quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

35 - A descoberta do jazigo de pirite complexa da Estação em Aljustrel

Esta descoberta pode considerar-se paradigmática do sucesso em prospecção mineira.

Se se tivesse aproveitado a lição que ela encerra, muitos erros com os consequentes avultados dispêndios, poderiam ter sido evitados

Obstáculos não faltaram para a concretização deste êxito

Já me referi, no post N.º 14, ao inconcebível atraso de 10 anos (!) na aquisição insistentemente proposta, de um gravímetro, equipamento considerado essencial para o cumprimento dos programas apresentados pelas Brigadas que dirigi.

A prospecção na Faixa Piritosa Alentejana, iniciada em 1944, por iniciativa do primeiro Director do SFM, Engenheiro António Bernardo Ferreira, foi interrompida em 1949, por decisão do Director que se lhe seguiu.

No capítulo final do relatório “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, apresentei programa para lhe dar continuidade, acentuando que todos os trabalhos projectados poderiam e deveriam ser executados por pessoal português que tivesse adquirido a necessária especialização, conforme estava previsto no Decreto-lei de criação do SFM. …

As empresas concessionárias das Minas de S. Domingos, Aljustrel e Lousal-Caveira, atentas ao êxito do SFM com a descoberta do jazigo Carrasco-Moinho, em Aljustrel, pela aplicação de técnica geofísica, revelaram iniciativa que ao SFM faltou, passando elas a fazer aplicar, em áreas próximas ou envolventes das suas concessões, as mais modernas técnicas geofísicas e geoquímicas, através de contratos com companhias especializadas ou com professores de prestigiadas instituições universitárias.

Foi assim que a concessionária das Minas de Aljustrel chegou à descoberta do jazigo dos Feitais, do qual até já havia bons indícios na Mina de manganés da Herdade dos Feitais, como disse em post anterior.

Quando a Direcção do SFM se dispôs, finalmente, a dar andamento ao processo de aquisição de um gravímetro, muitos eram já os problemas que justificavam o seu uso, não apenas na Faixa Piritosa.

O desenvolvimento dos estudos entretanto realizados em outras áreas do Alentejo, permitiu, por exemplo, constatar que a Faixa Magnetítica cujos principais centros mineiros eram Montemor-o-Novo, Alvito e Orada, era simultaneamente uma Faixa de Sulfuretos, cujos principais centros eram as Minas de Caeirinha - Corte Pereiro em Alcácer do Sal, Caieira, em Montemor-o-Novo, Algares-Balsa em Portel, Preguiças-Ficalho e Vale do Vargo, em Moura.

Havia que confirmar nesta Faixa, que passamos a denominar Faixa Magnetítica e Zincífera devido ao predomínio da magnetite e de minerais de zinco, a existência de massas de sulfuretos idênticas às da Faixa Piritosa Sul-Alentejana.

De facto, alguns resultados positivos foram encontrados, sem contudo atingirem as dimensões habituais da Faixa Piritosa.

Isto não exclui que tal não possa ainda vir a ocorrer. Em futuro post, revelarei extraordinário indício, que consta de artigo publicado em “Estudos, Notas e Trabalhos do SFM”, quando eu já não dirigia os estudos nesta Faixa, não podendo consequentemente avalizar os estudos que lhe estiveram subjacentes.

Na Faixa Piritosa, além dos concessionários já nela instalados, começaram a surgir outras Empresas, talvez alertadas pelo êxito de Carrasco-Moinho, que fora objecto de artigo publicado pela European Association of Exploration Geophysicists, que era citado em livros de texto, como os de Parasnis e Routhier.

A Faixa Piritosa acabou por ficar adjudicada, na sua quase totalidade, a empresas privadas, ficando apenas reservada para os trabalhos do SFM umas restrita área envolvente das Minas de Aljustrel.

Quando a oportunidade surgiu, foi dado início a uma campanha de prospecção gravimétrica nesta restrita área de Aljustrel.

Os resultados não se fizeram esperar.

Logo se definiu, pela primeira vez, em toda a sua expressiva dimensão e intensidade a anomalia reveladora do jazigo de Carrasco – Moinho, que tinha sido descoberto pela aplicação do método electromagnético Turam.

Definiu-se, de modo igualmente expressivo, a anomalia dos Feitais que a Companhia Lea Cross, autora do levantamento que a revelara, apenas apresentara sob a forma de perfis.

Definiu-se ainda, uma outra anomalia a NW da do Feitais, de intensidade muito menor, mas suficientemente ampla para poder ser interpretada como podendo ser originada por massa de pirite complexa, a grande profundidade.

Justificava-se, por isso, a sua investigação por sondagens.

Com base em dados geológicos de superfície, recolhidos por Geólogo da 1.ª Brigada de Prospecção, foi projectada, em 29 de Julho de 1967, a sondagem N:º 1 (vertical) do SFM, da Região de Aljustrel, tendo-se previsto encontrar a massa de pirite responsável pela ténue anomalia, à profundidade de 350 metros.

No âmbito da boa colaboração que se estabeleceu, com todas as Empresas que actuavam na Faixa Piritosa, aproveitou-se também, neste projecto, contribuição de experiente Geólogo da Sociedade Mineira de Santiago, que actuava na Bacia Terciária do Sado.

Em 16 de Agosto de 1968, a Brigada de Sondagens do 3.º Serviço do SFM deu início a esta sondagem, com equipamento apropriado para atingir a profundidade projectada.

Esta sondagem, talvez devido a alguma inexperiência do pessoal sondador, encontrou grandes dificuldades no seu avanço, acontecendo que, tendo atingido, no mês de Outubro, a profundidade de 328 metros, em vez de avançar, ia recuando, nos meses de Novembro e Dezembro seguintes, devido a constantes desmoronamentos.

Fortes pressões fui recebendo do Director-Geral, em Lisboa, por intermédio do seu adjunto, o apelidado Ajax (o mais poderoso), no sentido de dar o furo por terminado, perante as grandes despesas que estava a originar, considerando escassa a probabilidade de ser encontrado jazigo a tão grande profundidade.

A minha reacção foi a seguinte: Se a Brigada de Sondagens do SFM se declarava incompetente para executar o projecto, só havia que confiar a sua execução a entidade que o conseguisse cumprir, pois continuava por explicar a anomalia que o justificou.

As densidades dos testemunhos, que sistematicamente íamos determinando, com uso de equipamento que concebi para esse efeito, não permitiam explicar a anomalia.

Felizmente a minha posição nesta matéria foi respeitada e a Brigada de Sondagens conseguiu finalmente fazer avançar o furo.

E grande foi a minha satisfação ao mais uma vez verificar que, quando existe base sólida de raciocínio, a persistência compensa.

Em Janeiro de 1968, a sondagem começou a penetrar em massa de pirite complexa aos 350,3 m, nela permanecendo na extensão de 75 m. O furo foi dado por concluído com 516,37 m

No mesmo perfil, foi ainda realizado um segundo furo com a inclinação de 80º, para definir a atitude do jazigo. Atingiu a extensão de 548,59 m, tendo cortado o jazigo numa extensão de 96 m.

Os resultados destas duas sondagens foram considerados suficientemente atractivos para despertarem o interesse de Empresas privadas na exploração do jazigo evidenciado. O SFM deu, por finda, em 20 de Setembro de 1968, a sua actuação na investigação desta anomalia gravimétrica.

O Director-Geral de Minas quis comunicar este importante êxito ao Secretário de Estado da Indústria. Para o efeito elaborei nota sucinta. No entanto, em Lisboa, esta nota foi considerada como susceptível de não ter, junto do Secretário, suficiente impacto.

O Engenheiro adjunto do Director-Geral, o mesmo que exercera fortes pressões para dar a sondagem N.º 1 por terminada, antes de ter sido explicada a anomalia gravimétrica, elaborou novo documento, com base no meu, mas mais extenso.

Neste novo documento, não teve pejo de apor a sua assinatura, a seguir à do Director do SFM, que tinha sido o principal responsável pelo atraso da aquisição do gravímetro que esteve na base da descoberta, quando teve a seu cargo a aquisição dos equipamentos durante a vigência da anterior Direcção do SFM. Neste documento, eu fui convidado a assinar em terceiro lugar!!

Mas não foi este o único curioso acontecimento relacionado com tão importante êxito.

Em Fevereiro de 1968, o Engenheiro Adjunto do Director-Geral dá-me conhecimento de afirmações produzidas na Direcção-Geral de Minas, em Lisboa, pelos Senhores De Barsy e Jacques Louis de “Mines d’Aljustrel S.A.” perante o Director-Geral, estando ele presente, bem como o Engenheiro Freire de Andrade das Minas de Aljustrel, as quais, em sua opinião, punham em causa a minha honra.

Os representantes das Minas de Aljustrel reivindicavam a concessão do jazigo da Estação recém-descoberto, com base em afirmação que eu lhes teria feito, segunda a qual lhes seria atribuída a concessão de qualquer jazigo que viesse a ser descoberto num círculo com raio de 5 km centrado na sua concessão!! Esclareço que, nessa data as concessões mineiras eram atribuídas por alvarás assinados pelo Presidente da República!

Eu deveria apresentar documento escrito a marcar a minha posição nesta matéria.

Assim procedi e, em 1 de Março de 1968, enviei, ao Director-Geral de Minas documento de 25 páginas dactilografadas, subordinado ao título: “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo. Breve história, com especial relevo para a região de Aljustrel. Minha posição neste problema”.

Neste documento, dou conta das minhas constantes diligências no sentido de dar eficaz cumprimento ao programa de prospecção que deixei enunciado no relatório “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, publicado em 1955, na Revista do SFM.

Dele destaco o resumo:

“Cremos ter demonstrado uma acção pessoal persistente, ao longo de muitos anos, no sentido de dotar o SFM dos meios que lhe permitissem atacar capazmente o problema de prospecção de pirites no baixo Alentejo e muitos outros.
Esta acção, até fins de 1963, não foi superiormente acarinhada.
Só o estatismo do SFM em tal matéria justificou que se concedessem autorizações de prospecção e pesquisa, das quais Mines d’Aljustrel S.A. beneficiou durante largos anos, em áreas contíguas ou envolventes da sua concessão.
Se se tivesse dado sequência aos programas propostos pela Brigada do Sul desde 1951, particularmente se o Engenheiro que em, 1953-54, esteve longo tempo a estudar gravimetria, tivesse continuado com este método a seu cargo, integrado numa equipa dinâmica, provavelmente todas as descobertas em Aljustrel, nos últimos 20 anos, teriam sido obra do Serviço de Fomento Mineiro.
A seguir ao Cerro do Carrasco, estava preparado o êxito do Moinho. E depois destes viriam, naturalmente os de Feitais e Estação e os que podem estar ainda para surgir.
Mines d’Aljustrel, S.A. não tem qualquer direito ao jazigo que acaba de ser evidenciado na sondagem N.º 1 do SFM.
Será, pelo contrário, talvez ocasião de pensar num aproveitamento racional das enormes reservas já reveladas nas concessões de Mines d’Aljustrel S.A. e daquelas que, seguramente, ainda podem ser evidenciadas. Trata-se de uma riqueza da Nação que deve reverter principalmente em benefício da gente portuguesa.
A tendência que vemos, em todo o Mundo, é para o aproveitamento das matérias-primas, nos países em que são extraídas. Efectivamente os grandes lucros são transferidos para as metalurgias.
Não sabemos se serão viáveis instalações destas no País. Mas sabemos que um estudo desta natureza seria mais que justificado.”


Fui informado pelo Ajax que o Director-Geral não apreciou este documento e, por isso, nem lhe deu sequer entrada!.

Todavia, eu inseri-o, como anexo, ao meu relatório do mês de Março de 1968 e ao anual de 1968. Ignoro se dos 4 exemplares que enviei ainda resta algum.

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