sábado, 3 de janeiro de 2009

34 – Os contratos de prospecção com empresas privadas. 3.ª parte

No âmbito da colaboração a Mining Explorations (International) (MEI), nos termos contratuais, chamei a atenção da Companhia para uma anomalia gravimétrica, na área da concessão Bicada, contígua à Mina de S. Domingos, que tinha sido detectada em levantamento efectuado na década de 50, sob a supervisão do Professor J. Bruckshaw do Imperial College of Science and Technology de Londres.

Uma flagrante semelhança desta anomalia com a de Feitais-Estação, registada na região de Aljustrel, levou-me a formular a hipótese de também ela poder corresponder a massa de pirite complexa, a grande profundidade.

A opinião do Professor Bruckshaw parecia-me, porém, essencial, visto o levantamento gravimétrico ter sido de sua autoria e eu não dispor dos dados de campo e das correcções que tinham sido introduzidas.

Perante estas reflexões, o Dr. Stanley Holmes, Presidente da MEI, sugeriu que eu fosse a Londres apresentar a minha hipótese ao Professor Bruckshaw.

O encontro no Imperial College aconteceu em 1 de Setembro de 1966, e eu tive a grande satisfação de obter a sua total concordância.
O Professor Bruckshaw justificou a pouca atenção que dera à anomalia da Bicada: “na época do seu levantamento, não se procuravam jazigos muito profundos”.

Admitindo-se agora a possibilidade de serem economicamente exploráveis jazigos com início a profundidades da ordem dos 400 a 500 metros, haveria que rever os dados de campo e as correcções introduzidas. Aconselhava, por isso, a consulta aos dados que tinha arquivados, os quais facultaria.

MEI mostrou-se interessada em os utilizar. Os cálculos que sobre eles tinham sido efectuados foram objecto de revisão, usando densidades para as correcções de Bouguer e de terreno mais em conformidade com as determinadas em sondagens na Faixa Piritosa.

Após revisão, a anomalia da Bicada revelou-se com maior nitidez e este facto levou-me a sugerir sondagem com extensão da ordem dos 500 metros.

Entusiasmado com um possível êxito que poderia revitalizar a região mineira de S. Domingos, exteriorizei esse entusiasmo perante o Colega que chefiava o 4.º Serviço, quando, acidentalmente, ele passava pelo meu gabinete. Grande foi a minha surpresa ao notar que, em vez de partilhar o meu entusiasmo perante uma previsível descoberta que, a concretizar-se, seria sobretudo um sucesso do SFM e do País, obtive como única reacção uma estupefacção manifestada por notória palidez, que interpretei como reveladora de um sentimento pouco nobre.

MEI concordou e a sondagem foi efectuada, mas os sondadores, embora exímios na técnica de perfuração, iniciaram o furo com diâmetro demasiado reduzido, com vista à profundidade a atingir.
Descuraram o controlo rigoroso da sua trajectória e eu fiquei convencido que desvios acentuados a afastaram consideravelmente do alvo pretendido. Apesar disso, houve indícios idênticos aos que tinham sido encontrados na sondagem N.º 1 de Aljustrel, antes de se ter atingido o jazigo da Estação.
Todavia, MEI, como já disse, em post anterior, decidiu abandonar a área e dar preferência a estudos que tinha em curso sobretudo em Espanha, com bons resultados.

Era meu parecer que a área de S.Domingos conservava potencialidades merecedoras de investigação. Seria caso único, na Faixa Piritosa a existência de importante zona mineira contendo apenas uma única massa de pirite.

Assim o considerou, também, o Dr. Stanley Holmes, quando criou a Intermine Limited, com capitais de outras empresas

Esta nova Companhia, após celebração de contrato com o Estado Português, para investigação de uma área restrita envolvente da Mina de S. Domingos, fez deslocar a esta zona mineira um especialista em métodos eléctricos de prospecção, pertencente ao Quadro da Companhia americana Amax, para aplicação de uma nova técnica, na qual depositava grandes esperanças.

Da aplicação desta técnica resultou um projecto de sondagens para atingirem profundidades inferiores a 200 metros.

Fiquei francamente surpreendido com tal projecto, pois a minha experiência já me tinha levado a concluir que, se existissem concentrações de pirite a tais profundidades, elas teriam uma expressão gravimétrica clara e pronunciada. E tal não era o caso.

As sondagens foram iniciadas e os resultados estavam a ser decepcionantes.
Sem possibilidade de ter uma intervenção vigorosa, por não ter sido nomeado representante da Direcção-Geral de Minas junto de Intermine Limited, fui assistindo ao desperdício de tempo e dinheiro em sondagens com escasso fundamento.

Ocorreu, entretanto, a Revolução de Abril de 1974.

O Director-Geral de Minas e o Director do SFM, que exerciam as suas funções, mais por protecção política do regime deposto do que por competência comprovada em currículo profissional, sentiram obviamente os seu s cargos em perigo.

O Director-Geral estava ciente da minha discordância da política de Salazar, sobretudo na preferência que dava aos seus apaniguados para o preenchimento de importantes lugares de chefia, em detrimento da competência profissional, residindo aí a principal causa do grande atraso no desenvolvimento do País.
Isto havia eu dito, em 1965, em viagem que ambos fizemos à região de Portel, acompanhados de uma terceira personagem como reacção aos seus elogios à Salazar.
Esta terceira personagem, que me não fora apresentada, manteve-se sempre calada, levantando-me a suspeita de se tratar de agente da Pide, ao qual o Director-Geral me tivesse pretendido denunciar! Soube mais tarde que era um seu afilhado, finalista do Curso de Geologia. A este personagem me referirei, em devido tempo.

Em 15 de Junho de 1974, isto é, pouco tempo após a Revolução, o Director-Geral, numa das suas deslocações à sede do SFM em S. Mamede de Infesta, veio ao meu gabinete, pelas 9 horas da manhã, para me informar da minha nomeação como seu representante junto de Intermine Limited, justificando o atraso com entraves suscitados pelo Secretário de Estado da Indústria.
Na conversa que tivemos, houve uma revelação que me deixou estupefacto, perante anteriores declarações públicas do Director-Geral. Mostrava-se agora simpatizante da Revolução, ele que até, no seu passado político, podia vangloriar-se de ter sido preso pela Pide!

A minha pronta reacção à nomeação junto de Intermine, foi de que ela pecava por tardia, pois a Companhia já havia decidido abandonar a região mineira de S. Domingos, perante os resultados negativos que estava a registar. Informei que, por falta de autoridade, não tinha conseguido evitar os seus erros flagrantes.

Já na qualidade de representante da Direcção-Geral de Minas, escrevi então carta ao Dr. Stanley Holmes a manifestar a minha divergência relativamente aos últimos estudos de Intermine Limited, na zona mineira de S. Domingos.
Em resultado desta carta, veio propositadamente da Irlanda, para ter encontro comigo, um técnico de uma das empresas que integravam Intermine.
Das conversas que tivemos, houve total acordo com o meu parecer de que as sondagens que ainda se encontravam em curso não tinham justificação. Fui informado de que o programa de sondagens teria que prosseguir, apenas para cumprimento do contrato com o empreiteiro.

Assim terminou a minha participação nas actividades de prospecção na zona mineira de S. Domingos.

Como já referi, em post anterior, as liberdades introduzidas pela Revolução de Abril de 1974, foram interpretadas, no pior sentido, por um conjunto de oportunistas e eu acabei por ser afastado da orientação dos estudos do SFM no Sul de Portugal. Isto constituirá matéria para vários posts, que ajudarão a compreender porque se extinguiu um importante Organismo criador de riqueza, como era o SFM.

Ignoro se a zona mineira de S. Domingos foi objecto de novos estudos e, em caso afirmativo, se estes foram devidamente acompanhados por pessoal do SFM ou de outro departamento da Direcção-Geral de Minas ou do Instituto que veio substituir este Organismo.

Sem possibilidade de conhecer a evolução dos estudos nesta zona, mantenho o parecer de que não estão esgotadas as possibilidades de virem a encontrar-se novas massa de pirite na região mineira de S, Domingos.

Continua

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