quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

56 A - Divagações suscitadas por uma amostra de minério de tungsténio - 3.º parte



XXIII – O “dogma” instituído por Soares Carneiro, de não se justificar a prospecção de minérios de tungsténio.

Durante os 20 anos que precederam a minha nomeação para chefiar o Serviço de Prospecção Mineira, com âmbito de acção extensivo a todo o território metropolitano nacional, Soares Carneiro tinha instituído o dogma de a prospecção do volfrâmio ter ficado concluída, “com as botas”, devido á sua intensa procura, durante a 2,ª Guerra Mundial.
Não era, consequentemente, de esperar a descoberta de novos jazigos!!


XXIV - O Grupo de Trabalho do Tungsténio “Os scheeliteiros”

Soares Carneiro, ficou perplexo, quando se apercebeu de que, além dos método magnético, eléctricos e geoquímicos, eu aproveitava, na procura de jazigos de tungsténio, a fluorescência da scheelite, sob determinada radiação ultra-violeta.
Por incrível que pareça, ele e os outros técnicos que fizeram investigações mineiras, no Norte do Pais, ignoravam esta propriedade da scheelite, durante os 20 anos que precederam a minha nomeação como Chefe do Serviço de Prospecção Mineira.
Esta tardia descoberta fez-lhe considerar que, afinal, teriam escapado à “prospecção com as botas” jazigos de scheelite, dada a fácil confusão deste mineral com minerais sem valor económico.
Passou, pois, a admitir ao seu dogma, mais uma excepção: a prospecção de scheelites.
Com auxílio do mineralight, julgava possível encontrar, rapidamente, grandes jazigos deste mineral, que permaneciam escondidos, os quais, pelas suas prováveis dimensões, classificava de “Torres dos Clérigos”!
Ele-próprio se encarregaria de orientar campanha, com vista à sua detecção.
Com o seu beneplácito, o subserviente Director do SFM, Múrias de Queiroz, fez Ordem de Serviço, criando o Grupo de Trabalho do Tungsténio.
Este Grupo passou a ser, designado pelos “Scheeliteiros”


XXV– A constituição do “Grupo dos Scheeliteiros”

Este Grupo foi instituído, em 1975, após a Revolução da Abril de 1974, com total desrespeito pela Orgânica do SFM.
Sem o mínimo escrúpulo, Soares Carneiro e Múrias de Queiroz deram assim mais uma contribuição para a indisciplina na actividade do SFM.
À margem dos vários Serviços criados pela Orgânica posta em vigor em 1964, decidiram promover, para seus mais directos colaboradores, funcionários que dessem garantias de subserviência, independentemente da sua competência.
Esperavam deste modo, manter-se nos cargos que ocupavam, não por competência técnica, mas por fidelidade à política do regime que tinha sido deposto.
Soares Carneiro, que auxiliara o Professor Cotelo Neiva, em levantamentos geológicos, na província de Trás-os-Montes, quase se considerava Geólogo.
Assumia-se, pois, como competente para orientar, directamente, Geólogos recém-diplomados, que tinham sido integrados no SFM e que se apresentavam como detentores de uma excelente preparação académica.
O Grupo dos Scheeliteiros ficou constituído, não só por 3 desses “excelentes” Geólogos, mas também por numeroso pessoal dos diversos serviços da sede em S. Mamede de Infesta e ainda por pessoal operário a recrutar nos locais de trabalho.
Os Geólogos, todos oriundos da Universidade de Coimbra não tinham, “de facto” a preparação de que se vangloriavam.
Eram, afinal, completamente ignorantes em prospecção mineira, pois esta matéria não constava do elenco do Curso que frequentaram.
A realidade era que o Director do Departamento de Geologia da Universidade de Coimbra, o Professor Cotelo Neiva, tinha igual ignorância, como tive ocasião de constatar directamente, quando, na sua qualidade de Colaborador do SFM, me censurou por aplicar, no Sul, técnicas geofísicas.
O pessoal auxiliar, sem qualquer preparação académica ou de outra natureza, deslocado da sede em S. Mamede de Infesta, era afectado ao Grupo, para o aliciar, proporcionando-lhe auferir ajudas de custo.


XXVI – O programa do “Grupo dos Scheeliteiros

Este Grupo de Trabalho escolheu como zona principal de actuação, uma vasta área abrangendo os concelhos de Mogadouro, Alfândega da Fé. Almendra e Figueira de Castelo Rodrigo.
Seleccionara para determinação do valor económico, com vista a futura exploração uma ocorrência, que designou como “jazigo de Cravezes”.

 
XXVII – As intenções dos “Scheeliteiros”, relativamente à Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.

Era intenção do “Grupo dos Scheeliteiros” apropriar-se da zona de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, deixando eu de dirigir os estudos, que lá iniciara há vários anos.
Foi Farinha Ramos o Geólogo encarregado de me exigir a entrega da documentação respeitante aos estudos efectuados na Região até àquela data.
Apresentava-se a cumprir Ordem de uma “Comissão de Direcção do SFM”.
Esta Comissão, instituída após a Revolução de Abril de 1974, tinha sido o expediente que Múrias de Queiroz encontrara, para se manter no poder de que desfrutara, no regime político anterior, apesar da sua notória incompetência, simulando agora a comparticipação, na Direcção, de funcionários de categorias inferiores, convenientemente eleitos.
Declarando ilegal esta Comissão, por não respeitar a Orgânica do SFM, que se mantinha em vigor,
recusei, cumprir tão exorbitante Ordem.
Curiosíssima a atitude de Farinha Ramos, quando lhe perguntei se percebia das técnicas de prospecção que eu estava a aplicar. Respondeu que não percebia, mas que estava ali apenas a cumprir uma Ordem!
Não fui, portanto, impedido de continuar a orientar os estudos na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.


XXVIII – O fiasco da actuação dos Scheeliteiros”

Os Scheeliteiros lograram descobrir, na região de Mogadouro, a existência de scheelite, em rochas, que classificaram de calcossilicatadas, e logo “embandeiraram em arco”.
Durante anos, realizaram sanjas e sondagens, nesta ocorrência, que denominaram de “jazigo de Cravezes”.
Em artigo publicado em Revista da Universidade de Coimbra, um desses Geólogos, embora declarando que o “jazigo” se encontrava ainda em início de estudo, apressou-se a dar notícia da “sensacional”descoberta.
Revelou terem sido feitas amostragens das rochas mineralizadas, para análise de WO3, Sn, Pb e Ag, em 14 sanjas, mas, perante os baixos teores de”WO3 detectados, explicou que a operação de amostragem tinha sido efectuada por pessoal não especializado!!!!
Para darem a conhecer os seus “brilhantes” êxitos, os Scheeliteiros fizeram exposições no Salão Nobre do edifício de S. Mamede de Infesta.
Tive, casualmente, conhecimento de uma dessas exposições quando ela já decorria e fui assistir.
Estava, então, Farinha Ramos no uso da palavra, encontrando-se exposto um diapositivo com foto de um campo onde apenas se percebia a existência de restolho de seara já ceifada.
Este diapositivo manteve-se, com a Sala em semi-obscuridade, durante toda a sessão!!
Os Geólogos Santos Oliveira e Luís Francisco Viegas intervieram seguidamente, sobretudo para realçar o espírito de equipa que norteou as investigações.
“Não era como noutros casos, em que havia um sábio que tudo descobria”!
O Director do SFM, Múrias de Queiroz estava eufórico! Tinha visitado a área em estudo e ficara deslumbrado com a quantidade de scheelite que vira … até nos muros!  Ignorava que musgos e outros materiais também brilham quando sobre eles incide radiação ultra-violeta!!!
Na “selecta” assistência, encontrava-se a maior parte do pessoal do chamado núcleo de S. Mamede de Infesta, incluindo funcionários da Secretaria, da Sala de Desenho, das Oficinas, da Cantina, mulheres da limpeza, etc., tudo pessoal que pouco ou nada entendia do que se dizia, até porque o palavreado não foi tornado acessível.
Para demonstração dos sucessos, uma amostra de rocha com mineralização de scheelite ia passando, de mão em mão, por todo este pessoal, que obviamente não conseguia detectar a presença do mineral de tungsténio, pois ele só se torna visível a observador não experimentado, usando radiação ultra-violeta de determinado comprimento de onda, em completa escuridão.
A finalizar, insistiu-se em realçar o espírito de equipa, que desejariam servisse de exemplo a outros departamentos do SFM.
A esta euforia, sucedeu um marasmo gradual, pois os resultados não correspondiam às expectativas optimistas que tinham sido geradas em pessoal impreparado para a realização de trabalhos de prospecção mineira.
Sei que foram realizadas numerosas sondagens, não apenas na região de Mogadouro, mas também noutras áreas, como foi o caso da Fonte Santa, em Lagoaça.
Sei, também, que na maior parte delas, se obteve escassa recuperação de testemunhos.
Constou-me que, quando O SFM começou a organizar uma “caroteca”, em novo edifício, construído na sua sede em de S. Mamede de Infesta, não foram encontrados os testemunhos destas sondagens.
Sei que se procurou interessar no “jazigo de Cravezes” a Companhia americana Union Carbide.
Em conversa que tive com o Geólogo americano responsável pelo cumprimento de contratos na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, soube que Cravezes não lhe despertou o mínimo interesse, porquanto os seus teores de WO3 eram inferiores aos do estéril das minas que estavam em exploração na zona de Covas.
As “Torres dos Clérigos” que Soares Carneiro esperava encontrar afinal ... não apareceram!!!!

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