sexta-feira, 21 de novembro de 2008

27 – A organização do Serviço de Prospecção Mineira do SFM

Investido nas funções de Chefe do Serviço de Prospecção Mineira, duas foram as minhas preocupações essenciais:
a) Constituir um arquivo de fácil e rápida consulta, do qual constassem cópias de documentação técnica relevante, sobre a geologia de Portugal, sobre as minas portuguesas e ocorrências minerais conhecidas e também os novos documentos que fossem produzidos.
b) Promover a especialização de técnicos (Geólogos, Engenheiros de Minas, Agentes Técnicos de Engenharia, Prospectores, Topógrafos, Colectores, etc.) nas variadas técnicas previstas para a detecção de novas concentrações minerais.

A minha presença efectiva, de cerca de 20 anos, no Sul do País, em actividades de prospecção, pesquisa e reconhecimento de jazigos minerais, facilitou a organização do novo Serviço, aproveitando pessoal já adestrado e documentação devidamente arquivada. Foi, pois pelo Sul do País que comecei a organizar o Serviço de Prospecção.

À data da criação deste departamento do SFM, já havia na Brigada do Sul abundante documentação sobre concessões em vigor, abandonadas ou anuladas e sobre campanhas de prospecção efectuadas quer pelo SFM, quer por empresas privadas. Mapas a diversas escalas e com dimensões variadas, por vezes referentes a áreas com localização imprecisa, não tornavam fácil a consulta.

Programou-se, por isso, a redução ou ampliação, conforme os casos, de todos os mapas e a implantação de toda informação neles contida em mapas topográficos à escala de 1:5.000, abrangendo cada mapa uma área de 2 km x 2 km.
Digna de registo é a redução manual de milhares de mapas elaborados em papel milimétrico, com dimensões, em geral, de 0,70 m x 0,70 m, contendo as curvas do método electromagnético Turam, respeitantes à campanha de 1944-49, na Faixa Piritosa.
Para a execução desta enorme tarefa, houve que preparar desenhadores em todas as Secções. Afigurou-se, inicialmente, tarefa morosa de concretizar, mas a persistência compensou e, em muito menos tempo que o previsto, todas as reduções tinham sido conseguidas.
Os mapas respeitantes aos novos trabalhos de prospecção obedeceram ao mesmo esquema.
Todos os mapas foram arquivados em armários, com arrumação de Norte para Sul e Oeste para Este.
Além dos mapas a 1:5.000, organizaram-se reduções para a escala 1:25.000 e 1:100.000
Nalguns casos, mapas à escala 1:1.000 forma considerados necessários.
Assim se constituiu um valioso arquivo que, com o decorrer do tempo atingiu muitas dezenas de milhar de mapas, de fácil consulta.

A geologia sempre foi o elo mais fraco nas diversas fases da prospecção. Por isso, lhe dediquei maior atenção.
Estava instituído o sistema, originado nos Serviços Geológicos, de confiar a Colectores, isto é, a funcionários contratados ou assalariados instruídos na colheita de amostras de rochas e sua referenciação em mapas a escalas apropriadas, a maior parcela do trabalho de campo.
Os Geólogos permaneciam excessivamente no gabinete e tinham insuficiente presença no terreno, sendo certo que também não tinham, em geral, adequada preparação para assinalar dados de natureza estrutural, essenciais às fases seguintes da prospecção e à interpretação dos resultados da aplicação dos métodos geofísicos e geoqímicos.

O Geólogo que em 1948 conseguiu tornar-se independente da Brigada do Sul, quando fui nomeado para chefiar esta Brigada, foi, na nova Orgânica, integrado no Serviço de Prospecção Mineira.
Registei com agrado que, em desabafo para comigo, mostrasse desalento por ter recusado proposta que lhe tinha feito para fundir as duas Brigadas (Brigada do Sul e Brigada de Levantamentos Litológicos), é que ele começava a ficar entusiasmado com os estudos que passou a ter a seu cargo, nos quais revelava qualidades até então desaproveitadas

A três Geólogos recém-formados, que foram destacados para o Serviço de Prospecção, foram proporcionadas excepcionais condições de formação pós-graduada, começando por aproveitar a presença que, então se verificava, de Companhias estrangeiras na Faixa Piritosa, em cumprimento de contratos de prospecção, as quais dedicavam à geologia primordial importância.

Dois dos novos Geólogos fizeram estágios orientados por prestigiados Geólogos ingleses, numa área envolvente da Mina de S. Domingos.
O terceiro Geólogo, natural de Beja, já tinha solicitado a minha intervenção para ser colocado nos Serviços Geológicos.
Sugeri-lhe, então, que aproveitasse o interesse que a CRAM (Compagnie Royale Asturienne des Mines) me tinha manifestado em contratar Geólogo ou Engenheiro de Minas para colaborar nos estudos que tinha em curso na zona de Moura - Ficalho da Faixa Magnetítica e Zincífera.
A minha sugestão foi aproveitada, e esse Geólogo esteve durante alguns anos a prestar colaboração à CRAM, não só em Portugal mas também no Norte de África.
Já com melhor preparação, voltou a contactar-me e mostrou desejo de ingressar no SFM.
Acolhi o pedido com grande satisfação, pois estavam em curso importantes estudos sobre formações zincíferas, na região de Portel e era de esperar que da sua especialização em jazigos de zinco pudesse resultar considerável aperfeiçoamento desses estudos. Fiz proposta e o Geólogo foi admitido.

Mas não foram só estas as possibilidades de aperfeiçoamento profissional proporcionadas a Geólogos. Também foram conseguidos estágios prolongados na Universidade de Tucson (Arizona), nos Estados Unidos da América do Norte, a dois deles e na Universidade de Paris ao terceiro.

Devo reconhecer que, dadas as características pessoais destes três Geólogos, os resultados das excepcionais condições que lhes foram facultadas ficaram aquém das expectativas.
Demasiado preocupados com a promoção pessoal, a sua actividade orientou-se muito para a publicação de artigos, muitas vezes com matéria de que não tinham sido autores e sem minha autorização.

O Geólogo que destaquei para aperfeiçoar a geologia da Região de Cercal - Odemira, não contribuiu significativamente para este aperfeiçoamento e, apesar da minha relutância, acabou por conseguir transferir para um Colector o trabalho que lhe competia fazer no terreno.

Durante a minha chefia dos trabalhos no Sul do País não conheci o desenvolvimento estrutural que dele esperava, apesar de contar com a base da tese de doutoramento do Geólogo holandês Klein.

Eu tinha-lhe sugerido que procurasse tirar partido das alterações das rochas da região como guias da prospecção, manifestando o parecer de que poderíamos estar em presença de alterações hidrotermais.
A comprovar-se o carácter hidrotermal destas alterações, esperava a definição de halos com composição mineralógica variada, para chegar a alvos a sondar.
Mas o Geólogo pretendeu ser original e, em vez destes halos preferiu distinguir zonas de alteração fraca, média ou forte, das quais não resultou a definição de qualquer alvo com credibilidade, face ao carácter subjectivo das suas observações no terreno.
Depois de eu ter sido afastado da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, por motivos aos quais me referirei oportunamente, este Geólogo, que tivera activa participação na desorganização criada, apresentou-se como autor da descoberta do que ele chamou “jazigo do Salgadinho”. A este assunto dedicarei um post, mas posso desde já revelar que a descoberta de mineralização cuprífera na área do Salgadinho, teve como base uma discreta anomalia gravimétrica, em local de geologia favorável, definido anteriormente à sua integração no SFM. Não teve, pois qualquer intervenção na descoberta, nem sequer se tinha apercebido do bom indício (bom indício, não mais do que isso!) representado pela disseminação cuprífera encontrada.
A ele se ficou devendo o projecto da sondagem N.º 2, em S. Luís, apenas com base em dados geológicos que ele me convenceu serem indicativos da forte possibilidade de ocorrência de jazigo mineral, conforme tinha aprendido no seu estágio nos Estados Unidos. Esta sondagem redundou num total fracasso, de que me penitencio por ter acreditado nas certezas inconscientes de um inexperiente em prospecção mineira.

O geólogo com quem eu contava para o aperfeiçoamento da geologia da Faixa Zincífera, deu-me a sensação de vir cansado da sua presença na CRAM, pois não se mostrou muito diligente e não fez novo estudo dos testemunhos das sondagens de Algares de Portel, conforme lhe tinha determinado.

Pequena foi a sua contribuição nesta Faixa.

Mas, tal como o Geólogo anteriormente referido, passou a tomar como certezas as hipóteses que eu havia formulado sobre a possibilidade de haver jazigos do tipo dos “porfiry coppers” associados à grande mancha de pórfiros que se estende de Montemor-o-Novo a Serpa.
Um dos objectivos da sua presença em estágio nos Estados Unidos foi esclarecer se esses pórfiros tinham características para gerarem tais tipos de depósitos.
Mas aconteceu que, pouco antes do seu regresso dos Estados Unidos, um grupo de conceituados Geólogos franceses tinha passado por Beja e eu tinha-lhes apresentado essa hipótese.
Esses Geólogos, um dos quais me tinha oferecido a sua tese de doutoramento sobre os “porfiry coppers” do Irão, após estudos minuciosos de fotogeologia, apoiados também, em algum trabalho de campo, não se mostraram apoiantes da hipótese e eu passei a secundarizar o projecto, não lhe concedendo a prioridade que o Geólogo regressado dos Estados Unidos pretendia dar-lhe, em detrimento dos estudos geológicos na Faixa Zincífera, de que o tinha encarregado.
Este tema chegou a gerar troca de ofícios, pois o Geólogo, em relatório mensal da sua actividade, em vez de descrever o que tinha produzido durante o mês, anunciou o estudo que se propunha fazer para descobrir os tais jazigos de cobre associados aos pórfiros, levando-me a suspeitar que nada tinha realizado durante esse mês.
Só anos mais tarde, após a minha demissão da chefia da 2.ª Brigada de Prospecção e da sua contribuição para este facto, fiquei a conhecer o seu carácter.

O terceiro Geólogo recém-formado que ingressou no Serviço de Prospecção, também não revelou as qualidades que dele seriam de esperar. Tendo a seu cargo estudos na faixa Piritosa e na área Norte-Alentejana, escassa foi a sua contribuição em ambas as áreas.
Regressado de estágio em França, vinha com a novidade dos “altos fundos” e logo resolveu fazer brilharete com artigo a inserir nas publicações do CHILAGE, encaixando descabidamente essa teoria, a propósito do filão dolerítico que atravessa todo o Alentejo, preenchendo falha com rejeição de 3 km.
Embora discordando da publicação, não pude evitá-la e isso até surpreendeu Geólogo holandês que estava a estudar a geologia da Faixa Piritosa, integrado na Sociedade Mineira de Santiago, por destoar do carácter sério dos artigos apresentados por quase todos os Engenheiros e Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção. Só não se fez representar com artigos ao CILAGE o Engenheiro que tinha a seu cargo a técnica geoquímica, por se encontrar ausente em Birmingham onde fazia estágio.

Estes três Geólogos, para além do estudo dos testemunhos de sondagens que estavam em curso com base em resultados de técnicas geofísicas e geoquímicas, pouco mais conseguiam fazer e até disso se queixavam.
Nem sequer conseguiram tempo para reexaminarem testemunhos de sondagens efectuadas antes da sua integração no SFM, pois deles se esperava um aperfeiçoamento das classificações feitas por Agentes Técnicos de Engenharia e por mim próprio.

Devo realçar a boa colaboração prestada no Sul do País pelo Geólogo António Ribeiro que, integrado no Serviço sob minha chefia, estava procedendo a estudos de geologia estrutural no Nordeste Trasmontano que iriam constituir a sua magistral tese de doutoramento.
Para dialogar em pé de igualdade com os Geólogos das Companhias que se encontravam a cumprir contratos de prospecção mineira na Faixa Piritosa, recorri ao seu saber e assisti a acesas e proveitosas discussões, em que carreamentos eram objecto de grande controvérsia.

Apesar da presença destes três novos Geólogos na 1.ª Brigada de Prospecção, foram ainda os mapas à escala 1:5.000, elaborados durante a minha chefia da Brigada do Sul, elementos basilares nas campanhas de prospecção, até para as Companhias estrangeiras que cumpriam contratos com o Estado Português.

Aos Geólogos destas Companhias, que não se apoiavam em Colectores, se ficou devendo o maior progresso verificado no conhecimento da geologia da Faixa Piritosa.

Os trabalhos de prospecção geofísica e geoquímica ficaram a cargo de quatro Engenheiros de Minas, recentemente ingressados no SFM.

O Engenheiro encarregado do método magnético deu continuidade, com maior rendimento, à actividade que se encontrava em curso, há alguns anos, nas condições que já descrevi. Forneci-lhe documentação técnica que havia compilado, para poder passar a fazer interpretação dos resultados, em bases científicas.

Ao Engenheiro que ficou encarregado dos métodos eléctricos, transmiti-lhe a experiência que tinha adquirido na Brigada de Prospecção Eléctrica e indiquei-lhe documentação técnica que deveria consultar, para bem desempenhar a sua missão. Proporcionei-lhe ainda estágio nas Minas do Louzal, onde decorria a aplicação de método de polarização induzida, que eu tencionava vir a usar, propondo a aquisição dos equipamentos respectivos. Esta técnica era considerada adequada para a detecção de jazigos com mineralizações de sulfuretos disseminadas, como era o caso do Salgadinho, onde não se justificariam novas sondagens antes da sua aplicação.

Quanto ao método gravimétrico, cuja enorme importância já realcei, manteve-se a cargo do Engenheiro que, por minha iniciativa, tinha feito estágio na Mina de S. Domingos, onde actuava a Companhia inglesa Lea Cross Geophysical Company.
Foi também de grande utilidade para a preparação nesta técnica a vinda ao País, por minha indicação, de um especialista em gravimetria da Companhia sul-africana Union Corporation, que integrava, juntamente com a Companhia canadiana Cominco e um grande capitalista americano, a Mining Explorations (International), a qual cumpria, então, contrato de prospecção em vasta área do Alentejo.

Faltava, para completar o quadro de técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção, um especialista no método geoquímico.
Dirigi convite ao Engenheiro que tinha conhecido, quando estagiou na Lea Cross Geopysical Company, na área da Mina de S. Domingos, onde tinha adquirido experiência no método.
O convite foi aceite e, após a minha proposta, ele foi integrado na Brigada, o que permitiu dar início à aplicação da técnica geoquímica no SFM.
Por sua iniciativa, foi instalado um pequeno Laboratório, para ensaios expeditos, em prédio contíguo àquele em que se encontrava a Brigada do Sul, que por feliz casualidade se encontrava devoluto e, por isso se conseguiu alugar. Com a boa colaboração de pessoal assalariado que ele instruiu, obteve-se alto rendimento em análises de metais pesados, a frio.
Esta capacidade permitiu-me utilizar o Laboratório até para análises de amostras colhidas em áreas do Norte do País.
Foi ainda proporcionada a este Engenheiro formação pós-graduação em geoquímica, na Universidade de Birmingham, em Inglaterra, durante um ano.

Nas Secções, foi em geral confiado a Agentes Técnicos de Engenharia o cumprimento dos trabalhos de campo por mim planeados com a colaboração dos Engenheiros e Geólogos.

Além destes técnicos, contei com pessoal dotado de grande experiência em topografia, em levantamentos electromagnéticos pelo método Turam, e algum domínio no que respeita a trabalho de campo pelo método magnético, que transitou sobretudo da Brigada do Sul.
Este pessoal desempenhou um papel fundamental na aplicação, no terreno, das técnicas geofísicas e geoquímicas.

Até à data do meu afastamento compulsivo da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, nenhum dos Engenheiros e Geólogos desta Brigada tinha demonstrado nível que me aconselhasse a transmitir a um deles a respectiva chefia.

Todos manifestaram o desejo de que eu mantivesse a orientação e coordenação dos estudos em curso, até porque, entre eles, segundo me informaram, não havia bom relacionamento e reconheciam em mim um ascendente que respeitavam.

Eu confiava que, com o decurso do tempo, a situação pudesse vir a evoluir de modo a eu não ter que me ocupar tão intensamente com os problemas desta Brigada para poder dedicar mais atenção à 2.ª Brigada de Prospecção, no Norte do País.

Apesar das deficiências que apontei, foram a esta equipa constituída no Alentejo, que se ficaram devendo os maiores êxitos do SFM, em toda a sua existência. Mas não foi aos três Geólogos novos que coube o principal papel, como eles proclamaram ou deram a entender, sobretudo quando eu fui afastado da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção.
Não foi também aos Engenheiros radicados em Beja que coube esse papel. Fundamental foi o desempenho dos Agentes Técnicos de Engenharia das Secções e sobretudo do seu pessoal auxiliar que, disciplinadamente, davam cumprimento às instruções que lhes eram transmitidas.

A escolha das áreas a prospectar, a indicação dos métodos a usar e das modalidades da sua aplicação e a interpretação dos resultados obtidos foram sempre de minha responsabilidade, sem deixar, obviamente de ouvir os pareceres de todos os técnicos, em reuniões periódicas, que, para o efeito, convocava.

Quando deixei de orientar a 1.ª Brigada de Prospecção, por ordem insensata de Director incompetente, os resultados foram desastrosos. Não mais se obteve qualquer êxito.
Passaram a ser apresentados como êxitos, casos que deveriam ter dado origem a procedimento disciplinar, por esbanjamento de dinheiros públicos, em trabalhos mal projectados, como em devido tempo revelarei.

Esta foi a causa original da extinção do SFM.

No próximo post, descreverei a organização que procurei instituir na 2.ª Brigada de Prospecção.

Sem comentários: