É uma verdade do Senhor de La Palice que, sem técnicos competentes, não se poderiam cumprir eficazmente os objectivos do SFM. Embora tão evidente, nunca este axioma foi compreendido pelos dirigentes máximos do SFM.
Já no artigo 3.º do Decreto-lei N.º 29725, da criação do SFM, se previa a especialização de técnicos, no estrangeiro, para a execução dos previstos trabalhos de prospecção e pesquisa mineiras.
Um dos primeiros problemas enfrentados pelo SFM, foi a manutenção dos técnicos que nele ingressavam, perante a concorrência quer de Empresas privadas, que remuneravam muito melhor, quer de outros Organismos do Estado.
O procedimento adoptado para ultrapassar a deficiente remuneração aos Engenheiros e aos Agentes Técnicos de Engenharia, era atribuir-lhes residência oficial em Lisboa, compensando-os, quando actuando nas Brigadas ou Secções, com ajudas de custo e subsídios pelas suas deslocações às áreas de trabalho.
Lembro-me de ter assinado, do mesmo modo que os colegas que comigo ingressaram no SFM, em 1943, documentos que nos comprometia a ter residência oficial em Lisboa.
Devo dizer que nunca concordei com este modo de remunerar mais eficazmente o trabalho, por vezes, bastante árduo, que nos era exigido para dar cumprimento às variadas tarefas da profissão.
Além de haver a noção de que não era uma forma normal de remuneração, sentia-se que, estaria ao arbítrio de um dirigente alterar esta norma superiormente estabelecida, fixando as residências em locais mais próximos das áreas de trabalho, prejudicando assim os orçamentos dos agregados familiares dos técnicos, que com o decurso dos tempos foram constituídos.
Por outro lado, esta compensação julgada útil e necessária, não contaria, obviamente para a futura pensão de aposentação.
Havia outras formas de remunerar condignamente, com toda a legalidade, o trabalho dos técnicos do SFM, como várias vezes sugeri.
Por exemplo, eu nunca recebi qualquer remuneração extra pelos cargos de chefia que desempenhei, nem nunca recebi pagamento pelas numerosas horas extraordinárias que dediquei ao SFM, incluindo sábados, domingos e férias que deixei de gozar.
Mais adiante revelarei que a fixação das residências oficiais mais próximo dos locais de trabalho foi, de facto, tentada, embora sem êxito, por Director do SFM
A realidade é que, apesar destas compensações, muitos foram os Engenheiros e Agentes Técnicos de Engenharia que abandonaram o SFM.
Poderei citar o caso dos dois Engenheiros e dos três Agentes Técnicos de Engenharia que saíram em 1948 para Moçambique, deixando a Brigada do Sul profundamente desfalcada.
Foi nessa data que eu fui designado para chefiar a Brigada do Sul, ficando a substituir os dois Engenheiros que haviam saído.
Também eu fui, por essa data convidado pelo Engenheiro Rogério Cavaca para chefiar uma Brigada que iria ser constituída em Angola com o objectivo de desenvolver a indústria mineira nessa então colónia portuguesa.
Era-me oferecida uma remuneração cerca de 4 vezes a que estava auferindo no SFM.
Dirigi-me pessoalmente ao Engenheiro Cavaca a informá-lo que me não sentia ainda apto a desempenhar cabalmente tão importante cargo, dada a pouca experiência que tinha em trabalhos mineiros, pois acabava de deixar uma Brigada de Prospecção, onde só fizera trabalho à superfície.
Solicitei-lhe que me deixasse adquirir essa experiência na Brigada do Sul do SFM, após o que já me propunha aceitar o cargo, se ainda fosse oportuno
Foi grande a surpresa do Eng.º Cavaca com essa minha atitude, pois não estava habituado a que alguém se considerasse inapto para desempenhar qualquer cargo.
Vários outros convites me foram feitos, que recusei por ter criado um bom ambiente de trabalho com os Chefes das várias Secções e por me sentir entusiasmado com a actividade que ia desenvolvendo, longe da sede do SFM.
Com os meios de transporte e as estradas então existentes, a deslocação do Porto ao Alentejo demorava um dia inteiro e era cansativa.
As perturbações que o Director do SFM conseguia introduzirnas suas raras visitas aos locais de trabalho da Brigada do Sul, não afectavam gravemente a minha acção.
Outro caso de deserção de Engenheiros e de um Geólogo ocorreu quando o Director do SFM não foi capaz de impedir que a prospecção de minérios radioactivos ficasse a cargo da recém-constituída Junta de Energia Nuclear.
Não deixa de ser elucidativo que, para a prospecção de uma única classe de minérios, por sinal a de mais fácil execução, tivesse sido criada uma Direcção-Geral de Serviços de Prospecção e que, apesar dessa facilidade, o seu dirigente tivesse tido o cuidado de mandar especializar em França os Engenheiros que conseguiu recrutar.
Em todas as funções que desempenhei no SFM, uma das minhas principais preocupações foi formar técnicos a variados níveis e promover a especialização em locais apropriados dos técnicos fora da especialização que eu próprio já tinha conseguido. Muito tive que ensinar a Engenheiros, Agentes Técnicos de Engenharia e a assalariados preparados apenas com a antiga 4.ª Classe, que eram destacados ou recrutados para as Brigadas que chefiei.
Devo aqui declarar que a minha formação fez-se ao nunca desperdiçar contactos com empresas especializadas que vinham actuar no País por contrato com os concessionários das Minas de pirite de S. Domingos, Aljustrel e Louzal e com Professores Universitários ingleses, belgas e franceses que essas Empresas contratavam para estudos nas áreas das suas concessões e também com Professores holandeses que orientavam teses de doutoramento de alunos seus.
Citarei, por exemplo, a Compagnie Génerale de Géophysique francesa, a Companhia canadiana Mc Phar, a Excalibur canadiana a Companhia inglesa Lea Cross, os Professores ingleses Bruckshaw, David Williams, John Webb, o Professor holandês Mac Gillavry e seu aluno Klein, o Dr. Strauss autor de uma magistral tese de doutoramento sobre a Mina do Louzal.
Por outro lado, sempre fui o maior cliente da Biblioteca do SFM, requisitando Revistas para me manter actualizado sobre a evolução das técnicas de prospecção. Fui também o maior requisitante de tratados sobre prospecção mineira que iam sendo publicados e dos quais tomava conhecimento através das Revistas.
Foi assim que adquiri uma sólida preparação, que mais tarde, viria a ser aproveitada pelas Universidades de Porto (Faculdades de Ciências e de Engenharia), Aveiro (Departamento de Geociências), Braga (Mestrado em Ciências da Terra).
Todavia, como já disse em posts anteriores, o Director do SFM não considerava necessária esta formação! Não teve dúvidas em nomear, para a chefia da Brigada de Prospecção Geofísica, um Engenheiro sem qualificação para o desempenho do cargo. Também não se interessou em aproveitar a oferta da OCDE para a formação de especialistas em técnicas modernas de prospecção.
E, para cúmulo, chegou a emitir Ordem de Serviço fixando a residência dos técnicos próximo dos locais de trabalho, arriscando-se a perder os especialistas que se iam criando.
Quando recebi esta Ordem, em meados da década de 50 do século passado, logo me dirigi ao Director-Geral, Engenheiro Castro e Solla a pedir esclarecimento sobre as causas da revogação da norma que tinha vigorado durante mais de uma dezena de anos.
O Director-Geral manifestou surpresa e foi de parecer que eu estaria a interpretar erradamente o texto da Ordem de Serviço, sugerindo-me que a autoria não seria do Director do SFM mas do seu adjunto. Chamou o Secretário Auditor Jurídico para se pronunciar sobre o caso e também este foi de parecer que a Ordem não tinha a intenção que eu lhe estava a atribuir.
O Director-Geral aconselhou-me então, que fosse ao Porto e falasse directamente com o Director do SFM, para esclarecer o assunto.
Assim fiz, nesse mesmo dia e, no dia seguinte, em presença do Director do SFM, referindo-me à Ordem de Serviço, afirmei que para mim ela era clara.
A intenção seria terminar com a utilização das ajudas de custo como forma de melhorar a remuneração dos técnicos deslocados em actividades de prospecção e pesquisa mineiras.
Afirmei-lhe que o Director-Geral e o Secretário Auditor Jurídico, com os quais estivera na véspera, tinham sido de parecer que eu estaria a dar errada interpretação e que me aconselharam a esclarecer pessoalmente a situação, como estava fazendo.
A reacção não se fez esperar. O Director do SFM informou que eu estava a dar correcta interpretação à Ordem. A situação existente era ilegal e ele pretendia corrigi-la.
Chamei-lhe a atenção para a possibilidade de alguns técnicos, provavelmente os mais experientes, abandonarem o SFM.
A sua reacção foi: Vão-se uns; vêem outros!!!!
Considerando-me esclarecido, aqui dei por terminada a conversa, passando logo a germinar no meu espírito a decisão de abandonar o SFM, talvez para o Ultramar, perante as necessidades que sabia aí existirem.
Regressando a Beja, à passagem por Lisboa, de novo me dirigi ao Director-Geral a solicitar-lhe colocação em Lisboa, pois tinha lugar no Quadro de funcionários da Direcção-Geral, estando destacado no SFM.
O Director-Geral disse-me não ser oportuna a minha ida para Lisboa e eu regressei a Beja já com o propósito firme de abandonar o SFM, e tentar colocação no Ultramar.
À chegada a Beja, à uma hora da manhã, tinha à minha espera um funcionário administrativo da Brigada do Sul a dar-me os parabéns pelo êxito da missão que me levara a Lisboa e ao Porto. A Ordem de Serviço tinha sido anulada! Manifestei a minha grande surpresa, pois não era essa a ideia com que tinha ficado.
Mas, no dia seguinte, apareceu, de facto, nova Ordem a anular a anterior!
A este candente tema das ajudas de custo, voltarei mais tarde, pois ele está na base da destruição de um Organismo essencial ao País, como era o Serviço de Fomento Mineiro.
O problema das remunerações não foi exclusivo dos Engenheiros e dos Agentes Técnicos de Engenharia.
Atingiu, por vezes, grande gravidade no caso do pessoal assalariado. Alguns elementos deste pessoal, com mais de 20 anos de permanência na Brigada do Sul, tinham adquirido elevada especialização, tornando-se essenciais ao cumprimento dos projectos de prospecção e pesquisa mineiras.
Era com muita mágoa que assistia ao abandono do SFM de vários desses elementos especializados, por não lhes serem autorizados aumentos insignificantes que considerávamos justíssimos e que eram objecto de propostas, que apresentara. A esta dificuldade me referi insistentemente, em relatórios vários e em reuniões em que até um Director-Geral participou.
Lembro-me de, num desabafo para com o Director-Geral que sucedeu ao Engenheiro Castro e Solla, ter dito que perante a teimosia superior em não dar andamento às minhas propostas até eu chegar a pensar também em abandonar o SFM.
A reacção desse dirigente, foi: Se quer ir embora, vá!
Como esta reacção contrastou com a que teve, em outra ocasião, quando eu recebi um convite do General Kaulza de Arriaga, para ocupar elevado cargo na Junta de Energia Nuclear, por se ter aposentado o seu Director-Geral dos Serviços de Prospecção!
Então, insistiu para que eu não aceitasse tal cargo, permitindo-se até desvalorizar a sua importância.
domingo, 2 de novembro de 2008
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1 comentário:
Caro autor,
é com prazer que tenho estado a ler os seus artigos, quer pelo teor quer pela forma como estão escritos.
Vim parar ao seu blogue por acaso, ao procurar por determinado lagar de azeite na zona da Orada (uso o GoogleEarth como auxílio à correcta localização desse tipo de instalações), onde encontrei uma foto de uma mina (Mina da Orada). Após uma rápida busca, encontrei no site do INETI uma referência a essa mina (boletim mineiro de 1931), e em um site espanhol encontrei que essa mina era de ferro. Estranhei essa informação, e procurando mais ainda, vim ter ao seu blog, cuja leitura, como referi, me tem dado bastante prazer.
Por isto agradeço-lhe, como agradeço o ter corrigido a concepção que eu tinha sobre a nossa situação a nível de minérios. A ignorância também é pobreza, e hoje sou menos ignorante.
Desejo-lhe saúde e energia renovada para a continuação deste seu projecto.
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