Foi em meados da década de 30 do século passado que tive conhecimento da existência deste importante jazigo de ferro.
Frequentava então o Liceu de Alexandre Herculano do Porto. Na disciplina de Ciências Naturais, era adoptado o livro de Mineralogia e Geologia de Celestino Maia e Filinto Costa e nele era referido o jazigo de Moncorvo com uma grandeza tal que um prestigiado técnico espanhol, (julgo ter sido citado Hernandez Sampelayo), o considerara como constituindo a reserva de ferro da Europa.
Não existiria, portanto, problema de reservas para sua exploração.
Quando, em 1964, assumi as funções de Chefe do Serviço de Prospecção do SFM, não estava nos programas do SFM definir, com exactidão, o montante das reservas.
A exploração, a um ritmo adequado às imensas reservas, estava sobretudo dependente da possibilidade de transportar o minério, em termos económicos para a Siderurgia Nacional, já instalada no Seixal desde 1960, ou para sua exportação.
Duas opções estavam em estudo: a via fluvial e marítima e a via férrea. A primeira parecia ter mais adeptos e, por isso, mas não só, se prepararam as eclusas no Rio Douro, para o tornar navegável a embarcações mineraleiras, que possibilitassem o transporte, nas quantidades previsíveis para um empreendimento rendível.
Parecia não haver preocupação quanto às características do minério. O seu baixo teor de ferro e o elevado teor de fósforo, que o tornavam de difícil comercialização nos mercados internacionais e impunham onerosos tratamentos para utilização na Siderurgias Nacional não estavam na primeira linha das preocupações.
Não se tentou aproveitar a capacidade do sector de Microscopia de Minérios do Laboratório do SFM na determinação dos seus constituintes.
O Geólogo Dr. Orlando da Cruz Gaspar, então Chefe do Departamento de Microscopia de Minérios, tinha efectuado prolongado estágio, nesta matéria, junto do Professor Ramdohr, que então era considerado o maior especialista mundial em microscopia de minérios.
Os trabalhos que vinha realizando neste domínio creditavam-no como especialista internacionalmente reconhecido.
Porém, em 1968, o SFM estava prestando colaboração em matéria de geologia, para melhor definição da estrutura do jazigo.
Segundo projecto dos Geólogos A. Ribeiro e J. Almeida Rebelo foram executadas sondagens.
Uma das suas importantes conclusões foi a seguinte: O jazigo mergulha para sul, indicando existir uma parte oculta que pode ser muito importante.
Procurando confirmar esta hipótese, foi pedida a intervenção do Serviço de Prospecção sob minha chefia, para aplicação de técnicas geofísicas.
Para avaliar da eficácia dos métodos gravimétrico e magnético, neste ambiente geológico, decidi que fossem aplicadas ambas as técnicas em 4 perfis com, extensões variáveis de 1 a 2 km, passando por zonas do jazigo onde tinham sido efectuadas sondagens.
Os perfis foram levantados em Dezembro de 1968 e revelaram um acentuado gradiente no mesmo sentido em que os estudos geológicos levavam a prever a continuidade do jazigo em profundidade.
Da apreciação deste gradiente, que se admite não ser de carácter regional, uma vez que tal não se torna evidente nas cartas gravimétricas publicadas, em 1965, pelo Instituto Geográfico e Cadastral, é legítimo formular a hipótese de estarmos em presença de um jazigo de minério magnetítico, de muito maiores dimensões do que poderiam sugerir os dados existentes à superfície.
O que à superfície se revela será apenas um resíduo do que ficou da erosão de uma espessa formação ferrífera que mergulha para sul, oculta sob os sedimentos suprajacentes
Afigurou-se-me legítimo formular a hipótese de que a sua grandeza possa equiparar-se à dos gigantescos jazigos suecos de Kiruna, Malmberget e Luasavaara.
Em relatórios vários, fui salientando estes resultados e, no respeitante ao 3.º trimestre de 1969, propus a realização de um furo de sonda para investigar tal hipótese.
Nas reuniões da Comissão de Fomento realizadas em Lisboa, em 29 e 30 de Setembro de 1969, de novo, chamei a atenção para a importância destes resultados e para a conveniência de fazer um furo de sonda para investigar a sua consistência.
Fui de parecer de que se não justificaria a imediata cobertura de vasta área, por aquelas técnicas, até porque isso iria atrasar outros programas que se encontravam em curso na Faixa Piritosa Alentejana, em fase muito encorajante, que iria dar lugar à descoberta do já famoso jazigo de Neves-Corvo. Também não considerava viável a criação de uma equipa de gravimetria na 2.ª Brigada de Prospecção, pelos motivos que expus nos parágrafos finais do post N.º 28.
O Director-Geral de Minas discordou da execução desta sondagem, considerando que o jazigo conhecido já era suficientemente grande, não se colocando, portanto, a necessidade de aumentar as suas reservas, cuja extracção iria exigir lavra subterrânea profunda.
Perdeu-se assim a oportunidade de conhecer uma provável parcela do jazigo que até poderia conter minério de melhor qualidade e poderia permitir projectos de maior vulto, susceptíveis de captar o interesse de grupos empresariais estrangeiros para “joint ventures”, que garantissem a comercialização do minério.
O centro mineiro de Moncorvo teve uma vida atribulada, com intervenções de técnicos nacionais e estrangeiros e com o empenhamento de sucessivos Governos que, ora aprovavam planos grandiosos, ora se mostravam reticentes em dar sequência a ambiciosos projectos.
Quando a Siderurgia Nacional ainda tinha em funcionamento um alto-forno, chegou a estar prevista a instalação de um segundo e até de um terceiro, com base na utilização do minério de Moncorvo. E esteve ainda prevista a instalação de uma siderurgia em Sines, inicialmente com um alto-forno e com um segundo, anos mais tarde.
Em resultado do mau uso das liberdades instituídas após a Revolução de Abril de 1974, a que me referirei em próximo post, deixei de ter conhecimento interno da evolução dos estudos no jazigo de Moncorvo.
Foi através do noticiário de jornais e revistas nacionais e estrangeiras que me mantive informado do que se passava em Moncorvo e na Siderurgia Nacional. Das muitas informações que fui colecionando, ao longo dos anos, vou aproveitar as que se me afiguram mais representativas da evolução do projecto de Moncorvo.
Em 27-6-1978, vi publicada no Jornal de Notícias do Porto a seguinte notícia:
Revelações sensacionais de Nuno Abecassis: Portugal vai ser o único país europeu auto-suficiente em minérios de ferro, e mais do que isso, exportador do referido minério, o que significa que entramos na era dos países donos do aço – anunciou o Secretário de Estado das Indústrias Extractiva e Transformadoras, eng.º Nuno Abecassis, no encerramento do 1.º Encontro Nacional de Quadros Socio-Profissionais do CDS. Reportava-se Abecassis ao minério de Moncorvo, com riquezas enormes ainda não exploradas, por se pensar que “os teores de fósforo não podiam ser reduzidos”. Todavia – disse – há cerca de 15 dias, foram obtidos resultados pré-industriais que nos mostram que esses teores podem ser reduzidos aos níveis convenientes.
Em 2-9-1978 o Expresso, acerca do “Projecto Mineiro de Moncorvo”, salientava, com o sub-título ”Viabilidade (ainda) em estudo até ao fim de 1979 não impede “esquema preliminar de trabalhos”, o empenhamento de três membros do II Governo Constitucional (Carlos Melancia, Ministro da Indústria e Tecnologia, Krus Abecassis, Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras e Sousa Gomes Ministro da Habitação e das Obras Públicas) nos problemas de Moncorvo e da Siderurgia Nacional.
E em 28-10-1978 também o Expresso dava conhecimento de que um: Grupo sueco estava a estudar a viabilidade do projecto mineiro de Moncorvo. Salientava que a firma sueca que liderava o Grupo seleccionado (a Lkab-International) pertencia ao Grupo estatal Lkab, que desenvolvia múltiplas actividades no sector mineiro, nomeadamente nos domínios de “engineering”, da prospecção e desenvolvimento de actividades de investigação e industriais nas áreas de minérios metálicos e não metálicos. Lembrava que, através das suas unidades de exploração de Kiruna, Spavaraara e Malmberget, a Lkab produzia mais de 30 milhões de toneladas anuais de minério de ferro (sob a forma de “lumping”, finos e peletes), o que colocava o grupo no primeiro lugar entre os produtores europeus e entre os cinco primeiros a nível mundial. O grupo era, portanto, especialmente credenciado para a resolução de problemas de concentração devidos à ocorrência de fósforo e ao desenvolvimento do processo de peletização.
Em Abril de 1979, a conceituada Revista “Engineering and Mining Journal”, noticiava que o projecto, há longo tempo na situação de “pára-arranca”, para pôr em exploração o jazigo de minério de ferro de baixo teor de Moncorvo, foi arquivado até ao fim do ano, pelo menos. O problema do fósforo continuava em estudo. Considerava que, mesmo que resolvido, teria que haver uma produção da ordem dos 3 milhões de toneladas/ano, o que a indústria de aço nacional não absorve. O minério de Moncorvo, com um teor de 35-40% de ferro, teria dificuldade em ser colocado nos mercados internacionais.
Em 19-9-1980, o semanário “O Jornal” publicou a seguinte notícia: ”Governo da AD trava projecto de Moncorvo. A aprovação do projecto das Minas de ferro de Moncorvo e a indispensável garantia de financiamento parece ter caído num impasse. Meios ligados à indústria extractiva não acreditam que o projecto tenha sido abandonado, mas a verdade é que a respectiva aprovação por parte do Governo, embora há muito esperada, ainda não se verificou.
Em 31-10-1981, noticía o Expresso: Plano Siderúrgico Nacional. 70 milhões de contos ao rubro. O Expresso apurou, de fonte bem colocada no Ministério das Finanças e do Plano, que a Ferrominas vai parar. Nem Morais Leitão nem João Salgueiro assinaram o despacho autorizando a Ferrominas e a Siderurgia Nacional a movimentarem as dotações de capital previstas para estas duas empresas no OGE deste ano.
E em 7-11-1981, é o Jornal de Notícias do Porto a informar: Minério de Moncorvo vai ser “enterrado”? CT de Ferrominas mostra preocupação pelo futuro.
Em 1-6-1984 noticiava o Jornal de Notícias do Porto: Plano Siderúrgico congelado e corte na expansão da Quimigal. Após análise do Plano Siderúrgico Nacional, foi decidido não o aprovar, na sua forma original, adiando o aproveitamento dos minérios de Moncorvo e a construção de novas unidades industriais e concentrando todos os esforços na modernização da unidade do Seixal.
Esta foi a série de acontecimentos que culminram com o encerramento não só das Minas de Moncorvo, mas também da Siderurgia Nacional.
Este clamoroso insucesso, era previsível, perante a indisciplina verificada na sucessão das diferentes fases do projecto. De facto, não tinha havido o cuidado elementar de só passar a uma fase mais avançada, quando as conclusões dos estudos, na fase em curso, tal autorizassem.
Ocorre-me hoje perguntar:
Teria o projecto de aproveitamento do minério de ferro de Moncorvo tido concretização como grande pólo de desenvolvimento de uma região do interior do País, se se tivesse dado cumprimento ao projecto de sondagem, oportunamente apresentado?
Talvez tenha tido razão quem premonitoriamente classificou o jazigo de Moncorvo como “ a reserva de ferro da Europa”.
O SFM esteve preparado para se encarregar de dar cabal sequência a este projecto. Lamentável foi que, por total incompreensão da sua real dimensão, da parte de dirigentes que ascenderam aos seus cargos, não por competência, mas por considerações de ordem política ou por compadrio, se tivessem desperdiçado as capacidades deste Organismo de Estado, tanto do ponto de vista da prospecção mineira, como da caracterização do minério e do estudo das operações para o tornar comerciável.
Presentemente, com o enorme desenvolvimento que teve a tecnologia, já não constituirá problema insolúvel, em termos económicos, a lavra subterrânea, se tomarmos como exemplo o que está a ser feito na Mina de Malmetberg na Suécia, onde as operações, no fundo da Mina, são comandadas à distância, com emprego de um número reduzido de operários, bem protegidos da ambiente do interior.
Julgo oportuno reanalisar este candente tema, após conhecimento da consistência da hipótese de se estar em presença de um gigantesco jazigo de que se conhece apenas a “ponta do iceberg”.
sexta-feira, 8 de maio de 2009
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5 comentários:
Estando neste momento a recolher informações relativas à história mineira na Serra do Gerês e mais precisamente sobre as denominadas Minas dos carris, gostaria de lhe perguntar se por ventura me poderá fornecer alguns dados de interesse relativo para este meu trabalho.
Com os melhores cumprimentos,
Rui C. Barbosa
www.carris-geres.blogspot.com
Saudações caro Eng. Rocha Gomes.
Antes de mais gostaria de lhe dar os parabéns pelo excelente blog que escreve, e por alertar para todas as situações que faz referência.
O meu interesse no seu blog e nos seus trabalhos prende-se com o jazigo de ferro de Moncorvo. Eu sou o geólogo responsável pelo projecto de prospecção que irá ocorrer na área do referido jazigo, pela empresa MTI - FERRO DE MONCORVO Lda.
Gostaria de saber onde posso encontrar o trabalho em que o Eng. propõe as sondagens para verificar a hipótese da extensão da formação ferrífera para Sul. Estou a elaborar um plano de sondagens e essa era uma hipótese que queria verificar, visto que no passado não foi dado relevância a essa hipótese.
Já cheguei a telefonar para São Mamede de Infesta, mas desconhecem a existência/paradeiro desse relatório, se o Sr. Eng. me pudesse indicar onde eu posso o posso encontrar, agradecia.
Para tal deixo o meu contacto: nuno.figueired@gmail.com ou 933332043.
Com os melhores cumprimentos e o meu muito obrigado por este fantástico relato sobre a geologia administrativa no nosso país.
Nuno Figueiredo
Senhor Rui Barbosa:
Lamento não poder ajudar.
Quando, em 1964, assumi as funções de Chefe do Serviço de Prospecção Mineira do SFM, comecei a coligir documentação com o objectivo de dar cumprimento a um programa de inventariação das existências de minérios de tungsténio, no território metropolitano português.
Cheguei a ter programado uma visita às Minas dos Carris, na companhia do Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, que era, então o Engenheiro Manuel António Brandão da Cunha Lima
Todavia, tal visita não pôde ser efectuada, devido a forte nevão que tornou as Minas inacessíveis.
Não surgiu nova oportunidade para visitar essas Minas, porque o Director-Geral de Minas, assumindo-se como Director do SFM, impediu o estudo de ocorrências de volframite. Só considerava de interesse a procura de jazigos de scheelite. (Veja meu post N.º 56)
Só hoje respondo à sua pergunta, porque estava aguardando a possibilidade de contactar o Engenheiro Fernando Nascimento da Fonseca, que antes de se aposentar, foi também Chefe da Circunscrição Mineira do Norte. Encontrei-o ontem e as informações que dele obtive também pouco ajudam. Disse-me que as Minas estavam consideradas esgotadas, após intensa exploração efectuada sobretudo durante a 2.ª Guerra Mundial. A empresa Mason and Barry, que explorou durante mais de um século o jazigo de pirite de S. Domingos na Faixa Piritosa Alentejana, também terá realizado trabalhos nas minas dos Carris.
Eu penso que o jazigo dos Carris, tal como a maioria dos jazigos de tungsténio deste País, talvez não esteja esgotado. A realidade é que, por falta de estudos criteriosamente efectuados, por pessoal especializado, cumprindo as diversas fases em que a prospecção deve desenvolver-se, as Minas deparam-se fatalmente com falta de reservas para se manterem em exploração, acabando por ser abandonadas até que alguém se aperceba de potencialidades que não foram devidamente avaliadas.
Senhor Dr. Nuno Figueiredo:
Muito obrigado pelas simpáticas referências ao blogue que decidi iniciar, para esclarecer o País acerca de potencialidades minerais que, se tivessem sido devidamente investigadas, muito teriam contribuído para o desenvolvimento da nossa indústria mineira.
Infelizmente, por incapacidade dos principais dirigentes dos Organismos oficiais, aos quais esteve confiado o nosso património mineiro, tais riquezas não foram aproveitadas, nas oportunidades favoráveis que ocorreram.
Os casos de Aljustrel e Neves-Corvo, nos quais tive o principal papel, no que respeita às descobertas de novas concentrações minerais, conforme descrevi em vários posts, são disso exemplo elucidativo.
Muito me apraz saber que uma Empresa com o “profundo conhecimento tecnico-científico dos recursos minerais existentes em diversos países, entre os quais Portugal, mercê da experiência profissional adquirida pelos seus promotores, quer como consultores, quer como técnicos e investigadores de grandes empresas mineiras a nível mundial” que declara no seu “site”, se interessou pelo ferro de Moncorvo, tendo celebrado contrato de prospecção e pesquisa com a Direcção-Geral de Energia e Geologia.
Acerca da sua pergunta sobre a sondagem que propus para investigação da existência de uma parte importante do jazigo oculta sob sedimentos, para sul da que aflora, informo que nos meus relatórios mensais, trimestrais e anuais dos anos de 1968 e 1969 e nos relatórios que anexei respeitantes a todos os departamentos sob minha chefia, se encontram os esclarecimentos que pretende.
Destes relatórios foram enviados exemplares para a sede do SFM em S. Mamede de Infesta, para a delegação do SFM em Lisboa e para a 1ª Brigada de Prospecção em Beja.
Tendo os levantamentos magnético e gravimétrico sido executados pela 1.ª Brigada de Prospecção, toda a documentação a este respeito deve encontrar-se arquivada nas actuais instalações que o LNEGI conserva em Beja.
Se foram elaboradas Actas das reuniões da Comissão de Fomento efectuadas em 29 e 30 de Setembro de 1969, delas devem constar as minhas intervenções em que chamei a atenção para este provável prolongamento do jazigo e para a conveniência de efectuar, de imediato, uma sondagem profunda para investigar tal hipótese.
Deverá também constar a oposição do Director-Geral, com o argumento de que o jazigo tinha já reservas suficientemente vastas, não se justificando procurar novas reservas que exigiriam lavra subterrânea.
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