segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

56 A – Divagações suscitadas por uma amostra de minério de tungsténio. 1.ª parte


             Curiosum nobis natura ingenium dedit

Uma amostra de minério de tungsténio da Mina de Valdarcas, que eu tinha colocado, sobre um móvel, em minha casa, despertou curiosidade a pessoa, que se mostrou interessada na sua proveniência.

Correspondendo a esse interesse, aí vão as divagações que a amostra me suscitou.


I – As explorações de volfrâmio, durante a 2.ª Guerra Mundial

A região se Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima não ficou imune à chamada “febre do ouro negro”, ocorrida durante a 2.ª Guerra Mundial.
Houve, em vários locais, explorações de volframite, legais e ilegais, como bem assinala a Doutora Raquel Alves, da Universidade do Minho, na recente publicação do GEPPAV, denominada “Minas e mineiros de Vilar de Mouros”, da qual é a principal autora.
 

II – Nova descoberta de volframite, em 1954

Valdarcas faz parte de um conjunto de Minas, cujas concessões foram outorgadas, no início da década de 50 do passado século, portanto após o termo da 2.ª Guerra Mundial.
É a concessão N.º 2944, outorgada em 29-7-1954, conforme consta da publicação; “Minas concedidas no Continente, desde Agosto de 1836 a Dezembro de 1962”
O jazigo que deu origem àquele conjunto de Minas, foi descoberto por um indivíduo que detectou volframite em afloramentos ferruginosos que tinham chamado a sua atenção,
Sem condições financeiras para se candidatar à exploração deste material ferruginoso, a que chamou “jorra”, vendeu a descoberta a Empresa que, então foi constituída – a GEOMINA, L.da, cujos sócios eram: o Eng.º Técnico Russo Belo; o Presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira, de nome Pimenta e o Conservador de Registo Predial Dr. Pedreira.
Outras Empresas se estabeleceram, também, na Região, para explorar núcleos mineralizados, entretanto descobertos.
 As principais concessões outorgadas foram:
          A “Geomina”: Valdarcas, Fraga, Fervença;
          A “Gaudêncio, Valente & Faria”: Lapa Grande e Cerdeirinha

 
III – A “jorra”, resultante da alteração de pirrotite

O Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia - Alberto Morais Cerveira, que foi o Director Técnico das concessões de Geomina L.da, identificou no minério, além de volframite, (tungstato de ferro e manganés), ferberite (tungstato de ferro), scheelite (tungstato de cálcio) e pirrotite, da qual tinha derivado a ”jorra”.
A pirrotite é um sulfureto de ferro, com propriedades magnéticas, idênticas às da magnetite.  


IV – As boas relações entre Morais Cerveira e Soares Carneiro

O Eng.º Morais Cerveira era grande amigo do Eng.º Soares Carneiro, que exerceu cargos de chefia na Direcção-Geral de Minas, chegando a Director-Geral.
Constava que eram sócios, por intermédio de um familiar de Carneiro.
Tinham residências geminadas, na Rua do Engenheiro Carlos Amarante do Porto.


V – A aplicação do método magnético, para detecção de pirrotite oculta.

Sabedor da existência da Brigada de Prospecção Geofísica (BPG) do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que estava a aplicar, no Alentejo, o método magnético, para detecção de jazigos de minério magnetítico, Morais Cerveira solicitou que esta Brigada viesse aplicar a técnica magnética nas concessões de Valdarcas, Fraga e Fervença, a fim de localizar as concentrações de pirrotite, às quais estariam, provavelmente, associadas a volframite e a scheelite.
O pedido foi aceite e a BPG fez deslocar, àquelas Minas, uma equipa chefiada por um recém-licenciado Engenheiro, confiante de que o trabalho seria bem executado.
Esse Engenheiro deparou, porém, com um terreno acidentado, muito diferente daquele em que actuava no Alentejo.
Ainda sem experiência, não teve o necessário rigor, no trabalho topográfico para implantação dos pontos a observar com o magnetómetro, daí resultando a impossibilidade de localizar correctamente as expressivas anomalias que se registaram.
Mas Cerveira ficou consciente da plena eficácia do método e quis saber exactamente onde se situavam aquelas anomalias, para as investigar, por sondagens.

 
VI – A minha intervenção em nova campanha de prospecção magnética.

Aconteceu que, por aquela data, eu fui nomeado Chefe do Serviço de Prospecção Mineira do SFM, com âmbito de actuação extensivo a todo o território metropolitano nacional.
O problema foi-me então apresentado.
Tive que mandar repetir o levantamento magnético, agora sob a orientação de um Engenheiro, ao qual eu tinha prestado os primeiros ensinamentos do método magnético e proporcionado, depois, os meios para se tornar um especialista, nesta técnica.
Com a colaboração de um Geólogo sénior, foi então possível elaborar um projecto de sondagens.


VII – A execução de sondagens, com base em resultados da prospecção magnética

Uma vez mais, Cerveira solicitou a colaboração do SFM para a execução dessas sondagens, que se localizavam na Mina da Fervença, junto à foz da Ribeira de Arga, na confluência com a Ribeira de Coura, onde a “jorra” até tem conspícuo afloramento junto a um dos pilares da ponte.
As sondagens foram realizadas e tiveram pleno êxito.
Interceptaram minério rico em volframite e scheelite, em associação com a pirrotite magnética.

 
VIII– A detecção de scheelite, usando um mineralight

A volframite e a ferberite eram facilmente identificáveis pela sua cor preta e pelo brilho metálico.
A scheelite, branca e sem brilho, não era detectável por observador normal, pois se confundia facilmente com minerais do estéril. Revelou-se, no processo de concentração hidrogravítica, devido à sua elevada densidade.
Não me foi difícil detectar a presença abundante de scheelite, pois fiz uso de um equipamento de produção de radiação ultra-violeta, denominado “mineralight”, que trouxera do Alentejo, e pude observar a sua característica fluorescência, quando sobre ela incidia, na obscuridade, radiação de comprimento de onda apropriado (2537 angstroms).


IX – O início de uma campanha de prospecção, extensiva a vasta área da Região

Tendo verificado, no desempenho das minhas novas funções, estar em presença de importante formação mineralizada, resolvi iniciar uma campanha de prospecção, visando a detecção de concentrações de minério magnético, neste jazigo e noutros que, na região, pudessem existir.
Nesta campanha, assumiu primordial importância o aproveitamento da fluorescência da scheelite, sob radiação ultra-violeta, produzida por aparelhos portáteis, que eu tinha conseguido adquirir, baseado em informação colhida em Revistas mineiras que habitualmente consultava.
Além da aplicação do método magnético, visando a detecção da pirrotite e da magnetite associadas ao minério, eram sistematicamente observados com o mineralight, concentrados de bateia de sedimentos de linhas de água e fragmentos extraídos de formações suspeitas de conterem scheelite.
Os bons resultados não se fizeram esperar. Novas concentrações foram encontradas, sendo bem expressivas as detectadas na Mina da Cerdeirinha, concedida a “Gaudêncio, Valente & Faria”.

 
X – O levantamento geológico da Região

Tornava-se essencial um estudo geológico da área.
O Geólogo do SFM, encarregado de proceder a este estudo, ainda muito inexperiente, entregou-me um mapa à escala de 1:25000, com informação de reduzido interesse para os objectivos em vista, e até pouco fidedigna.
Recusara os mapas à escala 1:5000 que eu lhe tinha fornecido, com o argumento de não serem rigorosos, por terem sido obtidos por ampliação de mapas à escala de 1:25000 dos Serviços Cartográficos do Exército (SCE), sendo certo que eu tinha constatado a excelente qualidade dos mapas elaborados pelos SCE.


XI –A tese do Geólogo alemão Bayer sobre o jazigo de Covas

Por casualidade, surgiu na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, o Geólogo alemão Bayer, que o Dr. Orlando Gaspar, do SFM, tinha conhecido quando fez, na Alemanha, a sua especialização no estudo de superfícies polidas.
Bayer mostrou interesse em fazer, em Portugal, a sua tese de doutoramento.
Foi-lhe sugerido este jazigo da freguesia de Covas de Vila Nova de Cerveira.
Na tese que Bayer apresentou, foi pela primeira vez revelado que a mineralização ocorre em formação estratificada, denominada skarn (derivada de um calcário, por metamorfismo, que lhe introduziu os sulfuretos, a volframite e outros minerais) e não em filões, como tinham concluído Cerveira e outros técnicos.
Por a tese ter sido redigida na língua alemã, passou despercebida esta importante conclusão.

 
XII –Os estudos dos Geólogos checos Yanecka e Strnad

Algum tempo mais tarde, a outra Empresa concessionária “Gaudêncio Valente e Faria”, que tinha ligações comerciais com a antiga Checoslováquia, conseguiu que os Geólogos checos, Yanecka e Strnad, viessem a Portugal prestar colaboração nos seus estudos, nas Minas de Lapa Grande e Cerdeirinha.
Estes Geólogos compareceram na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, a prestar informação sobre os estudos que tencionavam realizar.
O Director Múrias de Queiroz, convocou-me para o auxiliar, durante a conversa com os técnicos checos, que se exprimiam em francês, sendo que Strnad também entendia português, por ter estado no Brasil.

 
XIII – O estágio de Vítor Manuel Correia Pereira, sob a orientação dos Geólogos checos

Logo me apercebi de que Yanecka era Geólogo altamente competente e que até seria útil aproveitar a sua presença, para proporcionar estágio a um Geólogo do SFM recém-licenciado.
Foi então indigitado Vítor Manuel Correia Pereira que, pouco tempo antes, havia ingressado no SFM.
Esta proposta obteve a concordância de António Ribeiro, que era então o Geólogo mais competente da DGM.


XIV – A minha boa colaboração com os Geólogos checos

Estabeleci estreita colaboração com os Geólogos checos, fornecendo-lhes mapas à escala de 1:5000 (topográficos e magnéticos), pois constatara que eles estavam fazendo o levantamento topográfico, à bússola e á fita métrica, assim produzindo mapas muito menos rigorosos que os anteriormente rejeitados pelo Geólogo do SFM.
Agradecidos, foi nestes mapas que implantaram, entre outras formações, o afloramento do skarn hospedeiro da mineralização de tungsténio, em toda a extensão da estrutura que estava em investigação, confirmando as conclusões a que Bayer tinha chegado, na parcela sobre a qual tinha incidido a sua tese.

 
XV – As aulas de campo a estudantes universitários, na região onde ocorrem as Minas de Covas

No período de 1970 a 1990, prestei colaboração às Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, à Universidade de Aveiro e à Universidade de Braga, em Prospecção Mineira, quer em aulas teóricas no gabinete, quer em aulas práticas no campo.
Aproveitei a campanha na região de Vila Nova de Cerveira,- Caminha – Ponte de Lima, para os alunos praticarem as técnicas que estavam a ser aplicadas.

A amostra de minério da Mina de Valdarcas, que guardei em minha casa, era-lhes apresentada como representativa do objectivo principal da campanha.

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