadas e muitas minas abandonadas, em algumas das quais houve
intensa exploração, foi uma das áreas que sobressaíram para estudo, após a
minha consulta aos documentos, a que tive acesso, quando me foi atribuído o
departamento de Prospecção Mineira do SFM.
Trata-se,
efectivamente, de uma Faixa onde abundam manifestações de sulfuretos, que já,
em fins do século XIX, tinha merecido a atenção do eminente Geólogo Carlos
Ribeiro.
É
de sua autoria a “Memória sobre o grande
filão metalífero que passa ao nascente de Albergaria-a-Velha e Oliveira de
Azeméis”, publicada em 1861, na qual é realçada a potencialidade mineira
desta Região.
Para
os estudos que projectei no Norte e no Centro do País, no desempenho das minhas
novas funções, criei a 2.ª Brigada de Prospecção.
Nesta
Brigada, apenas me foi possível instituir dois núcleos, para concretização
desses projectos: a Secção de Caminha e a Secção de Talhadas.
Ambas
ficaram a cargo de Colectores, cuja instrução básica era apenas a proporcionada
pela antiga 4.ª Classe de Instrução Primária, por me não ter sido
disponibilizado pessoal com melhor preparação académica, apto a exercer tais
funções.
Para
a Secção de Caminha, tive mesmo que destacar um Colector da Secção de Évora da
1.ª Brigada, que tinha adquirido experiência em trabalhos de prospecção
geofísica, tanto de campo como de gabinete.
Para
a Secção de Talhadas, mandei estagiar, nas técnicas de prospecção que estavam a
ser aplicadas na 1.ª Brigada, sediada em Beja, um Colector que sempre estivera
mal aproveitado no Norte, não lhe tendo sido facilitado o aperfeiçoamento profissional,
em que se mostrara vivamente interessado.
Ambos
se revelaram excelentes colaboradores, suprindo amplamente as insuficiências da
sua formação básica.
A
actividade da Secção de Talhadas consistiu, essencialmente, na aplicação do
método geoquímico, com amostragem de sedimentos de linhas de água.
Dela
resultaram numerosas anomalias, com destaque para as zonas de Cabeço do
Telégrafo, Alto da Serra, Bertufo, Boa Aldeia, Cabeço Santo, Sanguinheiro, Bostelim,
Agrelo, Boi, que justificaram a aplicação de outros métodos, com vista à futura
definição de concentrações de minérios susceptíveis de exploração lucrativa.
Para
a zona de Cabeço do Telégrafo, situada na proximidade da antiga Mina do Braçal,
eu tinha apresentado, em 1974, projecto de sondagens que aguardava ainda aprovação.
Apesar
das minhas pormenorizadas informações, em relatórios mensais e anuais e,
oralmente, em reuniões da Comissão de Fomento, o Director do SFM chegou a
ameaçar extinguir este núcleo de actividade, porque, na sua erudita expressão, “a Secção de Talhadas não estava a dar
nada” (Ver post N.º 215)
Mais
surpreendentes eram os comentários que o Director-Geral, Soares Carneiro, se
permitia fazer, quanto ao interesse desta zona mineira, cuja actividade lhe
incumbira acompanhar e fiscalizar, quando detivera o cargo de Chefe da
Circunscrição Mineira do Norte.
Mostrava-se muito reticente quanto ao interesse de filões!!
Para ele, só formações estratificadas,
como as que ocorrem na Faixa Piritosa ou na Faixa Zincífera Alentejana, eram
susceptíveis de conter reservas que viessem a justificar exploração.
Todavia, consentia que o 2.º Serviço se
mantivesse a reconhecer jazigos filonianos no Norte e no Sul do País.
Curiosamente,
nem se preocupava que, no caso do filão cuprífero do Barrigão, localizado no
concelho de Almodôvar, no interior de área adjudicada a Companhia canadiana, se
estivessem a fazer despesas em benefício desta Companhia, que até nem
demonstrara o mínimo interesse em filão de tão exíguas dimensões.
Tive
oportunidade de divulgar os resultados obtidos, durante 10 anos, na Faixa
Metalífera da Beira Litoral, em palestra subordinada ao título “Casos concretos
de prospecção integrada em Portugal”, inserida em Seminário Internacional
de Geoquímica, que teve lugar, em 30-9-1978, na Universidade de Aveiro, por
iniciativa de um dos seus docentes.
Neste
Seminário, um dos cientistas estrangeiros, que nele havia participado,
manifestou a maior surpresa por eu não apresentar resultados de sondagens que
tivessem sido executadas para investigação do extenso alinhamento de anomalias
geoquímicas de Pb, no Cabeço do Telégrafo, próximo das Minas do Braçal, as
quais tinham apoio do método de resistividade eléctrica.
Não
pude evitar a denúncia pública do falacioso argumento do Director-Geral de que
os filões não têm interesse, só justificando investigação as formações
estratificadas.
Acrescentei,
no entanto, conhecer vários casos de jazigos inicialmente classificados como
filonianos, que após estudos mais elaborados, passaram a classificar-se como
estratiformes.
Tal
é, por exemplo, o caso do jazigo tungstífero de Covas, em Vila Nova de
Cerveira.
Após
a Revolução de Abril de 1974, as forças vivas de Sever do Vouga, já libertas
dos constrangimentos do regime político anterior, censuraram, através de um seu
representante, a Administração
Concelhia, que estivera em exercício, quando o Centro Mineiro do Braçal foi encerrado,
por não ter pressionado a Direcção-Geral de Minas, no sentido de indeferir o
pedido de suspensão de lavra das Minas do Braçal, assim evitando que “os
poços fossem inundados e as instalações fabris vendidas como sucata”.
É
bem expressiva a passagem da exposição ao Presidente da Câmara que, a seguir,
transcrevo:
“É altura de se solicitar ao Governo
Provisório, através da nossa Câmara Municipal Renovada, que o Ministério
respectivo se debruce sobre o nosso problema, que seja aberto um inquérito ao
proteccionismo das importações, com total desprezo pela economia nacional.
Queremos as nossas antiquíssimas Minas a
funcionar.
Queremos trazer para a nossa terra todos
os nossos conterrâneos que tiveram que deixar o nosso País na busca de trabalho.
Queremos defender um Concelho Rico, da
ideia errada de que somos Pobres.
Aliado às potencialidades mineiras,
temos uma floresta das mais ricas do distrito.
Estamos numa zona turística por
excelência chamada a “Suíça Portuguesa”.
Queremos defender o futuro dos nossos
Filhos criando-lhes estruturas, onde mais tarde se possam empregar.
Rogamos a V. Ex.ª que seja exarado em
acta da primeira sessão camarária, da memorável Comissão Administrativa
Democrática, parecer favorável a esta exposição”.
Esta
exposição transitou pelo Governo Civil de Aveiro e pelo Ministro da Coordenação
Económica, chegando à DGMSG, para esclarecimento das circunstâncias do
encerramento do Centro Mineiro do Braçal e para informação sobre actividades que
os serviços oficiais tivessem em curso, que facilitassem a revitalização desse
Centro.
Soares
Carneiro, que detivera o cargo de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte,
quando o Centro Mineiro do Braçal foi encerrado, sendo portanto responsável por
todas as ilegalidades a que aludi, estava agora investido nas funções de
Director-Geral de Minas.
Coerentemente
com as dificuldades que o seu poder arbitrário lhe tinha permitido criar no
estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral, Soares Carneiro não se coibia de
exprimir, em publicação oficial, a opinião de que, na actual conjuntura, ”são diminutas, para não dizer mesmo
nulas, as possibilidades económicas da maior parte dos nossos jazigos de chumbo
e zinco, do tipo filoniano, que integram a faixa de sulfuretos entre nós e
durante muito tempo consideradas as mais representativas do potencial destes
metais”
Múrias
de Queiroz, com o seu habitual servilismo, que o tornava incapaz de exercer com
a dignidade e o respeito exigidos pelo cargo de Director do SFM, em que estava
investido, ainda adicionava mais dificuldades à investigação da Faixa.
Apesar
disso, os estudos iam prosseguindo, graças à dedicação dos dois Colectores e de
pessoal localmente contratado.
Mas
as sondagens projectadas para o Cabeço do Telégrafo, continuavam por executar, não
obstante haver sondas inactivas, “por
falta de projectos !!”, na infundada afirmação do Chefe da Brigada
de Sondagens (Ver post N.º 190).
O
documento, proveniente do Ministro da tutela, para informação pela DGMSG, deixou
francamente embaraçados, tanto o Director-Geral como o Director do SFM.
O
Director do SFM não podia agora exaltar a mesma preocupação com uma riqueza que
estava a ser desperdiçada, como tinha acontecido, no caso de um possível jazigo
de ouro, cujos indícios tinham dado origem a vários manifestos, apresentados por
um conhecido especulador, no concelho de Vila Velha de Ródão, estando os
respectivos registos próximos da caducidade.
Neste
caso, a sua desfaçatez tinha ido ao ponto de pretender comprometer-me com o
poder político instituído pela Revolução de Abril de 1974, alegando que eu
demonstrava não estar integrado no
espírito do MFA (Movimento das Forças Armadas!!! (Ver post N.º 70), por
ter chamado a atenção para leis em vigor, que os vários despachos exarados no
documento enviado pelo Ministro, não respeitavam.
O
Director-Geral de Minas, o Chefe da Circunscrição Mineira do Sul e o Director
do SFM, todos beneficiários do regime político anterior, ficaram seriamente amedrontados,
quando aquele especulador enviou segunda carta, reclamando atenção para o facto
de estarem a ser usadas areias auríferas, retiradas das áreas dos seus registos,
para a construção da barragem de Fratel, no Rio Tejo.
A
primeira carta, anterior à Revolução, nem sequer tinha sido considerada merecedora
de resposta!!!
Receando
que os novos detentores do poder político levassem “a sério” os proclamados
propósitos da Revolução, de corrigirem os desmandos do regime anterior,
chamando à responsabilidade os seus autores, quiseram demonstrar tamanha
preocupação com o aproveitamento das nossas riquezas minerais, que até se propuseram
ultrapassar as leis em vigor, para que tais riquezas se não perdessem!!!
O
Director do SFM, perante os reparos que ficaram registados na minha informação,
ainda foi mais longe, nas suas arbitrariedades.
Desrespeitando
a Orgânica que por si havia sido instituída, encarregou o 2.º Serviço, - que
já tinha sido responsável pela extinção do sector de Trabalhos Mineiros
tradicionais - de proceder às investigações que eu declarara ilegais.
Estas
investigações, se justificáveis, seriam da competência do 1.º Serviço, que eu chefiava.
O
2.º Serviço, impreparado para sua concretização, limitou-se a fazer
concentrados de bateia, com resultados que só vieram evidenciar o agravamento da
indisciplina que já grassava no SFM.
O
relatório sobre os estudos do 2.º Serviço nesta Região de Vila Velha de Ródão
está publicado no Boletim de Minas. O que dele consta é um ultraje à dignidade do
SFM. (Ver post N.º 70).
Assim
como Guimarães dos Santos, que deteve o cargo de Director do SFM até 1963, não
encarregou a Brigada do Norte de dar continuidade à exploração do Jazigo do
Braçal, quando a empresa concessionária decidiu encerrar este Centro Mineiro,
também Múrias de Queiroz, que lhe sucedeu no cargo, não encarregou o 2.º Serviço
de realizar nesse Centro, os Trabalhos, que ao 2.º Serviço competiriam.
Não
encarregou, pela simples razão de que o 2.ª Serviço tinha deixado extinguir
esse sector e já não conseguiria com o pessoal envelhecido que lhe restava e
com os vícios adquiridos, atrever-se a tal proeza!
O
Director do SFM não encontrou agora alternativa senão despachar para mim o
documento enviado pelo Ministro, para eu ser a
sua tábua de salvação, esquecendo todas as dificuldades que ele e o
Director Geral tinham colocado à actividade da Secção de Talhadas.
Mas,
desrespeitando os procedimentos normalmente adoptados, não me enviou os
documentos originais, que haviam chegado às suas mãos.
Apenas
transcreveu curta passagem da carta do representante das forças vivas de Sever
do Vouga, determinando que eu informasse, com urgência, quais os trabalhos de
prospecção, realizados ou em curso, na área do Braçal e noutras áreas da Região
e respectivos resultados.
Este
desleal procedimento do Director do SFM reflectia o seu receio de eu registar,
em documento que chegasse às mãos do Ministro, as enormes dificuldades criadas
à actividade da Secção de Talhadas, as quais atrasavam o aproveitamento de uma
riqueza que era real, ao contrário do ouro de Vila Velha de Ródão, que não
passava de mera especulação!!!
Não
me conformando com este irregular procedimento, requeri o suporte de entidade
jurídica da DGMSG e, já na posse de todos os documentos, comecei por chamar a
atenção do Director do SFM para as informações detalhadas contidas nos
relatórios de minha autoria e em exposições orais que recentemente fizera.
Mas,
ao Director, só faltou dizer que não costumava ler os meus relatórios, ou
prestar atenção às minhas informações orais.
Sobre
o mérito da Faixa Metalífera tinha-lhe bastado a opinião de Soares Carneiro,
decretada nos seus habituais “dogmas” negativistas.
Múrias
de Queiroz não revelava capacidade para ler agora, as longas exposições, que eu
apresentara, sendo de destacar o relatório por ele-próprio exigido para eu lhe
demonstrar que os trabalhos empreendidos até 31-12-1972, tiveram resultados positivos,
sendo portanto, extremamente errada a sua afirmação de a “Secção de Talhadas não estar a dar nada”
De
facto, os resultados até àquela data, representados principalmente em algumas centenas
de cartas geoquímicas à escala de 1:5000, cobrindo, cada uma, área de 4 km2,
podiam até considerar-se surpreendentes e já tinham justificado projecto de
sondagens.
Mas
o Director do SFM pretendia agora uma informação sucinta que o dispensasse do
esforço de consultar a documentação que eu lhe tinha aconselhado.
Todavia,
dada a urgência requerida e perante a vastidão das questões formuladas, apresentei
em 15-7-1974, exposição de 20 páginas manuscritas, para dar cabal cumprimento
ao último despacho.
A
concluir esta exposição, fiz a análise de duas alternativas, para a reactivação
do Centro Mineiro do Braçal.
A
primeira seria a sugerida pelo representante das forças vivas de Sever do Vouga,
a qual previa a constituição de empresa privada, com integração dos mineiros,
que haviam emigrado para França:
A
segunda seria encarregar o SFM de revitalizar o Complexo Minero-Metalúrgico do
Braçal.
Relativamente
à primeira alternativa, manifestei dúvidas de que os antigos mineiros, após uma
ausência de 20 anos, em País onde as suas qualidades de trabalho e a sua
especialização provavelmente teriam sido apreciadas e satisfatoriamente
remuneradas, se interessassem em regressar ao ambiente das minas subterrâneas.
Relativamente
à segunda alternativa, fui de opinião que, se o Serviço de Fomento Mineiro pretendesse
lançar-se no empreendimento do Braçal e em outros idênticos que viessem a
justificar-se, teria que modificar a sua Orgânica, porquanto a que estava em
vigor não se mostrava sequer capaz de manter o ritmo de actividade conseguido
com a Orgânica anterior.
Insistia
na necessidade de elevar o SFM à categoria de empresa pública, criando o Instituto de Investigação Geológica e Mineira, com
autonomia administrativa e financeira, conforme minha proposta de 12-1-1975
(Ver post N.º 78), libertando-o da tutela castradora do Director-Geral Soares Carneiro.
Só
um tal Instituto, obviamente a cargo de técnicos competentes e não de nomeação por
critérios de outra índole, reuniria as condições exigíveis para enfrentar
problemas como este do Braçal.
Não
sei o que foi extraído minha informação, para esclarecer o Ministro.
Mas
o que, de facto, se verificou, foi a permanência da paralisação de toda a
actividade, no antigo Centro Mineiro do Braçal.
Tive
conhecimento de que, recentemente, a Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), se
propôs contratar empresa privada para a execução de novos trabalhos nas Minas
de Braçal, Malhada e Coval da Mó.
Mas
não se tratava, afinal, de retomar a actividade mineira, como se deduziria da
designação da Empresa e como proclama o Geólogo Delfim de Carvalho, na
qualidade de seu dirigente, quando refere os objectivos visados pela Empresa.
Tratava-se,
afinal, de actuar como “Agência Funerária”, promovendo “exéquias condignas” a
estas Minas, com a “selagem” de todas as aberturas dos trabalhos subterrâneos
para o exterior, a pretexto de “recuperação ambiental”.
Não
lhe ocorreu a conservação das antigas instalações mineiras e dos acessos ao
jazigo, na previsão de que o Centro Mineiro viesse a ser revitalizado.
De
facto, a sua nula experiência mineira não o poderia induzir a aceitar o sábio
conselho, a que tenho feito referência: ”Old mines never die…they just close down,
and rest a while”.
Continua
…
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