quarta-feira, 27 de maio de 2009

70 – Ouro em Vila Velha de Ródão

Em 1973, uma entidade privada efectuou vários manifestos mineiros e os correspondentes registos, na Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão, para assegurar posteriores direitos na exploração de jazigos de ouro que esperava evidenciar na proximidade do Rio Tejo, onde tinha encontrado bons indícios da presença deste precioso metal.
O Decreto-lei N.º 18713 de 1 de Agosto de 1930, que vigorou durante 60 anos, estabelecia este procedimento como o mais corrente para permitir o acesso de entidades privadas às riquezas minerais existentes no subsolo, as quais eram propriedade do Estado.
O manifestante obrigava-se a realizar trabalhos de pesquisa e reconhecimento, durante um período máximo de 2 anos, para revelar a existência de jazigo justificativo de exploração, segundo as boas regras da arte de minas.
Só depois de fazer esta demonstração e de apresentar o respectivo plano de lavra, reunia condições para requerer a concessão de exploração, submetendo-se às obrigações previstas no mesmo Decreto-lei.
À Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG) competia efectuar o reconhecimento e, caso considerasse cumpridas as formalidades consignadas na lei, proporia ao Presidente da República a atribuição da concessão, através de alvará, com a sua assinatura, publicado no Diário do Governo.
Ao detentor da concessão era facultado, nos termos do Decreto-lei N.º 29725 de 28 de Junho de 1939, requerer assistência técnica e financeira através do Serviço de Fomento Mineiro (SFM).
A entidade privada que fizera os registos acima referidos, tendo observado que os materiais aluvionares, com mineralização aurífera, estavam a ser utilizados na construção da barragem de Fratel, e que as áreas dos registos iriam ser inundadas por albufeira resultante desta barragem, enviou carta à DGMSG solicitando que fossem tomadas providências no sentido de se não perderem as riquezas a cuja exploração se candidatara.
A esta carta não foi dada resposta
Aconteceu, porém, durante o período de vigência dos registos, a Revolução de 25 de Abril de 1974.
Procurando tirar partido do clima que se instalou no País, a entidade privada voltou a chamar a atenção da DGMSG, para a previsível destruição de um valioso recurso, por lhe não ser proporcionada a assistência que requerera.
Perante esta nova investida, o Director-Geral enviou a carta que recebera para o Chefe da Circunscrição Mineira do Sul, o qual, por sua vez, sugeriu que o SFM prestasse a colaboração pedida.
O Director do SFM ordenou que o 1.º Serviço, sob minha chefia, procedesse aos estudos necessários para que esta suposta riqueza não fosse desperdiçada.
Estupefacto com tal atropelo à lei vigente, por parte de quem tinha obrigação de conhecer as mais elementares disposições legais que regiam a nossa indústria mineira, num caso cujo real interesse estava a ser muito empolado, prestei a informação esclarecedora que se impunha.
Competia, exclusivamente ao detentor dos registos mineiros, provar a existência de minério em quantidade e qualidade justificativa de exploração, para lhe serem outorgadas as concessões que viesse a requerer. Para tal, dispunha de 2 anos, durante os quais teria que realizar, com continuidade, os necessários trabalhos, incorrendo na perda de todos os direitos, caso não respeitasse estas condições.
Não era isto que estava a acontecer. A entidade privada mantinha-se praticamente inactiva, confiante na assistência técnica do SFM, que solicitara, com base em errada interpretação das disposições legais.
A entidade privada só poderia requerer a assistência técnica do SFM, quando já lhe tivessem sido outorgadas concessões e tivesse apresentado argumentos justificativos dessa assistência.
O 1.º Serviço do SFM tinha, no seu programa, a investigação de várias regiões com muito maior potencialidade para ocorrência de minérios auríferos, às quais não tinha conseguido dedicar a atenção que mereciam, por carência de meios e obstáculos do Director.
Estava neste caso, por exemplo, a região de Jales-Três Minas, onde há muito eu planeara efectuar uma campanha de prospecção por vários métodos, com destaque para o electromagnético Turam, que tão boas provas havia dado na definição do sistema filoniano de Aparis, na região de Barrancos.
A assistência técnica solicitada pelo concessionário das Minas de Jales, no início da década de 60 do século passado, no sentido de detectar o prolongamento para sul, do filão principal, ainda aguardava possibilidade de concretização.
O Director do SFM, perante esta minha informação, regista que “Dum ponto de vista meramente legalista, talvez o Engenheiro Rocha Gomes tenha razão, mas a sua informação está em desacordo com o espírito do Movimento das Forças Armadas. Há uma riqueza do País, que corre o risco de se perder!”. Remete o assunto, de novo, para o Director-Geral, que emite um despacho para que o Director do SFM dê solução ao problema.
De um funcionário que fora nomeado para o cargo que ocupava, não por competência, como tenho vindo a demonstrar, mas por alinhamento político com o regime salazarista, não deixa de ser surpreendente esta informação!
O Director do SFM introduz, então, mais uma indisciplina no Serviço que lhe continua confiado. Encarrega um Agente Técnico de Engenharia do 2.º Serviço (Departamento de Trabalhos Mineiros e Laboratórios) que, após o grande “fiasco” da investigação do jazigo de cobre, chumbo e zinco das Talhadas, onde durante anos exerceu a sua actividade, se encontrava praticamente desocupado, de proceder aos estudos requeridos pela entidade privada.
Das conclusões destes estudos dá conta o artigo publicado no Volume 12 – N.º 1 (Janeiro/Março de 1975) sob o título “As aluviões auríferas do Tejo”.
Deste artigo, pleno de considerações fantasistas, reveladoras de impreparação para abordagem séria do problema, respigo do capítulo “Conclusões”, o seguinte:
“Antes de mais recorda-se que os nossos dados, além de pontuais, são escassos, não nos permitindo, de maneira alguma, definir áreas de interesse, muito menos um jazigo de reconhecido valor económico.”

“ De reconhecimento relativamente simples, é também um tipo de jazigo onde a Geologia pode prestar indicações preciosas sobre a localização de depósitos mais favoráveis através da geomorfologia, de maneira mais remota, e de maneira imediata pela cartografia. Depois, a pesquisa faz-se ainda hoje com a clássica e indispensável bateia.”

“Finalmente, pudemos verificar que a inundação da área é compatível com uma eventual exploração mineira. Pensando numa dragagem, a inundação poderá favorecer”

Três observações me ocorrem sobre este assunto: a primeira é a total inutilidade do trabalho do Agente Técnico de Engenharia. A segunda é a irresponsabilidade da Comissão Editorial do Boletim de Minas, permitindo a publicação de artigo que não prestigia a Revista. A terceira é a constatação de que “as vastas ocorrências auríferas, porventura as de maiores dimensões entre nós”, não deram origem, até hoje, que eu saiba, a qualquer exploração.

2 comentários:

Rui C. Barbosa disse...

Caro Doutor Rocha Gomes,

Gostava de ler as suas memórias relativamente às concessões mineiras das Minas dos Carris e da exporação mineira na Serra do Gerês em geral.

Com os melhores cumprimentos,

Rui C. Barbosa
www.carris-geres.blogspot.com

Rui C. Barbosa disse...

Caro Doutor Rocha Gomes,

Antes de mais um pedido de desculpas pela questão que coloquei enteriormente sobre a suas possíveis memórias acerca das Minas dos carris, pois não me tinha apercebido da sua resposta a um meu comentário anterior.

Realmente as Minas dos Carris não estavam esgotadas de todo. É curioso que ainda hoje se possa recolher volframite na exploração mais antiga.

Com os melhores cumprimentos,

Rui C. Barbosa