Curiosum
nobis natura ingenium dedit
Uma
amostra de minério de tungsténio da Mina de Valdarcas, que eu tinha colocado,
sobre um móvel, em minha casa, despertou curiosidade a pessoa, que se mostrou
interessada na sua proveniência.
Correspondendo
a esse interesse, aí vão as divagações que a amostra me suscitou.
I
– As explorações de volfrâmio, durante a 2.ª Guerra Mundial
A
região se Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima não ficou imune à chamada
“febre do ouro negro”, ocorrida
durante a 2.ª Guerra Mundial.
Houve,
em vários locais, explorações de volframite, legais e ilegais, como bem
assinala a Doutora Raquel Alves, da Universidade do Minho, na recente publicação
do GEPPAV, denominada “Minas e mineiros
de Vilar de Mouros”, da qual é a principal autora.
II
– Nova descoberta de volframite, em 1954
Valdarcas faz parte de um conjunto de Minas, cujas concessões foram outorgadas, no início da década de 50 do passado século, portanto após o termo da 2.ª Guerra Mundial.
É a concessão N.º 2944, outorgada em 29-7-1954, conforme consta da publicação; “Minas concedidas no Continente, desde Agosto de 1836 a Dezembro de 1962”
O jazigo que deu origem àquele conjunto de Minas, foi descoberto por um indivíduo que detectou volframite em afloramentos ferruginosos que tinham chamado a sua atenção,
Sem condições financeiras para se candidatar à exploração deste material ferruginoso, a que chamou “jorra”, vendeu a descoberta a Empresa que, então foi constituída – a GEOMINA, L.da, cujos sócios eram: o Eng.º Técnico Russo Belo; o Presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira, de nome Pimenta e o Conservador de Registo Predial Dr. Pedreira.
Outras Empresas se estabeleceram, também, na Região, para explorar núcleos mineralizados, entretanto descobertos.
As principais concessões outorgadas foram:
A “Geomina”: Valdarcas, Fraga, Fervença;
A “Gaudêncio, Valente & Faria”: Lapa Grande e Cerdeirinha
III
– A “jorra”, resultante da alteração de pirrotite
O Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia - Alberto Morais Cerveira, que foi o Director Técnico das concessões de Geomina L.da, identificou no minério, além de volframite, (tungstato de ferro e manganés), ferberite (tungstato de ferro), scheelite (tungstato de cálcio) e pirrotite, da qual tinha derivado a ”jorra”.
A pirrotite é um sulfureto de ferro, com propriedades magnéticas, idênticas às da magnetite.
IV
– As boas relações entre Morais Cerveira e Soares Carneiro
O Eng.º Morais Cerveira era grande amigo do Eng.º Soares Carneiro, que exerceu cargos de chefia na Direcção-Geral de Minas, chegando a Director-Geral.
Constava que eram sócios, por intermédio de um familiar de Carneiro.
Tinham residências geminadas, na Rua do Engenheiro Carlos Amarante do Porto.
V – A aplicação do método magnético, para detecção de pirrotite oculta.
Sabedor da existência da Brigada de Prospecção Geofísica (BPG) do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que estava a aplicar, no Alentejo, o método magnético, para detecção de jazigos de minério magnetítico, Morais Cerveira solicitou que esta Brigada viesse aplicar a técnica magnética nas concessões de Valdarcas, Fraga e Fervença, a fim de localizar as concentrações de pirrotite, às quais estariam, provavelmente, associadas a volframite e a scheelite.
O pedido foi aceite e a BPG fez deslocar, àquelas Minas, uma equipa chefiada por um recém-licenciado Engenheiro, confiante de que o trabalho seria bem executado.
Esse Engenheiro deparou, porém, com um terreno acidentado, muito diferente daquele em que actuava no Alentejo.
Ainda sem experiência, não teve o necessário rigor, no trabalho topográfico para implantação dos pontos a observar com o magnetómetro, daí resultando a impossibilidade de localizar correctamente as expressivas anomalias que se registaram.
Mas Cerveira ficou consciente da plena eficácia do método e quis saber exactamente onde se situavam aquelas anomalias, para as investigar, por sondagens.
VI
– A minha intervenção em nova campanha de prospecção magnética.
Aconteceu que, por aquela data, eu fui nomeado Chefe do Serviço de Prospecção Mineira do SFM, com âmbito de actuação extensivo a todo o território metropolitano nacional.
O problema foi-me então apresentado.
Tive que mandar repetir o levantamento magnético, agora sob a orientação de um Engenheiro, ao qual eu tinha prestado os primeiros ensinamentos do método magnético e proporcionado, depois, os meios para se tornar um especialista, nesta técnica.
Com a colaboração de um Geólogo sénior, foi então possível elaborar um projecto de sondagens.
VII
– A execução de sondagens, com base em resultados da prospecção magnética
Uma vez mais, Cerveira solicitou a colaboração do SFM para a execução dessas sondagens, que se localizavam na Mina da Fervença, junto à foz da Ribeira de Arga, na confluência com a Ribeira de Coura, onde a “jorra” até tem conspícuo afloramento junto a um dos pilares da ponte.
As sondagens foram realizadas e tiveram pleno êxito.
Interceptaram minério rico em volframite e scheelite, em associação com a pirrotite magnética.
VIII–
A detecção de scheelite, usando um mineralight
A volframite e a ferberite eram facilmente identificáveis pela sua cor preta e pelo brilho metálico.
A scheelite, branca e sem brilho, não era detectável por observador normal, pois se confundia facilmente com minerais do estéril. Revelou-se, no processo de concentração hidrogravítica, devido à sua elevada densidade.
Não me foi difícil detectar a presença abundante de scheelite, pois fiz uso de um equipamento de produção de radiação ultra-violeta, denominado “mineralight”, que trouxera do Alentejo, e pude observar a sua característica fluorescência, quando sobre ela incidia, na obscuridade, radiação de comprimento de onda apropriado (2537 angstroms).
IX – O início de uma campanha de prospecção, extensiva a vasta área da Região
Tendo verificado, no desempenho das minhas novas funções, estar em presença de importante formação mineralizada, resolvi iniciar uma campanha de prospecção, visando a detecção de concentrações de minério magnético, neste jazigo e noutros que, na região, pudessem existir.
Nesta campanha, assumiu primordial importância o aproveitamento da fluorescência da scheelite, sob radiação ultra-violeta, produzida por aparelhos portáteis, que eu tinha conseguido adquirir, baseado em informação colhida em Revistas mineiras que habitualmente consultava.
Além da aplicação do método magnético, visando a detecção da pirrotite e da magnetite associadas ao minério, eram sistematicamente observados com o mineralight, concentrados de bateia de sedimentos de linhas de água e fragmentos extraídos de formações suspeitas de conterem scheelite.
Os bons resultados não se fizeram esperar. Novas concentrações foram encontradas, sendo bem expressivas as detectadas na Mina da Cerdeirinha, concedida a “Gaudêncio, Valente & Faria”.
X
– O levantamento geológico da Região
Tornava-se essencial um estudo geológico da área.
O Geólogo do SFM, encarregado de proceder a este estudo, ainda muito inexperiente, entregou-me um mapa à escala de 1:25000, com informação de reduzido interesse para os objectivos em vista, e até pouco fidedigna.
Recusara os mapas à escala 1:5000 que eu lhe tinha fornecido, com o argumento de não serem rigorosos, por terem sido obtidos por ampliação de mapas à escala de 1:25000 dos Serviços Cartográficos do Exército (SCE), sendo certo que eu tinha constatado a excelente qualidade dos mapas elaborados pelos SCE.
XI
–A tese do Geólogo alemão Bayer sobre o jazigo de Covas
Por casualidade, surgiu na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, o Geólogo alemão Bayer, que o Dr. Orlando Gaspar, do SFM, tinha conhecido quando fez, na Alemanha, a sua especialização no estudo de superfícies polidas.
Bayer mostrou interesse em fazer, em Portugal, a sua tese de doutoramento.
Foi-lhe sugerido este jazigo da freguesia de Covas de Vila Nova de Cerveira.
Na tese que Bayer apresentou, foi pela primeira vez revelado que a mineralização ocorre em formação estratificada, denominada skarn (derivada de um calcário, por metamorfismo, que lhe introduziu os sulfuretos, a volframite e outros minerais) e não em filões, como tinham concluído Cerveira e outros técnicos.
Por a tese ter sido redigida na língua alemã, passou despercebida esta importante conclusão.
XII
–Os estudos dos Geólogos checos Yanecka e Strnad
Algum tempo mais tarde, a outra Empresa concessionária “Gaudêncio Valente e Faria”, que tinha ligações comerciais com a antiga Checoslováquia, conseguiu que os Geólogos checos, Yanecka e Strnad, viessem a Portugal prestar colaboração nos seus estudos, nas Minas de Lapa Grande e Cerdeirinha.
Estes Geólogos compareceram na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, a prestar informação sobre os estudos que tencionavam realizar.
O Director Múrias de Queiroz, convocou-me para o auxiliar, durante a conversa com os técnicos checos, que se exprimiam em francês, sendo que Strnad também entendia português, por ter estado no Brasil.
XIII
– O estágio de Vítor Manuel Correia Pereira, sob a orientação dos Geólogos
checos
Logo me apercebi de que Yanecka era Geólogo altamente competente e que até seria útil aproveitar a sua presença, para proporcionar estágio a um Geólogo do SFM recém-licenciado.
Foi então indigitado Vítor Manuel Correia Pereira que, pouco tempo antes, havia ingressado no SFM.
Esta proposta obteve a concordância de António Ribeiro, que era então o Geólogo mais competente da DGM.
XIV – A minha boa colaboração com os Geólogos checos
Estabeleci estreita colaboração com os Geólogos checos, fornecendo-lhes mapas à escala de 1:5000 (topográficos e magnéticos), pois constatara que eles estavam fazendo o levantamento topográfico, à bússola e á fita métrica, assim produzindo mapas muito menos rigorosos que os anteriormente rejeitados pelo Geólogo do SFM.
Agradecidos, foi nestes mapas que implantaram, entre outras formações, o afloramento do skarn hospedeiro da mineralização de tungsténio, em toda a extensão da estrutura que estava em investigação, confirmando as conclusões a que Bayer tinha chegado, na parcela sobre a qual tinha incidido a sua tese.
XV – As aulas de campo a estudantes universitários, na
região onde ocorrem as Minas de Covas
No período de 1970 a 1990, prestei colaboração às Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, à Universidade de Aveiro e à Universidade de Braga, em Prospecção Mineira, quer em aulas teóricas no gabinete, quer em aulas práticas no campo.
Aproveitei a campanha na região de Vila Nova de Cerveira,- Caminha – Ponte de Lima, para os alunos praticarem as técnicas que estavam a ser aplicadas.
A amostra de minério da Mina de Valdarcas, que guardei em minha casa, era-lhes apresentada como representativa do objectivo principal da campanha.
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